Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01788/16.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:AQUISIÇAO DE VEICULO; IVA; ISENÇÃO
Sumário:1 - A autorização de aquisição com isenção de imposto concedida em 1994, foi concedida num concreto quadro legal ao tempo em vigor, e para um específico e identificado veículo, autorização que o Recorrente, bem ou mal, com intenção ou por factores que lhe são externos não utilizou, sendo certo que a mesma se esgotava com a aquisição do mencionado veículo, não se perpetuando no tempo como pretende o Recorrente.

2- Em 2011 as isenções de imposto para a aquisição de veículo automóvel regiam-se por quadro legal distinto, o que impunha a instrução de novo procedimento com vista à isenção do imposto.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte
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1- RELATÓRIO

J., melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida no TAF de Braga, que indeferiu a acção administrativa que intentou contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, com vista ao reconhecimento de um direito em matéria tributária, dela veio interpor o presente recurso, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:

EM RESUMO E CONCLUSÃO

1. Em sede de sentença emergente dos autos de processo em epígrafe, o Meritíssimo Juiz “a quo" deu como provados os seguintes factos:
“ 1. Por atestado médico de 28.02.1994, foi reconhecida ao Autor uma incapacidade de caracter permanente de 60% - cfr doc. 2 junto com a P I.
2. Em data não apurada, o Autor formulou um pedido de isenção de IVA para aquisição de veículo automóvel ligeiro de passageiros - facto não controvertido.
3. Por despacho de 31.10.1994 do Subdiretor-Geral da Direção de Serviços de Conceção e Administração - Serviço de Administração do IVA, foi concedida a isenção do IVA para a aquisição do veiculo automóvel ligeiro de passageiros marca Renault 10 Scala 1.9 DT -1870 CC -gasóleo, á firma D. Lda., com sede na Av. (…) - cfr 3 junto com a P.I.
4. O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao Autor através do ofício nº 103935, datado de 08.11.1994 - cfr doc. 3 junto com a P.I.
5. Em data não concretamente apurada do ano de 2011, o Autor apresentou requerimento junto da Alfândega de Braga, do qual se extrai o seguinte: "(... ) vem requerer a V Exa., ao abrigo do n° 3 do artigo 15, do CIVA, a isenção do respetivo IVA a liquidar pela aquisição de veiculo automóvel ligeiro de passageiros (isenção do imposto sobre veículos para deficientes), por forma a permitir ao respetivo vendedor abster-se de liquidar o competente IVA. Mais se refere que tal isenção já tinha sido anteriormente concedida por despacho dos Serviços de Administração do IVA, do ministério das Finanças, cuja cópia anexo” - cfr doc. 4 junto com a PI.
6. Através do ofício nº 11136/2011, datado de 15.11.2011, a Alfândega de Braga comunicou ao Autor que o requerimento referido no ponto anterior “foi enviado à Alfandega do Freixieiro, pelo que deverá contatar a mesma, no intuito de obter resposta ao seu pedido” - cfr. doc. 5 junto com a PI.
7. O Autor dirigiu requerimentos à Alfandega do Freixieiro, datados de 19.12.2013, 05.03.2014 e 01.09.2014, solicitando o “andamento do processo” – cfr. doc. 6, 7 e 8 juntos com a PI.
8. Através do ofício n° 8590, de 10.09.2014, a Alfandega do Freixieiro informou o Autor de que “o pedido de isenção de IVA e ISV pretendidas, deverá ser formulado junto da Alfandega de Braga, instruída com os documentos elencados na relação enviada em anexo” - cfr doc. 9 junto com a PI.
9. Em 22.09.2014, a autor dirigiu requerimento ao Diretor Geral da Alfandega nos seguintes termos:
"(...) venho solicitar a dar-me validade ao atestado que junto cópia por ter entrado nesta Alfandega que foi o que contatei com a firma D. Lda, ...
Solicito a v/Exa se digne de me conceder resposta, e como tratar para ter o veículo automóvel que pretendo alterar a marca, etc. Como me foi deferido, que neste momento já não me é passado novo atestado, por alteração da lei, e que nunca me foi concedido o veículo automóvel que tenho direito" - cfr doc. 13 junto com a PI.
10. Por oficio 164/7840/2014, datada de 25.09.2014, a Alfândega de Braga notificou o Autor nos seguintes termos:
"(...) informo VEXA que após consulta à base de do sistema de fiscalidade automóvel, existente neste Alfandega, constatou-se que não existe nenhum pedido de beneficio fiscal, de pessoa com deficiência, de isenção de imposto Sobre veículos e imposto sobre o valor acrescentado, em seu nome.
Mais informa que os documentos necessários à instrução do processo de atribuição de benefício fiscal, no âmbito do artigo 54º e ss do Código do Imposto sobre veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, são as seguintes: (…)” - cfr doc., 11 junto com a P.I.
11. Em 09.02.2015, o autor dirigiu requerimento ao diretor da Alfândega de Braga, do qual se extrai o seguinte-
“Nunca usufrui do veículo automóvel que me foi passado por o atestado 2405 de 21/10/94, meti toda a documentação à Firma D. de Vira Nova de Famalicão, que por despacho do diretor de 31/10/94, foi deferido.
Estive ausente e sempre a tentar contatar com a firma a saber a situação do veículo que nunca obtive resposta, por insolvência da Firma etc.
(…)
Quando meto os documentos estava tudo legal, como posso fazer tolerância que foi muito prejudicado, fiquei a aguardar, não possuo possibilidades económicas para a aquisição do carro com os impostos venho solicitar a V. Exas como proceder (…) - cfr doc. 12 junto com a PI.
12. Através do ofício nº 154/1338/2015, datado de 11.02.2015, a Alfandega de Braga informou o autor de " que se pretende usufruir do regime de isenção ao abrigo do artigo 54º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho, na aquisição de um veículo automóvel, deverá instruir o pedido Junto da Alfandega de Braga (alfândega competente na área de Barcelos), com os documentos já enunciados no nosso ofício nº 154/7840/2014 de 2014/09/25" -cfr doc. 13 junto com a PI.”
2. Face dos factos provados, e após as considerações de direito, concluiu o Meritíssirno Juiz “a quo” pela improcedência da ação,
3. Pelo que, não pode o impugnante, ora recorrente, conformar-se com tal decisão.
4. Não poderá manter-se, na medida em que a mesma é injusta e não rigorosa.
5. Prescreve o artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que “São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam as características anunciadas no número anterior”.
6. O n.º 4 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais dispõe o seguinte: “4 - O ato administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável, nem pode rescindir-se o respetivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por ato unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele ato pode ser revogado.",
7. Significa que é proibida a revogação do ato administrativo que concede um benefício fiscal.
8. Assim como a rescisão unilateral do respetivo acordo de concessão ou a diminuição, por ato unilateral da administração tributária, dos direitos adquiridos, salvo se houver inobservância das obrigações impostas imputável ao beneficiário, ou se o beneficio tiver sido indevidamente concedido, caso em que o ato pode ser revogado.
9. Este preceito - diz o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 20-2-2002, proferido no recurso nº 26.720, apontado pelo Ministério Público, e respeitante a um caso em tudo semelhante ao presente - visa conceder aos contribuintes a garantia de que as decisões administrativas de reconhecimento ou de concessão de benefícios fiscais não serão alteradas a não ser nas hipóteses aí referidas, permitindo-lhes assim efetuar as suas opções económico-financeiras com segurança.
10. E essas hipóteses são duas: 1) Inobservância das obrigações impostas decorrentes diretamente da lei ou do ato concedente/reconhecedor dos benefícios e que constituiriam o pressuposto da sua motivação legal e funcional: 2) Indevida concessão do benefício por erro nos pressupostos de facto ou de direito em que aquela assentou.
11. Analogamente à primeira situação, torna-se evidente que os prazos de revogação, rescisão ou diminuição dos benefícios poderão ser diferentes de caso para caso, tudo dependendo dos termos em que tenham sido fixadas ou decorram diretamente da lei respetiva as obrigações cujo incumprimento fundamenta aquela postura administrativa.
12. Já quanta à outra hipótese, o referido preceito prescreve que aquele ato concedente ou reconhecedor dos benefícios poderá ser revogado dentro prazo legal.
13. Contudo - continua o mesmo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - o citado preceito não diz qual é o prazo legal, nem se este é único para todos os casos de revogação ou indiferente à natureza dos fundamentos que a motivem,
14. A expressão "prazo legal" consente ambos os sentidos: a existência de um prazo único ou a diversidade de prazos.
15. No caso em apreço, o despacho não impôs qualquer limitação temporal para a sanção requerida
16. O que se diz é que a isenção é concedida... - VER DOC 3 DA PI
17. Logo, a admitir-se que tal limitação temporária, ela teria que constar expressamente do despacho que concede a isenção!
18. Além de que, conforme ensina HELENO TORRES, o principio da segurança jurídica reconduz-se essencialmente aos aspetos da certeza, estabilidade e proteção de confiança legitima, podendo-se definir este último princípio, numa proposta funcional,” … como principio constitucional que tem por finalidade proteger expectativas de confiança legitima nos atos de criação ou de aplicação de normas mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e confiabilidade na efetividade de direitos e liberdades assegurada corno direito público fundamental."
19. Assim, a proteção da expectativa da confiança legítima surge-nos como princípio corretor quer em situações de deficiência do ordenamento jurídico, quer em casos de salvaguarda de direitos fundamentais ou defesa da prática de atos da Administração Tributaria.
20.Como afirma GOMES CANOTILHO, esta dimensão de previsibilidade da lei traduz - se na tutela de expectativas através da garantia da segurança jurídica: "O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito [...]."
21. Segundo aquele autor, "O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de proteção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o individuo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas, incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico,"
22. A segurança jurídica em matéria tributária é uma garantia de direitos e liberdades fundamentais.
23. Assim, a segurança jurídica também é um direito (princípio) a ser assegurado pelo Estado Democrático de Direito.
24. No seu sentido amplo, qualifica-se, a segurança jurídica, como um princípio-garantia, dada essa sua dúplice natureza de garantia que protege a realização de direitos, o ordenamento e o próprio Estado e de princípio (valor), que se perfaz pela certeza, estabilidade sistémica, proteção da confiança e pela concretização da justiça, mediante a efetividade de princípios e direitos fundamentais.
25. Assim, atento tudo quanto supra exposto, e porque o princípio da confiança e segurança jurídica assim o impõem, deve a ora recorrida assegurar o exercício do direito que fora adquirido pelo Autor em 1994.
26. Existe uma clara violação do direito e da legítima expectativa do contribuinte no caso em apreço.
27. Termos em que deverá o presente recurso interposto ser considerado procedente, e em consequência ser reconhecido ao recorrente o benefício fiscal a que se arroga, com base no despacho datado de 31-10-1994.
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A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, não emitiu pronúncia.
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Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
As questões suscitadas pelo Recorrente são delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo a de saber se a sentença enferma de erro de julgamento ao considerar que a pretensão do Recorrente carece de fundamento legal e se foi violado o princípio da segurança jurídica e da confiança.
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III. JULGAMENTO DE FACTO

Neste domínio, consta da sentença recorrida o seguinte:

“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Por atestado médico de 28.02.1994, foi reconhecida ao Autor uma incapacidade de carácter permanente de 60% - cfr. doc. 2 junto com a PI.
2. Em data não apurada, o Autor formulou um pedido de isenção de IVA para aquisição de veículo automóvel ligeiro de passageiros – facto não controvertido.
3. Por despacho de 31.10.1994 do Subdirector-Geral da Direcção de Serviços de Concepção e Administração – Serviço de Administração do IVA, foi concedida a isenção do IVA para a aquisição do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Renault 19 Scala 1.9 DT – 1870 CC – gasóleo, à firma D., Lda., com sede na Av.ª (...) – cfr. doc. 3 junto com a PI.
4. O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao Autor através do ofício nº 103985, datado de 08.11.1994 – cfr. doc. 3 junto com a PI.
5. Em data não concretamente apurada do ano de 2011, o Autor apresentou requerimento junto da Alfândega de Braga, do qual se extrai o seguinte:
“(…) vem requerer a V. Exa., ao abrigo do disposto no nº 3, do artigo 15º, do CIVA, a isenção do respectivo IVA a liquidar pela aquisição de veículo automóvel ligeiro de passageiros (isenção do imposto sobre veículos para deficientes), por forma a permitir ao respectivo vendedor abster-se de liquidar o competente IVA.
Mais se refere que tal isenção já tinha sido anteriormente concedida por despacho dos Serviços de Administração do IVA, do Ministério das Finanças, cuja cópia anexo” – cfr. doc. 4 junto com a PI.
6. Através do ofício nº 11136/2011, datado de 15.11.2011, a Alfândega de Braga comunicou ao Autor que o requerimento referido no ponto anterior “foi enviado à Alfândega do Freixieiro, pelo que deverá contactar a mesma, no intuito de obter resposta ao seu pedido” – cfr. doc. 5 junto com a PI.
7. O Autor dirigiu requerimentos à Alfândega do Freixieiro, datados de 19.12.2013, 05.03.2014 e 01.09.2014, solicitando o “andamento do processo” – cfr. docs. 6, 7 e 8 juntos com a PI.
8. Através do ofício nº 8590, de 10.09.2014, a Alfândega do Freixieiro informou o Autor de que “o pedido de isenção de IVA e ISV pretendidas, deverá ser formulado junto da Alfândega de Braga, instruído com os documentos elencados na relação enviada em anexo” – cfr. doc. 9 junto com a PI.
9. Em 22.09.2014, o Autor dirigiu requerimento ao Director Geral da Alfândega de Braga, nos seguintes termos:
“(…) venho solicitar a dar-me validade ao atestado que junto cópia por ter entrado nesta Alfândega que foi o que contactei com a firma D., Lda..
Solicito a v/ Ex.cia se digne de me conceder resposta, e como tratar para ter o veículo automóvel que pretendo alterar a marca, etc. Como me foi deferido, que neste momento já não me é passado novo atestado, por alteração da lei, e que nunca me foi concedido o veículo automóvel que tenho direito” – cfr. doc. 13 junto com a PI.
10. Por ofício nº 164/7840/2014, datado de 25.09.2014, a Alfândega de Braga notificou o Autor nos seguintes termos:
“(…) informo V. Exa. que após consulta à base de do sistema de fiscalidade automóvel, existente nesta Alfândega, constatou-se que não existe nenhum pedido de benefício fiscal, de pessoa com deficiência, de isenção de imposto sobre veículos e imposto sobre o valor acrescentado, em seu nome.
Mais se informa que os documentos necessários à instrução do processo de atribuição de benefício fiscal, no âmbito do artigo 54º e seguintes do código do imposto sobre veículos, aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, são as seguintes:
(…)” – cfr. doc. 11 junto com a PI.
11. Em 09.02.2015, o aqui Autor dirigiu requerimento ao Director da Alfândega de Braga, do qual se extrai o seguinte:
“Nunca usufrui do veículo automóvel que me foi passado por o atestado 2405 de 21/10/94, meti toda a documentação á Firma C., que por despacho do Director de 31/10/94, foi deferido.
Estive ausente e sempre a tentar contactar com a firma a saber a situação do Veículo que nunca ove ti resposta, por insolvência da Firma etc.
(…)
Quando meto os documentos estava tudo legal, como posso fazer tolerância, que foi muito prejudicado, fiquei a aguardar, não possuo possibilidades económicas, para aquisição do Carro com os impostos, venho solicitar a V. Ex. Como proceder (…)” – cfr. doc. 12 junto com a PI.
12. Através do ofício nº 164/1388/2015, datado de 11.02.2015, a Alfândega de Barga informou o Autor de “que se pretende usufruir do regime de isenção ao abrigo do artigo 54º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, na aquisição de um veículo automóvel, deverá instruir o pedido junto da Alfândega de Braga (alfândega competente na área de Barcelos), com os documentos já enunciados no nosso ofício nº 164/7840/2014 de 2014/09/25” – cfr. doc. 13 junto com a PI.
MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS:
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos constantes dos autos, supra identificados a seguir a cada um dos factos.
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IV – O DIREITO
Apreciemos, agora, o recurso que nos vem dirigido.

Vem posta em causa a sentença proferida pelo TAF de Braga em 20/09/2018, que julgou improcedente a acção para reconhecimento de um direito, intentada pelo Recorrente contra o Ministério das Finanças, tendo em vista a sua condenação a reconhecer o direito do Recorrente à isenção de IVA, na compra de um veículo automóvel, direito que lhe foi concedido por despacho de 31/10/94.
Invoca o Recorrente que a decisão é injusta e não rigorosa e que foi violado o princípio da confiança e segurança jurídica e da legítima expectativa do contribuinte (conclusões 24 e 25 do recurso).
Vejamos, antes do mais, a situação dos autos.
Por atestado médico de 28/02/1994, foi reconhecido ao Recorrente uma incapacidade de carácter permanente de 60%, tendo este apresentado um pedido de isenção de IVA para aquisição de veículo automóvel ligeiro de passageiros, o qual lhe foi deferido, por despacho de 31/10/1994, concedendo-lhe o Subdirector–Geral da Direcção de Serviços de Concepção e Administração – Serviço de Administração do IVA a isenção de IVA para a aquisição do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Renault 19, Scala 1.9 DT – 1870 cc – gasóleo, à firma D., Lda..
O Recorrente não adquiriu o veículo que consta do despacho de autorização proferido em 31/10/1994, todavia em 2011 dirigiu um requerimento à Alfândega de Braga, requerendo ao abrigo do art. 15º, nº 3 do CIVA, a isenção do IVA a liquidar na aquisição do veículo automóvel ligeiro de passageiros, para que o vendedor não liquidasse o IVA, informando que tal isenção já havia sido anteriormente concedida por despacho de 31/10/1994.
Atenta a informação prestada pela Alfândega de Braga, em 15/11/2011, que informava que remeteu tal pedido para a Alfandega do Freixieiro, o Recorrente dirigiu à Alfândega do Freixieiro pedidos de informação em 19/12/2013, 05/03/2014 e 01/09/2014, respectivamente, solicitando o “andamento do processo”.
Em 10/09/2014, aquela Alfandega informou o Recorrente que o seu pedido devia ser dirigido à Alfandega de Braga acompanhado dos documentos elencados em relação anexa.
Por requerimento de 22/09/2014, o Recorrente solicitou à Alfândega de Braga que lhe reconhecesse a validade do atestado médico, assim como informação sobre a alteração da marca do veículo, cuja aquisição com isenção lhe tinha sido deferida, uma vez que, por alteração da lei, já não lhe seria passado novo atestado e não chegou a adquirir o veículo.
A este pedido a Alfandega de Braga veio responder, em 25/09/2014, dizendo que nos seus arquivos não constava qualquer pedido de benefício fiscal ou isenção de imposto e indicando os documentos necessários, no âmbito do art. 54º do Código de Imposto sobre Veículos, para obtenção da isenção, renovando tal informação em 11/02/2015, depois de nova solicitação do Recorrente.
Feita a resenha do sucedido, e porque a pretensão do Recorrente não foi atendida, este recorreu ao Tribunal pedindo o reconhecimento do direito à isenção do IVA na compra de veículo automóvel, sustentando a sua pretensão no facto de tal direito já lhe ter sido concedido em 31/10/1994, sem que, contudo, dele tenha usufruído.
Atentemos, agora, ao quadro jurídico aplicável.
Nos termos do artigo 2º, nº 1, do Estatuto dos Benefício Fiscais (na redacção anterior à republicação operada pelo DL nº 108/2008, de 26 de Junho): «Consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» e, conforme se diz no nº 2 do mesmo preceito legal, «São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.».
E, por força do artigo 12º, n.º4 daquele diploma legal: «O acto administrativo que conceda um benefício fiscal não é revogável nem pode rescindir-se o respectivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por acto unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o benefício tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele acto pode ser revogado.».
Conforme já se assinalou no Acórdão do STA de 15.05.2013, proferido no processo n.º 566/12: «Tal preceito visa conceder aos contribuintes a garantia de que as decisões administrativas de reconhecimento ou de concessão de benefícios fiscais não serão alteradas a não ser nas hipóteses aí referidas, permitindo-lhes assim efectuar as suas opções económico-financeiras com segurança. E essas hipóteses são apenas duas: (i) a inobservância das obrigações impostas pela lei ou pelo acto reconhecedor do benefício e que constituíram o pressuposto da sua motivação legal e funcional; (ii) a indevida concessão do benefício por erro nos pressupostos em que o acto assentou.» (disponível em www.dgsi.pt).

Pois bem.
No caso trazido a juízo, está em causa, o benefício fiscal regulado no DL n.º 103-A/90 de 22 de Março (redacção dada pelo nº 3 do artigo 51º da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril, ao tempo em vigor), cujos artigos 1º e 2º estabelecem o seguinte:

Artigo 1º
Os deficientes motores, civis ou das Forças Armadas, maiores de 18 anos, poderão beneficiar de isenção do imposto automóvel na aquisição de veículos automóveis ligeiros introduzidos no consumo para seu uso próprio, nos termos do disposto nos artigos seguintes.
2 - Sem prejuízo do estabelecido no número anterior, poderão ainda beneficiar da isenção nele prevista os portadores de multideficiência profunda, os portadores de deficiência motora cujo grau de incapacidade permanente seja igual ou superior a 90% e os portadores de deficiência visual igual ou superior a 95%, independentemente da sua idade.
Artigo 2º
Para efeitos da aplicação do presente diploma, considera-se deficiente motor todo aquele que, por motivo de lesão, deformidade ou enfermidade, congénita ou adquirida, seja portador de deficiência motora, ao nível dos membros inferiores ou superiores, de carácter permanente, de grau igual ou superior a 60%, avaliada pela Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes no Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 43.189, de 23 de Setembro de 1960, desde que tal deficiência lhe dificulte, comprovadamente:
a) A locomoção na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação, designadamente próteses, ortóteses, cadeiras de rodas, muletas e bengalas, no caso de deficiência motora ao nível dos membros inferiores;
b) O acesso ou utilização dos transportes públicos, colectivos convencionais, no caso de deficiência motora ao nível dos membros superiores. (…)
Artigo 4.º
A cilindrada dos veículos automóveis objecto da isenção do IA não poderá ultrapassar os 1500 cm3 ou 1750 cm3, conforme se apresentem equipados com motores a gasolina ou a gasóleo, respectivamente.
Como se dá nota na factualidade fixada nestes autos, ao Recorrente foi reconhecida uma incapacidade de 60%, conforme resulta de atestado emitido em 28/02/1994.
Na posse desse documento, solicitou a isenção de IVA na aquisição à firma D., Lda. de veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Renault 19 Scala 1.9 DT – 1870cc – gasóleo, o que foi autorizado por despacho de 31/10/1994.
Sucede que, o Recorrente jamais efectuou a compra de tal veículo, nos moldes, condições e requisitos que lhe foram autorizados, e apenas em 2011, ou seja, 17 anos após aquela autorização, enceta diligências para adquirir um veículo com isenção de IVA, chamando à colação a autorização que lhe foi concedida em 1994.

É indiscutível que, por inércia do Recorrente, a aquisição autorizada em 1994 não se concretizou, pois, ainda que a firma onde pretendia adquirir a viatura tenha sido declarada insolvente, como alegou, nada o impedia de junto dos serviços competentes indicar outra firma para a aquisição do dito veículo cuja isenção de imposto foi autorizada, o que comprovadamente não fez.

A sentença recorrida decidiu, e quanto a nós bem, que “Ora, como resulta de forma inequívoca do teor do referido despacho, o benefício fiscal foi reconhecido para aquela operação em concreto, o que se justifica em face da necessidade de avaliar a verificação de todos os pressupostos legais, nomeadamente, os condicionalismos referentes ao tipo de veículos abrangidos pela isenção.
Deste modo, não tendo o Autor adquirido o veículo relativamente ao qual foi concedida a isenção, ao abrigo do regime jurídico na altura em vigor, a atribuição de um eventual benefício fiscal ao Autor, no contexto das isenções concedidas às pessoas com deficiência motora, terá agora manifestamente de ser aferida à luz do quadro jurídico vigente.
Ou seja, o Autor não pode actualmente fazer-se prevalecer do despacho de concessão da isenção datado de 31.10.1994, visto que não foi cumprido o pressuposto essencial da aquisição do veículo para que o benefício fiscal se efectivasse, por motivos alheios à Administração Tributária.
Em face do exposto, não pode ser reconhecido ao Autor o benefício fiscal a que se arroga, com base no referido despacho, não se vislumbrando na conduta da administração fiscal e aduaneira qualquer violação dos princípios da confiança ou da segurança jurídica, por não lhes ser imputável a não efectivação da aquisição para a qual foi concedida a isenção.”

Efectivamente, não tendo o Recorrente adquirido o veículo Renault 19 Scala 1.9 DT – 1870cc – gasóleo em 1994, com a isenção de imposto para o veículo identificado no despacho que reconhece a isenção, não se alcança de que forma foi violada a expectativa da confiança legítima ou o princípio da segurança jurídica que justifique, 17 anos volvidos, o reconhecimento do benefício fiscal com base naquele despacho.

A protecção à confiança legítima constituiu-se como um dos princípios de Direito Administrativo moderno. O princípio é caracterizado como limite à actuação administrativa que impede que a Administração Pública altere, de forma inesperada e contraditória, os actos e condutas por ela adoptados em razão das expectativas legítimas previamente criadas nos administrados.

Como princípio de Direito Administrativo, a protecção da confiança legítima representa, por um lado, uma limitação ao exercício da actividade administrativa do Estado e, por outro, a noção de estabilidade que possibilita aos cidadãos planearem os aspectos mais singulares de sua vida privada.

O princípio actua, assim, como um obstáculo à alteração abrupta ou inesperada de comportamentos ou políticas por parte da Administração Pública em razão da expectativa gerada nos indivíduos.
Justamente por lidar com a coexistência entre as noções de estabilidade e mudança, a análise a respeito da confiança legítima necessariamente conduz à vinculação ambivalente entre o Direito e a decorrência do tempo.

Considerando que não seria factível que posições jurídicas se mantivessem indeterminadamente, na medida em que o papel do Estado, como elemento estruturante do Direito é conformar-se às alterações ocorridas no meio social, a aplicação do princípio da confiança situa-se dentro dessa ponderação de valores: em quais aspectos sustenta-se a manutenção da situação jurídica consolidada, esperada e estável perante os indivíduos, e em quais interesses colectivos/gerais justificam-se o seu abandonoin: “ Protecção da Confiança Legitima e os Desafios do Novo Direito Administrativo”, Victor Aguiar Jacuru, Universidade de Coimbra, 2016.

In casu, como já referimos, o Recorrente não efectuou em devido tempo a aquisição do veículo, sendo certo que durante 17 anos não encetou qualquer diligência com vista à dita aquisição.

Ora, quando em 2011 o Recorrente apresenta um novo pedido de aquisição de veículo com isenção de IVA, naturalmente tem de se sujeitar às normas que estão em vigor para a concessão da dita autorização, que não são, seguramente, aquelas que presidiram à anterior autorização, a qual se esgotou por falta de utilização, uma vez que o veículo nele identificado não foi adquirido por inércia do Recorrente.

De facto, o art. 54.º do Código de Imposto sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, que versa sobre o “Conteúdo da isenção” dispõe no seu nº 1 que “Estão isentos do imposto os veículos destinados ao uso próprio de pessoas com deficiência motora, maiores de 18 anos, bem como ao uso de pessoas com multideficiência profunda, de pessoas com deficiência que se movam exclusivamente apoiadas em cadeiras de rodas e de pessoas com deficiência visual, qualquer que seja a respectiva idade, e as pessoas com deficiência, das Forças Armadas” (negrito nosso). Como o Recorrente bem sabe, e até reconhece no seu requerimento 01/09/2014, a lei que regulamenta as isenções foi, entretanto, alterada, e a incapacidade que lhe foi reconhecida no atestado médico de 1994 não é motora ou uma das mencionadas no art. 54º supra enunciado, uma vez que ali se atesta que “sofre de epilepsia o que lhe causa uma incapacidade de caracter permanente de 60%, dificultando-lhe a locomoção na via pública e o acesso aos transportes públicos”.

O Recorrente chama à colação os princípios da segurança jurídica e da confiança, no entanto tais princípios não foram defraudados pela Administração Tributária, que não teve qualquer actuação que impedisse o Recorrente de utilizar a autorização que lhe foi concedida em 1994 para a aquisição de um especifico veículo, não houve qualquer alteração abrupta ou inesperada de comportamentos ou políticas por parte da Administração Pública, antes estamos perante uma opção do Recorrente que não utilizou em tempo útil, e para o veículo expressamente identificado na autorização, a isenção que lhe havia sido concedida (sublinhado nosso). O Recorrente apenas se pode queixar da sua própria inércia, pois não cuidou de adquirir o veículo para cuja isenção de imposto tinha despacho.

Quando em 2011, o Recorrente decide adquirir um novo veículo com recurso à isenção de imposto, estamos perante um novo procedimento que, naturalmente, tem de se sujeitar ao quadro legal em vigor nessa data, compreensivelmente, a sua incapacidade por epilepsia pode neste momento ser distinta, superior ou inferior à incapacidade atestada em 1994, no entanto, resulta claro do art. 54º supra referido, que em 2011 aquela doença (epilepsia) não constava do rol das situações que conferiam isenção de imposto na aquisição de veículo automóvel, assim a segurança jurídica também impõe que as isenções, neste caso concreto, sejam atribuídas com o cumprimento dos requisitos legais exigidos em igualdade de circunstâncias para todos os contribuintes.

Não se trata de qualquer revogação do acto administrativo (da autorização anteriormente concedida) ou, ainda, de rescisão unilateral do acordo de concessão, como pretende fazer crer o Recorrente nas conclusões 7 e 9 do recurso, até porque tal acto não consta dos autos.
Relembremos, contudo, que a autorização de aquisição com isenção de imposto concedida em 1994, foi concedida num concreto quadro legal ao tempo em vigor, e para um específico e identificado veículo, autorização que o Recorrente, bem ou mal, com intenção ou por factores que lhe são externos não utilizou, sendo certo que a mesma se esgotava com a aquisição do mencionado veículo, não se perpetuando no tempo como pretende o Recorrente

Ora, em 2011 as isenções de imposto para a aquisição de veículo automóvel regiam-se por quadro legal distinto, o que impunha a instrução de novo procedimento com vista à isenção do imposto.

Em suma, bem andou a sentença recorrida ao entender que a pretensão do Recorrente carece de fundamento legal, estando o recurso votado ao insucesso.
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5 – DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 2021-03-25


Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda