Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00027/13.2BUPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/06/2019
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Cardoso
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; PRESCRIÇÃO; DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:
1 - O juiz só conhece da prescrição em processo de impugnação, se tal for necessário para conhecer da utilidade superveniente da lide.
2 - Importa saber se a execução fiscal esteve parada por mais de um ano por razões estranhas ao executado e, na afirmativa, qual o período de tempo em que esteve parada, a fim de ponderar a degradação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 34.º do CPT (no mesmo sentido determina o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
3 - E sem o processo de execução fiscal também este Tribunal não pode apreciar da ocorrência da prescrição da dívida, uma vez que não é suposto pedir os elementos necessárias ao conhecimento da prescrição e, assim sendo, não pode afirmar-se, desde já, a ocorrência da causa determinante da inutilidade superveniente da lide da presente impugnação.
4 - Desta maneira, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao Tribunal ad quem apreciar do invocado erro de julgamento da excepção de prescrição, por os autos padecerem de défice instrutório, tal é determinante da anulação da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n,º 4 do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT. *
* Sumário elaborado pelo relator
Nº Convencional:2479/04-VISEU
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AF
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Anular a decisão recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
1. Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional, para o Supremo Tribunal Administrativo, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 30/01/2012, que julgou procedente a excepção de prescrição, relativa a IVA do ano de 1993, cuja liquidação foi impugnada nos presentes autos por AF, e, consequentemente, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
- «Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.° 287°, alínea e) do CPC, com relação à liquidação impugnada de IVA do ano de 1993, por se ter verificado a prescrição;
- No caso dos autos, e de conformidade com o previsto no art.° 34°, n°. 1 do CPT, o termo inicial de contagem do prazo de prescrição, que é de dez anos, data de 01.01.1994 para o IVA do ano de 1993;
- As normas sobre prescrição assumem a natureza de preceitos de cariz substantivo, implicando que se aplicam apenas para o futuro, aos factos posteriores à sua entrada em vigor, nos termos do art.° 12°, n°. 1 da LGT;
- Temos que nos socorrer do disposto no art.° 297° do Código Civil, preceito que estipula que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar;
- Salientando-se que as regras do art.° 297° do Código Civil se aplicam directamente às leis que alterem prazos e não às que alteram os efeitos das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição; Daí que as leis que alteram causas de suspensão ou interrupção, não sendo leis sobre alteração de prazos, não se encontram abrangidas na previsão do art.° 297° do referido diploma legal;
- Acresce que a determinação do prazo de prescrição a aplicar se faz no momento da entrada em vigor da nova lei;
- Partindo desse pressuposto, verifica-se que se aplica à dívida objecto do presente recurso (IVA do ano de 1993), o regime previsto no CPT, uma vez que em 01.01.1999 (data da entrada em vigor da LGT), falta menos tempo para se completar o prazo de prescrição do ano de 1993;
- Da douta sentença a que aludem os presentes autos extrai-se que, não obstante sejam mencionados os regimes do CPT e da LGT abstractamente aplicáveis, a verdade é que, em concreto não é esclarecido qual dos regimes é aplicado para se chegar á conclusão da prescrição da dívida, pelo que, a contagem do prazo de prescrição nos termos constantes dos presentes autos não tem suporte legal;
· Da factualidade dos autos decorre que: Em 22.09.1998 foi instaurado o processo executivo n°. 2526 1998 01002643 para cobrança coerciva da dívida aludida; Em Setembro de1998 ocorreu a citação pessoal do executado nos termos e para os efeitos previstos no art.° 191° do CPPT; Em 14.11.2003 foi apresentada impugnação judicial, que parou por razões estranhas ao impugnante entre 07.05.2004 e 26.10.2006; Em 09.02.2004 houve a penhora de um bem imóvel para efeitos de garantia da dívida, conforme informado pelo serviço de finanças na informação constante de fls. 42 dos autos; A partir dessa data — 09.02.2004 -, o processo executivo encontra-se suspenso ao abrigo dos art.° 52°, n°. 1 da LGT e 169° do CPPT;
- Atentos os factos acima referenciados, verifica-se que o processo de execução em vista da cobrança coerciva das dívidas foi instaurado em 22.09.1998, encontrando-se, no entanto, suspenso por prestação de garantia (penhora de imóvel), desde, pelo menos, 09.02.2004;
- A este respeito entende a Fazenda Pública que, em conformidade com a norma do art.° 297° do Código Civil, o prazo de prescrição aplicável à situação Sub Júdice é o previsto no CPT, não o da LGT, daí resultando que a prescrição ainda não ocorreu atenta a suspensão da execução que fora instaurada, como consequência da prestação de garantia (no caso, penhora de imóvel que garante a dívida);
- Ao tempo dos factos, o prazo de prescrição aplicável era de 10 anos, contado do início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, nos termos do disposto no art.° 34°, n°. 1 do Código de Processo Tributário (CPT); Após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo de prescrição foi objecto de redução para 8 anos;
- A contagem do prazo de 10 anos previsto no art.° 34°, n°. 1 do CPT teve o seu início em 01.01.1994 (imposto de 1993), sendo que na data da entrada em vigor da LGT (01.01.1999), faltavam apenas 5 anos para se completar o prazo de prescrição;
- O que quer dizer que, segundo a lei antiga (CPT) faltava menos tempo para o prazo se completar do que o previsto na lei nova, dessa forma concluindo-se que terá de se atender ao prazo de 10 anos contemplado na lei antiga (no caso, o art.° 34°, n°. 1 do CPT), contado a partir do início do ano civil seguinte a que respeita o imposto (01.01.1994);
- Não pode, contudo, descurar-se a existência de causas interruptivas e/ou suspensivas da prescrição que tenham influência no decurso do prazo de prescrição, sendo aplicáveis os que vêm previstos na lei em vigor no momento em que ocorreram, por força do art.° 12°, n°. 2 do Código Civil;
- Na vigência do CPT a instauração da execução interrompia a prescrição, sendo que nos termos do art.° 49°, n°. 1 da LGT a reclamação, a impugnação e a citação são factos interruptivos da prescrição, mas não a instauração da execução;
- Nos termos do art.° 49°, n°. 3 da LGT (na actual redacção da Lei n°. 53­A/2006 de 29.12), a interrupção da prescrição tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar, contudo, a norma citada apenas entrou em vigor em 01.01.2007, razão porque apenas é aplicável se se verificarem factos interruptivos novos após a sua entrada em vigor, não prejudicando os que anteriormente tiverem ocorrido;
- Ora, na vigência do CPT ocorreu uma causa de natureza interruptiva do prazo de prescrição, a saber: a instauração da execução em 22.09.1998 (vide ofício do serviço de finanças a fls. 42 dos autos);
- Nos termos do art.° 34°, n°. 3 do CPT, a instauração da execução interrompe a prescrição, mas cessa, no entanto, esse efeito se o processo estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, somando-se em tal situação, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação;
· Não obstante, na sentença seja afirmado (ponto 2.1, E), que "Na sequência de pedido de informação do Tribunal, pelo chefe do SF foi esclarecido que no âmbito da execução identificada em C, o processo esteve parado por mais de um ano por razões estranhas ao executado", a verdade é que essa informação não decorre da informação do serviço de finanças inserta nos autos a fls. 42;
- Por outro lado, constata-se que já na vigência da LGT mas anteriormente a 01.01.2007 ocorreu outro facto interruptivo relevante para a contagem do prazo de prescrição, precisamente a instauração de impugnação judicial em 14.11.2003;
- Há ainda que atentar ao disposto no art.° 49°, n°. 2 da LGT, nos termos do qual a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação, preceito que hoje se encontra revogado, com a entrada em vigor da Lei n°. 53-A/2006 de 29.12, em 01.01.2007;
- No entanto, a norma citada continua a ter aplicação aos factos interruptivos passados e cujo período de paragem se completou antes de 01.01.2007 — data da entrada em vigor da Lei n°. 53°-A/2006 de 29.12;
· No caso apreciado temos a verificação do facto interruptivo derivado da instauração da execução, mas do processo não consta se o mesmo esteve, ou não, parado por período superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte, de forma a fazer operar o disposto no art.° 34°, n°. 3 do CPT;
- Quanto ao processo de impugnação judicial, o mesmo foi instaurado em 14.11.2003, sendo que, por razões estranhas ao impugnante, esteve parado entre 07.05.2004 e 26.10.2006; Ora, à luz do disposto no art.° 49°, n°. 2 da LGT, na redacção ao tempo, a paragem do processo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se então o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação;
- Assim sendo, teríamos que retomar a contagem do prazo de prescrição a partir de 06.05.2005;
· Acresce que a partir de 09.02.2004 foi realizada a penhora de um imóvel que determinou a suspensão do processo executivo nos termos e para os efeitos dos art.° 52°, n°. 1 da LGT e 169° do CPPT;
- Ora, da conjugação do disposto nos art.° 49°, n°. 2 e 3 da LGT e 169° do CPPT, resulta que, na contagem do prazo de prescrição tem de se atender à suspensão do prazo motivado pela apresentação de impugnação judicial, uma vez que foi penhorado imóvel que suspendeu a execução fiscal;
- Devendo ser relevada a suspensão do processo executivo supra justificada pela apresentação de impugnação judicial e pelo facto de o bem penhorado garantir a dívida, o que acarreta igualmente a suspensão do prazo de prescrição;
- Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 48° e 49° da LGT e 52° e 169° do CPPT.
- Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue inverificada a prescrição relativa a IVA do ano de 1993, com as legais consequências.»
3. Não foram produzidas contra-alegações.
4. Subidos os autos ao STA, por Decisão Sumária, de fls. 111 a 113 dos autos de suporte físico, aquele Tribunal julgou-se hierarquicamente incompetente para apreciar o presente recurso, considerando que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte.
5. A Recorrente requereu a remessa dos autos a este Tribunal.
6. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista nos autos à Exma. Procuradora-Geral Adjunta que apos o seu visto.
7. Colhidos os vistos legais juntos dos Excelentíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.
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II – Questões a decidir:
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.º 3 e 685-A.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao julgar verificada a prescrição da obrigação tributária que emerge do sindicado acto de liquidação.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1 – OS FACTOS
Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos: «
A) Nestes autos impugna-se a liquidação adicional de IVA do ano de 1993.
B) Os presentes autos foram instaurados em 14/11/2003 e pararam por razões estranhas ao Impugnante, entre 7/5/2004 e 26/19/2006.
C) Em 22/09/1998, no SF foi instaurado processo de execução fiscal destinado à cobrança coerciva da quantia originada na liquidação em causa nestes autos, cfr. fls. 42.
D) Em 07/11/2003, foi realizada penhora pelo SF.
E) Na sequência de pedido de informação do Tribunal, pelo Chefe do SF, foi esclarecido que no âmbito da execução identificada em C., o processo esteve parado por mais de ano por razões estranhas ao executado.
F) As dívidas provenientes das liquidações aqui impugnadas não foram pagas, nem houve adesão ao chamado "Plano Mateus"
2.2. Factos não provados
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, outros factos que estejam em contradição com a factualidade provada.
A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos ao processo, bem como, e especialmente os que constam do PA anexo ao processo.»
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2) - O DIREITO
Dos invocados erros de julgamento
Como já referido supra está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou prescrita a dívida tributária relativa a IVA do ano de 1993, objecto da impugnação deduzida pelo Recorrido e, consequentemente, determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Ora, o processo de impugnação judicial apenas pode reconduzir-se ao ataque da legalidade da liquidação, visando obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência.
Porém, é entendimento pacífico da jurisprudência que a prescrição da obrigação tributária é de conhecimento oficioso, em virtude de a ocorrência da mesma poder determinar a inutilidade superveniente da lide (vide neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/03/2011, processo n.º 01004/10), de 18/06/2013, processo n.º 01279/12, de 13/11/2013 processo n.º 0171/13, do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/01/2013, processo n.º 00739/05.4BEPRT e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28/05/2013 processo n.º 06114/12, de 04/06/2013 processo n. 05799/12) e de 12/12/2013 processo n.º 06826/13, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/).
Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa A Jurisprudência largamente dominante do Supremo Tribunal Administrativo vem sendo no sentido de em processo de impugnação judicial não se poder conhecer da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. (…)
Porém, nos casos em que no processo judicial se discute a anulação total de um ato de liquidação de um imposto, está em causa, em última análise, apreciar se deve ser paga pelo contribuinte à Fazenda Nacional a quantia que é objecto dessa liquidação.
Por isso, poderá fundamentar-se em inutilidade superveniente da lide a possibilidade de declaração da prescrição nesse processo. (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, Áreas Editora, Vol. I, nota 5, artigo 99º, pág. 708).
Do exposto, resulta que o juiz só conhece da prescrição em processo de impugnação, se tal for necessário para conhecer da utilidade superveniente da lide.
Nos presentes autos a prescrição foi conhecida oficiosamente.
A Fazenda Pública insurge-se contra a decisão da primeira instância, no entendimento de que a divida exequenda não se encontra prescrita, com a alegação de que faltam factos no probatório, discorda de outro que foi levado ao probatório e outrossim indica diferente data da penhora com efeitos de suspensão do prazo prescricional.
Com efeito, imputa à sentença erros de julgamento da matéria de facto, que seguidamente melhor se identificam:
1 - Discorda do facto constante da alínea E) da matéria de facto dada como provada, por não decorrer da informação do Serviço de Finanças constante de fls. 42 dos autos que o processo de execução fiscal esteve parado por mais de um ano por razões estranhas ao executado, nem constar do processo qualquer outra informação que ateste esse facto (20 e 24 conclusão);
2 – Invoca que não consta do probatório que em 09/02/2004 foi efectuada a penhora de um imóvel para garantia da dívida exequenda e que nessa data a execução fiscal foi suspensa (conclusões 9 e 27 e ponto D do probatório);
Como é consabido, a prescrição é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor de poder exigir o cumprimento da respectiva obrigação.
A obrigação tributária constitui-se com a ocorrência do facto tributário, daí que o início do prazo prescricional se reporte ao facto tributário.
Nos autos está em causa a prescrição da dívida de IVA do ano de 1993, pelo que terá que se atender, para efeitos de contagem da prescrição, aos regimes de prescrição fixados, sucessivamente, no artigo 34.º do Código de Processo Tributário (LGT) e no artigo 48.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que estamos perante uma situação tributária que, iniciada antes da entrada em vigor de uma nova lei reguladora da prescrição, continuou depois de revogada a lei anterior.
Para o efeito, importa ainda considerar todas as causas de suspensão e interrupção do prazo prescricional.
É justamente quanto aos factos que configuram causas interruptivas e suspensivas que a Recorrente manifestou discordância relativamente aos factos levados ao probatório.
Compulsados os autos, constatamos que o processo executivo instaurado para cobrança coerciva da dívida de IVA, cuja liquidação se encontra impugnada neste processo, não se encontra apensado, nem tão pouco o procedimento de reclamação graciosa, sendo certo que a impugnação foi deduzida do indeferimento daquela. Com a contestação, a Fazenda Pública juntou apenas o processo administrativo.
Resulta, ainda, dos autos, que a Mma. Juíza analisou e decidiu a questão da prescrição da dívida de IVA de 1993 com base em informação dada pelo Serviço de Finanças de Castro Daire (fls. 42) e em fotocópias extraídas do processo de execução fiscal (fls. 43 a 49), não obstante na decisão da matéria de facto não se indicar os documentos e as folhas dos autos onde se encontram, de forma a sustentar os factos dados como provados.
Daqui deriva a impossibilidade de se ter uma visão detalhada e global de todo o historial do processo executivo, concretamente, no que aqui interessa, de todos os factos geradores de interrupção e suspensão da prescrição.
Na verdade, conforme decorre de fls. 43 a 49 dos autos de suporte físico, respeitantes ao processo executivo, a fls. 43 pode ver-se a cópia da capa do PEF, onde consta a autuação do mesmo, depois encontram-se cópias das certidões de dívida (fls. 44 a 47), segue-se a cópia do aviso de recepção que alegadamente diz respeito à citação do executado (fls 48) e, por fim cópia do registo da penhora (fls. 49).
Tais fotocópias foram juntas pelo ofício n.º 1224, de 14/07/2009, do Serviço de Finanças, que informa ainda que a partir de 09/02/2004 o PEF encontra-se suspenso nos termos do artigo 169.º do CPPT.
Para além do referido, do processo executivo nada mais consta nos autos.
Importa saber se a execução fiscal esteve parada por mais de um ano por razões estranhas ao executado e, na afirmativa, qual o período de tempo em que esteve parada, a fim de ponderar a degradação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 34.º do CPT (no mesmo sentido determina o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
Assim sendo, sem os autos de execução fiscal ou informação com origem nesses autos, a Mma. Juíza a quo não podia dar como provado o facto levado à alínea E) do probatório e julgar como julgou, que a dívida se encontrava prescrita, pelo que retirou uma conclusão precipitada, bem como ignorou o facto relativo à suspensão da execução fiscal por prestação de garantia, sendo certo que os factos devem ser objecto de cuidada averiguação e fixação no probatório, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e de posterior ponderação na decisão da questão em apreço.
E sem o processo de execução fiscal também este Tribunal não pode apreciar da ocorrência da prescrição da dívida, uma vez que não é suposto pedir os elementos necessárias ao conhecimento da prescrição e, assim sendo, não pode afirmar-se, desde já, a ocorrência da causa determinante da inutilidade superveniente da lide da presente impugnação.
Neste sentido decidiu este Tribunal Central Administrativo, em acórdão de 11/01/2013, proferido no processo n.º 00739/05.4BEPRT, do qual se transcreve o seguinte excerto:
«No entanto, o dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 26).
Sendo que no caso, não existem nos autos elementos que objetivamente apontem para a inutilidade superveniente da lide com tal fundamento nem os mesmos foram minimamente fornecidos pelo Recorrente. A sua confirmação estaria dependente do apuramento de diversa factualidade relevante, que não é possível com os elementos disponíveis nos autos, até porque o processo não chegou a este tribunal acompanhado do processo executivo e de informações e outros processos ou procedimentos que, em concreto, se revelassem necessários. E não existe norma que imponha o dever de avocar o processo executivo ao recurso da decisão de uma impugnação judicial para despistar a eventual ocorrência da inutilidade do prosseguimento da lide.» (no mesmo sentido vide Ac. do TCAN de 07/02/2016, processo n.º 00104/10.1BEMDL), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/).
O processo de execução fiscal é imprescindível para a boa resolução da questão da prescrição oficiosamente apreciada, competindo ao tribunal de primeira instância solicitá-los, usando os poderes-deveres de investigação conferidos pelos artigos 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.º da Lei Geral Tributária.
Como já deixamos expresso, a matéria de facto dada como provada na sentença sob recurso, bem como os autos, não fornecem os factos necessários para o conhecimento das questões suscitadas pela Recorrente.
Com efeito, os elementos constantes dos autos mostram-se insuficientes para alterar e/ou aditar, com o rigor exigível, os factos necessários ao conhecimento da prescrição, por terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito.
Desta maneira, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao Tribunal ad quem apreciar do invocado erro de julgamento da excepção de prescrição, por os autos padecerem de défice instrutório, tal é determinante da anulação da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n,º 4 do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
Por conseguinte, os autos deverão baixar à primeira instância a fim de que em cumprimento do disposto nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT sejam realizadas diligência ao apuramento dos elementos factuais em défice, ampliando-se a matéria de facto e proferindo-se nova sentença que ao caso couber.
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Conclusões/Sumário:
1 - O juiz só conhece da prescrição em processo de impugnação, se tal for necessário para conhecer da utilidade superveniente da lide.
2 - Importa saber se a execução fiscal esteve parada por mais de um ano por razões estranhas ao executado e, na afirmativa, qual o período de tempo em que esteve parada, a fim de ponderar a degradação do efeito interruptivo em efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 34.º do CPT (no mesmo sentido determina o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).
3 - E sem o processo de execução fiscal também este Tribunal não pode apreciar da ocorrência da prescrição da dívida, uma vez que não é suposto pedir os elementos necessárias ao conhecimento da prescrição e, assim sendo, não pode afirmar-se, desde já, a ocorrência da causa determinante da inutilidade superveniente da lide da presente impugnação.
4 - Desta maneira, não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao Tribunal ad quem apreciar do invocado erro de julgamento da excepção de prescrição, por os autos padecerem de défice instrutório, tal é determinante da anulação da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n,º 4 do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.
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IV – DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência,
a) conceder provimento ao recurso;
b) anular a decisão recorrida;
c) ordenar a baixa dos autos à primeira instância para nova decisão que ao caso couber, depois de fixada a factualidade pertinente, nos termos supra indicados, se nada mais a isso obstar.
Custas pelo vencido a final.
Notifique.
Porto, 6 de Junho de 2019.
Ass. Maria Cardoso
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio