Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00337/11.3BEAVR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Luís Miguéis Garcia (Por vencimento)
Descritores:FALTA DE CITAÇÃO;REPRESENTAÇÃO DO ESTADO
Sumário:I) – “Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo.” – art.º 25º, n.º 4, do CPTA.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:Colégio ..., Ldª,
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:Ministério Público, em acção administrativa intentada no TAF de Aveiro por Colégio ..., Ldª, id. nos autos, contra «Ministério da Educação - Estado português», interpõe recurso jurisdicional de despacho que indeferiu “a requerida recusa de aplicação ao caso presente do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 118/2019, com fundamento na violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 219.º da CRP” e julgou “improcedente a arguida nulidade, por falta de citação”.

O recorrente remata em conclusões:
1 – A presente ação foi intentada contra o Estado Português, tendo, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a citação do Réu Estado Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, mas apenas notificado da pendência da mesma, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85º, nº 1 do CPTA;
2 – A Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros;
3 – Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar "o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo ", trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei nº 118/2019;
4 – Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa "(…) sem prejuízo da representação do Estado PeloMinistério Público passou, com a referida alteração, a prever-se" (…) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP;
5 – Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP;
6 – A norma do artigo 219º, nº 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado;
7 – Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto "i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4º, nº 1, al. b)) e a prever a existência de "um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República"", o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61º, nº 1 e 2);
8 – A Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, que procedeu à 12ª alteração no ETAF/2002, "i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei nº 118/2019, a que pertencem as normas aquiquestionadas", não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51º;
9 – A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do nº 1 do artigo 24º do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário;
10 – A norma do nº 1 do artigo 219º da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país;
11 – Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de "autonomia (artigo 219º, nº 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a critérios de legalidade e objetividade" (artigo 3º, nº 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material;
12 – Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6º da Lei nº 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade;
13 – A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo "possibilidade esse modo transforma a regra da representação do Estado pelo Ministério Público" em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51º do ETAF.
14 – Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do nº 1 do artigo 11º "sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público) com a acolhida no CPC (artigo 24º, nº 1: "O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta;
15 – A nova redação do artigo 11º, nº 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do nº 1 do artigo 219º da CRP;
16 – A desarmonia dessa norma com a Lex Fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do nº 4 do artigo 25º, também aditado pela referida Lei nº 118/20, que estabelece que quando seja demandado o Estado a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado;
17 – No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é "unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal);
18 – Por outro lado, nos termos do artigo 223º, nº 1 do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas coletivas " como é o caso indiscutível do Estado - Administração" realiza-se na pessoa dos seus legais representantes;
19 – O único representante do Estado em juízo, pelo menos enquanto o Estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), o seu "representante natural é o Ministério Público, em quem deve ser realizada a citação;
20 – O mecanismo implementado pelo nº 4 do artigo 25º, conjugado com a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, ambos na redação da Lei nº 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo;
21 – Acresce que a norma do nº 4 do art.º 25º CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar os termos da (…) intervenção em juízo do "serviços a quem aquele entenda" transmitir a citação, que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao Ministério Público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o Estado;
22 – Só um construtivismo artificial e pré-ordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a Assembleia da República definir a competência do Ministério Público (cfr. artigo 165º, nº 1, al. p) da CRP), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade;
23 – Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resulta do preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciária do Estado ao Ministério Público "tratado como mero" serviço e coordenar" os termos da respetiva intervenção em juízo;
24 – Ou seja, o dito Centro passará a decidir, caso a caso, se o Ministério Público representa ou não o Estado, sem que haja qualquer indicação dos critérios que conformam tal decisão, sendo que o teor da norma constitucional constante do artigo 219º, nº 1 da CRP não permite a supressão do Ministério Público como representante do Estado (tal como sucedeu no caso concreto dos autos);
25 – Ao atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, um serviço central da administração direta do Estado, a competência para proferir decisões que delimitam a intervenção do Ministério Público enquanto representante do Estado, a norma jurídica resultante das disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1 e 25°, n° 4 do CPTA configura, dessa forma, uma inconstitucionalidade material, também por violação ao artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP;
26 – A norma em causa prevê que, em vez do Estado, seja citado o referido Centro que transmitirá aos serviços competentes, e, se assim o entender (e quando o entender), a transmitirá ao Ministério Público. No entanto, o Ministério Público não é um serviço do Estado-Administração, mas sim um órgão constitucional da administração da justiça, pelo que o conhecimento da ação – a citação - quando seja demandado o Estado representado peloMinistério Público não pode deixar de ter lugar no âmbito do contexto jurisdicional;
27 – No que concerne aos "termos da respectiva em juízo- a norma ínsita na parte final do novo nº 4 do artigo 25º do CPTA confere à JurisApp competência para coordenar os próprios "termos da intervenção do Ministério Público quanto a aspetos relativos à técnica do processo;
28 – Desse modo, sai gravemente ofendido o princípio da autonomia (externa) do Ministério Público, consignado no nº 2 do artigo 219º da CRP, degradando-se esta magistratura à condição de mera serventuária subordinada da vontade da Administração;
29 – Em face do exposto, é forçoso concluir que as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 219º da CRP, nº 1, primeira proposição ("Ao Ministério Público compete representar o Estado) e nº 2 ("O Ministério Público goza de (…) autonomia…), violando igualmente o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP, pelo que são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277°, n° 1, da CRP;
30 – E, em consequência, verifica-se a nulidade emergente da falta de citação do Estado, por omissão completa do ato (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), uma vez que o Ministério Público não foi citado.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine:
a) A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos(CPTA), na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do nº 2 desta mesma disposição, bem como do conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1 da CRP;
b) E, em consequência, que:
- Seja declarada a nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188, nº 1, al. a) e 187, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA), com a consequente anulação de todo o processado posterior à Petição Inicial, e
- Seja determinada a citação do Estado no Ministério Público.
Sem contra-alegações.
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Vêm os autos a conferência, cumprindo decidir, lavrando acórdão de acordo com a orientação que prevaleceu.
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As incidências processuais:
1º) - A acção foi proposta contra:
Ministério da Educação - Estado português, a citar na Av. …
2º) - Por ofício datado de 26-02-2021 foi feita citação por carta registada com a/r endereçada ao Centro de Competências Jurídicas do Estado.
3º) – Com a mesma data foi notificado o Exmº Magistrado do Mº Pº “relativamente ao processo supra identificado da respetiva petição inicial e da documentação anexa, nos termos do n.º 1 do art.º 85.º do CPTA”.
4º) - O qual veio ao processo requerer:
A — A recusa de aplicação, neste processo, das normas constantes do segmento final do n.º 1 do art. 11.º e do n.º 4 do art. 25.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na redacção da Lei n.º 118/2019, por inconstitucionalidade material emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do n.º 1 do art. 219.º da Constituição e do n.º 2 desta mesma disposição;
B — A declaração de nulidade da falta de citação do réu Estado (artigos 188.º/1/a) e 187.º/a) CPC, subsidiariamente aplicáveis), anular-se o processado posterior à petição e decretar-se a citação do Estado no Ministério Público.”
5º) - Por despacho datado de 17-05-2022 (infra reproduzido), a Mmª Juiz decidiu:
“a) Indefere-se a requerida recusa de aplicação ao caso presente do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 118/2019, com fundamento na violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 219.º da CRP;
b) Julga-se improcedente a arguida nulidade, por falta de citação. “
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A apelação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«(...)
Conforme resulta da exposição que antecede, o requerimento apresentado pelo MP tem como pressuposto a inconstitucionalidade do último segmento do n.º 1 do artigo 11.º quando lido em conjugação com o n.º 4 do artigo 25.º do CPTA.
Em ambos os casos, está em causa a redacção que foi recentemente introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que operou diversas alterações ao CPTA.
Antes de mais, há que notar que, no âmbito do contencioso administrativo, há muito que se encontra sedimentada na doutrina e na jurisprudência a posição segundo a qual, à luz do n.º 2 do artigo 10.º do CPTA, nas acções administrativas de impugnação e de condenação à prática de actos administrativos ou de normas administrativas e, bem assim, todas as demais que se encontram identificadas nas alíneas c), d), e), f), g), h), i) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA, são os Ministérios dos quais emanaram ou se pretendem obter as respectivas actuações jurídicas, os detentores da inerente legitimidade processual passiva – os quais, nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do CPTA, sempre se puderam fazer representar em juízo “por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico” [cf. por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp. 109 e 129-130].
Situação essa que é, de igual forma, aplicável nos casos em que com essas pretensões os autores deduzam, em cumulação real, uma pretensão de natureza indemnizatória, nos termos do n.º 7 do artigo 10.º do CPTA [cf., entre outros, o Acórdão do TCA Norte de 25 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 02200/14.7BEPRT e acessível em www.dgsi.pt].
Por conseguinte, e à luz da solução que aí se mostra consagrada – e que já antes da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro era acolhida, de forma pacífica, pela jurisprudência administrativa – há muito que se encontrava prevista no domínio da legislação processual administrativa a possibilidade de o Estado [personificado nos respectivos Ministérios] ser representado por advogado ou jurista, nas acções de responsabilidade civil em que se encontrassem deduzidas, a título principal, as pretensões supra referidas, na certeza, aliás, de que nessas situações a sua representação pelo Ministério Público se encontrava, como se encontra, legalmente arredada.
Por outro lado, sempre se fez decorrer da norma ínsita no n.º 1 do artigo 11.º (ainda que por recurso à interpretação da doutrina e jurisprudência) que nas acções em que se tratasse estritamente da efectivação de responsabilidade civil extracontratual e contratual do Estado, era apenas o estado o detentor da legitimidade processual passiva, sendo exclusivamente representado pelo Ministério Público.
Aí se estabelecia:
Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público”.
Ora, na revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro (pese embora não fosse essa a opção vertida no respectivo projecto-lei, originário), acabou por se vir a efectivar a alteração do referido normativo, que passou a dispor, para o efeito, que as entidades públicas se podem fazer patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, “sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.
Como se vê, trata-se inequivocamente da alteração do paradigma até então vigente, uma vez que, em face da actual parte final da norma, não há dúvidas de que o legislador pretendeu efectivamente estabelecer que nas acções de responsabilidade civil extracontratual e contratual do Estado, este pudesse fazer-se representar, quer pelo Ministério Público, quer por mandatário judicial próprio (vide, neste sentido, RICARDO PEDRO e ANTÓNIO MENDES OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotação à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, pp. 32).
No que diz respeito ao artigo 25.º do CPTA, a Lei n.º 118/2019 veio operar o aditamento de um n.º 4, até à data inexistente, onde passa a constar:
Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.
Segundo o requerimento apresentado pelo MP, não está somente em questão a conformidade constitucional de cada uma das normas lidas de modo isolado, mas sim o sentido que delas se retira pela sua aplicação conjugada, no sentido de esvaziar os poderes de representação do Estado pelo MP.
Ora, pese embora se assuma como legítimo tal entendimento, entende-se que ao dispor no sentido supra exposto o legislador não pretendeu que a intervenção do Ministério Público passasse a assumir natureza meramente eventual, residual ou subsidiária.
Na verdade, pese embora se admita que a redacção da parte final do atual n.º 1 do artigo 11.º do CPTA não seja a mais feliz, sobretudo, em face daquela (porventura, mais clara) que constava do projecto original do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, entende-se que a sua letra comporta, ainda assim, uma interpretação possível e em conformidade com a CRP: a de que, em regra, nessas acções, é o Ministério Público que representa o Estado, sendo certo que este pode, a qualquer momento, constituir mandatário e assim cessar a representação daquele órgão.
Efectivamente, a alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto do Ministério Público e o artigo 51.º do ETAF não sofreram quaisquer alterações, continuando ainda a determinar que a representação do Estado é levada a cabo, em regra, pelo Ministério Público.
Quer isto dizer que, não obstante o sentido literal menos claro da redacção actual do artigo 11.º, n.º 1 do CPTA, todos os diplomas e normas supra identificados permitem interpretar o referido normativo no sentido que continua a ser o Ministério Público a quem incumbe, em regra, representar o Estado nas acções de responsabilidade civil extracontratual e contratual, pese embora este disponha agora da faculdade de, dentro da sua autonomia administrativa, constituir mandatário judicial próprio.
Por fim, relativamente ao n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, considera-se que a sua abrangência se reduz à definição da identidade do serviço ao qual o Ministério Público se deverá dirigir na preparação da representação do Estado e, bem assim, que, caso seja constituído mandatário por parte do Estado, tratará dos formalismos necessários à sua efectivação. Nada mais.
De resto, a conformidade constitucional das normas em análise foi já apreciada pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Proc. n.º 0902/19.2BEPNF-S1 (acórdão proferido em 03.07.2020 e disponível em www.dgsi.pt), entendimento que, aliás, veio a ser reiterado em acórdão do mesmo Tribunal de 18.09.2020 (proc. n.º 01240/19.4BEPNF-S1, também disponível em www.dgsi.pt).
Por sua vez, também o Tribunal Central Administrativo Sul, em recente acórdão proferido no âmbito do processo n.º 221/20.0BELSB-S1, paradigmaticamente, mediante leitura normativa conforme com os ditames constitucionais, decidiu:
I. Apesar de a parte final do n.º 1 do artigo 11.º do CPTA se referir agora à possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, tal representação continua a caber-lhe, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer-lhe essa tarefa;
II. Da primeira parte do n.º 4 do artigo 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes (ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo ou em obediência à respetiva lei orgânica do Ministério Público);
III. A coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao Centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o Ministério Público, cabendo-lhe apenas cooperar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado.
Aderindo-se integralmente ao sentido da fundamentação exarada neste acórdão, entende-se que, em regra, é efectivamente o Ministério Público que representa o Estado, pelo que, na ausência de constituição de mandatário judicial próprio, será aquele que levará a cabo essa representação em juízo, cabendo à JurisApp, única e tão somente, cooperar com este órgão no sentido de recolher informações e elementos junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado.
Por outro lado, também se afigura que não é possível retirar do artigo 219.º do CRP qualquer espécie de “reserva de representação absoluta do Estado” pelo Ministério Público, pelo que a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, ao permitir que, em alternativa ao Ministério Público, o Estado possa ser representado em juízo por um mandatário judicial próprio, não atenta contra o comando constitucional ali ínsito.
Conclusão esta que de modo algum é susceptível de ser infirmada pelo n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, uma vez que, como já se disse, este apenas pretendeu articular, em termos funcionais, o Centro de Competências Jurídicas do Estado criado pelo Decreto-Lei n.º 149/2017, de 6 de Dezembro, com a concreta entidade que será responsável por representar em juízo o Estado Português.
Daí que, também por este motivo, inexista qualquer violação, seja do n.º 1, seja do n.º 2 do artigo 219.º da CRP, este último na parte em que se refere ao princípio da autonomia externa do Ministério Público.
Em face do que acaba de se expender, impõe-se também concluir pela não verificação da invocada falta de citação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 188.º do CPC.
(…)».
É juízo que tem sido seguido em múltiplos arestos deste TCAN [p. ex., além dos enumerados a seguir: de 22-01-2021, proc. n.º 714/19.1BECBR-S1; de 19-02-2021, proc. nº 952/20.4BEPRT-S2; de 18-06-2021, proc. n.º 313/20.5BECBR-S1; de 15-07-2021, proc. n.º 2/21.3PNF-S1; de 22-10-2021, proc. n.º 3463/19.7BEPRT-S1; de 14-01.2022, proc. n.º 3430/19.0BEPRT-S1, de 19-11-2021, proc. n.º 108/21.9BECBR-S1]
Veja-se, p. ex., o expendido no Ac. deste TCAN, de 10-03-2022, proc. n.º 381/21.2BEAVR-S1:
«(…)
A questão essencial a decidir consiste em saber se as normas constantes do segmento final do n.º 1 do artigo 11.º e do n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, na redação dada pela Lei nº 118/2019, de 17.9, deviam ter sido desaplicadas porque materialmente inconstitucionais, face ao disposto no artigo 219º, nº 1 da CRP, em termos que, em vez da citação do réu Estado Português ter sido feita no Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, devia ter sido citado o Ministério Público por ser este quem deve representar o Estado Português na ação.
Sucede que a questão já foi apreciada e decidida em inúmeros acórdãos proferidos no TCAS, entre outros, nos processos n.ºs 2028/19.8BEBRG-S1, de 15/10/2020, 92/20.6BELSB-S1, de 02/07/2020, 272/20.4BEALM-S1 e 213/20.9BEALM-S1, ambos datados de 26/11/2020 e 216/20.9BEALM-S1 e 221/20.0BELSB-S1 de 21/01/2021.

Também já foi objeto de decisão neste TCAN, designadamente, nos processos n.ºs 902/19.2BEPNF-S1, em acórdão proferido a 03/07/2020, 1240/19.4BEPNF-S1, em acórdão proferido a 18/09/2020, 1031/19.2BEAVR-S1 e 895/20.1BEPRT-S1, em acórdãos de 18/12/2020 e 22/20.5BEPRT-S1, datado de 09/04/2021.
Nos acórdãos do TCAN de 18/12/2020, proferidos no âmbito dos processos nºs 1031/19.2BEAVR-S1 e 895/20.1BEPRT-S1, cujo sumário se transcreve, foi decidido: «I - A opção do legislador infra-constitucional de fazer operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos Tribunais Administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, não fere o artigo 219º nº 1 da CRP.»
No acórdão do TCAN de 03/07/2020, proferido no âmbito do processo nº 902/19.2BEPNF-S1, cujo sumário se transcreve, foi decidido: «I – Na atual versão dos dispositivos dos artigos 11º nº 1 e 25º nº 4 do CPTA, dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, resulta que a representação do ESTADO nas ações em que este seja parte demandada (por a ele lhe pertencer a legitimidade passiva nos termos do artigo 10º do CPTA) fica agora apenas garantida a possibilidade da sua representação em juízo ser assegurada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, e não já, como acontecia anteriormente, que essa representação a si lhe pertença. II - Simultaneamente, a citação do ESTADO deixou de se operar «na pessoa do magistrado do Ministério Público» na usual fórmula utilizada, e passou a ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que se integra na Presidência do Conselho de Ministros e está sujeito ao poder de direção do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem aquele o delegar (cuja orgânica foi aprovada pelo DL. nº 149/2017, de 6 de dezembro, e posteriormente alterada pelo DL. nº 91/2019, de 5 de julho). III – A representação orgânica da pessoa coletiva ESTADO nos tribunais administrativos, em defesa dos seus interesses patrimoniais, que são os que estão em causa nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade, não está constitucionalmente acometida ao MINISTÉRIO PÚBLICO.»
Em apreciação preliminar o STA a 24.9.2020, não admitiu a revista no processo nº 902/19.2BEPNF- S1, argumentando que “O MP arguiu no sobredito processo a nulidade de falta de citação do Estado por entender que este réu deve ser representado por si, sendo inconstitucionais quaisquer normas – designadamente os arts. 11º, n.º 1, e 25º, n.º 4, do CPTA, na redacção introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17/9 – que disponham em contrário.
As instâncias recusaram tal inconstitucionalidade e, por isso, entenderam que o Estado fora citado nos autos «secundum legem».

Na sua revista, o MP insiste na inconstitucionalidade daqueles preceitos e na consequente falta de citação do Estado, assinalando a importância e a repetibilidade do problema.
Mas não se justifica admitir a revista. Esta centra-se exclusivamente em inconstitucionalidades. Ora, e como temos repetidamente dito, os «themata» de inconstitucionalidade não são objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser separadamente colocados ao Tribunal Constitucional.”
No âmbito do processo 2028/19.8BEBRG-S1, o TCAS proferiu acórdão em 15/10/2020, decidindo não admitir, por irrecorribilidade da decisão recorrida, o requerimento de interposição do recurso jurisdicional.
No âmbito do processo n.º 92/20.6BELSB-S1, foi proferido pelo TCAS, o acórdão em 02/07/2020, cujo sumário se transcreve:
“i) Os recursos, como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, têm por objeto a reapreciação de decisões anteriores, visando a sua anulação ou a sua alteração, com fundamento em vício de forma ou de fundo e não a decisão de questões que não foram conhecidas, não sendo estas de conhecimento oficioso.
ii) As questões suscitadas em sede de recurso pelo Recorrente, não integram o objeto da sentença recorrida e, consequentemente, o objeto do recurso.
iii) O Ministério Público tem outros meios para suscitar a inconstitucionalidade de normas que, in casu, não prejudicaram a sua intervenção nos autos em apreço, nem se prendem com o objeto do litígio do seu representado em juízo, designadamente, o mecanismo de fiscalização abstrata, no art. 281.º, n.º 2, alínea e), da CRP, através do Procurador-Geral da República.”
No âmbito do processo n.º 272/20.4BEALM-S1, o TCAS proferiu o acórdão de 26/11/2020, decidindo: “Refere-se a fls. 4 do despacho recorrido que “a actual redacção do artº 25º/4 do CPTA reflecte uma opção política do Estado tendente (apenas e só) à centralização das citações em que é parte, não assumindo, pois, o Centro de Competências Jurídicas do Estado, o papel de representante em juízo (…)”, pelo que não foi postergada a autonomia do Ministério Público, nem afastado o seu poder de representação do Estado.
Asserção com a qual concordamos, verificando-se pela consulta do Sitaf, que o MP, em (….) apresentou contestação no processo principal, em representação do Réu Estado, o que significa que as alterações introduzidas aos artºs 11º/1 e 25º/4 do CPTA pela Lei nº 118/2019, não colidem necessariamente com o disposto no artº 219.º/1 e 2 da CRP, havendo antes que providenciar pela sua harmonização, não sendo possível afirmar que só residualmente o MP passará a representar em juízo o Estado, ou que perderá a sua autonomia, tornando-se em mero serventuário ou executante dos ditames daquele Centro de Competências, que organicamente não representa o Estado em juízo, conforme bem referido pelo despacho recorrido e que resulta da sua orgânica, vertida no DL nº 149/2017.
“Ora sendo, indiciariamente, assim, e admitindo-se que sendo o MP o defensor da legalidade democrática, nos termos amplamente fundamentados nas alegações jurisdicionais, não se vê que este ente carecesse de legitimidade para suscitar a nulidade da citação do Réu Estado, ou que ocorra a pretendida e não fundamentada impropriedade do meio utilizado para solicitar a desaplicação no processo das duas referidas normas do CPTA, o que não se verifica.
Porém, não ocorrendo as referidas inconstitucionalidades, na medida em que aquele Centro de Competências, passará a funcionar como mera “caixa postal” das referidas citações dirigidas ao Estado, sem prejuízo do que possa vir a ser decido pelo Tribunal Constitucional, afigura-se-nos não poder ocorrer a pretendida falta de citação, nos termos dos art.ºs 188º/1/a) 187/a) do CPCivil, por tal acto ter sido completamente omitido, tendo, antes, sido realizado naquele Centro de Competências, por ofício datado de 12/6/2020, verificando que o próprio MP teve conhecimento da interposição da acção, nos termos impostos pelo artº 85º do CPTA, não podendo a Secção de processos do TAF de (…) deixar de cumprir a alteração legislativa em causa, podendo a parte que se sinta prejudicada pelos actos da secretaria, reclamar para o juiz do processo, nos termos do art.º 157º/5 do CPCivil.

Assim sendo e ressalvado o maior respeito pela fundamentada argumentação do digno recorrente e não competindo aos julgadores a apreciação da mera necessidade ou utilidade das alterações legislativas, resta confirmar com a fundamentação acima referida o despacho recorrido.”
No âmbito do processo 213/20.9BEALM-S1, foi proferido acórdão em 26/11/2020, tendo-se decidido: “…, tal como nos casos tratados no Tribunal Central Administrativo Norte, na situação em apreço o réu Estado foi citado nos termos do disposto no art. 25º, nº 4 do CPTA, na redação introduzida pela Lei nº 118/2019, de 17.9, no Centro de Competências Jurídicas do Estado, para defender os seus interesses patrimoniais, o que não afeta a representação do Estado pelo Ministério Público para defender os interesses da comunidade, nos termos do art. 219º, nº 1 da CRP.
Por conseguinte, dado não estarmos no caso face a uma representação orgânica do Estado pelo Ministério Público, antes perante uma representação legal, não se verifica a inconstitucionalidade invocada e, consequentemente, o réu Estado Português foi validamente citado no Centro de Competências Jurídicas do Estado, por ofício postal de (….).
E, nesta circunstância, porque o Ministério Público não é um órgão do Estado Administração (que é a pessoa coletiva que é representada nas ações administrativas), mas um órgão da atividade judiciária do Estado, a sua intervenção em juízo, «em nome próprio», a requerer a recusa da aplicação do art 11º, nº 1, parte final, e do art 25º, nº 4 do CPTA na versão de 2019, por inconstitucionalidade material dessas normas, e a, consequentemente, arguir a nulidade por não ter sido citado nesta ação, não sendo o Ministério Público sujeito da relação material controvertida, carece de legitimidade passiva para ser a outra parte, a contraparte nesta ação. Nos termos do artº 10º do CPTA, nas ações em que o Estado seja demandado a legitimidade passiva pertence ao Estado.

A que acresce que este meio processual, de ação administrativa, interposta por um particular contra o Estado Português, não se afigura como meio próprio para o Ministério Público suscitar a inconstitucionalidade de normas que, alega, ofendem interesses próprios e estatutários, tentando impedir que as suas competências possam ser alteradas. Teria o Ministério Público, como entende o recorrido, outros meios de tutela judicial, designadamente, o mecanismo de fiscalização abstrata, previsto no artº 281º, nº 2 da CRP, para «fazer oposição corporativa à política de justiça da Assembleia da República» (cfr nº 26 das contra-alegações de recurso, pág. 6), por alegadamente ter perdido a exclusividade de representação do Estado nas ações que correm termos nos Tribunais Administrativos.
Temos, pois, de concluir dever ser negado provimento ao recurso e manter-se o despacho recorrido.”
Este último acórdão, acompanhou a análise da questão efetuada no acórdão proferido pelo TCAN de 18/09/2020, no âmbito do processo n.º 1240/19.4BEPNF-S1, que transcreveu.
Assim, concordando-se com essa fundamentação, passamos a transcrever, o dito acórdão do TCAN de 18/09/2020:

“3.9 O que agora releva e importa é saber se a opção do legislador infraconstitucional, da Lei nº 118/2019, de fazer operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos tribunais administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, fere ou não o artigo 219º nº 1 da CRP.
Sabendo-se que a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (cfr. artigo 219º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA).

3.9 E a resposta tem que ser negativa.
3.10 É sabido que a questão do carater necessário ou não da representação do Estado pelo Ministério Público no âmbito das ações sobre contratos ou relativas à responsabilidade civil não é de hoje.
Aliás, a opção legislativa acolhida pelo CPTA (na reforma do contencioso administrativo operada em 2002-2004) havia sido já amplamente debatida no debate universitário que antecedeu aquela reforma do contencioso administrativo, e continuou a sê-lo posteriormente.
A tal respeito, vide, designadamente, Vieira de Andrade, defendendo o fim do patrocínio do Estado pelo Ministério Público, em especial nas ações de responsabilidade, in, “Reforma do Contencioso Administrativo - O debate universitário (trabalhos preparatórios), Vol. I, Coimbra Editora, 2003, pág. 70, e in, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 5ª Edição, Almedina, 2004, pág. 267. No mesmo sentido, associando-se à crítica de continuar a atribuir-se ao Ministério Público a representação do Estado, Pedro Gonçalves, in, “A ação administrativa comum” - “A Reforma da Justiça Administrativa”, STVDIA IVRIDICA nº 86, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, dezembro 2005, pág. 167 (n. 90). Veja-se, ainda, Maria Isabel F. Costa, in "O Ministério Público no contencioso administrativo Memória e "Razão de Ser"", Revista do Ministério Público, Ano 28, Abr Jun, 2007, pág. 28, destacando ser função nuclear do Ministério Público a defesa da legalidade democrática, com expressão na ação penal e na ação pública do contencioso administrativo.

3.11 O certo é que se manteve, na reforma do contencioso administrativo operada em 2002-2004 a regra da representação do Estado nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade civil. Opção legislativa que foi agora alterada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.
3.12 Mas a questão objeto do recurso não é a de saber se o Estado, demandado que foi como réu na ação, se encontra ou não regularmente representado em juízo (enquanto pressuposto processual).
A questão é a de saber se ocorreu nulidade (falta) de citação (enquanto nulidade processual), se ao abrigo do artigo 25º nº 4 do CPTA, na sua versão atual, a citação foi dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, por dever ser recusada a aplicação dessa norma com fundamento em inconstitucionalidade. E se, assim, deve ser anulado todo o processado, e determinada a citação do Estado através do Ministério Público.
Atenha-se que nos termos do artigo 188º nº 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, há falta de citação “…quando tenha havido erro de identidade do citado”.
3.13 É sabido que o nomini nomine «Estado» tem várias aceções. Mas neste âmbito, a que essencial releva é a pessoa coletiva Estado, em especial na sua vertente Estado-administração, fazendo-o distinguir-se das outras pessoas coletivas públicas dotadas de personalidade jurídica (e, por conseguinte, também, judiciária).
Sendo que a qualificação do Estado como pessoa coletiva decorre da própria Constituição, designadamente dos seus artigos 3º nº 3, 5º nº 3, 18º nº 1, 22º, 27º nº 5, 38º nº 2, 41º nº 4, 204º nº 1 alínea b) e nº 2, 269º nºs 1 e 2, 271º nºs 1 e 4 ou 276º nº 4, sendo particularmente significativas, neste conspecto, as disposições onde se atribuem direitos ou deveres ao Estado e às outras pessoas coletivas públicas - vide, a este respeito, Diogo Freitas do Amaral, in, “Curso de Direito Administrativo”, Vol. I, II edição, Almedina, pág. 213 ss.
3.14 Na versão anterior do CPTA o chamamento do ESTADO à ação sobre contrato ou relativa a responsabilidade civil que contra ele tivesse sido instaurada fazia-se através da citação dirigida ao Ministério Público, que era quem também atuava na ação em sua representação legal.
Como refere Alexandra Leitão, in, “A Representação do Estado pelo Ministério Público nos Tribunais Administrativos”, JULGAR, nº 20, 2013, pág. 13 ss. tratava-se aí de uma representação legal e não propriamente, como representação orgânica, como vinha sendo entendido em alguma doutrina “(…) enquanto a representação orgânica decorre da própria natureza das coisas - é, por assim dizer, lógica e ontológica - a representação legal decorre de uma opção do legislador. Por outras palavras: seria possível optar-se por não cometer ao Ministério Público a representação em juízo do Estado, mas seria impossível determinar que a pessoa coletiva deixasse de ser representada por um ou mais dos seus órgãos, pela simples razão que as pessoas coletivas são entidades imateriais que carecem sempre de um ou mais órgão(s) e do(s) seu(s) titular(es) para manifestar a sua vontade. Este é o cerne da distinção entre representação orgânica e legal.”

3.15 A circunstância de a expressão «representação», usada nas normas em causa, não é, assim unívoca, sendo aplicada com aceções diferentes. As suas repercussões são, aliás, explicitadas, no âmbito da versão original do CPTA, por Esperança Mealha, in, “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Públicas”, CEDIPRE ONLINE I 2, novembro 2010, pág. 29, na análise que ali se efetua quanto à medida em que a representação do Estado pelo Ministério Público interferia com os critérios de atribuição de personalidade judiciária vertidos no artigo 10º CPTA.
3.16 Não vemos como a representação orgânica da pessoa coletiva Estado nos tribunais administrativos, em defesa dos seus interesses patrimoniais, que são os que estão em causa nas ações sobre contratos e relativas à responsabilidade, esteja constitucionalmente acometida ao Ministério Público.
Mas será que o artigo 219º nº 1 da CRP ao determinar, sob a epígrafe “Funções e Estatuto” que “ao Ministério Público compete representar o Estado”, lhe reserva a ele a representação legal do Estado nessas mesmas ações?
3.17 As justificações para a solução infraconstitucional adotada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro podem ser muitas. Mas uma delas advirá, com certeza, da circunstância dos dois meios processuais principais - a «ação administrativa comum» e a «ação administrativa especial», cujos respetivos âmbitos e regras processuais eram distintas (cfr. artigos 35º, 37º, 42º e 46º do CPTA, na versão original) - com a revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, ter resultado o abandono daquele modelo dualista de meios processuais principais não urgentes, através do estabelecimento de uma única forma de processo declarativo não urgente, a «ação administrativa», na qual passaram a poder ser cumulados pedidos que anteriormente pertenciam a cada uma daquelas distintas formas de processo. Daí emergindo múltiplas dificuldades ao nível da determinação da legitimidade passiva, resultando, não raras vezes, em decisões de forma, com absolvição da instância, e sem possibilidade de aproveitamento do ato de citação, nem da respetiva interrupção da prescrição ou da caducidade, a verificar-se. Podendo, até, raiar em situações de denegação de justiça, com prejuízo dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
3.17 Assim se explicará que a citação deva ser dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, quando numa mesma ação sejam demandados diversos ministérios, quando numa ação seja demandado o Estado, ou quando na mesma ação sejam demandados diversos ministérios e o Estado, sendo que foi aliás esta última hipótese que sucedeu nos autos. É com essa citação que o Estado (e/ou os Ministérios que sejam também demandados) é chamado à ação e a instância fixada, nos termos do artigo 260º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA (sem prejuízo das eventuais modificações que possam vir a ocorrer nos termos que processualmente sejam admitidos).
3.18 Não cabe aqui fazer qualquer juízo quanto ao melhor acerto da opção legislativa adotada na Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, já que num Estado de Direito assente no primado da Lei (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2 da CRP) na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral “…não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.” (cfr., por todos, o acórdão do Pleno do STA de 13/11/2007, Processo nº 01140/06, in, www.dgsi.pt/jsta).
3.19 Ainda que sejam de reportar as dificuldades da sua articulação com outras normas do sistema jurídico infraconstitucional. Designadamente as decorrentes de o Estatuto do Ministério Público (… atualmente o aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2020 - cfr. artigo 287º), se referir à intervenção principal do Ministério Público quando representa o Estado, as Regiões Autónomas ou as Autarquias Locais, simultaneamente dispondo que “…em caso de representação de região autónoma, de autarquia local ou, nos casos em que a lei especialmente o permita, do Estado, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio” (cfr. artigo 5º nº 1 alíneas a) e b) e nºs do Estatuto antigo e artigo 9º do Estatuto novo) e de prever a existência de departamentos de contencioso do Estado enquanto órgão de coordenação e de representação do Estado em juízo em matéria cível, administrativa e tributária (cfr. artigo 51º do Estatuto antigo e 61º do Estatuto novo) aos quais compete (cfr. artigo 52º nº 1 do Estatuto antigo e 61º nº 1 do Estatuto novo) a “…representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais, em casos de especial complexidade ou de valor patrimonial particularmente relevante, mediante decisão do Procurador-Geral da República (alínea a)); “…organizar a representação do Estado em juízo, na defesa dos seus interesses patrimoniais” (alínea b)); “…assegurar a defesa dos interesses coletivos e difusos” (alínea c)); “…preparar, examinar e acompanhar formas de composição extrajudicial de conflitos em que o Estado seja interessado” (alínea d)), e ainda “…apoiar os magistrados do Ministério Público na representação do Estado em juízo” (nº 2).
3.19 Sendo certo que por outro lado, e no que toca às ações cíveis, o CPC atual dispõe no seu artigo 24º, a respeito da representação do Estado que este é nelas “…representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído” (nº 1), ressalvando que “…se a causa tiver por objeto bens ou direitos do Estado, mas que estejam na administração ou fruição de entidades autónomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Público, para o que são citadas quando o Estado seja réu; havendo divergência entre o Ministério Público e o advogado, prevalece a orientação daquele”.
Não podendo deixar de se estranhar, que quando estejam em causa ações da mesma natureza, mas por não integrarem a área da competência da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. artigo 4º do ETAF), estejam submetidas à jurisdição dos tribunais comuns, a representação do Estado possa ser feita de modo tão diametralmente distinto.
3.20 Claro que o inciso da parte final do nº 4 do artigo 25º do CPTA na sua versão atual, no qual, referindo-se ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, se diz que este “assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo” poderá criar dúvidas quanto à forma como será assegurada, em tal caso, a garantia da autonomia do Ministério Público, nos termos do artigo 219º nº 2 da CRP e do respetivo Estatuto, em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local (cfr. artigo 2º do Estatuto antigo e 3º do Estatuto novo).
Mas não é despiciente relembrar que nos termos do Estatuto antigo (aprovado pela Lei nº 47/86) não só era contemplada a interligação entre a atuação judicial do Ministério Público em representação do Estado e os demais serviços do Estado, cuja atuação estivesse implicada, como se previa que ao Ministro da Justiça competia transmitir, ainda que por intermédio do Procurador-Geral da República, instruções de ordem específica nas ações cíveis e nos procedimentos tendentes à composição extrajudicial de conflitos em que o Estado fosse interessado ou autorizar o Ministério Público, ouvido o departamento governamental de tutela, a confessar, transigir ou desistir nas ações cíveis em que o Estado fosse parte (cfr. artigo 80º alíneas a) e b) do Estatuto antigo).
3.21 E recentando-nos na invocada desconformidade das normas em causa, temos que reafirmar a análise feita pela 1ª instância quanto à convocação do artigo 219º nº 1 da CRP, nos termos da qual “ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”. Dando por renovados os entendimentos doutrinais ali citados a tal respeito. Os quais evidenciam que a discussão em torno da representação do Estado pelo Ministério Público se encontra atualmente já limitada. Na medida em que é aceite, sem reservas, a conformidade constitucional com o inciso “ao Ministério Público compete representar o Estado” constante da primeira parte do nº 1 do artigo 219º da CRP, quanto às demais opções legais em que a representação do Estado, e a defesa dos interesses patrimoniais deste, não são feitas pelo Ministério Público, mas pelas entidades ou órgãos integrados na administração direta ou indireta do Estado (tenham ou não personalidade jurídica), quando nos termos da lei processual aplicável lhes é reconhecida personalidade e capacidade judiciária.
O que significa que restam apenas em discussão as ações relativas a contratos e a responsabilidade civil extracontratual em que o Estado seja demandado nos Tribunais Administrativos. E não se vê em como possam estas considerar-se núcleo essencial das funções do Ministério Público referidas no nº 1 do artigo 219º da CRP.
3.22. E por último sempre importará ainda dizer que independentemente de estar ou não a matéria em causa, regulada nos dispositivos dos artigos 11º e 24º do CPTA na versão dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, no âmbito da reserva relativa da assembleia da república nos termos do artigo 165º n.º 1 da CRP, também apontado como violado, o certo é que essa competência legislativa foi observada.
3.23. Aqui chegados, tem, pois, que concluir-se, dever ser negado provimento ao recurso e manter-se, com a antecedente fundamentação, a decisão do Mmº Juiz que indeferiu a arguição de nulidade de falta da citação”.
Termos em que, pelas razões expostas no acórdão transcrito, plenamente subsumíveis ao presente recurso e que acompanhamos por se mostrarem concordantes com o direito aplicável ao caso vertente, as normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do CPTA, na actual redacção, que fazem operar a citação da pessoa coletiva Estado, quando este seja demandado no âmbito dos processos nos Tribunais Administrativos, através do Centro de Competências Jurídicas do Estado, não violam a normação constitucional invocada pelo Ministério Público.
Concludentemente, não ocorre qualquer nulidade processual decorrente da falta da citação do Ministério Público, improcedendo o alegado erro de julgamento imputado ao despacho recorrido.”
Veja-se ainda o acórdão deste TCAN de 05/11/2021, proferido no âmbito do processo n.º 260/21.3BECBR-S1, cujo sumário reza assim:
“1. Apesar da parte final do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA se referir à possibilidade de representação do Estado pelo MP, a verdade é que apenas a este incumbe tal representação, atendendo a que não existe norma que lhe retire essa função, subsistindo ainda outros preceitos normativos conexos que continuam a cometer essa tarefa ao MP em sentido positivo.
2. Da primeira parte do n.º 4 do art.º 25.º do CPTA apenas resulta que a citação feita ao Estado deve ser dirigida ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, cabendo-lhe assegurar a sua transmissão aos serviços competentes, v.g., ao Procurador da República junto do TAF onde corre o processo, ou em obediência à respetiva lei orgânica do MP.
3. A coordenação mencionada na última parte do mesmo n.º 4 não confere ao centro de Competências Jurídicas do Estado qualquer espécie de poder funcional sobre o MP, cabendo-lhe apenas coordenar com este último nos termos solicitados, designadamente recolhendo as informações e os elementos necessários junto dos diversos gabinetes ministeriais e preparando, de acordo com o solicitado e se tal suceder, os termos da defesa a apresentar pelo Estado.”
Tendo em conta o disposto no artº 25.º do CPTA, conjugado com os art.ºs 219.º, n.º 1, da CRP, 51.º do ETAF, 11.º, n.º 1, do CPTA, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, als. a), b), f), h), j) parte final, m), 9.º, n.º1, als. a), b), f), g), 2, do EMP e 24.º, n.º 1, do CPC, não se pode concluir que com a alteração legal operada pela Lei nº 118/2019, se quis atribuir a competência para representar o Estado Português em juízo ao Centro de Competências Jurídica do Estado - JurisAPP, ou retirar a competência ao MP para representar o Estado enquanto este não constituir mandatário próprio ou, sequer, que se quis fazer depender a representação do EP pelo MP de uma decisão ou opção do JurisApp. Se tal ocorresse, como sustenta o DMMP nas suas alegações, ocorreria a invocada inconstitucionalidade, orgânica e material.

Assim, o artº 25.º do CPTA, na versão dada pela Lei 118/2019, veio indicar que quando seja demandado o Estado a citação “é dirigida unicamente” ao JurisApp que “assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.
Resulta que o JurisApp não tem competências para representar o Estado, porquanto, este organismo não representa legal, orgânica ou estatuariamente o EP.
Logo, o citado artº 25.º do CPTA só pode ter sentido útil quando através do mesmo o legislador queira ter indicado que a morada para a qual se faz agora a citação do R. Estado é a do JurisApp.
Assim sendo, o art. 25.º do CPTA introduz uma nova formalidade legal relativa à exigência de envio da citação dirigida para a morada do JurisApp mas o citado continua a ser o Estado.
O JurisApp é um serviço da administração central que não se confunde com a pessoa colectiva Estado Português, integrando-a, mas não representa o Estado.

Deste modo, o art.º 25.º do CPTA não pretendeu atribuir tal competência de representação do Estado ao Centro de Competência Jurídica do Estado - JurisApp, nem a quis retirar ao Ministério Público.
Pelo que, não ocorrem as referidas inconstitucionalidades, na medida em que aquele Centro de Competências, passará a funcionar apenas para receber as referidas citações dirigidas ao Estado.
Assim sendo, não ocorre a alegada falta de citação, nos termos dos art.ºs 188.º, n.º 1, alínea a) 187.º alínea a) do CPC, por tal ato ter sido completamente omitido, tendo, antes, sido realizado naquele Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Como resulta da matéria provada, a citação do réu Estado Português foi efetuada através do Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Ao Ministério Público junto do TAF de Aveiro foi entregue a petição e os documentos que instruíam a P.I. - artigo 85º/1 do CPTA.
Assim, o despacho recorrido não incorreu em erro de julgamento, porquanto, ao decidir como decidiu, não violou nem fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 219.º da CRP e nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, n.º 1, als. a), b) e j) do EMP, 51.º do ETAF e 197.º, n.º 1, 223.º, n.º 1, 188.º, n.º 1, al. a) e 187º, al. a) do CPC, juntamente com os artigos 25.º, nº 4 e 11º, nº 1 do CPTA, na sua versão atual - vd. o recente Acórdão deste TCAN (de 14 de janeiro de 2022), proferido no âmbito do processo nº 495/21.9BEPNF-S1.
(…)».
Tem-se como jurisprudência estabilizada.
No mesmo sentido, importando argumentos, sem qualquer essencial nota dissonante aqui em causa, advém a confirmação do despacho recorrido.
Não sem antes lembrar o que exaramos em Ac, deste TCAN, de 09-04-2021, proc. n.º 240/20.6BEPNF-S1:
«(…)
Dispõe o artigo 219º da CRP, no que aqui releva:
“Artigo 219º
Funções e Estatuto
1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
O recorrente vê aqui que por força da lei constitucional lhe incumbe representação do Estado, como o seu Estatuto confirma.
E certamente que sim.
«Mas, o que a Constituição não afirma é que a representação do Estado nos tribunais compete exclusivamente ao Ministério público.
O mesmo se passa a nível infraconstitucional: o Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, afirma no artigo 4º, nº 1, alínea b), que compete ao Ministério Público a representação do Estado.
Em lado algum se vislumbra norma legal que cometa ao Ministério Público a exclusiva representação do Estado nos tribunais.» - Ac. deste TCAN, de 05-03-2021, proc. n.º 271/20.6BEVIS.
Não está vedada ao legislador ordinário, por suposta exclusividade, a solução do art.º 25º, n.º 4, do CPTA.
A inconstitucionalidade material por violação ao artigo 165°, n° 1, al. p) da CRP (reserva relativa de competência da Assembleia da República relativamente à organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados), na consideração conjugada dos artigos 11º, nº 1 (“Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”), e 25°, n° 4 do CPTA também não ocorre.
A solução legislativa é alimentada por lei formal.
E não põe em causa o estatuto, máxime a autonomia, do Ministério Público.
A possibilidade de representação do Estado em juízo pelo Ministério Público não é vedada por o Centro de Competências Jurídicas do Estado ter incumbência de coordenar termos de intervenção em juízo, pois que (i) é possibilidade de representação não excluída, (ii) e sendo efectiva, em sã leitura se tem de entender que essa coordenação só vale com relação aos “serviços competentes” dos “diversos ministérios” demandados; o que, assim se entendendo, dota a lei do sentido constitucionalmente conforme, coincidindo com aquele que o recorrente entende merecer preservação.
(…)».
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Sem custas, por isenção.
Porto, 11 de Novembro de 2022.

Luís Migueis Garcia, relator por vencimento.
Conceição Silvestre
Rogério Martins, vencido conforme se segue:
Voto de vencido:
Voto vencido o acórdão que fez vencimento, pelos fundamentos do meu projecto de acórdão e em coerência com o voto de vencido assumido nos acórdãos de 28.09.2020, processo 1240/19.4 PNF –S1, de 22.01.2021, processo 462/20.0 CBR – S1, de 09.04.2021, processo 240/20.6 PNF e de 15.07.2021, processo 1011/20.5 PRT – S1, que não se encontram, nenhum deles, publicados na base de dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos do Ministério da Justiça (http://www.dgsi.pt/) .
Conforme dispõe o n.º1 do artigo 219.º do Código de Processo Civil:
“A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa”.
No caso de pessoa colectiva a citação opera-se necessariamente na pessoa singular que o representa.
Saber quem é demandado no processo e quem o representa é, portanto, uma questão que lógica e processualmente precede a questão de quem deve ser citado.
Por isso se coloca em primeiro lugar a questão de saber se o Estado é demandado no processo e nesse caso, segunda questão, quem o deve representar, porque só depois de ser dada a resposta a estas questões se pode determinar se foi citado quem devia ter sido, ou seja, se foi citado quem representa, ou pode representar, o demando no processo, no caso de ser o Estado Português.
Não é quem se cita que representa o demandado é quem representa o demandado que deve ser citado. Esta conclusão é a que se adequa à construção e sequência legal das figuras jurídicas da citação e da representação.
Feita este esclarecimento prévio, fica mais clara a solução a dar ao presente recurso jurisdicional, favorável ao Recorrente, no meu entendimento.
Determina o n.º 4 do artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09:
“Quando seja demandado o Estado, ou na mesma acção sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo”.
O que o legislador ordinário fez com esta nova norma, foi optar pela representação unitária do Estado Português pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, ao determinar que a citação é feita “unicamente” a esta entidade.
Não se trata de saber se a Constituição impõe a representação em juízo do Estado Português exclusivamente pelo Ministério Púbico.
Até se pode admitir que não.
O que se trata é de saber se a Constituição permite esta solução legal de excluir o Ministério Púbico da representação do Estado em juízo, atribuindo esse poder de representação ao Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Conferindo-lhe depois o poder – que é uma novidade jurídica – de escolher quem vai patrocinar o Estado e em que “termos”.
Certo é que o n. º1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, sob a epígrafe “Patrocínio judiciário e representação em juízo”, dispõe:
“Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público”.
Esta “possibilidade” - que antes era regra – acaba por ser não de representação, como literalmente diz o preceito, mas antes de mero patrocínio, por parte do Ministério Público em defesa dos interesses do Estado, e não como decorrência da lei, mas determinado pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Claramente é uma solução simplificadora, face às dúvidas que se suscitam quanto a saber quem é parte demandada no processo em contencioso administrativo.
Mas claramente também afronta do disposto no n. º1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa:
“Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”.
Pode interpretar-se este preceito de modo mais alargado ou restrito. O que não se pode é interpretar em sentido contrário ou totalmente distinto, atribuindo a representação do Estado a um órgão da Administração ao invés de a atribuir a uma magistratura. Não pode adoptar-se uma interpretação que não tenha com a letra da lei o mínimo de correspondência – n. º2 do artigo 9º do Código Civil.
De acordo com a solução consagrada no n.º 4 do artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, quando “seja demandado o Estado … a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado”, ou seja, é este ente que representa o Estado em todas as acções.
Não faz sentido, seja qual for a construção jurídica que se escolha, citar quem não é parte demandada ou não representa legalmente a parte demandada.
Em todo o caso, a entender-se que esta norma não define quem representa o Estado, mas apenas quem é citado, então teremos de concluir que nessa solução também se desrespeita o disposto no estatuído no n. º1 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa, porque não fica definido na lei em que casos o Ministério Público representa o Estado, mas esta representação, e os respectivos termos, é definida, casuisticamente, pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Quando claramente este preceito determina que a representação do Estado pelo Ministério Público é determinada “nos termos da lei”.
Lei da reserva exclusiva da Assembleia da República – alínea q) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa.
Assim como, nesta segunda hipótese, de não se tratar de definição de quem representa o Estado, mas apenas de quem é citado, se violaria o disposto no n.º 2 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa:
“O Ministério Público goza de autonomia, nos termos da lei”.
A intervenção do Ministério Público, com autonomia, nos termos definidos por lei – n.ºs 1 e 2 do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa, é substancialmente distinta da intervenção coordenada nos termos definidos pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado - n.º 4 do artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09.
Isto porque nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 25.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos com a redacção dada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, aqui em análise, cabe ao Centro de Competências Jurídicas do Estado determinar quando tem lugar a representação do Estado pelo Ministério Público, bem como coordenar “os termos da respetiva intervenção em juízo”.
Tal como violaria, nesta segunda hipótese, o disposto na alínea q) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, pois caberia então ao Centro de Competências Jurídicas do Estado dizer, caso a caso, quem iria representar o Estado, sem qualquer estrita vinculação legal, ou seja, sem lei. Sem Lei da Assembleia da República a definir, em termos gerais e abstractos, quem representa o Estado em juízo. Mais precisamente com uma “norma em branco”, a preencher pelo referido Centro.
Basicamente refere-se que a Constituição não veda a presentação do Estado por outras entidades que não o Ministério Público, mas não se diz quem, nesta nova solução jurídica, representa o Estado e em que casos.
A chamada à colação das normas do Código de Processo Civil, ainda torna mais evidente a inaceitabilidade, no contencioso administrativo, desta solução inovatória, ao invés de a permitir compreender.
Em concreto o disposto no artigo 24.º do Código de Processo Civil, sob a epigrafe “Representação do Estado”:
“1 - O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio, cessando a intervenção principal do Ministério Público logo que este esteja constituído.
2 - Se a causa tiver por objecto bens ou direitos do Estado, mas que estejam na administração ou fruição de entidades autónomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Público, para o que são citadas quando o Estado seja réu; havendo divergência entre o Ministério Público e o advogado, prevalece a orientação daquele”.
Se nos litígios no âmbito de relações jurídico-privadas envolvendo o Estado, ou seja, em que estão em causa bens ou interesses patrimoniais privados do Estado, a representação é feita por regra pelo Ministério Público ou com prevalência da sua orientação, nos litígios jurídico-administrativos, em que estão em causa bens ou interesses de natureza pública, por maioria de razão se justifica a representação e coordenação da defesa do Estado pelo Ministério Público, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 219º da Constituição da República Portuguesa.
Do que se conclui que tem razão o Ministério Público ao invocar a inconstitucionalidade das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção da Lei nº 118/2019, de 17.09, são materialmente inconstitucionais, nos termos do artigo 277°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, por violação do disposto no n.º1, primeira proposição, e n.º 2, segunda proposição, do artigo 219º deste diploma fundamental, bem como o conteúdo material dos princípios e normas constitucionais do artigo 165°, n° 1, alínea p), ainda da nossa Constituição.
O que determinaria, na minha óptica, a revogação da decisão recorrida e impõe, nos termos da legislação anterior – n.º1 do artigo 282º da Constituição da República Portuguesa – a citação do Ministério Público - n.º1 do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redaçcão dada Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10.
Tendo sido citado o Centro de Competências Jurídicas do Estado num caso em que se impunha a citação do magistrado do Ministério Público, ocorre a apontada nulidade da citação, por omissão da citação – artigo 188º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O Estado Português não foi citado. Foi citada entidade que o não representa nem pode representar.
E, na constatação de se verificar a falta de citação, impunha-se a declaração de nulidade de todo o processado posterior à petição inicial - artigo 187.º, alínea a), do Código de Processo Civil.
Pelo que concederia provimento ao recurso e, assim: revogava a decisão recorrida, declarava a inconstitucionalidade das normas do segmento final do nº 1 do artigo 11º e do nº 4 do artigo 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação da Lei nº 118/2019, de 17.09 e, consequentemente, declarava a nulidade resultante da falta de citação do Réu Estado Português e, logo, a nulidade de todo o processado com exclusão da petição inicial, ordenando o prosseguimento dos autos principais com a citação do Réu Estado Português na pessoa do Ministério Publico.
*
Porto, 11.11.2022
Rogério Martins