Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02740/17.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:INSTITUTO SEGURANÇA SOCIAL, SUBSÍDIO DESEMPREGO, DATA SITUAÇÃO CONTRIBUIÇÃO REGULARIZADA,
PRINCÍPIOS BOA FÉ E DA CONFIANÇA
Sumário:1 . Não é razoável, imputar à requerente do subsídio de desemprego a responsabilidade pela existência de uma dívida que não lhe foi comunicada ou antes omitida, ainda que por lapso dos serviços, mas que, logo que detectada, foi prontamente paga.

2 . Se a requerente acabou por não liquidar a quantia correcta, devendo-se a incorrecta informação do ISS, até porque, logo que notificada do erro ou lapso do serviço na informação que antes lhe havia fornecido, quanto ao valor em dívida, de imediato o liquidou, tendo em consideração a data da cessação da actividade, seria violador do princípio da boa fé e da protecção da confiança imputar-lhe esse erro.

3 . Sendo relevante a data da cessação da actividade e que esteve na base da decisão da Segurança Social e que a sentença não questionou, mostra-se ineficiente para inverter a decisão do TAF, vir-se agora dizer que a data relevante é a data da situação de desemprego, que não a data da cessação da actividade
Recorrente:INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL
Recorrido 1:I.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
*
I
RELATÓRIO

1 . INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP, Centro Distrital do Porto, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, de 14 de Outubro de 2020, que julgando procedente a acção administrativa intentada pela A./Recorrida I., anulou o Despacho de 18/8/2017 da Sr.ª Directora do Núcleo de Prestações de Desemprego do Centro Distrital do Porto do ISS, IP, mais condenando este a reapreciar o pedido formulado pela A./recorrida com vista à concessão de prestações de desemprego, requerida em 14/6/2016.
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2 . No final das suas alegações, o recorrente ISS, IP formulou as seguintes conclusões:

"1- A SENTENÇA RECORRIDA FAZ UMA INCORRECTA INTERPRETAÇÃO do art.º 70º do Código dos regimes contributivos da Segurança Social, nomeadamente do seu n.º 2, quando não considerou o pedido de cessação da actividade em 30/09/2016, conforme pedido expresso da empresa e acta junta e considerou, indevidamente a data do desemprego como a data do encerramento da empresa, em 12/11/206, sem ter sequer havido declaração de remunerações.
2- A SENTENÇA RECORRIDA fez também uma incorrecta interpretação do art. 7 do Decreto-Lei 12/2013, já que o encerramento da empresa, sendo exigível, não é data de referência para a data início do desemprego, já que o gerente pode ter cessado funções antes disso, assim como o encerramento não é data de referência para contagem do prazo de garantia nem da situação contributiva regularizada, nem a inscrição no centro de emprego depende temporalmente destes factos, basta que ocorra antes do requerimento.
3- Na verdade, a razão do indeferimento não foi determinada pelo montante da dívida, mas pelo facto de, à data do desemprego, nos termos do art. 70 n. 2 do CRCSS, a ou seja, a 1 de Outubro de 2016, (antes, portanto da informação incorrecta ser prestada) a empresa não ter a situação contributiva regularizada nos termos do art. 208 do CRCSS (nem paga, nem com plano prestacional.)
4- Sendo, obviamente, irrelevante o pagamento de contribuições posterior à data relevante para se aferir desse pressuposto, a data do desemprego, ou seja, a data declarada como fim do exercício da actividade profissional da A. pela própria empresa e a data em que esta se considerou desvinculada da obrigação contributiva em relação à A. (o que, aliás foi aceite pelo R. )".
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3 . A A./Recorrida, I., apresentou contra alegações, concluindo que não assiste razão ao recorrente, ao não atribuir o subsídio de desemprego à A./recorrida.
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4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, apresentou douto e fundamentado Parecer onde conclui que a sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que o recurso deverá improceder.
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5 . Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida, cuja validade e fidelidade não vêm questionados:

1. Por escritura pública de 06/08/2004, a Autora e outra celebraram contrato de sociedade pelo qual constituíram a sociedade por quotas G., Lda., cuja gerência competia a ambas – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
2. Com data de 11 de novembro de 2016, a Autora e outra sócia da G., Lda., requereram a dissolução e liquidação desta sociedade – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial.
3. Com data de 07 de outubro de 2016, a Segurança Social emitiu declaração da qual resulta que a sociedade G., Lda., apresentava dívida à Segurança Social, no valor de 2.442,93 euros – cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
4. No dia 12 de outubro de 2016, teve lugar o pagamento da quantia identificada em dívida nos termos do ponto anterior – cfr. doc. n.º 8 junto com a petição inicial
5. Em 08 de fevereiro de 2017, ocorreu novo pagamento de montante que a sociedade G., Lda., tinha em dívida para com a segurança social, no valor de € 336,48 – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial.
6. Com data de 30 de setembro de 2016, a G., Lda., emitiu declaração relativa a membros dos Órgãos Estatutários das pessoas Coletivas, pela qual declarava o seu encerramento – cfr. doc. n.º 9 junto com a petição inicial.
7. Com data de 14 de novembro de 2016, a Autora apresentou nos serviços da Segurança Social requerimento pelo qual solicita o pagamento de prestações de desemprego – cfr. doc. n.º 9 junto com a petição inicial.
8. Com data de 08 de fevereiro de 2017, a Segurança Social emitiu declaração da qual resulta que a G., Lda., tinha a sua situação contributiva regularizada perante a segurança Social – cfr. doc. n.º 15 junto com a petição inicial.
9. Com data de 02 de fevereiro de 2017, o Réu notificou a Autora do sentido de decisão de indeferimento do seu requerimento para prestações de desemprego, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Assunto: Notificação de decisão Data: 2017-02-02

Informamos que o requerimento acima indicado será indeferido se, no prazo de 5 dias a contar da data da receção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam impedir o indeferimento, juntando meios de prova se for caso disso.
Os fundamentos para o indeferimento são os a seguir indicados:
- Não apresentar a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º).
Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao fim do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social;
- 3 meses para impugnar contenciosamente.
- cfr. fls. 43 do PA junto aos autos.
10. Em 16 de fevereiro de 2017, a Autora apresentou nos serviços do Réu a sua resposta – cfr. fls. 44 do PA junto aos autos.
11. Com data de 25 de agosto 2017, foi a Autora notificada da decisão de indeferimento do seu requerimento para prestações de desemprego, nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Sua Referência Sua Comunicação Nossa Referência Data
NISS: (...) UP-NPD-2ª Equipa 18/08/2017
Assunto:
Nos termos e para os efeitos do artigo 114º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, fica V.ª Ex.ª notificado do despacho proferido pela Exm.ª Senhora Diretora de Núcleo Prestações de Desemprego em 18/08/2017, cuja cópia se junta.
Com os melhores cumprimentos,
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

A beneficiária acima identificada veio ao abrigo do diploma que estabelece, no âmbito do sistema previdencial, o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas (DL n.º 12/2013, de 25/01), requer prestações de desemprego.
A beneficiária em 2017/02/16, em resposta de audiência prévia de interessados, veio juntar ao processo administrativo, comunicação escrita acompanhada de recibos comprovativos de pagamento à Segurança Social.
Após análise dos mesmos, verifica-se que foram efectuados pagamentos em 2016/10/12 e 2017/02/08, referentes a contribuições.
Explana o art.º 7 n.º 1 (alínea c) do Decreto-lei 12/2013, de 25 de Janeiro: “- a situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa, (alínea c) do n.º 1 do art.º 7.º), é uma condição de atribuição da prestação de desemprego.”
Ora, sendo a situação contributiva regularizada uma condição de atribuição da prestação de desemprego, a mesma é aferida à data da cessação de actividade.

Assim sendo, verifica-se que a regularização foi efectuada já após a data da cessação de actividade.
Pelo que os elementos apresentados não podem obstar à decisão proferida anteriormente.
Por estes motivos, propõe-se o indeferimento do requerimento em causa e a notificação da beneficiária nos termos previstos pelo artigo 114º e ss. Do CPA.

À consideração superior,

- cfr. fls. 46 a 48 do PA junto aos autos.

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração, a sentença recorrida e as alegações apresentadas pelo recorrente, maxime, as suas conclusões, supra transcritas, importa saber se aquela fez correcta aplicação das normas legais aplicáveis atenta a factualidade provada, também supra descrita e que as partes, como se disse, não questionam.
Para tanto, evidenciando a decisão a tomar por este TCA, retenhamos, no essencial, o que a sentença recorrida decidiu, de modo a dispor como concluiu.
Assim, expressou-se na decisão do TAF do Porto, aqui sindicada:
"...
V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes e apenas destas, sem prejuízo de a Lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 95.º do CPTA).
O Autor pretende que seja declarada a ilegalidade do despacho de indeferimento de atribuição do subsídio de desemprego, imputando-lhe o vício de violação de lei, bem assim que tal decisão é ilegal na medida em que faz depender a atribuição do seu direito à proteção no desemprego da situação contributiva regularizada da sociedade de que foi sócia gerente.
Na situação dos autos está em causa a decisão de indeferimento que recaiu sobre o requerimento da Autora com vista à atribuição de prestações por desemprego enquanto membro de órgão estatutário.
Sobre a questão pronunciou-se já o Tribunal Central Administrativo Norte pelo seu Acórdão de 28/06/2019, processo 00509/16.4 BEVIS, in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/63c3f4f2dd262efe8025842c003b9a95?OpenDocument, que com a devida vénia se acompanha
Atentemos, pois, antes do mais, no enquadramento normativo convocado.
4.2 É o DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, estabelece o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração (cfr. artigos 1º e 3º nº 1 alínea b)).
Nele é caracterizada a eventualidade de desemprego como “…toda a situação de perda de rendimentos decorrente de encerramento de empresa ou de cessação de atividade profissional de forma involuntária do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho e inscrito para emprego no centro de emprego” (artigo 2º), efetivando-se a proteção social mediante a atribuição do “…subsídio por cessação de atividade profissional e do subsídio parcial por cessação de atividade profissional, que visam compensar a perda de rendimentos dos trabalhadores independentes com atividade empresarial, bem como dos gerentes e dos administradores das pessoas coletivas, em consequência da cessação de atividade profissional por motivos justificados que determinam o encerramento da empresa” (artigo 4º).
Nos termos do disposto no artigo 5º daquele diploma titularidade do direito àquelas prestações por desemprego é reconhecida “…aos beneficiários que integram o âmbito pessoal do presente diploma que reúnam as respetivas condições de atribuição à data da cessação da atividade e residam em território nacional”, considerando-se como data da cessação de atividade “…o dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária” (cfr. artigo 8º).
São condições de atribuição das prestações por desemprego, de preenchimento cumulativo, as seguintes, assim enunciadas no nº 1 do artigo 7º:
“a) Encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária;
b) Cumprimento do prazo de garantia;
c) Situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa;
d) Perda de rendimentos que determine a cessação de atividade;
e) Inscrição no centro de emprego da área de residência, para efeitos de emprego”.
Sendo que na situação de encerramento da empresa, a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 7º, os membros dos órgãos estatutários devem ainda comprovar a cessação do respetivo enquadramento, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Regimes Contributivos. E que nos termos do artigo 6º nº 1 se considera involuntário o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional sempre que o mesmo decorra de “…redução significativa do volume de negócios que determine o encerramento da empresa ou a cessação da atividade para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado” (artigo 6º º 1 alínea a)); de “…sentença de declaração da insolvência nas situações em que seja determinada a cessação da atividade dos gerentes ou administradores ou em que o processo de insolvência culmine com o encerramento total e definitivo da empresa”, desde que desde que a insolvência não tenha sido qualificada como culposa em consequência de atuação dolosa ou com culpa grave dos gerentes ou administradores (cfr. artigo 6º nº 1 alínea b) e nº 2); de 2…ocorrência de motivos económicos, técnicos, produtivos e organizativos que inviabilizem a continuação da atividade económica ou profissional” (artigo 6º º 1 alínea c)); de “…motivos de força maior determinante da cessação da atividade económica ou profissional” (artigo 6º º 1 alínea d)) ou de “…perda de licença administrativa sempre que esta seja exigida para o exercício da atividade e desde que essa perda não seja motivada por incumprimentos contratuais ou pela prática de infração administrativa ou delito imputável ao próprio” (artigo 6º º 1 alínea d)).
A eventualidade que dá origem à proteção social de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração nos termos do DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, é, pois, o encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária (cfr. artigos 2º, 6º e 7º). Razão pela qual o prazo de 90 dias a partir do qual deve ser apresentado o requerimento para atribuição das respetivas prestações por desemprego se conta a partir da data do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional (cfr. artigo 12º nº 1), e razão pela qual também deve ser acompanhado dos respetivos elementos instrutórios comprovativos “… da involuntariedade do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional e da data a que se reporta, em modelo próprio” (cfr. artigos 12º e 13º nº 1).
4.3 Do regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração constante do DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, supra percorrido, resulta desde logo clara uma primeira conclusão: a de que a aferição sobre a verificação das condições de atribuição das prestações por desemprego ali previstas, de natureza cumulativa, haverá de fazer-se por referência à data da cessação da atividade, correspondendo esta ao dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária, como resulta das disposições conjugadas dos artigos 5º e 8º do DL. nº 12/2013.
Entre as condições exigidas para a atribuição das prestações por desemprego constantes no nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013 é enunciada sob a alínea c) a “situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa”.
Tal significa que o preenchimento do requisito «situação contributiva regularizada» exigido pela alínea c) do nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013 se haverá de reportar, como condição para o acesso às prestações por desemprego reguladas neste diploma, à data da cessação da atividade, correspondendo esta ao dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária.(Sublinhado nosso)
4.4 Perante o que se acaba de ver tem que reconhecer-se razão ao recorrente quando sustenta que na situação dos autos a data relevante para a verificação, ou não, do preenchimento das condições para atribuição do requerido subsídio de desemprego, era a de 12/07/2016 (dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da sociedade), data em que a autora deveria ter reunido as respetivas condições, e não qualquer momento posterior (vide, designadamente, conclusões S), T), AA), GG) e II) das alegações de recurso).
4.5 Resta, então, saber se se encontrava verificado, ou não, àquela data (12/07/2016) o requisito da «situação contributiva regularizada» a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013.
4.6 A decisão administrativa de indeferimento do subsídio de desemprego requerido pela autora assentou, na consideração de que tal não se verificava, como resulta da respetiva fundamentação (cfr. 12) do probatório):
(…)
4.7 A sentença recorrida, aderindo à argumentação aduzida pela autora na ação, entendeu que «…a Sociedade nunca falhou com o pagamento das contribuições sociais, sendo que, apenas por lapso, pagou parte das contribuições dos meses de Abril, Maio e Junho, todos de 2016, tendo regularizado a situação logo que se apercebeu do lapso e não tendo sido a segurança social a pedir a regularização», que «…nunca a sociedade, nem a A., em momento algum, foram notificadas da existência de qualquer irregularidade no pagamento das contribuições sociais, tendo a situação sido imediatamente regularizada, com o alerta dado pela sua contabilidade e mesmo antes de ter sido proferida a decisão de indeferimento»; que esta decisão de indeferimento «…afeta a A., enquanto pessoa singular, titular de direitos constitucionalmente consagrados, principalmente o dos direitos adquiridos, incluído nos direitos sociais» porque «…a A. sempre teve a sua situação contributiva regularizada, quem não teve a situação contributiva em dia foi a sociedade, mas apenas parcialmente»; que «…a A., enquanto pessoa singular, dotada de personalidade jurídica, e por isso detentora de direitos sociais, com o indeferimento da proteção no desemprego, fica prejudicada por factos que, apenas e só, dizem respeito à Sociedade, violando-se assim o princípio da justiça»; que «…a Sociedade enquanto pessoa coletiva dotada de personalidade jurídica é a única e exclusiva responsável pelos seus atos e omissões» e que assim «…nunca a A. poderá ser prejudicada pelos atos ou omissões que aquela praticou»; que «…a situação contributiva da A. sempre esteve regularizada» sendo «…o fundamento do indeferimento é relativo a um facto imputável, exclusivamente, à Sociedade, mas que lesa, apenas e só, os direitos sociais constitucionalmente consagrados da A.» e que assim a decisão de indeferimento «…viola também o mais elementar dos direitos fundamentais dos cidadãos, que é o princípio dos direitos adquiridos, uma vez que, à data da dissolução da sociedade, a A. enquanto pessoa singular, já há muito reunia todas as condições legais necessárias para beneficiar da prestação que requereu»; que «…as contribuições em causa não estavam em falta, mas apenas pagas parcialmente, sendo que o pagamento integral foi feito voluntariamente mesmo antes de qualquer notificação da Segurança Social» e que assim «…deveria ter sido proferida decisão de deferimento do requerimento de proteção no desemprego da A.».
4.8 Ora, como é bom de ver, o assim entendido na sentença recorrida não pode ser mantido.
4.9 Neste aspeto há que fazer apelo ao quadro normativo constante do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
4.10 Nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n.º 110/2009) a obrigação contributiva tem por objeto “…o pagamento regular de contribuições e de quotizações por parte das pessoas singulares e coletivas que se relacionam com o sistema previdencial de segurança social”, sendo as «contribuições» da responsabilidade das entidades empregadoras, dos trabalhadores independentes, das entidades contratantes e dos beneficiários do seguro social voluntário, consoante os casos e as «quotizações» da responsabilidade dos trabalhadores, nos termos previstos no Código, destinando-se umas e outras (as contribuições e as quotizações) ao financiamento do sistema previdencial, que tem por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações (cfr. artigo 11º nºs 1, 2 e 3).
Nos termos do disposto no artigo 61º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n.º 110/2009), são obrigatoriamente abrangidos pelo regime geral, na qualidade de beneficiários, os membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, ainda que sejam seus sócios ou membros, com as especificidades ali previstas, entendendo-se designadamente como membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas ou equiparadas (cfr. artigo 62º):
a) os administradores, diretores e gerentes das sociedades e das cooperativas;
b) os administradores de pessoas coletivas gestoras ou administradoras de outras pessoas coletivas, quando contratados a título de mandato para aí exercerem funções de administração, desde que a responsabilidade pelo pagamento das respetivas remunerações seja assumida pela entidade administrada;
c) os gestores de empresas públicas ou de outras pessoas coletivas, qualquer que seja o fim prosseguido, que não se encontrem obrigatoriamente abrangidos pelo regime de proteção social convergente dos trabalhadores em funções públicas e que não tenham optado, nos termos legais, por diferente regime de proteção social de inscrição obrigatória;
d) os membros dos órgãos internos de fiscalização das pessoas coletivas, qualquer que seja o fim prosseguido, que não se encontrem obrigatoriamente abrangidos pelo regime de proteção social convergente dos trabalhadores em funções públicas e que não tenham optado, nos termos legais, por diferente regime de proteção social de inscrição obrigatória; (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
e) os membros dos demais órgãos estatutários das pessoas coletivas, qualquer que seja o fim prosseguido, que não se encontrem obrigatoriamente abrangidos pelo regime de proteção social convergente dos trabalhadores em funções públicas e que não tenham optado, nos termos legais, por diferente regime de proteção social de inscrição obrigatória. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).
4.11 Ali é, desde logo, reconhecido que os membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas “…têm direito à proteção nas eventualidades de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte” (cfr. artigo 65º nº 1).
4.12 Todavia, o direito à proteção na eventualidade de desemprego, é reconhecido apenas ao “…membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração” nos termos de legislação própria (cfr. artigo 65º nº 2).
O que nos remete, na situação dos autos, para o regime jurídico de proteção social na eventualidade de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração constante do DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, já supra percorrido.
4.13 O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n.º 110/2009), estabelece a base de incidência contributiva dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas, que faz corresponder “…ao valor das remunerações efetivamente auferidas em cada uma das pessoas coletivas em que exerçam atividade, com o limite mínimo igual ao valor do IAS” (cfr. artigo 66º nº 1) e as respetivas taxas contributivas, para as entidades empregadoras e para os trabalhadores (cfr. artigo 69º nº 2).
4.14 O montante a pagar, seja pelas contribuições (a cargo da entidade empregadora ou equiparada) seja pelas quotizações (a cargo dos trabalhadores, ou, como no caso, pelos membros dos órgãos estatutários) é determinado pela aplicação da taxa contributiva às remunerações que constituem base de incidência contributiva, como resulta, aliás, do artigo 13º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n.º 110/2009), que expressamente dispõe que “…o montante das contribuições e das quotizações é determinado pela aplicação da taxa contributiva às remunerações que constituem base de incidência contributiva, nos termos previstos no presente Código”.
4.15 É à entidade empregadora (ou equiparada) que cumpre entregar, mensalmente, à Segurança Social as declarações de remunerações procedendo simultaneamente à autoliquidação das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, e ao seu pagamento, porque são responsáveis, descontando nas remunerações dos trabalhadores ao seu serviço o valor das quotizações por estes devidas e remetem-no, juntamente com o da sua própria contribuição, à instituição de segurança social competente (cfr. artigos 40º, 41º, 42º e 43º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
4.16 O apuramento dos montantes a pagar, seja a título de contribuições (a cargo da entidade patronal) seja a título de quotizações (a cargo do trabalhador, e assim descontada na respetiva remuneração), é, pois, feito pela entidade patronal.
4.17 Se esse apuramento é feito incorretamente, sendo pagos montantes inferiores aos que eram devidos nos termos da lei, ocorre situação de incumprimento de obrigação contributiva.
E não é necessário que exista um ato administrativo ou tributário prévio definidor da situação de obrigação, não é legalmente imposta a notificação de qualquer ato declarativo ou certificativo da situação de incumprimento da obrigação contributiva. Posto é que ela exista e não tenha sido oportunamente liquidada e paga.
A este propósito vide, entre outros:
- o acórdão do STA de 06/02/2014, Proc. nº 01481/13, in, www.dgsi.pt/jsta, onde, entre o demais, se sumariou: «I - Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação. (…)»;
- o acórdão do TCA Sul de 28/09/2017, Proc. nº 235/13.6BEFUN, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, onde, entre o demais, se sumariou: «1) Por regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar (mediante aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações). (…); 3) Competem à entidade empregadora as obrigações de declaração de remunerações dos trabalhadores a seu cargo, de registo e de liquidação das correspondentes contribuições, bem como o pagamento das contribuições e quotizações dos trabalhadores ao seu serviço. (…)»;
- o acórdão deste TCA Norte de 27/03/2014, Proc. nº 00551/12.4BEBRG, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou entre o demais que «I) Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.(…)».
4.18 Na situação dos autos resulta que relativamente aos meses de abril, maio e junho, todos do ano 2016, não foram liquidados pela sociedade os montantes devidos, tendo sido apuradas e pagas quantias inferiores, o que foi posteriormente regularizado em 18/08/2016, data em que a sociedade, procedeu ao pagamento de um total de 571,74€ referente a contribuições e quotizações respeitantes aos meses de abril, maio e junho do ano de 2016 e respetivos juros de mora (vertidos no Doc. nº 6 junto com a PI) corrigindo os valores anteriormente declarados, apurados e pagos (vide 10), 11) e 16) do probatório).
4.19 Neste circunstancialismo, não pode proceder a tese da autora, ora recorrida.
Não tendo sido oportunamente autoliquidados e pagos os montantes de contribuições e quotizações que eram os legalmente devidos, relativamente aos identificados meses de abril, maio e junho, o que autora não põe aliás em causa, tem que reconhecer-se que à data de 12/07/2016 (data em que a autora deveria ter reunido as condições para a atribuição das prestações por desemprego), a situação contributiva perante a segurança social não se encontrava regularizada, precisamente por os pagamentos e descontos que tinham sido efetuados o terem sido em montantes inferiores aos legalmente devidos, não estando assim verificada a condição exigida na alínea c) do nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013.
4.20 E não se vê, também, como possa colher o argumento de que tal entendimento conduz a que a autora seja prejudicada por erro que não lhe é imputável, mas à sociedade.
Por um lado, e desde logo, a entidade administrativa estava sujeita e vinculada aos pressupostos de atuação definitos na lei (cfr. artigo 3º do CPA). E não se verifica, nos termos sobre vistos, que tenha incorrido, ao proferir a decisão administrativa de indeferimento em erro nos pressupostos, seja de facto seja de direito.
Por outro lado, a autora, requerente da atribuição de prestações sociais por desemprego enquanto membro de órgão estatutário, era sócia-gerente da identificada sociedade, pelo que não se vê como possa entender-se, como se fez na sentença recorrida, que a sociedade «é a única e exclusiva responsável pelos seus atos e omissões» e que assim «…nunca a A. poderá ser prejudicada pelos atos ou omissões que aquela praticou».
E transpondo esta Jurisprudência para o caso dos autos, resulta do probatório, que em 11 de novembro de 2016, foi requerida a dissolução e liquidação da sociedade G., Lda (ponto 2 do probatório), pelo que a data relevante para a verificação, ou não, do preenchimento das condições para atribuição do requerido subsídio de desemprego, era a de 12/11/2016 (dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da sociedade).
Sendo que no dia 12 de outubro de 2016, portanto antes da apresentação do requerimento para a dissolução da sociedade, foi paga a dívida que resultava da declaração emitida pelos serviços do Réu (pontos 3 e 4 do probatório).
Por conseguinte, à luz do declarado pelo Réu, a sociedade G., Lda, no dia seguinte ao que foi requerida a sua dissolução, apresentava a sua situação contributiva regularizada.
Todavia, mais tarde, em 08 de fevereiro de 2017, ocorreu novo pagamento da quantia de € 366,48, que ainda estaria em dívida e com este pagamento a Segurança Social emitiu declaração de consta que a situação contributiva da Autora, em 08/02/2017, se encontrava regularizada (pontos 5 e 8 do probatório).
Como resulta do probatório, perante a declaração emitida pela Segurança Social em 07/10/2016 (ponto 3 do probatório), a dívida apurada da G., Lda, era de € 2.442,93, divida esta que foi paga em 12 de outubro de 2016 (ponto 4 do probatório).
E no pressuposto de que a dívida se encontrava paga a Autora, porque confiou na declaração emitida pelos serviços do Réu, apresentou o seu requerimento com vista ao pagamento de prestações de desemprego a que teria direito, por reunir os requisitos a que alude o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto Lei n.º 12/2013, de 25/01.
E foi nesse pressuposto que a Autora confiou que poderia apresentar o seu requerimento, não se vislumbrando que interesse teria a Autora em que a sociedade G., Lda, mantivesse o montante de € 366,48 em dívida, quando antes de apresentar o seu requerimento para prestações de desemprego procedeu ao pagamento de quantia bem superior e porque sabia se existisse dívida da G., Lda, não lhe seria concedido o direito pretendido. Ou seja, não fosse a irregular e descuidada atuação dos serviços do Réu, a Autora, antes de apresentar o seu requerimento para prestações de desemprego, havia pago a totalidade do montante que fosse exigido à G., Lda e que estivesse em dívida.
E tanto assim é que, a Autora procedeu ao pagamento do remanescente quando teve conhecimento de tal facto, o que é contemporâneo da notificação que lhe foi dirigida para se pronunciar quanto ao sentido de decisão de indeferimento (ponto 9 do probatório).
De resto e como já referido, a Autora confiou no montante que foi declarado em dívida e de boa fé procedeu ao seu pagamento antes de haver sido requerida a dissolução e liquidação da G., Lda.
Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
A exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito.
Contudo, a aplicação do principio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legitima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num ato anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade percetível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a proteção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança".
Por outro lado, mesmo em sede do principio da boa-fé, a Administração terá sempre de valorar os condicionantes que entretanto, se tenham produzido, sendo que a mudança do circunstancialismo em que se tivesse baseado numa anterior conduta, poderá legitimar à luz da vinculação ao principio da legalidade e da prossecução atualizada do interesse público, uma alteração aos critérios anteriormente assumidos não estando, assim, a Administração impedida de avaliar a nova situação que, porventura, se tivesse desenvolvido, por forma a melhore acautelar os interesses que lhe incumbisse defender.
Por obediência ao princípio da proporcionalidade a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes do que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos.
Estamos aqui no domínio do princípio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse publico e os direitos dos particulares, de modo a que o princípio da proporcionalidade jogue como um fator de equilíbrio garantia e controlo dos meios e medidas.
Ou seja, sabe-se que foi ao abrigo daquela norma (alínea c), n.º 1, do artigo 7.º do Decreto Lei n.º 12/2013, de 25/01, que o pedido foi indeferido, e que a Administração considerou que a G., Lda, não tinha a situação contributiva regularizada.
Em termos constitucionais, a situação de desemprego não é apenas uma daquelas "situações de falta ou diminuição de meios de subsistência" em que incumbe ao "sistema de segurança social" a proteção dos "cidadãos" (artigo 63.º, n.º 3, da CRP, inserido no capítulo dedicado aos direitos e deveres sociais). Especificamente quanto aos trabalhadores que "involuntariamente se encontrem em situação de desemprego", o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da CRP (inserido no capítulo dedicado aos direitos e deveres económicos) confere expressa e diretamente a esses trabalhadores o direito a "assistência material".
O direito a assistência material nas situações de desemprego involuntário constitui, assim, um direito fundamental dos trabalhadores, com amplo âmbito de aplicação (abrangendo os trabalhadores da Administração Pública, como se decidiu no Acórdão n.º 474/2002, e os trabalhadores independentes), embora a sua plena concretização dependa das disponibilidades financeiras e materiais do Estado (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, pp. 609 e 610). Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., vol. I, Coimbra, 2007, p. 774), o direito ao subsídio de desemprego consiste numa espécie de compensação ou indemnização por não satisfação do direito ao trabalho (proclamado no artigo 58.º, n.º 1).
O princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 18º, n.º2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, no capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias: o legislador ordinário e a administração pública só podem restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direito ou interesses constitucionalmente protegidos”.
O princípio da proporcionalidade encontra-se plasmado também no artigo 7º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, decompõe-se em três subprincípios: adequação, exigibilidade e proibição do excesso.
Proíbe, por isso, o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionadas ao bem público que se pretende alcançar ou ao mal público que se pretende evitar.
A Autora antes de haver sido requerida a dissolução e liquidação da sua vestida, preocupou-se em saber o montante da dívida desta por contribuições à segurança social e procedeu ao pagamento do que lhe foi pedido cumprindo, assim, com o exigido especial dever de cuidado e de boa administração que não colocasse em causa o cumprimento das responsabilidades contributivas.
Não é razoável, pois, imputar à Autora a responsabilidade pela existência de uma dívida que não lhe foi comunicada ou antes omitida, ainda que por lapso dos serviços, mas que, logo que detetada foi prontamente paga.
Nesta conformidade, terá que proceder a presente ação por, perante a informação prestada pelos serviços do Réu, na data relevante 12/11/2016, se encontrar paga a dívida da G., Lda, que foi comunicada pela segurança Social.
..."

E, em sede dispositiva, escreveu-se:
"... decido julgar procedente, por não provada, a presente ação e consequência anulo o Despacho de 18/08/2017 da Exma Srª Diretora do Núcleo de prestações de desemprego do Réu – Centro Distrital do Porto -, condenando a Ré a reapreciar o pedido formulado pela Autora com vista à concessão das prestações de desemprego requerida em 14 de novembro de 2016, pelo período a que tiver direito, porquanto à data de 12 de novembro de 2016, a sociedade G., Lda, havia pago a quantia que lhe foi comunicada estar em dívida por contribuições à Segurança Social".
*
Vejamos se assiste razão ao recorrente INSTITUTO da SEGURANÇA SOCIAL, IP, Centro Distrital do Porto.

Adiantamos, desde já, que não, pese embora as muitas críticas asseveradas à sentença.

Na verdade, como se refere no douto Parecer do M.º P.º - supra referido - produzido nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, o recorrente "... aponta em sede recursiva erro de julgamento por errada interpretação e aplicação dos arts. 70.º do CRCSS e 7.º do Dec. Lei n.º 12/2013. E invoca que a data considerada para a verificação da regularização da situação contributiva perante a Segurança Social é 30/09/2016 e não 12/11/2016.
Ora, a A. Autora impugnou o concreto de indeferimento da concessão de subsídio de desemprego proferido em 18/08/2017, com a seguinte fundamentação:
“Ora, sendo a situação contributiva regularizada uma condição de atribuição da prestação de desemprego, a mesma é aferida à data da cessação de actividade. Assim sendo, verifica-se que a regularização foi efectuada já após a data da cessação de actividade. Pelo que os elementos apresentados não podem obstar à decisão proferida anteriormente. (cfr. facto provado descrito em 11).
No acto administrativo impugnado pela A. não se refere qualquer data de desemprego em relação ao MOE antes da data de cessação de actividade. O acto de indeferimento trabalha com e tem em conta a data da cessação de actividade para aferir a situação regularização da situação contributiva. Só essa. Nada mais.
Aí se diz, nada mais, que a situação tinha de se mostrar regularizada à data da cessação da actividade e a essa data não o estava.
Não pode, pois, agora o ISS vir dizer que, afinal, a data para verificação da regularização da situação contributiva é, não aquela que considerou no acto de indeferimento, mas uma outra, a saber, a alegada situação de desemprego. Sob pena de, em abuso de direito, venire contra factum proprium, em manifesta actuação contraditória que não pode ser tolerada.
Certamente por isso é que a sentença acaba a invocar o Ac.. do TCAN de 28/06/2019, rec. 509/16.
A sentença recorrida dá como regularizada a situação contributiva à data da cessação de actividade. E bem, porque o ISS não carreou para os autos elementos probatórios de onde se pudesse extrair que, àquela data, havia montantes a pagar, vencidos, e não tinham sido pagos. Ora, se não há prova de que, na data da cessação de actividade, havia montantes vencidos não pagos, outra não poderia ter sido a decisão, que considerou a situação regularizada. Para não proceder a acção mister era fazer tal prova.
Note-se que, mesmo em sede recursiva, o ISS não alega que àquela data havia o montante “x” ou “y” já vencidos e que não estavam pagos".

Não podemos deixar de secundar este entendimento.
Aliás, não se pode ignorar que a A./recorrida, independentemente de ter de saber quais as eventuais quantias em dívida, solicitou ao ISS que a informasse das quantias em dívida e, perante essa informação, de imediato, as liquidou e só depois acabou por solicitar o pagamento do subsídio de desemprego, ciente dos pressupostos legais para a sua obtenção.

Como se refere, com acerto, na decisão recorrida “…Não é razoável, pois, imputar à Autora a responsabilidade pela existência de uma dívida que não lhe foi comunicada ou antes omitida, ainda que por lapso dos serviços, mas que, logo que detetada foi prontamente paga “.
Se acabou por não liquidar a quantia correcta, tal deve-se a incorrecta informação do ISS, até porque, logo que notificada do erro ou lapso do serviço na informação que antes lhe havia fornecido, quanto ao valor em dívida, de imediato o liquidou. tendo em consideração a data da cessação da actividade.

Deste modo, sendo esta a data relevante e que esteve na base da decisão da Segurança Social e que a sentença não questionou, mostra-se ineficiente para inverter a decisão do TAF do Porto, vir-se agora dizer que a data relevante é a data da situação de desemprego, que não a data da cessação da actividade.
Concluímos, deste modo, pela manutenção da sentença recorrida, com o consequente não provimento do recurso jurisdicional.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente.
*
Notifique-se.
*
DN.


Porto, 8 de Outubro de 2021

Antero Salvador
Hélder Vieira, em substituição
Conceição Silvestre