Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00357/18.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA; ESPECIFICAÇÃO DOS FACTOS; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; JULGAMENTO DE FACTO; ARTIGO 52.º DO CIRS; DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR DECLARADO E O VALOR REAL;
ÓNUS DA PROVA A CARGO DA AT; RELAÇÕES ESPECIAIS; VALOR DE MERCADO; CAPACIDADE CONTRIBUTIVA; DISPENSA REMANESCENTE TAXA DE JUSTIÇA.
Sumário:I - O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional (205.º, n.º 1, da CRP da Constituição da República Portuguesa) que, no âmbito do processo judicial tributário, está densificado no artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, o qual impõe ao juiz não só discriminar os factos provados e os não provados, mas ainda motivar a respetiva decisão, sob pena de nulidade da sentença, por força do artigo 125.º do CPPT.

II - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

III - Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

IV - A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, verifica-se quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

V – A norma do n.º 1 do artigo 52.º do CIRS, basta-se com a demonstração de que “pode existir” divergência entre os valores declarado e real.

VI - Nada na lei obsta a que a possibilidade de existir divergência entre o valor declarado e o valor real da operação resulte da existência de relações especiais e / ou de uma operação por valor inferior ao real ou de mercado, pois a lei não define nem limita os factos em que a AT se pode basear para considerar “fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da operação” e proceder à correção da matéria tributável à luz do artigo 52.º do CIRS.

VI - O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium genus - leia-se, o critério - que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J., e Outra.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. J. e esposa M., devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 18.07.2019, que julgou totalmente improcedente a impugnação por eles deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2013 e respetivos juros compensatórios.

1.2. Os Recorrentes terminaram as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo TAF de Viseu no processo n.º 357/18.7BEVIS, que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2013, inerente liquidação de juros compensatórios e respetiva demonstração de acerto de contas, com o saldo global a pagar de EUR 17.239.354,48.
B. A liquidação de IRS em causa foi adicionalmente promovida pela AT com base na “faculdade prevista no artigo 52.º do Código do IRS”, tendo por referência a transmissão das ações detidas pelo aqui Recorrente marido no Banco (...), ocorrida em finais desse ano de 2013; nesse sentido, considerando “fundadamente existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão”, a AT recorreu às regras presuntivas previstas no n.º 2 do mesmo artigo 52.º do Código do IRS e aos valores de balanço do Banco (...), com base nas quais presumiu que o valor de alienação dessas partes de capital ascendeu ao montante artificial de USD 76.000.000.
Das nulidades da decisão recorrida
C. A sentença recorrida, numa técnica decisória infelizmente cada vez mais comum, mas absolutamente ilegal, elencou os factos que considerou provados por remissão para (e mera transcrição da) fundamentação da liquidação impugnada, ou seja, do relatório de inspeção – cf. ponto 3) dos factos provados.
D. O incumprimento por parte da decisão recorrida do disposto no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, espelhado na mera transcrição no ponto 3) dos factos provados do relatório de inspeção, redunda, desde logo, na nulidade da sentença proferida, por falta de especificação dos fundamentos de facto (cf. artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC), em linha com a posição da jurisprudência a respeito da mera transcrição do relatório de inspeção – cf. Acs. TCAN, de 09.06.2016, proc. 00303/01, e de 28.01.2016, proc. 479/09.5BEPRT, e Ac. STA, de 27.04.2016, proc. 0713/15.
E. Ordenando-se, em consequência, a baixa dos autos à primeira instância para que o Tribunal recorrido proceda à devida seleção e especificação dos fundamentos de facto, decidindo sobre em que sentido, e com que fundamento da prova produzida, especificamente julga provados ou não provados cada um dos factos relevantes que discriminará.
F. Em acréscimo, a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia (cf. artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC).
G. Na sua petição inicial, os então Impugnantes abundantemente colocaram a questão de que os factos apontados pela AT no relatório de inspecção, ao descrever as razões por que considerou fundadamente que podia existir divergência entre o valor declarado e o valor real de transmissão, não são aptos a justificar, precisamente, a existência dessa divergência ou a extrair essa conclusão (pois a conclusão lógica e necessária das razões de facto apontadas pela AT no relatório de inspeção não é a de que o valor realmente praticado no negócio tenha sido distinto daquele que as partes nele declararam, mas a de que o valor realmente praticado e declarado não corresponde àquele que seria o valor de mercado das ações ou que seria praticado entre entidades independentes).
H. Os então Impugnantes expressamente apontaram, pois, que a fundamentação de facto apresentada no relatório de inspecção não se revelava congruente com a decisão final daí extraída, redundando tal circunstância no vício de falta de fundamentação do ato tributário impugnado, o que invocaram.
I. A este respeito, porém, a sentença proferida pelo Tribunal a quo, em desrespeito do preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, é totalmente omissa [ou melhor, a decisão recorrida apresenta a lapidar conclusão de que “a situação descrita no RIT é submível ao disposto no artigo 52.º do CIRS” e que “a fundada divergência aí referida encontra-se fundamentada”, todavia não se vislumbra em que medida o Tribunal apreciou o vício apontado, pois não resulta em momento algum da sentença aqui posta em crise uma pronúncia ou análise ou explicação sobre como as razões de facto invocadas pela AT eram aptas a demonstrar que o valor realmente praticado fora diferente do valor declarado].
J. O conhecimento desta concreta questão não ficou prejudicado pela decisão dada a qualquer outra – aliás, a solução dada às restantes questões impunha até o seu conhecimento prévio.
K. A sentença recorrida padece ainda de nulidade por falta de fundamentação, pois que, escudando-se na transcrição do que chama “razões inequivocamente explicadas no RI” – ainda que no capítulo relativo à subsunção dos factos ao direito e sem, contudo, referir quais as razões da sua convicção para os considerar aparentemente provados, numa técnica ainda mais insólita e, naturalmente, ilegal – a decisão recorrida cai no mesmo vício apontado ao acto tributário e relatório de inspeção que se encontra a transcrever, na medida em que tais “razões inequivocamente explicadas” não fundamentam, nem demonstram, qualquer divergência entre o valor declarado pelas partes e o valor que o então Impugnante efetivamente recebeu por essa transmissão.
L. Tais factos (ou “razões inequivocamente explicadas no RI”, conforme são apelidadas na sentença recorrida) poderiam, em abstracto, fundamentar outro tipo de correções, mas não são aptas a justificar a conclusão e decisão final que delas extraiu a AT e, por esta via, o Tribunal a quo: a conclusão/decisão de que o valor realmente praticado entre o Impugnante marido e a R. BV não correspondeu aos USD 3.000.000 (EUR 2.177.790) declarados.
M. A referida falta de congruência mais não pode do que equivaler a uma absoluta falta de fundamentação da decisão, o que é necessária causa de nulidade respetiva.
N. Igualmente, não sendo os fundamentos aptos a sustentar ou conduzir à conclusão de que a situação de facto em causa nos autos é subsumível ao disposto no artigo 52.º do Código do IRS e de que há fundadamente divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, está a decisão recorrida, por isso, em contradição ou oposição com os fundamentos de facto que enuncia, o que, também por essa via, determina a respetiva nulidade, nos termos do artigos 125.º, n.º 1, do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Dos factos provados e não provados
O. Não se entendendo ser de ordenar a baixa dos autos à primeira instância para a devida especificação dos fundamentos de facto (que não uma mera transcrição do relatório de inspeção) – no que não se concede –, sempre deverá o Tribunal ad quem aditar ao elenco dos factos provados um conjunto de matéria de facto, genericamente enunciada nos artigos 52.º, 57.º e 54.º/69.º da petição inicial, que é essencial para a apreciação da causa e que resultou provada nos autos:
“7) O valor declarado pela transmissão das partes de capital detidas pelo Impugnante marido no Banco (...) para a R. BV em finais do ano de 2013, aqui em causa, ascendeu ao montante total de USD 3.000.000 (EUR 2.177.790)”;
- Cf., especificamente, p. 12 do relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial: “Verificámos assim que a transmissão das ações representativas de 10% do (...) do Sr. J. para a empresa R. BV foi considerada por 3.000.000 USD, que corresponde ao valor de aquisição e valor nominal da participação.”
– Cf., ainda, depoimento da testemunha A., Inspetora Tributária: “(...) o Senhor J. declarou a operação por 3 Milhões” (35).
(35) Cf. minutos 17:54 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 3 de junho de 2019.
“8) O valor da contraprestação auferida com essa transmissão correspondeu ao referido montante de USD 3.000.000 (EUR 2.177.790), repartido por EUR 785 de capital e EUR 2.177.005 de share premium”;
– Cf., especificamente, p. 12 do relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial: “O Sr. J. realizou um aumento de capital da R. BV, com entrada em espécie das ações representativas de 10% do (...). As mesmas foram valorizadas por 3.000.000 USD (equivalente em euros 2.177.790,00), repartidas por aumento de capital de €785 e o restante (€2.177.005) a título de share premium”.
– Cf., ainda, depoimento da testemunha A., Inspetora Tributária: “(...) o Senhor R. tinha entrado com 3 milhões de dólares na aquisição de 785 ações de valor nominal de um euro cada, tendo entrado o restante a título de share premium” (36).
– Cf., por fim e igualmente, páginas 7/13 a 10/13 do Anexo n.º 1 ao relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial.
(36) Cf. minutos 9:18 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 3 de junho de 2019.
9) Os Serviços de Inspeção não apuraram que o Senhor J. tivesse auferido, pela transmissão a que se alude nos dois pontos anteriores, mais do que a referida contraprestação de EUR 785 de capital e EUR 2.177.005 de share premium”.
– Cf., desde logo, teor integral do relatório de inspeção juntos aos autos como documento n.º 2 com a petição inicial, do qual não consta um qualquer indício ou consideração em contrário;
– Cf., ainda, minutos 9:31 a 9:50 da gravação da sessão de inquirição da testemunha A., Inspetora Tributária.
P. Tais factos – demonstrados pela própria AT no relatório de inspeção, do qual não consta um único facto, um único indício ou uma única consideração no sentido de que os Recorrentes (entenda-se, o Recorrente marido, que é a quem respeita esse negócio) tenham auferido, pela transmissão das ações do Banco (...) à R. BV no ano de 2013, mais do que o referido valor de EUR 2.177.790 – são, no modesto entendimento dos Recorrentes, ilustrativos da ilegalidade da correção empreendida e devem determinar uma decisão distinta daquela que foi proferida em 1.ª instância.
Do erro de julgamento: da errada aplicação do artigo 52.º do Código do IRS
Q. A transmissão que foi posta em causa pela AT é a transmissão do aqui Recorrente marido para a R. BV, pelo que é relativamente a essa transmissão que se têm de verificar os pressupostos legais para a realização da correção pela AT, com a fundamentação com que foi efetuada.
R. A fundamentação legal com que a concreta correção em causa nos autos foi efetuada assenta exclusivamente na “faculdade prevista no artigo 52º do CIRS”.
S. A faculdade prevista no artigo 52.0 do Código do IRS pressupõe a existência de uma fundada divergência entre o valor declarado e o valor real.
T. O legislador fiscal consagrou nessa disposição legal a expressão “valor real” e não valor de mercado ou valor que seria praticado entre entidades independentes. E fê-lo, precisamente, porque no escopo de aplicação deste artigo 52.0 do Código do IRS encontram-se não as situações em que o preço praticado numa determinada transmissão se mostre inferior, por circunstâncias diversas, àquele que seria o seu preço de mercado, mas sim as situações em que o valor realmente praticado é diferente do valor que, afinal, foi declarado pelas partes.
U. De um ponto de vista jurídico-tributário, uma coisa é declarar um valor diferente ao preço realmente praticado – situação a que se aplica a norma específica do artigo 52.º do Código do IRS; outra, é declarar o valor efetivamente praticado, mas esse valor ser inferior àquele que seria o valor de mercado, por as partes se encontrarem em situação de relações especiais – situação a que se aplicarão, por excelência, as regras de preços de transferência; outra, ainda, é declarar o valor efetivamente praticado, mas, atentas circunstâncias relevantes diversas, desconsiderar os efeitos dessa transmissão para efeitos tributários – situação a que se aplicará por natureza a norma anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
V. Os factos apontados pela AT e repetidos pelo Tribunal a quo ao descrever as razões por que considerou fundadamente que podia existir divergência entre o valor declarado e o valor real de transmissão, ao invés de se prenderem com a demonstração dessa invocada divergência, prenderam-se com a demonstração de que o valor da primeira transmissão não correspondeu àquele que seria o seu valor de mercado, porque fora realizada entre partes em situação de relações especiais e porque 55 dias depois a adquirente transmitira por um valor superior essas mesmas partes de capital.
W. A invocada divergência inexistiu no caso concreto, sendo que os factos invocados não são aptos a justificar, precisamente, a consideração da existência dessa divergência ou a extrair essa conclusão.
X. Ao invés do que a decisão recorrida parece ter entendido, o relatório de inspeção não aponta, nem dá como provado, indício algum no sentido de que a contraprestação ou valor real da transmissão em causa tenha sido superior ao valor de USD 3.000.000 (EUR 2.177.790 declarado pelas partes nesse negócio; pelo contrário, até confirma os valores em causa.
Y. Estando nós, no caso dos autos, perante uma situação em que o valor declarado corresponde ao valor efetivamente praticado entre as partes e inexistindo no caso concreto factos suscetíveis de integrar a previsão abstrata da norma tributária aplicada no caso dos autos, ínsita no n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRS, tanto a AT, como a decisão recorrida que manteve a correção, erraram nos seus pressupostos de direito.
Z. Nas situações de intermediação (para usar a terminologia da decisão recorrida), a mais-valia é gerada na esfera de uma outra pessoa, jurídica e tributariamente distinta, sendo essa outra pessoa sujeita a tributação sobre o respetivo incremento patrimonial nos termos que lhe forem aplicáveis; considerar simplesmente que o incremento patrimonial concretamente realizado por essa outra pessoa jurídica ocorre (também) na esfera do primitivo alienante não é “escapar à alçada da referida norma”; é, simplesmente, desconsiderar os efeitos jurídicos e tributários dos negócios realizados e desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade adquirente (e ulteriormente alienante), sem que a tanto autorize o artigo 52.º do Código do IRS aplicado no caso concreto.
AA. A AT, e a decisão recorrida, confundem a faculdade prevista no artigo 52.º do Código do IRS com as demais faculdades previstas nas leis tributárias para eventuais situações de intermediação abusiva, que estão fora do escopo do artigo 52.º do Código do IRS, para o qual releva uma fundada divergência entre o valor declarado e o valor realmente praticado entre as partes numa dada transmissão – divergência que inexiste no caso concreto.
BB. A decisão recorrida, que considerou legal a correção efetuada com base no referido artigo 52.º do Código do IRS, não se pode manter, por violação direta do disposto nesse artigo 52.º do Código do IRS e do princípio da legalidade (cf. artigos 103.º, n.º 3 e 266.º, n.º 2, da CRP e 8.º da LGT).
CC. Em acréscimo, inexistem na fundamentação do ato tributário praticado quaisquer indícios de que o valor declarado divergiu do valor real praticado pelas partes, razão pela qual o recurso à faculdade prevista no artigo 52.º do Código de IRS, para além de ilegal, não se encontra devidamente fundamentado (naquele especial dever de fundamentação da divergência que o próprio artigo 52.º do Código do IRS exige), sendo que a decisão recorrida, que assim não entendeu, incorreu em acrescido erro de julgamento, devendo ser revogada.
Do erro de julgamento: do valor real da transmissão e da inerente violação do princípio da capacidade contributiva no caso concreto
DD. O facto de o valor de realização ter sido determinado com base em critérios definidos na lei (em concreto, com base em critérios elencados no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS) não leva a que, no caso concreto, não se verifique a violação do princípio da capacidade contributiva.
EE. O valor da transmissão de USD 76.000.000 (EUR 53.333.800) foi um valor ficcionado ou presumido pela AT, a partir da faculdade prevista no artigo 52.º do Código do IRS.
FF. Na determinação da matéria coletável, socorre-se muitas vezes o legislador de técnicas presuntivas, justificadas por razões de praticabilidade e simplificação do sistema fiscal (como a que sucede no n.º 2 do artigo 52.º do Código de IRS aqui em causa), só que o princípio da capacidade contributiva, “constituindo a ratio ou a causa da tributação”, afasta a legitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação, sendo elemento determinante de um juízo de não inconstitucionalidade a possibilidade conferida ao sujeito passivo de ilidir a presunção – cf. Casalta Nabais, op. cit., artigo 73.º da LGT e Acs. TC nºs 26/92, 348/97, 84/2003, 211/2003 e 452/2003.
GG. A interpretação da norma ínsita no n.º 2 do artigo 52.º do Código de IRS no sentido de que determina em absoluto o rendimento tributável sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a valor efetivo dessa capacidade contributiva ou acréscimo que se pretende tributar – como fez a decisão aqui recorrida ao lapidarmente consignar que “tendo-se respeitado o valor da alienação apurado de acordo com os critérios legais, respeitou-se o princípio da capacidade contributiva” –, redunda na inconstitucionalidade material da referida norma, por ofensa do princípio da capacidade contributiva, o qual é corolário do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), em linha com a jurisprudência constitucional acabada de citar, o que se invoca.
HH. Não se diga, porventura, que os critérios de determinação do valor de alienação previstos no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS, aplicados no caso dos autos, não consubstanciam uma presunção legal pois que atender ou apurar um valor de transmissão de ações com base no último balanço nas situações em que existam dúvidas fundadas sobre o valor efetivamente praticado em determinada transmissão, configura – indubitavelmente – uma forma de determinar o valor de transmissão por uma via presumida, que cederá necessariamente perante a demonstração pelo sujeito passivo do valor efetivo ou real dessa transmissão.
II. Os valores reais, efetivamente praticados pelos Recorrentes (ou melhor, pelo Recorrente marido, que é a quem respeita o imposto, os negócios e as participações sociais em causa nos autos) na transmissão das referidas partes de capital, e o inerente valor da respetiva contraprestação por si efetivamente recebida, corresponderam ao valor de USD 3.000.000, valor este que resultou demonstrado nos autos (cf. ponto 3 dos factos provados).
JJ. O alienante, aqui Recorrente marido, não verificou, pois, na sua esfera (…) jurídica individual, com a transmissão das ações em causa, o acréscimo patrimonial de EUR 53.333.800 que é pressuposto da liquidação impugnada, mantida pela decisão recorrida.
KK. O acréscimo de capacidade contributiva resultante da contraprestação associada à segunda transmissão verificou-se na esfera de uma outra pessoa, jurídica e tributariamente, distinta dos aqui Recorrentes.
LL. Ao apurar um valor de imposto de quase 15 milhões de euros e exigir o respetivo pagamento(37) aos aqui Recorrentes, tendo por referência uma transmissão de ações em que apenas foi efetivamente recebida uma contraprestação de USD 3.000.000, consubstanciada em títulos e share premium, a AT, na liquidação aqui posta em crise, e a decisão recorrida, que a manteve, ostensivamente violam o princípio da capacidade contributiva e a conceção de rendimento-acréscimo, subjacentes à tributação pessoal do rendimento dos sujeitos passivos de IRS e ao disposto nos artigos 10.º, n.º 4, alínea a), e 44.º, n.º 1, do Código do IRS.
(37) Valor de imposto que, uma vez deduzido do montante de IRS já anteriormente pago pelo Impugnante marido e acrescido de juros compensatórios, resultou no saldo apurado a pagar de EUR 17.239.354,48, aqui em causa.

NESTES TERMOS e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se a decisão recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se sobre as nulidades assacadas à sentença, no seu despacho de 25.11.2019.

1.5. Os autos foram com vista ao Ministério Público junto deste Tribunal que, em 7/02/2020, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais junto dos Exm.ºs Senhores Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de:
- Nulidade por (i) falta de especificação dos factos provados, limitando-se a reproduzir o RIT, (ii) omissão de pronúncia sobre a questão suscitada na p.i. de as razões apontadas no RIT não permitiam a aplicação do artigo 52.º do CIRS, (iii) falta de fundamentação e (iv) por contradição entre os fundamentos e a decisão;
- Erro de julgamento de facto por não ter sido levada ao probatório a factualidade vertida nos artigos 52.º, 57.º e 54.º/69.º da p.i.;
- Erro de julgamento de direito por errada aplicação do artigo 52.º do CIRS à situação de facto considerada no RIT; por não existir evidência de que o valor declarado da transmissão diverge do seu valor real e por violação do princípio da capacidade contributiva.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
III I Factos provados
Compulsados os autos, com relevância para a decisão a proferir, dão-se como provados os seguintes factos:
1) O Impugnante marido comunicou em 31-10-1991 o domicílio fiscal na morada (…), (…) e, em 28-01-2016 nomeou um representante fiscal em território nacional passando a constar para efeitos fiscais, como “SP não residente”, cfr. fls. 5 do relatório de inspeção (RI) que aqui se dá por reproduzido, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos, factualidade não questionada pelas Partes;
2) Em cumprimento da “Ordem de Serviço n.º OI201700798, emitida em 10/10/2017 e realizada entre 31-10-2017 e 06-04-2018, procedeu-se à ação de inspecção com vista ao controlo de mais valias, de âmbito parcial e univalente (IRS), para o exercício de 2013", vide pág. 4 do Relatório de Inspeção;
3) Inspeção que permitiu apurar o seguinte:
“...
No exercício de 2013 o SP declarou os seguintes rendimentos auferidos no âmbito das categorias F – rendimentos prediais e categoria G – Mais-valias:
Categoria GCategoria F
1 405,90€11 776,24€
...

Das declarações entregues (2010 a 2013) como residente e das liquidações emitidas verifica-se que o SP obteve o direito e recebeu efetivamente os seguintes reembolsos de IRS:

...
2010 - 1.770,33€ reembolso
2011 - 2.112,64€ reembolso
2012 - 1.367,92€ reembolso
2013 - 1.158,96€ reembolso
...

Residência Fiscal
...
Em resposta (anexo n. 2) declarou
“... vem declarara que fruto das diligências junto do seu representado apurou que o mesmo era, em 2013, residente fiscal em Portugal"
...
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
...
O SP J. é administrador e detém 99,6% do capital da R. SGPS (adiante designada abreviadamente apenas por R.), NIPC (...), sendo o restante capital detido pelos seus familiares diretos.
No âmbito de ações inspetivas a esta sociedade apuramos que no exercício de 2013 a mesma detinha a totalidade do capital da R. BV, sociedade de direito holandesa, com responsabilidade limitada e com sede em Amesterdão.
Face aos elementos analisados, para verificar a contabilização desta participação financeira, nomeadamente as demonstrações de resultados e relatórios de contas da R. BV, apuramos que, em dezembro de 2013, o SP J. transmitiu acções representativas de 10% do capital do Banco (...) (Sociedade anónima constituída ao abrigo das leis da República de Angola, com sede social no Bairro (…), Município (…), Luanda, contribuinte n.º (…)) para a sociedade R. BV, através de uma operação de ações com entrada em espécie. Esta transmissão de acções representativas de 10% do capital do Banco (...) foi omitida pelo SP J. na modelo 3 de IRS, pelo que para analisar esta operação foi aberta a presente ação inspetiva.
...
Da consulta aos elementos apresentados foram apurados os seguintes factos:
* Em 2006 o Sr. J. participou no aumento de capital social do banco (...). Entrando como acionistas e adquirindo ações representativas de 10% do capital pelo montante de 1 000 000,00USD. Posteriormente, no mesmo ano, participou em aumentos de capital, no montante total de 2 000 000,00 USD, mantendo sempre a percentagem de participação de 10%, ou seja, ficou com a participação de 3 000 000,00USD...
* Em 24 de dezembro de 2013, o Sr. J. realizou um aumento de capital da R. BV, com entrada em espécie das ações representativas de 10% do (...). As mesmas foram valorizadas por 3 000 000,00 USD (equivalente em euros 2 177 790,00), repartidas por aumento de capital e € 785,00 e o restante (2 177 005,00) a título de Share Premium.
... a transmissão das ações foi considerada por 3 000 000,00 USD, que corresponde ao valor de aquisição e valor nominal da participação.
b) Recolha de informação relevante
...
Da consulta às demonstrações financeiras do banco (...) (nomeadamente na página 115 ponto 16 apresentado em anexo 4, nas páginas 138/139 ponto 17 em anexo 5 e nas páginas 118-119 apresentada em anexo n.º 6) verificamos os seguintes factos/ano:
ü 2012 O Sr. J. era detentor de 10% do capital social, no valor de 3 000 000,00 USD;
ü 2013 O Sr. J. deixa de figurar como acionista passando a estar identificada a R. como detentora de 10% do capital social, no valor de USD 3 000 000,00;
ü 2014 Nem o Sr. J., nem R. são identificadas como acionistas passando a figurar como novos acionistas as sociedades F. BV.
Ou seja, confirmamos a transmissão em 2013 da participação do Sr. J. no (...) para a R. e uma posterior transmissão dessa participação, em 2014, para outras entidades
b2) Demonstrações financeiras da R. BV
...
Com a seguinte tradução em português
Em 24 de dezembro de 2013 a empresa adquiriu através de uma contribuição em espécie 10% das acções no capital do banco (...)(Angola). A contribuição é avaliada em USD 3 000 000,00, o que equivale a um montante de Eur 2 177 790 na data da transação. Como contrapartida da contribuição em espécie, a empresa emitiu 785 ações no capital para a parte contribuinte. É de se esperar que o investimento adquirido no Banco (…) (Angola) seja vendido no primeiro semestre do exercício de 2014.
...
Assim, nas demonstrações financeiras do exercício de 2014 da R. BV (anexo 8, página 7) verificamos que em 17 de fevereiro de 2014 esta sociedade assinou um acordo de alienação das acções do (...) para as sociedades F. (Sociedade de direito Maltês) e T. BV (Sociedade de direito Holandês), pelo montante de 170 490 000 USD (correspondente a 129 498 352,00€).
Com esta transmissão a R. BV apurou, em 2014, uma mais valia de 167 400 000 USD (170 490 000-3 000 000) que, de acordo com as mesmas demonstrações financeiras não foi sujeita a tributação na Holanda.
...
III.1.4 Enquadramento legal
...
Por outro lado dispõe o artigo 52º do CIRS:
“1 – Quando a Direção-Geral dos Impostos considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão tem a faculdade de proceder à respectiva determinação.”
Assim, para efeitos de verificação se na operação em análise existem factos que fundadamente demonstrem divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, foi efetuada a análise da operação e do ativo transmitido (ações do Banco (...)) que seguidamente se apresentam.
III.1.5 Utilização da faculdade prevista no art.º 52º do CIRS
III.1.5.1 fundamento da divergência de valores de realização.
...
d) Conclusões
...
ü Em 2006, o Sr. J. subscreveu capital social no Banco (...) no valor de 3 000 000USD;
ü O Sr. J. recebeu dividendos distribuídos pelo Banco (...) relativos aos resultados líquido, nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, respetivamente de 6,24, 6,72, 16,09 milhões de USD – rendimentos que não declarou e consequentemente ocultou em sede de IRS na modelo 3 entregue e da qual obteve reembolso de IRS;
...
ü Neste mesmo ano (entenda-se 2013) em dezembro, alienou a sua participação no capital do (...) para a sua holding sediada na Holanda (R. BV) – esta transmissão foi igualmente ocultada pelo Sr. J. e não declarada em sede de IRS;
ü Esta alienação objeto de ocultação foi considerada pelo valor nominal que ascende a 3 000 000USD;
ü Analisado detalhadamente o Relatório de Contas do Bano (...)... à época da transmissão verifica-se que as ações do (...) estavam valorizadas a um valor acima do valor nominal;
ü Concluímos que quando esta transmissão ocorreu já se encontravam em curso negociações para a posterior alienação a entidades externas, conforme aliás se encontra expresso no relatório de contas da sua holding, R. BV, de 2013;
ü A alienação posterior, ocorrida apenas 55 dias depois (em fevereiro de 2014) foi concretizada por 170 490 000 USD, ou seja pelo valor cerca de 56 vezes superior, representando uma valorização de 5583%;
...
ü Na análise das demonstrações financeiras do Banco (...) de 2013 e 2014 não foi identificado qualquer acontecimento que justifique esta valorização;
ü ... o representante do SP... nunca invocou qualquer fundamento economicamente razoável nem apresentou elementos que justifiquem tamanha disparidade de valores;
ü Pela consulta do relatório de contas da R. BV de 2004 verificamos que a mais-valia obtida por esta sociedade, detida na totalidade pela R. e por essa via, pelo Sr. J. não foi tributada na Holanda, em sede de imposto sobre os rendimentos verificando-se assim uma dupla não tributação;
...
Em resumo:
...
Toda a informação recolhida e analisada, nomeadamente a informação pública disponível, os rácios e indicadores económicos e financeiros e a posição no mercado bancário do Banco (...) fundadamente demostram que o valor da participação à data da transmissão do Sr. J. para a sua Holding, realizada em dezembro de 2013, é muito superior ao valor nominal da mesma.
...
O que significa que em dezembro de 2013 o valor das ações alienadas já era precisamente o mesmo que foi praticado 55 dias após, ou seja, em 17 de fevereiro de 2014.
Ou seja o Sr. J. quando negociou com entidades relacionadas, ou seja, com sociedade que detinha participações financeiras assumiu um valor de realização igual ao valor da subscrição do capital efetuado 7 anos antes.
Quando o Sr. J., na qualidade e representante da R. negociou a venda da sua participação no Banco (...), com entidades externas, onde não tinha qualquer posição de domínio no estabelecimento do preço de venda, o valor de realização desta operação aumentou substancialmente.
...
... os elementos recolhidos fundadamente indicam que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações representativas de 10% do (...) do Sr. J. para a sua holding na Holanda, R. BV, pelo que se encontram reunidos os requisitos para aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 52º do CIRS.
... o banco (...) não se encontra cotado em bolsa de valores.
Assim, a Autoridade Tributária tem a faculdade de proceder à respetiva determinação com base no valor do último balanço aprovado pela sociedade, conforme prevê a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.
III.1.5.2 Valor apurado com base no balanço
...
“Em 31 de Dezembro de 2012, os capitais próprios do Banco totalizavam cerca de USD 760 milhões...”
...
Deste modo, a participação transmitida representativa de 10% do capital corresponde a USD 76 000 000 (USD 760 000 000x10%), valor manifestamente superior aos USD 3 000 000 considerado na transmissão do Sr. J. para a sua holding R. BV.
III.1.6.Correção proposta
...
1 Determinação do valor de aquisição de participação (alínea b) do artigo 48º do CIRS)
...
O valor de aquisição a considerar, de acordo com a alínea b) do artº 48º do CIRS na transmissão é o de documentalmente provado que ascende a USD 3 000 000.
2 Determinação do valor de realização de participação (artigo 44º e al. b) do n.º 2 do art. 52º, ambos do CIRS)
...
... Tendo em conta que o SP era detentor de 10% do capital, o valor de realização apurado é de USD 76 000 000 (760 000 000*10%).
...
3. Cálculo da MAIS-VALIA E IMPOSTO DEVIDO
Os rendimentos da categoria G relativos a mais-valias (alínea a) n.º 1 art.º 9º e alínea b) do n.º 1 art.º 10º do CIRS) são apurados nos termos da alínea a) do n.º 4 do art.º 10º do CIRS.
...
Mais valia apurada - valor da realização (55 525 600,00€) – valor aquisição 2 191 800,00€ )= 53 333 800,00€ )
OBS: O SP apesar de notificado não apresentou despesas inerentes à transmissão da participação (...).
3.2 Imposto apurado (correção)
Nos termos do n.º 4 do art.º 72º o saldo das mais-valias da venda da participação no banco (...) é tributado à taxa de 28% pelo que se apura o seguinte imposto em falta:
53 333 800,00€ x 28% = 14 933 464,00€.
...”, cfr. págs. 7 e segs. do RI que integra do doc. n,º 2 da petição inicial (PI). RI e seus anexos que constituem também objeto do processo administrativo (PA);
4) O relatório e suas conclusões foram superiormente confirmadas e alicerçaram, por via de correções meramente aritméticas, as liquidações adicionais nestes autos impugnadas, vide 3ª e 4ª págs. do já referido doc. nº 2 e ainda o doc. n.º 1, ambos da PI;
5) Liquidações com data limite de pagamento fixado em 28-05-2018, cfr. o já mencionado doc. n.º 1 da PI;
6) A PI que deu origem aos presentes autos foi apresentada, via site, em 27 de agosto de 2018, vide o comprovativo de entrega de documento, vide folha primeira destes autos.
III II Factos não provados
Inexistem
*
A convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais e outros indicados em cada alínea dos factos provados.
Atendeu-se também ao depoimento da testemunha, o qual sendo autora do RI, serviu para o contextualizar.
Como resulta dos autos e desta decisão, a divergência das Partes não se situa, no bom rigor, nos fatos mas sim na respetiva interpretação e ou consideração apenas de alguns em vez da totalidade.”

3.2. DE DIREITO
3.2.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de direito:
III Os factos e o direito
Relembrando a fundamentação dos Impugnantes cumpre apreciar e decidir se:
A situação descrita no RIT não é subsumível ao disposto no artigo 52º do CIRS; a fundada divergência aí referida não se encontra fundamentada; o valor da alienação de USD 76 000 000 presumido pela AT não corresponde ao valor pelo qual o impugnante marido efetivamente transmitiu, no ano de 2013, as ações por si detidas no Banco (...).
Analisaremos estes argumentos em conjunto pois, como se verá, estão conexionados.
Atentando na argumentação dos Impugnantes ela assenta tão só na primeira transmissão a realizada entre o Impugnante marido e a sua participada R. BV olvidando a transmissão posterior que esta realizou, os valores envolvidos nas duas transmissões, o curto tempo que mediou entre ambas e o fato de a primeira transmissão ter ocorrido entre Impugnante e uma sociedade cujo capital social era detido pela sociedade R. SGPS sendo que o capital desta era detido integralmente pelo Impugnante marido e familiares. Dito de outra forma a argumentação dos Impugnantes é apresentada como se os elementos documentais reunidos pela AT, discriminados no relatório de inspeção (RI) e constituindo seus anexos, não existissem. Argumentação que atende apenas à primeira transmissão e seu suporte documental. Argumentação que, a ter-se como procedente, seria um abrir portas à inoperatibilidade da tributação de incrementos patrimoniais prevista no artigo 52º do CIRS. Num universo sem fronteiras, onde a liberdade de constituição de sociedades é quase ilimitada, todas as situações de intermediação envolvendo incrementos patrimoniais escapariam da alçada da referida norma.
E o caso em análise, pelas razões inequivocamente explicadas no RI, é uma situação em que há “fundadamente divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão”. E a divergência não deixa de existir se em vez de uma só transmissão existirem duas, mas em que a primeira apenas existe como tentativa de contornar, ocultar, o verdadeiro negócio, constituído pela segunda.
Disse-se “Razões inequivocamente explicadas no RI” pois que outras palavras não são adequadas para traduzir o trabalho realizado pela AT e que, no essencial se alicerça nos documentos dos autos constantes, mormente nos anexos do RI:
- A primeira transmissão ocorreu estando já prevista a segunda – “Concluímos que quando esta transmissão ocorreu já se encontravam em curso negociações para a posterior alienação a entidades externas, conforme aliás se encontra expresso no relatório de contas da sua holding, R. BV, de 2013";
- entre uma e outra mediaram apenas 55 dias;
- na primeira transmissão estipulou-se um valor igual ao valor nominal da aquisição ocorrida sete anos antes, sendo que os valores dos dividendos distribuídos ao Impugnante marido, em 2013 e 2012 foram, em cada ano, superiores ao dobro daquele valor;
- a primeira transmissão ocorreu entre o Impugnante marido e uma sociedade cujo capital social é integralmente subscrito por outra cujo capital é detido exclusivamente pelos impugnante e familiares diretos;
- o valor da segunda transmissão foi apurado com base no balanço: ”Em 31 de Dezembro de 2012, os capitais próprios do Banco totalizavam cerca de USD 760 milhões..."
...
Deste modo, a participação transmitida representativa de 10% do capital corresponde a USD 76 000 000 (USD 760 000 000x10%), valor manifestamente superior aos USD 3 000 000 considerado na transmissão do Sr. J. para a sua holding R. BV."
- Para a divergência entre as duas transmissões “nunca foi invocado qualquer fundamento economicamente razoável nem apresentados elementos que justifiquem tamanha disparidade de valores.”.
Situação com forte paralelismo com a analisada foi objeto do Ac. do TCA S de 13-11-2014. Proc. 07564 in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/13A3B5208B75 C11280257D95003 DB2E6., tendo-se considerado legal a aplicação do artigo 52º do CIRS.
Portanto, em resposta às questões colocadas pelos Impugnantes respondemos:
a situação descrita no RIT e que alicerçou as liquidações impugnadas é subsumível ao disposto no artigo 52º do CIRS;
a fundada divergência aí referida encontra-se fundamentada;
o valor da alienação de USD 76 000 000 tem assento legal e documental pois foi “apurado com base no último balanço”.
Tendo-se respeitado o valor da alienação apurado de acordo com os critérios legais respeitou-se o princípio da capacidade contributiva.
Assim, improcedem os argumentos apresentados pelos Impugnantes devendo manter-se as liquidações não podendo o pedido de juros indemnizatórios ser atendido.”.
Perante o julgamento de facto e de direito realizado em 1.ª instância, analisemos, então, o mérito deste recurso.
3.2.2. Nulidades da sentença
Os Recorrentes apontam à sentença recorrida diversas nulidades: falta de especificação dos factos provados, limitando-se a reproduzir o RIT; omissão de pronúncia sobre a questão suscitada na p.i. de as razões apontadas no RIT não permitirem a aplicação do artigo 52.º do CIRS; falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão.
Vejamos, então:
Preceitua o artigo 125º, nº 1 do CPPT que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.».
No mesmo sentido estabelece o do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT, ao estatuir que «1. É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; c). Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)».
3.2.2.1. Especificação da matéria de facto – transcrição do RIT
O dever de fundamentação das decisões judiciais constitui um imperativo constitucional (205.º, n.º 1, da CRP da Constituição da República Portuguesa) que, no âmbito do processo judicial tributário, está densificado no artigo 123.º, n.º 2 do CPPT, o qual impõe que na sentença se discrimine a matéria de facto provada e a não provada, devendo ser fundamentada a decisão. Por outras palavras, cabe ao juiz não só discriminar os factos provados e os não provados, mas ainda motivar a respetiva decisão, sob pena de nulidade da sentença, por força do artigo 125.º do CPPT.
Porém, é sabido que só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que, tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140, “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Ora, como facilmente se percebe do teor já transcrito da sentença recorrida, tanto na parte relativa à decisão de facto como à de direito, não estamos perante uma ausência absoluta de fundamentação. Tal fundamentação existe, efetivamente, o que logo afasta a possibilidade de declarar nula a sentença, por ausência total de motivação.
Sendo embora censurável a prática de verter nos factos provados o mero conteúdo do relatório da inspeção, porque, em geral, não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença, situações existem em que tal transcrição é mesmo necessária, para que se fixe o conteúdo concreto da fundamentação do ato tributário em análise.
Tal é, precisamente, o que se passa nos presentes autos em que a Recorrente, logo na p.i., sustentou que a fundamentação em que a AT se estriba não serve para legitimar a liquidação à luz do artigo 52.º do CIRS. Para apreciar esta questão é, indubitavelmente, necessário atender à motivação factual e jurídica externada pela AT (no relatório da inspeção tributária) e, por isso, devia a mesma ser levada à factualidade provada através da transcrição do RIT, na parte relevante.
Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida, nesta parte, improcedendo as conclusões C) a E) das alegações de recurso.

3.2.2.2. Omissão de pronúncia
Seguidamente, os Recorrentes defendem que na sentença recorrida foi omitida pronúncia sobre a referida questão de saber se a fundamentação externada permitia a correção da matéria tributável declarada por aplicação do artigo 52.º do CIRS.
Como é sabido, ocorre omissão de pronúncia quando «d) O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…)» - cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Este vício está relacionado com a norma que disciplina as “Questões a resolver - ordem de julgamento” (cf. artigo 608.º n.º 2 do CPC) da qual resulta que o juiz «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não haja resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, esta nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre alguma questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013, 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014 e 03589/04 - Aveiro).
No caso em análise, o Meritíssimo Juiz a quo tomou posição sobre a mencionada questio, referindo que «(…) Situação com forte paralelismo com a analisada foi objeto do Ac. do TCAS de 13-11-2014. Proc. 07564 in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/13A3B5208B75 C11280257D95003 DB2E6., tendo-se considerado legal a aplicação do artigo 52º do CIRS.».
Portanto, ainda que muito sucintamente, mas sem deixar de ser clara neste ponto, bem ou mal, a sentença recorrida contém apreciação sobre a pertinência da aplicação do artigo 52.º do CIRS, não enfermando, por isso, de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo também as conclusões F. e J. das alegações de recurso.

3.2.2.3. Falta de fundamentação
Na ótica dos Recorrentes, a sentença recorrida também padece de nulidade por carecer de fundamentação pois que se escudou na transcrição do que chama “razões inequivocamente explicadas no RI”, caindo no erro apontado à liquidação, pois que tais razões «não fundamentam, nem demonstram, qualquer divergência entre o valor declarado pelas partes e o valor que o então impugnante efetivamente recebeu por essa transmissão».
Na nossa perspetiva, o que os Recorrentes efetivamente invocam, nesta parte, é um erro de julgamento por considerarem (como já o faziam na p.i.) que a factualidade vertida no relatório não permite a liquidação à luz do artigo 52.º do CIRS.
Não obstante isto, afirmamos que a «(…), a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação.» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909.
Acresce reiterar que, como vem sendo pacificamente entendido, apenas a total e absoluta ausência de fundamentação afeta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
E, assim, reafirmamos que, no caso vertente, a sentença não é totalmente omissa quanto aos respetivos fundamentos de facto (pois não só elenca a factualidade julgada provada e refere inexistirem factos não provados, como também indica a respetiva motivação) e de direito (já que procede à análise jurídica da causa em face dos normativos legais aplicáveis e que nenhuma das partes manifestou dificuldade em identificar), razão pela qual têm que improceder as conclusões K. a M. das alegações de recurso.

3.2.2.4. Oposição entre os fundamentos e a decisão
Já na conclusão N. os Recorrentes sustentam que a sentença enferma da nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC
Este normativo prevê, como causa de nulidade da sentença, a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, «para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente» (ibidem, sendo nosso o sublinhado).» - cfr. acórdão do STJ de 30.05.2013, proc. 660/1999.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3c01e3f668572a9b80257b7b004cb522.
No caso, não se nos afigura que estejamos perante tal “construção viciosa da sentença”, pois não é possível afirmar que a fundamentação adotada na sentença conduziria, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou diferente.
Assim sendo, improcede também a conclusão N. das alegações de recurso.

3.2.3. Erro de julgamento de facto
Nas conclusões O. a P., os Recorrentes alegam que, não se ordenando a baixa dos autos à 1.ª instância para a devida especificação dos fundamentos de facto, deve ser aditado ao elenco dos factos provados o conjunto de factos genericamente alegado nos artigos 52.º, 57.º e 54.º/69.º, que reputam essenciais para a apreciação da causa e resultam provados nos autos, encontrando-se demonstrados pela própria AT no relatório da inspeção. Propõem, assim, o aditamento de três novos factos ao elenco da factualidade provada, com a seguinte redação:
«7) O valor declarado pela transmissão das partes de capital detidas pelo Impugnante marido no Banco (...) para a R. BV em finais do ano de 2013, aqui em causa, ascendeu ao montante total de USD 3.000.000 (EUR 2.177.790)”;
- Cf., especificamente, p. 12 do relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial: “Verificámos assim que a transmissão das ações representativas de 10% do (...) do Sr. J. para a empresa R. BV foi considerada por 3.000.000 USD, que corresponde ao valor de aquisição e valor nominal da participação.”
– Cf., ainda, depoimento da testemunha A., Inspetora Tributária: “(...) o Senhor J. declarou a operação por 3 Milhões” (35).
(35) Cf. minutos 17:54 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 3 de junho de 2019.
“8) O valor da contraprestação auferida com essa transmissão correspondeu ao referido montante de USD 3.000.000 (EUR 2.177.790), repartido por EUR 785 de capital e EUR 2.177.005 de share premium”;
– Cf., especificamente, p. 12 do relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial: “O Sr. J. realizou um aumento de capital da R. BV, com entrada em espécie das ações representativas de 10% do (...). As mesmas foram valorizadas por 3.000.000 USD (equivalente em euros 2.177.790,00), repartidas por aumento de capital de €785 e o restante (€2.177.005) a título de share premium”.
– Cf., ainda, depoimento da testemunha A., Inspetora Tributária: “(...) o Senhor R. tinha entrado com 3 milhões de dólares na aquisição de 785 ações de valor nominal de um euro cada, tendo entrado o restante a título de share premium” (36).
– Cf., por fim e igualmente, páginas 7/13 a 10/13 do Anexo n.º 1 ao relatório de inspeção, junto como documento n.º 2 com a petição inicial.
(36) Cf. minutos 9:18 da gravação da sessão de inquirição de testemunhas realizada em 3 de junho de 2019.
9) Os Serviços de Inspeção não apuraram que o Senhor J. tivesse auferido, pela transmissão a que se alude nos dois pontos anteriores, mais do que a referida contraprestação de EUR 785 de capital e EUR 2.177.005 de share premium”.
– Cf., desde logo, teor integral do relatório de inspeção juntos aos autos como documento n.º 2 com a petição inicial, do qual não consta um qualquer indício ou consideração em contrário;
– Cf., ainda, minutos 9:31 a 9:50 da gravação da sessão de inquirição da testemunha A., Inspetora Tributária.».
No que respeita ao proposto ponto 7), já consta da sentença recorrida (cfr. ponto 3 dos factos provados), o excerto do relatório em que é mencionado o valor da valorização das ações pelo qual a transmissão foi considerada, donde que este aditamento é desnecessário.
O valor da contraprestação auferida pelos Recorrentes é a questão essencial que nos ocupa, a fonte do dissídio entre os Recorrentes e a AT e, tendo esta fundamentado as razões que a impelem a considerar que “pode existir divergência” entre o valor real da transmissão e o que foi considerado, sem que os Recorrentes tenham demonstrado qualquer erro neste pressuposto factual ou que, mesmo assim, o valor declarado / considerado corresponde ao valor efetivo da operação, manifestamente, não é possível inscrever-se como facto assente que o mesmo ascendeu a 3 milhões de dólares.
Finalmente, no que respeita ao conteúdo proposto para o ponto 9, encerra o mesmo uma conclusão e não um facto, pelo que não pode integrar o elenco da factualidade provada ou não provada.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

3.2.4. Erro de julgamento de direito
3.2.4.1. Errada aplicação do artigo 52.º do CIRS
Sob a epigrafe “divergência de valores”, o artigo 52.º do CIRS estatui que:
«1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.
2 - Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:
a) Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta;
b) Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.
3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço.» - o sublinhado é da nossa autoria.
No entendimento dos Recorrentes este normativo não é aplicável à situação dos autos porquanto «a fundamentação de facto e os indícios invocados pela AT, ao invés de se prenderem com a demonstração da invocada divergência, prenderam-se com a demonstração de que o valor de mercado da primeira transmissão não correspondeu àquele que seria o seu valor de mercado, porque fora realizada entre partes em situação de relações especiais e porque 55 dias depois a adquirente transmitira por um valor superior essas mesmas partes do capital.// Situação que não é subsumível ao disposto no artigo 52.º do Código do IRS, por não corresponder a qualquer divergência entre o valor declarado pelas partes e o valor real pelo qual o negócio foi realizado.».
Contudo, os Recorrentes laboram em erro.
Desde já, devemos salientar que a norma do n.º 1 do artigo 52.º do CIRS, se basta com a demonstração de que “pode existir” divergência entre os valores declarado e real, o que não se confunde com a efetiva existência dessa divergência. Assim, a AT apenas tem o ónus de demonstrar factos que evidenciem a possibilidade de existir divergência e, já não, factos demonstrativos de que a divergência efetivamente existe.
Como é fácil de perceber, a “possibilidade de existir” e a “efetiva existência” são coisas bem distintas, tal como também é o peso do encargo probatório necessário à demonstração de uma e de outra.
No caso em análise, temos para nós como evidente que a AT demonstrou, como lhe competia, quais as razões que fundamentavam a sua convicção de que “pode existir” de divergência entre o valor declarado/considerado e o valor real da transmissão.
Tais razões assentaram nas ditas “relações especiais” entre o Recorrente marido e a sociedade “R.”(porque este detinha 99,6% do seu capital social), a qual, por sua vez, detinha 100% do capital social da sociedade “R.” para quem o Recorrente transmitiu as suas ações do Banco (...), através de uma operação de aquisição de ações com entrada em espécie, bem como nos factos de, menos de dois meses depois, esta sociedade ter alienado as mesmas ações por um valor substancialmente (55,83 vezes) superior ao considerado na operação de transmissão efetuada pelo Recorrente. Paralelamente, a AT também demonstrou diversos factos evidenciadores de que o valor real / de mercado das ações transmitidas era muito superior ao seu valor nominal.
Ora, ainda que baseada em factos demonstrativos da existência de relações especiais e de que a operação foi realizada por valor inferior ao do mercado, o certo é que a AT se reportou, sempre, à divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.
Relembremos o que, neste inequívoco sentido, consta do RIT:
- fls.18, 3.º parágrafo: «Assim, para efeito de verificação se na operação em análise existem factos que fundadamente demonstrem divergência entre o valor declarado e o valor real da operação e do ativo transmitido (…)»;
- fls. 25, 1.º e 2.º parágrafos: «Toda a informação recolhida e analisada, nomeadamente a informação pública disponível, os rácios e indicadores económicos e financeiros e a posição no mercado do Banco (...) fundadamente demonstram que o valor da participação à data da transmissão do Sr. J. para a sua holding, realizada em dezembro de 2013, é muito superior ao valor nominal da mesma. // Não foi justificada a discrepância de valores desta participação social em apenas 55 dias, pois demonstramos inequivocamente que naquele espaço de tempo não ocorreu qualquer acontecimento que a justifique.»;
- fls. 25, parágrafo 8: «(…), os elementos recolhidos, fundadamente indicam, que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações, (…), pelo que se encontram reunidos os requisitos para aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 52.º do CIRS.».
Importa referir que nada na lei obsta a que a possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real da operação seja indiciada pela existência de relações especiais e / ou de uma operação por valor inferior ao real ou de mercado. Na verdade, a lei não define nem limita os factos em que a AT se pode basear para considerar “fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da operação”; nesta medida, não existia qualquer impedimento legal à correção da matéria tributável à luz do artigo 52.º do CIRS.
Assim, também improcedem as conclusões Q) a BB).

3.2.4.2. Inexistência de indícios da divergência
Seguidamente, os Recorrentes alegam que não existem evidências de que o valor declarado/considerado da transmissão diverge do seu valor real.
Mas, também aqui, a razão não está do seu lado.
Na verdade, como já mencionámos, o que a ATA tinha que demonstrar era, tão somente, que pode existir divergência ente o valor considerado e o valor real, o que logrou fazer, pois são diversos os factos que, séria e consistentemente, evidenciam tal possibilidade divergência relativos, tanto à situação económico-financeira do Banco (...), como à inexistência de factos que justificassem uma valorização tão significativa do valor das ações nos parcos 55 dias que mediaram as duas transmissões.
Vejamos, então e em concreto, quais os factos / indícios em que a AT se baseou:
«III.1.5.1. Fundamentação da divergência de valores de realização
a) Informação de domínio público sobre o Banco (...)
(…)
Ou seja, face aos factos descritos verificamos que é do domínio público que o Banco (...) apresentava bons indicadores em vários níveis: com boa rede comercial em Angola, boas quotas de mercado, bons resultados líquidos e acrescente expansão internacional.
b) Relatório e contas do Banco (...)
Para análise da valorização do ativo transmitido procedemos também à análise dos Relatórios e Contas do Banco (...), que é uma informação pública e que se encontra disponível no site (www.banco(...).xx).
(…)
Atentemos à situação deste ativo traduzida nas demonstrações de contas de 2012, delas destacamos os valores dos indicadores de atividade, expressos no seguinte quadro resumo:
(…)
A informação apresentada, encontra-se resumida na mensagem do Presidente do Banco, de que se destaca a seguinte informação:
Em 31 de Dezembro de 2012, os capitais próprios do Banco totalizavam cerca de USD 760 milhões, tendo-se verificado um acréscimo de cerca de USD 110 milhões, equivalente a 17% face ao ano anterior. Para esta variação dos capitais próprios do Banco (...) contribuiu de forma decisiva o resultado líquido apurado no exercício de 2012 no montante de USD 168 milhões, levando ainda em consideração a distribuição de dividendos relativos ao exercício de 2011 no montante de aproximadamente USD 62,4 milhões ocorrida em 2012
Da mensagem do presidente e de toda a informação vertida no Relatório e Contas retiramos os seguintes factos relativos à situação económica e financeira do Banco (...) no final de 2012:
Boa situação dos capitais próprios
Resultado líquido de USD 168 milhões e capitais próprios de USD 760 milhões, um crescimento, respetivamente de 7% e 17% face ao ano anterior
Banco de referência no setor bancário Angolano, sendo o banco privado com a maior rede comercial de Angola (total de 184 agências, as quais 19 foram abertas no ano de 2012), cerca de 1.705 colaboradores, com uma idade média de 29 anos;
Considerado o Banco privado que mais cresceu em Angola, em termos absolutos, no ano de 2012, quer ao nível da carteira de crédito, quer ao nível dos recursos totais de clientes;
Banco líder nas operações cambiais (com quota de 14% no mercado primário de divisas);
Passagem do quarto para terceiro lugar no crédito concedido à economia (com quota de 12,4%);
Processo em curso de internacionalização do Banco: (…)
Parceria estabelecida com o Banco (...) Português, o qual, após a fusão ocorrida com o anterior B.. (…), dispõe de uma rede comercial composta por 197 agências, 11 gabinetes de empresas e uma direção de private banking;
Autorização dada já em 2013, pelo Estado Português para a alienação do B.. – , em Cabo Verde ao Banco (...) o que permitirá o alargamento da rede bancária.
Esta boa performance individual do (...) era em 2012 também acompanhada de boas perspetivas para setor bancário angolano nomeadamente pelas medidas do Banco Nacional de Angola (implementação de um conjunto de políticas monetárias e cambiais que permitiram, entre outros, que o kwanza apresentasse uma desvalorização face ao Dólar Norte-Americano inferior a 1% ao longo do ano de 2012 bem como o reforço significativo das reservas internacionais líquidas).
A evolução do Banco nestes últimos 7 anos de atividade encontra-se resumida na seguinte frase retirada do Relatório e Contas do Banco (...) 2012 (página 9, anexo n.º 4):
De referir ainda que, com o investimento sucessivo dos lucros obtidos, ano após ano, na actividade, o Banco (...) foi considerado pela revista African Business como o 32º maior banco de África, tendo por base os fundos próprios a 31 de Dezembro de 2011. Este facto notável ganha ainda maior relevância se considerarmos os apenas sete anos de existência do Banco (...), em comparação com outras instituições com mais de 50 anos de história no sistema financeiro africano.
Esta boa situação do Banco (...), mantem-se ao longo do exercício de 2013, conforme análise dos relatórios trimestrais, também disponíveis no mesmo site da entidade bancária bem como no relatório de contas de 2013 (anexo n.º 5).
Da consulta dos mesmos não foi identificado qualquer facto que indique alteração da situação económica/financeira do Banco, mantendo a mesma tendência crescente de resultados positivos.
Os resultados positivos do Banco (...), têm sido objeto de distribuição aos acionistas via distribuição de dividendos tendo sido colocados à disposição ao Sr. J. dividendos que ascenderam em 2011 – 6,24 milhões; 2012 – 6,72 milhões e 2013 – 16,09 milhões USD.
Em resumo, a informação recolhida indica que o Banco (...):
Era uma entidade bancária com boa posição no mercado bancário angolano, com boas quotas de mercado e maior rede comercial de Angola;
Era o Banco Privado com maior crescimento absoluto ao nível de crédito e nos recursos totais de clientes;
Encontrava-se em fase de expansão interna e com aumento do número de agências e crescimento do volume de negócios (denominada pelo banco no relatório e contas como fase de crescimento agressivo);
E também em fase de expansão internacional (…)
Com apenas sete anos de atividade ocupou em 2012, tendo por base os capitais próprios, o 32º lugar do maior banco em África;
Tinha uma equipa de colaboradores jovens;
Apresentava boa situação económica e financeira relevada pelo seu relatório e contas.
(…)
c) Operação posterior de venda do (...) para entidades externas
(…)
O Sr. J. transmite as ações do (...) em 24/12/2013 pelo montante de USD 3.000.000 para a sua holding, (…), R. BV, ou seja, por um valor que corresponde ao valor nominal;
A sociedade R. BV celebrou com entidades externas em fevereiro de 2014 contrato de venda desta participação pelo montante de 170.490.000 USD;
Com a alienação da participação a sociedade R. BV obteve uma mais valia no montante de USD 167.490.000, que não foi objeto de tributação na Holanda em sede de imposto sobre o rendimento;
Não foi identificado qualquer facto/acontecimento ocorrido entre a data das duas transmissões que justifique a diferença de valor das ações tão significativa;
Estamos assim na presença de duas operações que respeitam ao mesmo ativo mas que, num espaço de tempo de apenas 55 dias, foram declaradas por valores manifestamente dispares (USD 3.000.000 e USD 170.490.000).
No decurso da ação inspetiva, nomeadamente nas reuniões realizadas nos dias 6 e 20 de fevereiro e 8 de março, foi confrontado o SP, na pessoa do seu representante, Sr. P..J., com esta factualidade não tendo apresentado qualquer justificação para esta valorização excecional quando comparada com o anterior valor de realização considerado.
(…)».
Temos para nós que esta factualidade evidencia à saciedade a possibilidade de o valor real da transmissão não corresponder ao valor considerado, porquanto as ações tinham um valor muito superior ao seu valor nominal, mostrando-se, pois, fundado o entendimento da AT de que ocorria a possível divergência passível de ser corrigida à luz do artigo 52.º do CIRS.
Improcede, por isso, a conclusão CC) das alegações de recurso.

3.2.4.3. Violação do princípio da capacidade contributiva

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, de que é exemplo o Acórdão n.º 84/2003:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».

Como se refere no acórdão do TCAS, de 21.11.2019, proc. 016646/13.2BELRA:

«O dito princípio da capacidade contributiva (não obstante o silêncio da actual Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal”, sendo que a ele se pode, ou deve, chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artºs.103 e 104 do diploma fundamental) exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o “tertium genus” - leia-se, o critério - que há-de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exacção do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr. acórdão do T. Constitucional 601/2004, de 12/10/2004, proc. 793/03; acórdão do T. Constitucional 197/2013, de 9/04/2013, proc. 602/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.227 e seg.).»

Evidenciando-se, no caso concreto, que o valor real da transmissão das ações é muito superior ao valor considerado e que os Recorrentes detêm 99.6% da sociedade holding que detém 100% do capital social da R., na qual a operação de (re)venda das ações (alienação a entidades externas) produziu uma mais valia de 167.490.000 USD e os pagamentos à R. nos montantes de €9.766.706,21 (em 2014) e €42.000.000,00 (em 2015), não é possível afirmar que a tributação incide sobre uma riqueza que não existe ou que não está de acordo com a sua “capacidade de gastar”, pois os Recorrentes têm o incremento patrimonial que decorre da consequente valorização das ações que detêm naquelas sociedades.
Mais, o facto de as mais valias apuradas na transmissão das ações não terem sido objeto de tributação, de todo em todo (ocorrendo, nas palavras da AT, uma “dupla não tributação”), permitiu aos Recorrentes uma poupança fiscal que se traduz numa evidente maior capacidade contributiva.
Acresce dizer que aos Recorrentes não estava, nem poderia estar, vedada a possibilidade de demonstrarem, por um lado, não terem aderência à realidade os factos em que a AT se baseou para concluir que “pode existir divergência entre o valor declarado e o valor real” ou, por outro lado, que o valor considerado para a transmissão das ações correspondia ao valor efetivo da operação.
Mas, não tendo provado uma coisa nem outra, subsiste a factualidade avançada pela AT, bem como as conclusões que dela retirou, motivo pelo qual têm de ser mantidas tanto a sentença recorrida como a liquidação impugnada.

Improcedem, assim e também, as conclusões DD) e LL) das alegações de recurso.
3.5. Dispensa do remanescente da taxa de justiça

Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação, dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida neste recurso.

Custas a cargo dos recorrentes, dispensando-se a Recorrida do pagamento da taxa de justiça nesta sede, uma vez que não contra-alegou.


Porto, 21 de maio de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio