Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00147/20.7BEVIS |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/03/2022 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Ana Patrocínio |
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Descritores: | MAIS-VALIAS, TRANSMISSÃO DE QUOTA DE SOCIEDADE, PARTILHA, DIVÓRCIO, DÉFICE INSTRUTÓRIO |
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Sumário: | Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. |
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Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório AA, contribuinte n.º 19...00, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., proferida em 27/01/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial versando a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2016, e inerente liquidação de juros compensatórios, no valor total de €83.876,53. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. – A prova testemunhal devia ter sido admitida (Art.º 392º do C.Civil e Art.º 118º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), pelo que os autos devem dar descida ao tribunal inferior para ser efetuada a prova testemunhal. 2. – A sentença é nula, por omissão ou falta de pronúncia do tribunal a quo sobre: 3. – Se a recorrente recebeu ou não qualquer importância da suposta transmissão da quota, para efeitos de manifesto excesso de capacidade contributiva e errónea quantificação; 4. – Se o valor de aquisição merecia constitucionalmente ou não a mesma determinação do valor, que o de realização, por fundadamente ser diferente o valor declarado do dos capitais próprios na data de aquisição. 5. – O que infringiu o disposto no n.º 1 do Art.º 125º do CPPT; 6. – Existe falta de fundamentação para aplicar o n.º 1 do Art.º 52º do CIRS; 7. – Por estarem em causa relações especiais e a aplicação somente é possível, a partir de 2021, com a entrada em vigor, do n.º 7 do Art.º 43º do CIRS; 8. – O fundamento utilizado pelo tribunal a quo, sustentado em dois acórdãos um do TCAS e outro do TCAN não é semelhante ao caso dos autos; 9. – O fundamento utilizado no RIT, de que existe uma diferença entre o valor declarado em 01.02.2016. e o dos capitais próprios da sociedade, de 31.12.2015. não sustenta a fundamentação da destruição do declarado, por o último ser o facto desconhecido, conforme n.º 1, do Art.º 349º do Código Civil. 10. – Pelo que a AT não cumpriu com o disposto no Art.º 77º da Lei Geral Tributária, em termos de fundamentação de facto e de direito. 11. – Existe manifesto excesso e errónea quantificação, pois no RIT não existe uma prova de que a recorrente tenha recebido um qualquer montante com a suposta transmissão da quota, conforme Art.º 100º do CPPT. Nestes termos; Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, anulando-se a liquidação de IRS e Juros Compensatórios, referente ao ano de 2016, para que assim se faça JUSTIÇA.” **** A Recorrida não contra-alegou **** O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de o recurso merecer provimento. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, e se enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao considerar inexistir falta de fundamentação ou qualquer ilegalidade na aplicação do n.º 1 do artigo 52.º do Código de IRS para tributar mais-valia decorrente de transmissão de quota de sociedade, por partilha no âmbito de divórcio. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “III I Factos provados Compulsados os autos, com relevância para a decisão a proferir, dão-se como provados os seguintes factos: A) A Impugnante AA foi objeto de inspeção interna, a qual foi realizada em cumprimento da ordem de serviço OI.........23, decorreu entre 19-08 e 11-12 do ano de 2019 e visou o controlo declarativo das mais-valias, no que concerne à divergência de valores (Artigo 52º do CIRS), do ano de 2016, cfr. fls. 8 e sgs. do processo Administrativo (PA), que integra o Relatório de inspeção, aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos; B) Aquela apresentou em 31-05-2017 a declaração Mod.3/IRS de 2016 e respetivos anexos A, B, G e H. No quadro 9 do anexo G da referida declaração declarou um valor de alienação de partes sociais - quotas, igual ao valor de aquisição, relativamente à sociedade M..., Lda. com o NIPC 50...88, mais concretamente o valor de 1 000,00€, vide fls. 11 e 82 e segs. (estas últimas repetidas a fls. 194 e segs). do PA. Esta factualidade não é questionada pela Impugnante antes foi também alegada na petição inicial; C) A impugnante casou com BB em 23-06-2001, em primeiras e únicas núpcias de ambos, segundo o regime de bens de comunhão de adquiridos, dissolvendo-se o casamento em 27-02-2013, cfr. os vários elementos que dos autos constam, factualidade que também não é contestada pelas Partes; D) O referido BB e familiares, entre outros a avó CC, constituíram, no início de 1994, a sociedade M..., Lda., com o capital social de 400 000$00, sendo que aquele, no início de em 2001, passou a deter quotas no valor de três mil euros de um total de capital social de 5 000€; E) No dia 22 de maio de 2006 os então sócios da M..., Lda. lavraram escritura de cessão de quotas, dela constando que o BB era casado com a Impugnante no regime de comunhão de adquiridos, onde se registou que os demais sócios cediam ao BB as duas quotas, no valor nominal de mil euros, cada uma, ficando este “detentor de cem por cento do capital da mencionada sociedade”, vide a certidão comercial e escritura de cessão cujas cópias constituem fls. 67 a 74 do PA; F) Na sequência do divórcio da Impugnante e BB correu processo de inventário/partilhas incluindo-se na relação de bens, como bens comuns as quotas cedidas e referidas em E) e, posteriormente, aqueles subscreveram requerimento a referir que a inclusão se deu a lapso “por não serem bens comuns do casal”, apresentado ao referido processo em 23-10-2019, requerimento acolhido por decisão proferida em 15-01-2020, cfr. fls. 173 a 183 do PA; G) No âmbito da inspeção referida em A) foi solicitado à M..., Lda. relatório de gestão de 2015 e instado o respetivo TOC a pronunciar-se sobre a “conformidade em termos qualitativos e quantitativos dos valores inscritos nas contas de capital da IES de 2015…”, tendo este se pronunciado: “… não ter nada a acrescentar à informação que consta do IES de 2015…”, vide fls. 50 a 61 do PA; H) Com base em tais elementos apurou-se que o valor do capital próprio da M..., Lda. em 31-12-2015 era de 2. 719 252,95€, tendo a inspeção concluído: “… numa situação de partilha da sociedade, o valor a partilhar seria sempre a quota- parte na totalidade do valor do capital próprio, ou seja, 20 % de 2.719.252,95 EUR. Perante os factos apresentados e atendendo ao enquadramento fiscal das ± valias, concretamente ao disposto no n° 1 do artigo 52° do CIRS, existe fundada divergência, conforme demonstrado anteriormente, entre o valor declarado e o valor real da transmissão pelo que se propõe proceder à sua correção. III. 7. CORREÇÕES PROPOSTAS - DETERMINAÇÃO DA MAIS VALIA Tendo ficado fundamentada a divergência entre o valor da transmissão e o valor declarado, nos termos do n° 1 do artigo 52° do código do IRS, tem a Autoridade Tributária a faculdade de proceder à respetiva determinação. De acordo com o n° 3 do artigo 52° do código do IRS, o valor de alienação, tratando-se de quotas, é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço. O valor do capital próprio constante desta demonstração financeira, ou seja, o valor contabilístico da empresa em 31-12-2015 era de 2.719.252,95 EUR. O valor contabilístico é o valor dos capitais próprios do balanço, isto é, o valor que reflete o excedente do ativo sobre o passivo e revela o valor do património social. Deste modo, tendo em conta o balanço do período anterior à alienação, face à percentagem de participação do SP na sociedade, o valor contabilístico das quotas é de 543.850,59 EUR (2.719.252,95 EUR x 20%). O valor apurado é substancialmente superior ao valor de realização declarado pelo SP, no anexo G da declaração Mod.3/IRS de 2016, que corresponde ao valor nominal da quota, pelo que se propõe a correção ao valor declarado pelo SP. Face ao exposto, propõe-se a correção ao Anexo G da declaração de rendimentos Mod.3/ IRS do ano de 2016, devendo ser considerado como valor de realização da alienação da quota da sociedade M..., Lda., 0 valor de 543.850,59 EUR, resultando assim numa mais-valia de 542.730,59 EUR, conforme apurado no quadro seguinte: …” cfr. fls. 118 e segs. do PA; I) Como decorre das conclusões vindas de referir elas foram antecedidas do exercício do direito de audição e sua apreciação onde a Impugnante apresentou, no essencial, os argumentos que apresentou nestes autos, idem anterior e fls. 63 e segs e 96 e segs. do processo administrativo; J) O relatório e suas conclusões foram superiormente confirmadas e alicerçaram, por via de correções meramente aritméticas, a liquidação adicional nestes autos impugnada emitida em 21-02-2020, vide fls. 118 e segs. do PA e ainda o doc. n.º 1, ambos da PI; K) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 21-05-2020, cfr. resulta dos respetivos registos da PI e documentos que a instruíram. III II Factos não provados Inexistem * A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais e outros indicados em cada alínea dos factos provados. Como resulta dos autos e desta decisão, a divergência das Partes não se situa, no bom rigor, nos factos, mas sim na respetiva interpretação e ou consideração apenas de alguns em vez da totalidade.” * 2. O Direito A Recorrente imputa o vício de nulidade à sentença recorrida, por ter omitido pronúncia sobre se a impugnante recebeu ou não qualquer importância da suposta transmissão da quota, para efeitos de manifesto excesso de capacidade contributiva e errónea quantificação; e se o valor de aquisição merecia constitucionalmente ou não a mesma determinação do valor, que o de realização, por fundadamente ser diferente do valor declarado do dos capitais próprios na data de aquisição. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma. A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se. Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12). Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14). Efectivamente, a Recorrente, na sua petição inicial, invocou factualidade controvertida, sendo notório que o tribunal recorrido não terá tido em conta a sua totalidade, nomeadamente, a alegação de que a impugnante não recebeu qualquer quantia por força da alienação da quota da sociedade em apreço. Porém, a omissão de apreciação de factos controvertidos não gera nulidade da sentença, não consubstancia a falta de pronúncia sobre uma “questão” (poderá ocorrer erro na selecção e no julgamento dos factos necessários à decisão da causa), logo, este aspecto deverá ser apreciado para efeitos da suficiência da factualidade seleccionada e apurada pelo tribunal recorrido para a decisão da causa. Já a constitucionalidade da norma aplicada ao caso concreto, que prevê o modo de determinação do valor da aquisição, consubstanciará uma “questão”. Com efeito, não residem dúvidas que a Recorrente dedicou os artigos 96.º a 112.º da sua petição à invocação de que a aplicação, como ocorreu in casu, da norma do artigo 52.º do Código de IRS é inconstitucional. Vejamos o seu teor para melhor compreensão: “96. – Estranha forma, esta de determinação do rendimento tributável, em que o rendimento bruto da impugnante, não é a dedução específica do outro, o ex-cônjuge. 97. – Tal como se encontra estabelecido no Art.º 64º do CIRC e nomeadamente em idênticas normas dos Art.º 44º e 46º do CIRS, quanto a correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, em que, nos casos, de existir divergência entre o valor declarado e os valores patrimoniais tributários, e este seja superior, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação dos rendimentos líquidos. 98. – Pelo que; 99. – Ofende a tributação fundamental, Art.º 104º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, por não visar a diminuição das desigualdades e por não ter em conta os rendimentos do agregado familiar, a aplicação do Art.º 52º do CIRC, quando a existe desigualdade de tratamento por ser somente efetuada do lado do alienante, o que conduz por vício de violação da lei à anulação da liquidação impugnada. 100. – Pois, neste seguimento constitucional, a impugnante merecia também ter como valor de aquisição, a percentagem dos capitais próprios da sociedade supostamente adquirida. 101. – Pelo que na determinação do valor da aquisição devia ter-se em conta a percentagem do valor dos capitais próprios com referência à data de 31.12.2005., no valor de 614.504,83 euros (Doc. 2 Anexo). 102. – Por ser o valor que a AT devia ter considerado na aquisição das quotas da impugnante. 103. – Não se compreende esta desigualdade de tratamento do legislador ordinário na construção da determinação das mais ou menos valias, uma para tributar e outra para deduzir. 104. – Pois não existem razões atendíveis, nestes casos. 105. – Sabendo-se que a AT tem as IES (Informação Empresarial Simplificada) da sociedade na sua posse, desde a nascença do CIRS. 106. – O que, permite à AT determinar e controlar os rendimentos e as deduções específicas, nas mais e menos valias obtidas no âmbito da Categoria G dos rendimentos não empresariais, efetuadas por pessoas singulares. 107. – Não se apura onde possam existir preocupações de fraude ou evasão fiscal para proteger, com a consideração das mesmas medidas métricas, para efeitos de rendimentos e deduções específicas. 108. – Pelo que a teia legislativa ordinária de apenas efetuar correções favoráveis e de não aceitar as desfavoráveis à receita tributária, não é adequada ou eficaz. 109. – Finalmente é desproporcionada, pois os desvios aos princípios da justiça, da igualdade e da capacidade contributiva, concedidos ao legislador ordinário são restritos e apenas e só se manifestamente indispensáveis. 110. – O que não sucede quanto este concede à AT o poder de corrigir os valores de alienação e não concede simetricamente os poderes de corrigir os valores de aquisição, com base nos capitais próprios das datas de referência. 111. – Sabendo-se ainda que a AT tem os poderes estabelecidos na cláusula geral anti abuso, do Art.º 38º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, para o combate da elisão tributária. 112. – Pelo que não apuramos melhor fórmula constitucional, que considerar que a aplicação do Art.º 52º do CIRS é inconstitucional, no caso, conforme n.º 1 do Art.º 103º da CRP, por apenas permitir uma correção no lado do valor de realização e não a permitir no lado do valor de aquisição, em operações idênticas, o que consideramos violador da lei fundamental, por não diminuir desigualdades, mas pelo contrário aumentando-as e não tem em conta os rendimentos líquidos e que são objeto de tributação do agregado familiar, o que conduz errónea quantificação e manifesto excesso à anulação da liquidação impugnada.” Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente. A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143. Ora, a sentença recorrida alheou-se por completo da questão da aplicação inconstitucional do artigo 52.º do Código de IRS, jamais aludindo sequer à mesma, nem, por conseguinte, apreciou se, e em que medida, era a situação concreta integrável na solução dada ao litígio. Na verdade, o tribunal recorrido, reportando-se ao objecto da impugnação judicial, elencou as questões que cumpria apreciar e decidir da seguinte forma: “(…)Relembrando a fundamentação da impugnante cumpre apreciar e decidir se: - inexiste facto tributário pois o ex-cônjuge detinha a totalidade das quotas da sociedade antes de casar com Ela; - a Autoridade Tributária não fundamentou a alegada divergência prevista no artigo 52º do CIRS; a situação descrita no RIT não é subsumível ao ali disposto; a fundada divergência aí referida não se encontra fundamentada; - a liquidação impugnada padece de falta de fundamentação. (…)” Foram estas questões que, de seguida, o tribunal recorrido conheceu: “Inexiste facto tributário pois o ex-cônjuge da Impugnante detinha a totalidade das quotas da sociedade antes de casar com esta: Para alicerçar esta fundamentação a Impugnante fazendo tábua rasa de todos os elementos dos autos constantes; da sua participação nalguns deles; do seu silêncio ou inatividade: afirmou que houve negócio simulado em 1997 na transmissão da quota de DD para EE, bem como em 2006; que a regularização da propriedade foi declarada na declaração de IRS de 2016 incorretamente; na relação de bens apresentada no Inventário/partilha indicou como bens comuns as duas quotas cuja transmissão está em causa nestes autos, cfr. fls. 37 a 48 do processo administrativo, e apenas decorridos vários anos, já no final de 2019 é que atuou, juntamente com o seu ex-marido, como se descreveu na al F) dos fatos assentes. Não pode a Impugnante transformar uma decisão judicial proferida em sede de partilha e que teve como base a informação concordante prestada pela Impugnante ex-marido, os únicos intervenientes e interessados naquela, como destruidora de todos demais atos referidos no parágrafo anterior. Não basta dizer que os negócios foram simulados, que as declarações foram incorretas. A Impugnante, tão exigente para com a Autoridade Tributária e pretende que as suas meras afirmações de negócios simulados, de declaração incorreta e relação de bens desconforme à realidade, olvidando o tempo que decorreu desde os mesmos até à sua negação ou afirmação de “anomalias”, sem que dê uma real explicação, um esclarecimento de todos os comportamentos pretéritos: foram simulados porquê; foram desconformes à realidade por que razão. Pretende a Impugnante com um comportamento verificado em finais de 2019, da exclusiva autoria da mesma e do ex-marido, questionar e destruir todos os atos consequentes, praticados desde 1997, envolvendo outras pessoas. Comportamento que apenas surgiu imediatamente após aquela ter conhecimento das conclusões da inspeção. As incongruências e fragilidades vindas de referir foram também salientadas na contestação da FP e no parecer do EMMP. Em suma não resulta comprovada a inexistência do facto tributário dado a não comprovação de o ex-cônjuge da Impugnante deter a totalidade das quotas da sociedade antes de casar com esta. A Autoridade Tributária não fundamentou a alegada divergência prevista no artigo 52º do CIRS; a situação descrita no RIT não é subsumível ao ali disposto; a fundada divergência aí referida não se encontra fundamentada e a liquidação impugnada padece de falta de fundamentação: Esta argumentação só se compreende articulada com a anterior. Dito de outra forma ela poderia fazer sentido se se comprovasse, o que não se verificou, a inexistência do facto tributário decorrente de o ex-marido da Impugnante, à data do casamento com esta, ser já titular da totalidade do capital social da M..., Lda.. A argumentação da Impugnante é apresentada como se os elementos documentais reunidos pela AT, discriminados no relatório de inspeção (RI) e constituindo seus anexos, não existissem. O caso em análise, pelas razões inequivocamente explicadas no RI, é uma situação em que há “fundadamente divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão”. Disse-se “Razões inequivocamente explicadas no RI” pois que outras palavras não são adequadas para traduzir o trabalho realizado pela AT e que, no essencial se alicerça nos documentos dos autos constantes, mormente nos anexos do RI. Situação com forte paralelismo com a analisada foi objeto do Ac. do TCA S de 13-11-2014. Proc. 07564 in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/13A3B5208B75C11280257D95003DB2E6., tendo-se considerado legal a aplicação do artigo 52º do CIRS e Ac. do TCA N de 21-05-2020, proferido no processo 357/18.7B destes Tribunal in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f3ceb21c0720a2df8025857e00349a68?OpenDocument. Portanto, em resposta às questões colocadas pela Impugnante respondemos: a situação descrita no RIT e que alicerçou a liquidações impugnada é subsumível ao disposto no artigo 52º do CIRS; a fundada divergência aí referida encontra-se fundamentada; o valor da alienação considerado tem assento legal e documental pois foi “apurado com base no último balanço”. Resulta incompreensível a alusão, pela Impugnante, à “fixação de rendimento tributário por métodos indirectos”. Não vislumbramos que possa defender-se a aplicação de metidos indirectos. A liquidação impugnada resultou de meras correções aritméticas. Também dificilmente se compreende a exigência probatória que aquela imputa à Autoridade Tributária: pode perguntar-se o que mais deveria fazer a Autoridade Tributária no sentido de comprovar a divergência de valores. Atente-se no trabalho realizado pela Inspeção não só em apurar o “último balanço” como a indicar e explicar o reforço da capacidade financeira através da análise de vários rácios financeiros; a instar o TOC da sociedade sobre, entre outros, da “conformidade em termos qualitativos e quantitativos dos valores inscritos nas contas de capital da IES de 2015”. E o que fez a Impugnante senão limitar-se a uma mera negação de todo um conjunto de evidências, de indícios. Salientando os elementos colhidos pela Inspeção também a FP e EMMP se pronunciaram pertinentemente pela “fundamentação clara, suficiente e congruente” e “falta de razão, falta de sustentação legal” do defendido pela Impugnante. Efetivamente, os referidos elementos que constituem o processo administrativo e que serviram de alicerce à factualidade assente são suficientes para afirmar a fundamentação da atuação da Autoridade Tributária e consequentemente da liquidação impugnada. Fundamentação que a Impugnante bem percecionou como resulta do seu atuar processual e procedimental. Assim, improcedem os argumentos apresentados pela Impugnante devendo manter-se a liquidação não podendo o pedido de juros indemnizatórios ser atendido. (…)” Em suma, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou, de todo, sobre a questão colocada pela Recorrente ao Tribunal e sobre a qual a sentença não poderia deixar de se pronunciar, nem referiu estar o seu conhecimento prejudicado pela solução dada ao litígio. O certo é que, pura e simplesmente, o tribunal “a quo” não tomou posição sobre a questão colocada nos artigos 96.º a 112.º da petição de impugnação, sobre a qual, como vimos, devia tomar posição e, mesmo que tivesse entendido não dever conhecer desta questão, o tribunal devia ter indicado as razões por que não conheceu dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia nada tendo dito sobre ela. Assim sendo, há que concluir que a sentença incorreu em omissão de pronúncia, verificando-se, pois, a nulidade a que se referem os artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT. Pelo exposto, cumpre julgar procedente o recurso sob apreciação nesta parte e, em consequência, declarar a nulidade parcial da sentença recorrida, atenta a omissão de pronúncia que vimos apreciando. Declarada a nulidade da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 665.º do CPC, uma vez que essa declaração não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal “a quo”, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal. Todavia, a nulidade detectada somente afecta parcialmente a sentença recorrida, sendo de destacar que a Recorrente também se insurge contra a circunstância de o tribunal “a quo” não ter instruído cabalmente o processo, na medida em que dispensou a prova testemunhal requerida. Efectivamente, na primeira conclusão das alegações do recurso, a Recorrente afirma que a prova testemunhal deveria ter sido admitida e que os presentes autos devem ser remetidos ao tribunal de primeira instância para a inquirição das testemunhas. Salientamos que a decisão judicial que dispensou a prova testemunhal não se mostra directamente impugnada, não sendo expressamente objecto do presente recurso (nem de outro tempestivamente interposto), pelo que somente se este tribunal vier a concluir, eventualmente, existir défice instrutório com reflexos no conhecimento deste recurso, no sentido de impossibilitar a sua apreciação, é que poderá ser necessário o envio dos autos ao tribunal recorrido. Lembramos que a competência conferida à 2.ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1.ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova - cfr. artigo 662.°, n.º 2, alínea b) e c) do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT. Ora, a sentença recorrida julgou a impugnação judicial totalmente improcedente, com os fundamentos que já transcrevemos supra. A Recorrente não se conforma com esse teor da sentença recorrida, por não ter apreciado todos os factos da matéria controvertida, e, em consequência, enquadrou mal tais factos, à luz das normas legais aplicáveis, salientando que o tribunal recorrido desconsiderou a invocação de a impugnante não ter recebido qualquer importância da suposta transmissão da quota. Com efeito, a sentença não tomou posição sobre a totalidade dos factos relevantes para a decisão da causa, afirmando, mesmo, inexistirem factos não provados. Note-se que, no artigo 9.º da petição inicial, a impugnante elenca o que, alegadamente, será a verdade material, e, nos artigos subsequentes (artigos 25.º a 28.º, 30.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 45.º, 46.º e 57.º), vai concretizando a factualidade que considerou essencial para a decisão da causa: “9. – Em 18.10.2019, dois dias depois, na sequência da reunião havida na Direção de Finanças de ..., com a impugnante, o ex-cônjuge e o Contabilista Certificado, e os inspetores tributários referidos no RIT foi explicado aos senhores inspetores tributários, que: a) O ex-cônjuge da impugnante, o Senhor BB, antes do casamento, já detinha a totalidade das quotas da sociedade M..., Lda.; b) As quotas da referida sociedade foram arroladas para a relação de Bens Comuns de Casal indevidamente; c) O ex-cônjuge da impugnante não pagou, nem a impugnante recebeu qualquer montante à impugnante pelas quotas da sociedade M..., Lda.; d) Os documentos de aquisição e de alienação das quotas surgiram por erro e como forma de regularizar a situação criada; e) Por isso, a regularização da propriedade das quotas foi declarada na declaração de IRS de 2016, da impugnante, incorretamente.” Na verdade, com essa factualidade, a impugnante pretende demonstrar a inexistência do facto tributário e os seus reflexos na errónea quantificação da matéria tributável. Apesar de a esmagadora maioria da matéria se encontrar apresentada na petição de impugnação de forma conclusiva, ainda assim, releva, por ser essencial, a seguinte invocação: “45. – Ela não recebeu qualquer montante da parte do seu ex-cônjuge pela suposta transmissão das quotas. 46. – O montante que consta no documento de alienação também não foi recebido pela impugnante.” Como alega a Recorrente, sobre esta matéria o tribunal recorrido não tomou posição e, uma vez que foi indicada prova testemunhal para dilucidar tais factos, tal inviabiliza que a alteração da decisão da matéria de facto seja realizada por este TCA Norte. Alertamos que também a Fazenda Pública se propôs realizar contra-prova da factualidade alegada pela impugnante, por via da inquirição de testemunhas, indicando matéria vertida na sua contestação, conforme dispõe a sua peça processual apresentada em 21/10/2020. Todos os detalhes e circunstancialismo em que terá vindo a ser transmitida a quota da sociedade poderão ser relevantes, sendo essenciais as falhas detectadas na decisão da matéria de facto quanto ao montante recebido pela impugnante pela transmissão da quota, não superáveis através dos elementos constantes nos autos, inviabilizando, pois, o conhecimento da totalidade das questões colocadas no presente recurso. Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos. Conclusão/Sumário Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à primeira instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica. Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Porto, 03 de Novembro de 2022 Ana Patrocínio Paula Moura Teixeira Cláudia Almeida |