Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00968/05.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC
FATURAS FALSAS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE QUALIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual e permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
II. A fundamentação formal do ato não se confunde com a validade substancial dos fundamentos avocados na motivação do ato.
III. quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das prestações de serviços ou transações tituladas pelas faturas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Soc. Construções...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

A Recorrente SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES…, LDA., e melhor identificada nestes autos, vem impugnar a liquidação de IRC do ano de 2001 na importância de € 66.533,51.
A Mm. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por sentença proferida em 29.09.2008, decide julgar a impugnação improcedente.
A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
CONCLUSÕES:

1. Vai o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial instaurada pela recorrente, no tocante à liquidação de IRC do exercício de 2001, do valor de € 66.533,51;
2. Alegou a impugnante/recorrente a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida bem como a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a imposto;
3. Para tanto e no que concerne ao primeiro vício invocado, entendeu a recorrente, salvo devido respeito por opinião contrária, que o mesmo se verificou, porquanto a fundamentação invocada pela Administração Fiscal não foi, de todo, esclarecedora;

Senão veja-se:
4. A recorrente entende que a fundamentação é contraditória, obscura e insuficiente;
5. Contraditória porque a Administração Tributária tratou os factos como transacções fictícias (inexistentes, portanto), para, nas penalidades, justificar tal entendimento com o preceito legal aplicável a simulação de negócios (situações em que existiram transacções);
6. Obscura, já que não se entende a justificação da Administração Fiscal em não considerar as transacções efectuadas e consequentemente os serviços devidamente prestados uma vez que considerou que os cheques foram efectivamente recebidos pelo emitente das facturas, tendo os seus valores saído da conta bancária da recorrente;
7. A emissão de cheques pela recorrente não se deve, com certeza, a nenhum comportamento altruísta;
8. Insuficiente porquanto se baseia em factos cuja responsabilidade não pode ser imputada à recorrente, mormente o comportamento do emitente das facturas relativamente às obrigações fiscais que sobre si impendem perante a Administração Tributária, e ainda,
9. Por se fundar em factos sem qualquer relevância efectiva, de que são exemplos, a emissão de cheques com numeração sequencial, o levantamento de cheques no dia da sua emissão e a diferença entre a numeração sequencial dos cheques e as datas que lhes foram apostas;
10. Não logrou, a Administração Fiscal, justificar, igualmente, a não aceitação de duas fases de construção numa mesma área, quando tal facto lhe foi assegurado pelo Eng. Martins, em auto de declarações (RIT);
11. No entanto, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerou improcedente a alegada falta de fundamentação, desvalorizando quer a prova documental apresentada, quer a prova testemunhal produzida, pelo que, por tal razão, deverá a mesma ser reapreciada por Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, na íntegra;
12. Sem prescindir da solicitada reapreciação da prova, releva ainda o facto da douta sentença se fundamentar no PA (Processo Administrativo), elemento que constitui fundamentação a posteriori, e como tal, não poderá ser tido em consideração como elemento de prova nos presentes autos;
13. Ao decidir conforme vem expendido na douta sentença recorrida, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo apreciou erradamente os factos, já que, da sua análise apenas se poderia retirar a procedência do vício alegado;
14. E nessa conformidade, aplicou erradamente a lei;
15. Quanto ao segundo vício invocado na petição inicial pela recorrente, esta entende que o mesmo se verificou, ao contrário do entendimento vertido na douta sentença, nesta matéria;
16. E tanto assim é, que existe prova da realização das obras na G…x, em Guimarães, e no E… em Santa Maria da Feria;
17. Existem também as facturas referentes a essas obras e os competentes recibos, documentos que não foram contraditados;
18. Existem igualmente os cheques, referentes ao pagamento dos serviços, emitidos pela recorrente à ordem de J..., Lda., que não foram colocados em crise;
19. As obras estão especificadas, estando comprovadas quer através de documentos, quer através dos depoimentos das testemunhas, onde se demonstra que, efectivamente foram realizadas por J..., Lda.;
20. A Administração Tributária não questionou o pagamento das facturas;
21. Os custos encontram-se devida e legalmente comprovados;
22. Os custos foram essenciais, indispensáveis portanto, à formação do rendimento da recorrente;
23. E, como tal, deveriam ser deduzidos aos seus proveitos, para efeitos de apuramento da matéria tributável da recorrente;
24. Não tendo procedido nesse sentido, ou seja, ao não considerar dedutíveis os custos da recorrente, a Administração Fiscal tributou-a, não pelo seu lucro real, mas sim por um lucro ficcionado, não condizente com a realidade económica da recorrente;
25. Tendo indeferido a pretensão da recorrente de ver considerado procedente o vício da errónea qualificação e quantificação do rendimento sujeito a imposto, a douta sentença enfermou de erro na apreciação da prova produzida e dos factos com a consequente aplicação errada da lei;
26. Assim sendo, a decisão recorrida violou, para além de outras normas e princípios, o disposto nos artigos 104º n.º 2 e 268º n.º 3, ambos da CRP, artigo 240 n.º 1 e 2 do CC, artigo 125º n.º 1 do CPA, artigos 75º e 77º n.º 1 e 2, ambos da LGT, artigo 23º n.º 1 a) do CIRC e artigo 19º n.º 3 do CIVA. (…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
A Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respectivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito relativamente ao vício de ausência ou falta de fundamentação e em erro de julgamento de direito e de facto relativamente à errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a impostos

3. DO JULGAMENTO DE FACTO

3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:


“(…)MATÉRIA DE FACTO PROVADA COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO:
1 - A ora impugnante durante o ano de 2001 dedicou-se à realização de obras públicas, nomeadamente pavimentações, redes de saneamento e à realização de empreitadas para empresas.
2 - No referido exercício foi objecto de uma inspecção tributária, a qual deu lugar a correcções em sede IRC cuja liquidação ora se impugna.
3 - Os fundamentos para as correcções encontram-se a fls. 4 a 12 do PA e que aqui se dão por reproduzidos.
4 - Nessa acção inspectiva foi apurado que no exercício acima identificado tinham sido contabilizados valores correspondentes a facturas emitidas por J..., Lda.
5 - As facturas em causa mencionam trabalhos efectuados na obra E…, de Santa Maria da Feira e na G…, em Guimarães.
6 - A inspecção tributária concluiu que as ditas facturas não correspondem a trabalhos efectivamente prestados por J..., Lda.
7 - O referido J..., Lda, doravante designado de J..., encontra-se fortemente indiciado como emitente de facturas falsas, conforme decorre do relatório acima mencionado.
8 - A impugnante realizou obras na G... em Guimarães e no E..., em Santa Maia da feira.
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos acima identificados, nos factos alegados e não, impugnados e no depoimento das testemunhas.
FACTOS NÃO PROVÁDOS:
Não se provou que o J... - Sociedade Unipessoal, Lda., tenha efectivamente prestado os serviços mencionados nas facturas identificadas no relatório da inspecção, porque a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para colocar em causa os factos apurados pela inspecção tributária.
Com efeito, as duas testemunhas arroladas pela impugnante prestaram um depoimento muito vago no que concerne à realização dos trabalhos por parte daquela empresa.
A 1° testemunha, referiu que apenas andou na obra da G..., e que soube que havia uma equipa do Sr. S..., porque o seu director de obra, Eng° E...lhe tinha dito.
Não sobe precisar quanto tempo essa equipa andou na obra e nunca viu o referido Sr. S.... Não sabe igualmente identificar os trabalhadores daquele. Referiu ainda que os trabalhos efectuados por aquela equipa foram apenas de mão-de-obra.
Por sua vez, a 2ªtestemunha, sócio da impugnante, ao tempo da emissão das facturas, referiu que a equipa do Sr. J... S..., para além de mão de obra também aplicava material, designadamente “malha sol”, e que quem dirigia esses homens era o seu encarregado. Que conhece o Sr. S..., porque o contactou pessoalmente, mas não conhece os trabalhadores, pois os contactos eram efectuados pelo encarregado (1ª testemunha). .(…)”

Compulsados os documento do Processo Administrativo apenso aos autos e abrigo do artigo art.º 662.º do Código do Processo Civil (CPC) importa alterar os pontos nº 2 e 3 e aditar ao probatório os n.º 7 e 8.

2. A Administração procedeu às liquidação adicional de IRC, do ano de 2001, no montante de 66 533,51 euros, e de juros no valor de 6874,65 com data limite de pagamento em 14.06.2005 (Cfr. fls. 41 a43 dos autos)
3. A liquidação do IRC do ano de 2001, teve por suporte o Relatório Final de Inspeção, datado de 19.04.2004 constantes de fls 16 a 24 do PA apenso aos autos que aqui se dão por integralmente por reproduzidos;
7. A sociedade Construções…, S.A., registou na sua contabilidade as facturas:
a) n.º37 , no valor de 14 919 766$00, emitida em 30.11.2001, por J..., Lda;
b) N.º 40 no valor de 14 863 048$00 emitida em 28.12.2001, por J..., Lda (fls. 16 a 24 do PA apenso aos autos);
8. As faturas foram pagas faseadamente durante o ano de 2002, por cheques emitido a favor de J... , a saber:
a) 776412052, da CGD emitido em 28.02.2002, no valor de 37 409$84, levantado em 28.02.2002, para pagamento de parte da fatura n.º37;
b) 87645412053, da CGD emitido em 30.03.2002, no valor de 37 009,69, levantado em 29.05.2002, para pagamento de parte da fatura n.º37;
c) 976412054, da CGD emitido em 27.04.2002, no valor de 36 911$04, levantado em 29.08.2002, para pagamento de parte da fatura n.º40;
c) d) 776412055, da CGD emitido em 31.05.2002, no valor de 37 225$53, levantado em 18.11.2002, para pagamento de parte da fatura n.º40 (fls. 16 a 24 do PA apenso aos autos);

4. DO JULGAMENTO DEDIREITO

4.1. A Recorrente nas conclusões - n.º 4 a 14 - alega que a fundamentação é contraditória, obscura e insuficiente.
A fundamentação dos atos administrativos está consagrada no nº 3 do art.º 268º, da CRP, que preceitua que: [o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez o nº 1 do art.º 124.º do CPA estabelece que “[P] ara além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b)(…)”
Relativamente aos atos tributários preceitua o art.º 77.º da LGT que “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.
Dos referidos normativos resulta que a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara/acessível, permitindo que, através dos seus termos, se compreendam os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
Sendo essencial que dê a conhecer ao seu destinatário todo o percurso cognitivo e de valorativo dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido.
As exigências de fundamentação variam de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão.
A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.
Trata-se de permitir ao destinatário normal - a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
É jurisprudência reiterada e consolidada dos tribunais superiores nomeadamente dos acórdãos do STA n.º 060/10 de 06.10.2010, TCAN 01393/06.1 BEBRG de 14.03.20013, 00035/04 de 11.11.2004 e vasta jurisprudência aí citada e 0190/06.3 BEVIS de 16.10.2014.
Reportando-nos ao caso em concreto a sentença recorrida considerou conclui-se que é clara e linear a fundamentação aduzida pela administração fiscal para proceder às correcções em sede de IRC.
E foi isso mesmo que ocorreu, pois se analisarmos o conteúdo da petição inicial verificamos que tal fundamentação foi pela ora impugnante apreendida tendo em conta que a mesma ataca cada facto apurado pela inspecção tributária.”
E analisado o Relatório Final de Inspeção, constante de fls.16 a 24 do PA apenso aos autos constam os objetivos, âmbito e extensão da ação inspetiva, a atividade da Recorrente, os valores declarados nos anos de 2001 e 2002 análise documental dos registos contabilísticos, nomeadamente das compras e subcontratos.
Descreve os factos e fundamentos de correções meramente aritméticas na qual constam as faturas emitidas por J..., Lda.
Identifica as faturas emitidas e respetivos valores e datas, a situação do emitente de faturas e a situação do utilizador das faturas a análise das faturas em termos económicos e operacionais .
Foi efetuada a análise em termos de custos e proveitos nas obras referidas nas faturas - obra de G... e obra da E...- e ponderada a prova recolhida e as respetivas conclusões.
No relatório, para além das correções aritméticas à matéria tributável com foram efetuadas correções com recurso aplicação de métodos indiretos, que não vem contraditados nos presentes atos, tendo originado correções ao IRC e ao IVA.
Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual e permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
Mas fundamentação formal do ato não se confunde com a validade substancial dos fundamentos avocados na motivação do ato.
E como refere o Acórdão do STA n.º060/10 de 06.10.2010 “(…) não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte Sérvulo Correia In “Noções de Direito Administrativo”, I, pág. 403., «a fundamentação pode ser inexacta e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexactidão dos fundamentos não conduz ao vício de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vício de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto».
Por conseguinte, o discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.”
A argumentação expendida na petição inicial – art.º 34 a 51.º - e nas conclusões das alegações – 9 a 14 – reportam-se à valia substancial dos fundamentos aduzidos na motivação do ato, os quais deveriam ter sido atacados em outra sede que não da fundamentação do ato.
De tudo quanto foi dito o relatório de inspeção encontra-se devidamente fundamentado permitindo ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
Aliás, foi também este o entendimento tido no acórdão n.º 10/05.1BEBRG, 25.06.2010, proferido neste tribunal, relativamente à liquidação do IRC, a ora Recorrente, do mesmo ano e com base no mesmo Relatórios Final de Inspeção.
Pelo que nesta parte, improcede o recurso.

4.2. A segunda questão a resolver é a de saber se há erro de julgamento de direito e de facto relativamente à errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a impostos
A liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) que foi objeto de impugnação judicial por parte da Recorrente resultou de correções meramente aritméticas à matéria tributável por si declarada relativamente aos exercícios de 2001, determinada pela desconsideração de faturas nas quais figura como emitente a sociedade comercial J..., Lda., e que, no entender da administração tributária, não correspondem a uma efetiva prestação de serviços.
Se bem compreendemos, das conclusões concatenadas com as alegações de recurso - 9 a 20 -, a Recorrente considera que há erro de julgamento da matéria de facto, porquanto alega que existe prova da existência das obras na G... e E... e que existem também as faturas referentes a essas obras e os competentes recibos, documentos que não foram contraditados; e que os cheques, referentes ao pagamento dos serviços, por si emitidos à ordem de J..., Lda., que não foram colocados em crise e que as obras estão especificadas, estando comprovadas quer através de documentos, quer através dos depoimentos das testemunhas que, efetivamente foram realizadas por J..., Lda.

E que a Administração Tributária não questionou o pagamento das faturas e que os custos encontram-se devida e legalmente comprovados sendo essenciais, indispensáveis portanto, à formação do rendimento da Recorrente e como tal, deveriam ser deduzidos aos seus proveitos, para efeitos de apuramento da matéria tributável da recorrente.
A questão principal é a de saber se os custos contabilizados pela impugnante e respeitantes às obras efetuadas na G... e E..., e tituladas pelas faturas emitidas por J..., Lda., devem ou não ser consideradas como custos no apuramento da matéria coletável.
Relativamente a esta materia a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial uma vez que que a impugnante, não alegou e provou factos certos e concludentes para a prova da existência das operações subjacentes às faturas em discussão nos presentes autos.
Como decorre da matéria de facto provada, a administração tributária considerou que as faturas n.ºs 37 de 30.11.2001 e n.º 40 de 28.12.2001 contabilizadas pela Recorrente e nas quais figura como emitente a sociedade comercial J..., Lda., não correspondem a efetivas transações porque, e que apesar de existirem cheques emitidos para pagamentos das faturas a favor do sócios J..., cheques por este levantados conclui-se pela existência de transações fictícias.
O Relatório no ponto n.º A1 equaciona a situação do emitente de faturas concluindo que efetivamente esse comportamento indicia a emissão de faturas que não tem subjacente a transações ou prestações de serviços, nomeadamente: não ser declarante para efeitos de IVA e IRC, ter iniciado a atividade em 08.11.2001, que a sede corresponde a casa de habitação em estado de abandono, que apresentou folhas de remuneração para segurança social, relativamente ao gerente no período ente novembro de 2001 e abril de 2002, entre outras situações.
No ponto A2 o Relatório analisa os registos contabilísticos da Recorrente e as fatura n.º37 e 40 em termos económicos operacionais, ou seja em termos de custos e proveitos às obras referidas nas respetivas faturas.
No ponto n.º A221 foi analisada a obra G…, Monte Largo, tendo em conta o orçamento da mesma, os valores faturados, materiais, subcontratos e pessoal utilizado na obra.
No ponto n.º A222 foi analisada a obra do E..., de Santa Maria da Feira, tendo em conta o orçamento da mesma, os valores faturados, materiais subcontratos e pessoal utilizado na obra.
No ponto A3 retira as conclusões referindo que apesar de existirem cheques emitidos para pagamentos das faturas a favor do sócios J... as faturas em causa traduzem transações fictícias, o que levou a correções do IVA entretanto deduzido e ao corte dos respetivos custos.
Aqui chegados importa saber se a administração recolheu indícios suficientes que sustentem aquela afirmação conclusiva, embora tal facto não venha explicitamente alegado pela Recorrente.
A administração tributária enunciou diversos factos indiciários que, em seu entender, seriam demonstrativos de que o emitente das faturas não prestou os serviços a que estas se referem.
E apresentou um grupo dos indícios referentes a aspetos formais da faturação e legais relativos ao emitente das faturas.
Com efeito estes indícios, são completamente estranhos à Recorrente e nenhum deles, mesmo analisado em concatenação com os demais, é suficiente para que se possa ter por fortemente indiciado que as faturas que aquela contabilizou não correspondem a serviços prestados pelo seu emitente.
Mas a administração tributária não ficou por esses elementos analisou a contabilidade da Recorrente em termos económicos e operacionais.
E relativamente a esta parte a Administração analisou as referidas obras do ponto de vista dos custo e dos proveitos e concluiu que efetivamente corresponde a transações fictícias ou seja irreais.
Assim, os indícios recolhidos pela administração tributária permitem suportar, objetivamente e às luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Recorrente e proceder à liquidação em litígio.
Cumprindo a administração tributária o ónus que sobre si impendia, passou a caber ao impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das transações, isto é que as faturas emitidas correspondiam a verdadeira prestações de serviços e transações efetuadas entre o emitente e o utilizador, não bastando criar a dúvida a esse propósito, antes lhes competindo demonstrar a materialidade das operações subjacente às referidas faturas.
Neste sentido apraz citar o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07, no processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, que firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito que se arroga.
Entendendo-se que tal como a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito aos custos e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.
E está regra, do ónus probatório, só opera depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu. Ou seja depois da administração tributária ter emitido “(…) um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei(…)”.(cfr. acórdão n.º 01026/02).
E, também tem sido está, a jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
E assim sendo, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação - cfr. Acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Acresce esclarecer que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das faturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do STA de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas faturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da LGT.
Entendeu o tribunal a quo que a ora Recorrente não cumpriu esse ónus, e não foi capaz de demonstrar a veracidade das transações tituladas pelas faturas.
Cumpre, pois, proceder à análise crítica da prova constante dos autos a fim de averiguar e decidir se a mesma permite ou não concluir pela veracidade do que nelas é documentado.
Incumbia ao ora Recorrente ter alegado e provado factos que demonstrassem a veracidade das transações, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com o emitente das faturas, quando, como e onde se iniciou, como eram feitos cada um dos contactos, em que consistia a prestações ou transações, como eram quantificadas e estabelecido o preço, como eram feitas as entregas e os pagamentos e quaisquer outras particularidades do negócio.
O que no caso em apreço não era difícil pois tratava-se de duas faturas.
A ora Recorrente limitou-se a alegar a existência da realização das obras da G..., e da E..., facto que a administração não pôs em causa, a existência de faturas referentes a essas obras e respetivos recibos e cheques de pagamento dos serviços emitidos pela Recorrente à ordem de J..., Lda.
A Recorrente apresentou prova documental: cópia das faturas n.º37 e 44 – cópia de frente e verso dos cheques emitidos e extratos de conta da Caixa Geral de Depósitos referindo o seu desconto.
Juntou ainda orçamento relativamente á obra de E..., cujo promotor identificado é a sociedade VHM e fatura relativa ao auto de medição n.º3 dessa mesma empresa.
Estes documentos não são suficientes para provar a materialidade das operações, só indiciam a existência de operações e movimentos financeiros, entre a Recorrente o emitente da fatura e não provam a existência da relação comercial efetiva e subjacente.
Os orçamentos juntos e faturas também nada provam, atendendo que os intervenientes são diferentes do emitente das faturas.
A Recorrente produziu prova testemunhal, a sentença recorrida refere que não ficou provado que “ … o J... - Sociedade Unipessoal, Lda., tenha efectivamente prestado os serviços mencionados nas facturas identificadas no relatório da inspecção, porque a prova testemunhal apresentada foi claramente insuficiente para colocar em causa os factos apurados pela inspecção tributária. “
E que “…, as duas testemunhas arroladas pela impugnante prestaram um depoimento muito vago no que concerne à realização dos trabalhos por parte daquela empresa.
A 1° testemunha, referiu que apenas andou na obra da G..., e que soube que havia uma equipa do Sr. S..., porque o seu director de obra, Eng° E… lhe tinha dito.
Não sobe precisar quanto tempo essa equipa andou na obra e nunca viu o referido Sr. S.... Não sabe igualmente identificar os trabalhadores daquele. Referiu ainda que os trabalhos efectuados por aquela equipa foram apenas de mão-de-obra.
Por sua vez, a 2ª testemunha, sócio da impugnante, ao tempo da emissão das facturas, referiu que a equipa do Sr. J... , para além de mão de obra também aplicava material, designadamente “malha sol”, e que quem dirigia esses homens era o seu encarregado. Que conhece o Sr. S…, porque o contactou pessoalmente, mas não conhece os trabalhadores, pois os contactos eram efectuados pelo encarregado (1ª testemunha). “
Prevê o art.º 607.º, n.º 5 do CPC ( ex art.º 655.º n.º1 ) que “ [o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Como consta do acórdão do TCAN n.º 00390/05.0BEBRG de 30.10.2014, “Este preceito legal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção, sendo que o princípio da imediação limita o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pois a sua alteração apenas pode ocorrer em caso de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso.
Em suma, apenas haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.(…)”
Acresce ainda referir que, a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais – para além, como é óbvio, das faturas e recibos – dificilmente servirá para convencer o tribunal da realidade das operações.
A prova testemunhal, assim como a demais tipo prova, deve demonstrar da realidade dos factos criando a convicção subjectiva, no espírito do julgador, de que aquele facto ocorreu.
A afirma sentença recorrida consta que os “(…) depoimento das testemunhas em nada contribuiu para comprovar a efectividade daqueles serviços, designadamente porque se mostraram contraditórios, no que se refere ao tipo de serviço prestado, em que a 1ª testemunha refere que foi apenas e só mão de obra, e a 2ª refere que foi mão de obra e fornecimento de material. Para além disso a 1ª testemunha só acompanhou a obra da G..., nada dizendo quanto à obra do E.... O encarregado de obra, (1ª testemunha) não sabe identificar os trabalhadores do referido J... S.... Por sua vez a 2ª testemunha muito embora fosse às obras, refere que quem dirigia os trabalhadores era o encarregado. (…)”
Analisado assim, toda a prova produzida, não foi firmada a convicção, que as faturas emitidas, está subjacente operações transações e prestações de serviços que a Recorrente alega e consequente erro de julgamento de direito e de facto.
E assim sendo, e no que concerne à violação do art.º 23.º do CIRC não tendo sido provado pela Recorrente que os custos titulados pelas referidas faturas forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, não há motivo para alterar o decidido pela 1.ª instância.
Pelo que nega-se provimento ao recurso.

Conclusões/sumário:
I. Da interpretação conjugada dos artºs 268º, nº 3 da CRP, 124º do CPA e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual e permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
II. A fundamentação formal do ato não se confunde com a validade substancial dos fundamentos avocados na motivação do ato.
III. quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das prestações de serviços ou transações tituladas pelas faturas.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente nos termos da tabela I-B – cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 2, n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 12 de fevereiro de 2015
Ass. Paula Teixeira

Ass. Mário Rebelo

Ass. Cristina Bento