Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00560/12.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRC
INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO
SOCIEDADE TRANSPARENTE
ÚNICO SÓCIO
Sumário:1. As alterações efectuadas pela AT na contabilização das operações em determinadas contas de custos e de proveitos («Encargos com deslocações de pessoal/ «Remunerações» ; «Vendas»/ «Prestações de serviços») é susceptível de impugnação judicial ainda quando de tais alterações não resulte qualquer modificação nos valores da matéria colectável do imposto, pelo inegável interesse objectivo que o sujeito passivo tem em ver sindicada pelo tribunal a apontada irregularidade da sua escrita;
2. A junção de documentos na fase de recurso depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção, um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional (art.º651.º, n.º1, do CPC);
3. É de indeferir a junção aos autos de documentos de que o impugnante comprovadamente teve conhecimento anterior à decisão de 1.ª instância, não procedendo a alegação de que não integravam as peças do PA, processo esse de cuja remessa aos autos pela Fazenda Pública (art.º110.º, n.º4, do CPPT) foi-lhe dado oportuno conhecimento, sendo que, por outro lado, não ocorre novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso;
4. Indeferida a junção, tais documentos não podem integrar o material probatório dos autos.
5. Na pendência da competente decisão no subprocedimento de suspeição, o Sr. Inspector visado está legitimado (mesmo obrigado funcionalmente) a praticar actos instrutórios no procedimento tributário de liquidação (art.º50.º, n.º3 em conjugação com o 46.º, n.º2 e 47.º, do CPA).
6. A transparência fiscal, regime recortado no art.º6.º do CIRC, visa assegurar a igualdade de tratamento fiscal entre sócios de sociedades de profissionais e profissionais independentes titulares de rendimentos da categoria B de IRS e caracteriza-se por imputar aos sócios de sociedades de profissionais a matéria colectável das respectivas sociedades, sendo aqueles tributados em sede de IRS.
7. O referido regime de transparência fiscal assenta, essencialmente, na actividade prosseguida pelos sócios da sociedade, actividade esta que constando da lista a que se alude no art.°151.° do CIRS, determina a aplicação do aludido regime de transparência fiscal. Assim, quando se alude no art.°6.° do CIRC à pessoa dos sócios, tal referência deve ser entendida como estatuindo uma abrangência geral daqueles que detêm a referida qualidade numa sociedade, não se podendo dai retirar que seja exigência da lei fiscal que só as sociedades com dois ou mais sócios podem estar sujeitas ao citado regime de transparência fiscal, o que, na tese da Impugnante, deixaria de fora as sociedades unipessoais, entendimento este contrário ao perseguido objectivo da igualdade de tratamento entre sócios de sociedades de profissionais e profissionais independentes titulares de rendimentos da categoria B de IRS
8. Se o único sócio e gerente da impugnante, uma sociedade de profissionais, comprovadamente desenvolve a sua actividade profissional no locado habitacional, que testemunhas referem funcionar como um «segundo escritório», tal significa que faz dele uma utilização para fins empresariais ainda que, concomitantemente, nele possa habitar, o que preenche o requisito de indispensabilidade enquanto pressuposto da dedutibilidade em IRC das despesas a ele inerentes (rendas e consumos de gás).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e L..., Lda.
Recorrido 1:L..., Lda. e Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE
1 – RELATÓRIO
Da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por L…, Lda., contra a liquidação de IRC relativa aos exercícios de 2009 e 2010, recorrem a Fazenda Pública e a impugnante.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo (fls.251).
Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente Fazenda Pública apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A – O Tribunal “a quo” considerou como custos na esfera jurídica da sociedade os encargos com deslocações com pessoal, relacionados com a alegada atribuição de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria e portagens, atribuídas ao funcionário A…,
B –Mas tais encargos não poderiam ser objeto de impugnação, visto que a IT, considerou-os como custo na esfera jurídica da sociedade e como rendimentos de trabalho dependente na esfera jurídica do trabalhador A…, NIF 1….
C – O douto Tribunal no ponto 3 da sentença (vide fls 14 a 20 da mesma) aprecia do alegado vício de violação pelo enquadramento da impugnante no regime de transparência fiscal, previsto no art.º 6.º do CIRC, e
D – Concluiu não proceder o alegado vício de violação de lei pelo enquadramento da sociedade no regime da transparência fiscal, pois a atividade prosseguida pelos sócios, consta da lista a que alude o art.º 151.º do CIRS, não se podendo retirar da lei, que só as sociedades com dois ou mais sócios podem estar sujeitas ao citado regime de transparência fiscal;
E – Ora, se impugnante exerce exclusivamente uma atividade de prestação de serviços, não constando do seu objeto social a realização de “vendas”, ou transmissão de bens, nem sequer está coletada numa atividade comercial de compra e venda ou transmissão de bens, mas sim numa atividade de pura prestação de serviços de “contabilidade, auditoria e consultoria fiscal”,
F – Não se concorda com a conclusão do Tribunal “a quo” ao ter considerado como “vendas” os materiais utilizados na execução da contabilidade, assim como o envio das declarações eletrónicas e os encargos de deslocações aos clientes mais afastados da sede da impugnante,
G – Retirando o Tribunal tal conclusão, porque a AT, segundo o seu entendimento, descurou a contabilidade da impugnante, onde haviam sido os proveitos contabilizados em contas separadas (uma de vendas, outra de prestação de serviços), “sem que fundamente explicasse o porquê de tal consideração”,
H – E não se concorda pois, a IT verificou que o impugnante não registou na conta “compras” a aquisição daqueles bens e se não há compras não se percebe como possam existir vendas e,
I – Demonstrou os pressupostos legais da sua atuação, sendo de considerar todos os proveitos da impugnante como “prestações de serviços”, porque tanto os materiais utilizados na execução da contabilidade, como o envio das declarações eletrónicas e os encargos de deslocações aos clientes mais afastados da sede da impugnante, são inerentes à própria prestação de serviços, ou seja, são uma componente subjacente à própria prestação de serviços.
J – A não ser assim, poder-se-ia afirmar ter existido contradição do douto Tribunal, ao enquadrar a sociedade no regime de transparência fiscal, por o seu sócio exercer uma atividade de pura prestação de serviços, incluída na lista anexa ao art.º 151.º do CIRS e ao mesmo tempo ser uma sociedade que efetua “vendas”.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a impugnação, assim se fazendo,
JUSTIÇA».

A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes «Conclusões:

A- Quanto às conclusões A e B, a recorrente não alega a existência de qualquer erro de julgamento - e em que é que este está traduzido –, em sede de facto ou de direito, da sentença recorrida que haja de ser repetido em outro sentido propugnado, esquecendo-se que o objecto da discussão, em sede de recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o acto da administração tributária. Mutatis mutandis,
B- Também quanto às conclusões C a J, a Recorrente não dá cumprimento ao ónus de demonstrar a existência de erro de julgamento em matéria de facto ou seja, ao ónus de alegar em que ponto do raciocínio presuntivo judicial é que o julgador errou e quais as razões que evidenciam esse erro; quais foram as provas que foram erradamente ponderadas e porquê; em que é que o juízo de ponderação dessas provas está errado (em face de regras de experiência e senso comum, de regras técnicas, da lógica, do comum devir da vida económica das empresas e das pessoas, etc.).
Devendo o recurso ser julgado improcedente com esses fundamentos. Em todo o caso,
C- Quanto às primeiras, AT não coloca em causa a correcção do julgado no plano factual, procurando jogar apenas no plano da polissemia do enquadramento jurídico dos dois factos no plano restrito da constituição da obrigação do IRC.
D- No entanto, conquanto o efeito jurídico, ao nível da constituição da relação jurídica do IRC, seja o mesmo, quer os gastos sejam despesas próprias com a organização administrativa da empresa não referentes às remunerações do seu pessoal, quer sejam gastos com as remunerações do pessoal – na medida em que, nas duas situações, sempre funcionam como custos e influenciam, na mesma medida, o apuramento do imposto (cfr. art.º 17.º do CIRC) – não deixam, porém, de ser factualmente um facto diverso, sendo que essa diversidade importa, em outros domínios, efeitos jurídicos diferentes, constituindo direito do contribuinte impugnar o concreto facto que é pressuposto pela administração para a prática do acto demonstrando.
E- A lei não impede que uma empresa de prestação de serviços, sujeita ao regime de transparência fiscal nos termos do art.º 6.º do CIRC, nas relações com os seus clientes, isole ou discrimine a parte da sua prestação que é composta por bens certos e determinados ou até de serviços determinados e específicos da outra parte consubstanciada apenas por uma diferente prestação de serviços, tratando-se de uma opção de administração que cabe na autonomia de gestão reconhecida aos sujeitos de direito.
F- Para haver venda de bens ou serviços que sejam autonomamente contabilizados também não é obrigatório legalmente que esses bens ou serviços estejam correspondentemente contabilizados numa Conta de “Compras”.
G- Aliás, quando esses bens ou serviços, facturados separadamente, sejam produzidos no próprio contribuinte nem isso será sequer possível; por outro lado, quando sejam adquiridos a terceiros, nada impõe que a uma operação tenha de corresponder consequencialmente a outra, daí não decorrendo que as verbas contabilizadas só possam ser relevadas dentro da Conta onde foram escrituradas ou que a falta de contabilização dentro de certa Conta impede a sua relevância ao nível da correcta realidade jurídico-fiscal e contabilística.
H- O Tribunal a quo não teve dúvidas em determinar os factos aqui em causa, nada impedindo, assim, que os mesmos sejam relevados para a determinação do lucro tributável.
I- Também aqui a recorrente argumenta apenas com base em fundamentos meramente formais que não são juridicamente idóneos, como o de os elementos contabilizados separadamente terem obrigatoriamente de estar ínsitos no valor das prestações de serviços. Pelo que, improcedendo as conclusões do recurso interposto pela FP, se fará
JUSTIÇA».

A Recorrente impugnante, L…, Lda., também apresentou alegações que culminou com as seguintes «Conclusões:

a) A AT omitiu do processo administrativo os suportes documentais que provam a prática de actos por funcionário sobre o qual impendia pedido de suspeição.

b) Esses documentos, por serem essenciais à ponderação judicial da pretensão da recorrente deviam ter sido juntos aquando a organização do processo administrativo nos termos do artigo 111.º do CPPT.

c) Devem , pois, os mesmos ser admitidos:
c1) a todo o tempo, como consequência da violação do disposto no artigo 111.º do CPPT; ou, sem conceder,
c2) porque a recorrente apenas tomou conhecimento substancial da sua omissão e da existência dos documentos no processo-crime em momento posterior à decisão; ou ainda, sem conceder,
c3) A falta de elementos documentais, que a administração devia obrigatoriamente ter remetido ao tribunal, porque constituem meio de prova do alegado pela impugnante, constitui razão suficiente para que, em sede e no exercício dos poderes de modificabilidade da decisão de facto, se ordene a produção de novos meios de prova, pela fundada dúvida - ou assegurada certeza - de que a prova documental - processo administrativo - valorada pelo tribunal não contém todos os elementos que a lei impõe, não tendo sido, “et pour cause”, adequadamente produzida. - artigo 662.º, n.º 2, b), do CPC.
Em consequência,

d) Deve dar-se como provado o facto constante do artigo 15.º da PI, nos termos do qual “durante a tramitação do pedido de suspeição o senhor funcionário Fernando Ramos praticou actos e realizou diligências”, como resulta dos documentos que se anexam e que impõem ao tribunal decisão diversa quanto ao referido facto e quanto à ilegalidade da actuação administrativa dele decorrente.

e) Na fundamentação do acto tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do acto se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade.

f) O direito de audição e o dever de consideração dos elementos novos são violados se: (a) a administração nada refira sobre essa argumentação; (b) a administração se refugie em fórmulas pretorianas do género “face aos elementos enviados e após análise é de manter o acto”; ou (c) a administração não responda materialmente à questão levantada pelo administrado, produzindo, ao invés, um discurso que não tem nexo com as questões equacionadas e que não lhes dá resposta directa.

g) Se a resposta administrativa não tem directamente aptidão material ou adequação substancial ou compreensiva relação ou nexo argumentativo com a questão suscitada em audiência prévia, aflorando questão diversa, tal resulta na violação do disposto no artigo 60.º, n.º 7, da LGT.

h) A actividade da ora Recorrente tanto podia ser exercida a título de estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada, possibilitada, então, pelo Decreto-Lei n.º 36/2000, de 14 de Março, como de sociedade profissional, face ao disposto no art.º 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro (que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas), em vigor a quando da declaração do início de actividade (em 18.02.2002).

i) Enquanto estabelecimento mercantil de responsabilidade limitada e não uma sociedade de profissionais, a Recorrente não está abrangida pelo regime de transparência fiscal recortado no art.º 6.º do CIRC.

j) Tendo a administração tributária recebido em 2002 a declaração de início de actividade da ora Recorrente a que alude o art.º 117.º do CIRC, em que esta enquadrou fiscalmente a sua actividade concreta no regime geral do IRC, bem como recebido anualmente as declarações de rendimento elaboradas de acordo com o mesmo regime (art.º 120.º do CIRC), sem que, num caso e noutro, tenha procedido à alteração do regime aplicado dentro do prazo de revogação dos actos administrativos ilegais, converteu-se em caso decidido ou caso resolvido o enquadramento legal feito pela ora Recorrente

k) Na verdade, estamos perante actos praticados pelo contribuinte no cumprimento de um dever legal cujo controlo imediato pertence à administração;

l) Por outro lado, decorre do princípio da boa fé, a cujo cumprimento está constitucionalmente obrigada (art.º 266.º, n.º 2 da CRP), que a administração tributária não possa surpreender o contribuinte com entendimento diverso relativamente a actos ocorridos no passado a quando da sua mudança de entendimento;

m) De acordo com o probatório da decisão recorrida, o locado “serve para o sócio gerente desenvolver os trabalhos necessários à sua actividade”;

n) Se a Recorrente exerce lá, através do seu gerente, os trabalhos necessários à sua actividade é, por demais evidente que os resultados advindos do exercício dessa actividade sujeitos a imposto não podem deixar de serem tidos forçosamente como obtidos por força dos gastos que permitem a utilização do locado;

o) A relação de indispensabilidade, a que alude o art.º 23.º do CIRC, só pode ser aferida em termos económicos e não, como subjaz à decisão recorrida, em termos de mérito quanto à boa ou má eleição dos meios económicos e financeiros possibilitada pelo exercício do direito constitucional de autodeterminação e autonomia privadas;

p) Desde que exista, em termos de causalidade económica, uma relação de dependência ou conexão necessárias entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a imposto, não pode deixar de considerar-se satisfeito o requisito estabelecido no art.º 23.º do CIRC para que eles devam considerar-se custos fiscalmente relevantes;

q) Não cabe na competência da administração tributária fazer juízos sobre o bom ou mau exercício dos poderes jurídicos de gestão das empresas, ínsitos no direito de autodeterminação e de autonomia privada reconhecido constitucionalmente aos sujeitos jurídicos;

r) A desconsideração dos gastos suportados pelo gerente da Recorrente com o locado usado para o exercício da sua actividade, para efeitos do apuramento do lucro tributável, corresponde a um locupletamento completamente arbitrário e injustificado materialmente do Fisco;


Termos em que, e nos mais de direito com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve a sentença recorrida ser revogada na parte ora controvertida, como é de Justiça».

A Recorrida Fazenda Pública não contra-alegou.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes (artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), são estas as questões que importa conhecer: No recurso da Fazenda Pública: (i) se os custos contabilizados pela impugnante relativamente aos “mapas de despesa incluindo portagens e do cartão R...” não foram objecto de qualquer correcção na esfera da impugnante, tendo a sentença incorrido em erro de julgamento ao anular a liquidação no pressuposto entendimento de que tais custos tinham sido indevidamente desconsiderados pela AT para efeitos fiscais; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela falta de fundamentação da decisão da AT de considerar todos os proveitos da impugnante como resultantes de prestações de serviços, mesmo os por ela contabilizados numa conta de «vendas». No recurso da impugnante: (i) da oportunidade da junção, na fase do recurso, de documentos extraídos do PA e não remetidos ao processo pela Fazenda Pública, visando a prova de que foram praticados no procedimento actos por funcionário sobre o qual impendia incidente de suspeição, levando-se ao probatório o alegado em 15., da petição inicial; (ii) se houve violação do disposto no art.º60.º, n.º7, da Lei Geral Tributária, tendo a sentença incorrido em erro de julgamento ao considerar que a AT deu resposta a todas as questões suscitadas pela impugnante na audição prévia; (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao sancionar o entendimento da AT quanto ao enquadramento da impugnante no regime de transparência fiscal recortado do art.º6.º do Código do IRC; (iv) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao fixar no probatório como «facto provado», por um lado, que o locado habitacional “serve para o sócio gerente desenvolver os trabalhos necessários à sua actividade” (ponto AC) e, por outro, ter sancionado a desconsideração fiscal dos gastos incorridos com a sua utilização por não demonstrado o requisito da indispensabilidade.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado na sentença em sede factual:

«III - Com interesse para a decisão da presente questão, dão-se como provados os seguintes factos:
A - Em 18.02.2002, a Impugnante apresentou declaração de início de atividade para efeito de IR e IVA, Indicando o CAE 74120 (cf. doc. a fls. 170 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B - Em 19.04.2011 foi determinado pelos serviços da Impugnada a realização de inspecção externa à ora [impugnante (Cf. docs. a fls. 1 a 5 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos),
C - Em 14.06.2011, a Impugnante através do seu Advogado, apresentou uma exposição escrita afirmando vir em resposta da notificação datada de 09.06.2011 (cf. doc. a fls. 173 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzido).
D - Em 08.11.2011, a Impugnante remeteu ao Sr. Inspetor F…, um correio eletrónico datado de 08.11.2011 (cf. doc. a fls. 174 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
E - No âmbito do Processo de Inquérito n.° 77/11.3IDCBR do DIAP de Coimbra foi emitido «Mandado de Busca» em 30.11.2011, tendo tido lugar a respetiva busca em 16.12.2011 (cf. docs. a fls. 175 a 179 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
F - Por despacho do Sr. Subdiretor-Geral da Inspeção Tributária, datado de 14.10.2011, exarado na Informação n.° 18/2011 de 14.10.2011, foi indeferido o recurso hierárquico do despacho de indeferimento do pedido de afastamento por impedimento ou suspeição de Inspetor Tributário (cf. docs. a fls. 334 a 344 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
G - Em 04.05.2012 foi elaborado «Projecto de Relatório de Inspecção Tributária», dele constando correções â matéria tributável em sede de IRC e de IVA relativos aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 (cf. doc. a fls. 18 a 151 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzido).
H - Por ofício da Impugnada teve a Impugnante conhecimento do teor do documento referido na alínea anterior (cf. doc. a fls. 17 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
I - Em 22.05.2012, a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Impugnante, para cujo conteúdo aqui se remete (cf. docs. a fls. 152 a 180 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais como integralmente reproduzidos).
J - Em 25.05.2012 foi elaborado «Relatório de Inspecção Tributária», do qual se extrai que:
“[…] 1.3 - DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
1.3.1 - Imposto s/ Rendimento Pessoas Colectivas (IRC)
1.3.1.1 - Apuramento Matéria Colectável
[…]
A sociedade por quotas (unipessoal) em presença foi constituída para o exercício da actividade profissional do seu único sócio e gerente (contabilista) na qualidade de TOC, actividade esta constante da lista a que alude o artigo 151º do CIRS.
Nos termos do artigo 6º do CIRC, encontra-se, por isso, sujeita ao regime da transparência fiscal (sociedades de profissionais), senda a matéria colectável apurada na sociedade, por força do determinado naquele artigo, imputada ao sócio e gerente, sr. L…, NIF 1…, cujos valores devem ser por ele incluídos na suas declarações de rendimentos dos anos em causa (2007, 2008, 2009 e 2010) e considerados como rendimentos da categoria E de IRS a fazer constar no anexo D das respectivas declarações modelo 3 de IRS.
1.3.1.2 - IRC em Falta - Tributação Autónoma
De acordo com o referido no ponto 3.1.2 o SP não procedeu, nos períodos de 2008, 2009 e 2010, nos termos do n° 1 do artigo 88° do CIRC, à tributação autónoma, dos valores de despesas não documentadas, de que resulta imposto (IRC) nos montantes € 34.000,00 (€ 68.000,00 x 50%) em 2008, € 29.000,00 (58.000,00 x 50%) em 2009 e €15.000,00 (€ 30,000,00 x 50%) em 2010
1.3.2 - Imposto s/ Valor Acrescentado (NA)
[…]
1.3.3 - Retenções na Fonte - IRS
[…]
2.2.2 - Actividade Desenvolvida
A actividade desenvolvida consiste na prestação de serviços relacionados com contabilidade, auditoria e consultoria, CAE: 69200, cuja actividade exerce através de uni “gabinete de contabilidade” com a mesma denominação comercial na mesma mora que declara como sede social.
Trata-se de uma sociedade unipessoal, com capital social pertencente a um único sócio, constituída para o exercício da actividade referida, sendo o seu único sócio e gerente contabilista (TOC), actividade constante da lista a que alude o artigo 151° do CIRS.
Atendendo à forma como a sociedade foi constituída e a sua actividade, a mesma é sujeita ao Regime de Transparência Fiscal. Nos termos do artigo 6º e 12° do CIRC, as entidades que seja aplicável o Regime da Transparência Fiscal, não são tributadas em sede de IRC, com excepção na que respeita á tributação autónoma.
De acordo com o art° 6º do CIRC, a matéria colectável apurada na sociedade L…, Lda., será imputada ao seu único sócio e gerente, L…, NIF: 1…, cujos valores devem ser por ele incluídos nas suas declarações de rendimento dos anos em questão (2007, 2008, 2009 e 2010) e considerados como rendimentos da categoria B do IRS a fazer constar no Anexo D das respectivas declarações Modelo 3 do IRS.
Apesar disso, a sociedade não procedeu de acordo com estipulado no artigo 6º do CIRC, tendo sido tributada pelo regime geral de IRC de acordo com a opção seleccionada no quadro 04 do rosto da declaração modelo 22 de IRC.
[…]
Ora, como facilmente se perceber, a não consideração das sociedades por quotas unipessoais, quando reunidas as condições estabelecidas no artigo 6º do CIRC, relativamente às sociedades referidas no n° 1 alínea b) - sociedades de profissionais - contraria os objectivos nos quais assenta a adopção do Regime de Transparência Fiscal, que o legislador quis que fosse obrigatória, ou seja, a partir do momento que estão reunidas as condições estabelecidas no artigo 6º do CIRC, o enquadramento na Transferência Fiscal é obrigatório sem possibilidade de opção por outros.
[…]
8 - Direito de Audição - Fundamentação
O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição nos termos do artigo 60° da LGT e 60º do RCPIT, em 07/05/2012, pelo ofício nº 5566, cf registo postal RD003218188PT, o qual foi exercido pelo advogado Dr. Luís…, através do documento n° 10266 de 22/05/2012.
Relativamente ao direito de audição apresentado cujo conteúdo tem implicações fiscais no apuramento do imposto, os quais resumidamente se apresentam seguidos dos argumentos da A T:
[…]”
(cf. docs. a fls. 185 a 333 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
K - No relatório referido na alínea anterior, em 01.06.2012, foi aposto despacho pelo Sr. Director de Finanças do seguinte teor “Concordo com as conclusões do presente relatório e determino o(s) valor(es) proposto(s) para tributação” (cf. docs. a fls 185 a 333 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
L - Por ofícios da Impugnada datados de 04.06.2012, foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado do despacho e do relatório referido nas duas alíneas anteriores (cf. docs. a fls. 181 a 184 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
M - À Impugnante foi dado conhecimento da «Demonstração de Liquidação de IRC» e da «Demonstração de Acerto de Contas» relativo ao IRC do ano de 2009, acrescida de Juros, com data limite de pagamento a 29.08.2012 (cf. docs. a fls. 50 a 52 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
N - À Impugnante foi dado conhecimento da «Demonstração de Liquidação de IRC» e da «Demonstração de Acerto de Contas» relativo ao IRC do ano de 2010, acrescida de juros, com data limite de pagamento a 05.09.2012 (cf. docs. a fls. 53 a 55 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como Integralmente reproduzidos).
O - A petição inicial do presente meio processual foi expedida pelo Advogado da Impugnante para este Tribunal por correio registado expedido em 14.09.2012 (cf. fls. 1 a 36 dos autos).
P - O Sr. Técnico admitiu que tinha concluído que não existirem indícios que fundamentassem a denúncia anónima.
Q - As avenças acordadas com os clientes, reportam-se à avença de assessoria, acompanhamento e cumprimento de obrigações fiscais, sendo que, o material necessário à execução da contabilidade será de conta do cliente, o que está demonstrado na faturação emitida existindo um contrato de prestação de serviços do cliente Associação Cristã Paz e Bem.
R - O Sr. V…, encontrando-se a trabalhar em Angola, desenvolveu trabalho, visando a implantação e abertura de um escritório de contabilidade em Luanda e Benguela.
S - O A… foi sujeito a uma multa de trânsito com a sua viatura particular e tal muita foi registada ao serviço da empresa em horário laboral.
T - A deslocação à Madeira prendeu-se com a realização de uma auditoria a uma empresa, na qual um cliente da Impugnante detém uma participação com vista à aquisição por parte desta, da maioria do capital daquela e, no entanto, o negócio acabou por não se concretizar.
U - O Sr. Técnico teve a oportunidade de acompanhar a permanência ou não do Sr. A… nas instalações da empresa.
V - Existe um documento indicativo do montante a pagar à segurança social.
X - As deslocações constantes dos mapas foram efetuadas.
Y - O montante das portagens era pago pelo Sr. A…, através do sistema de Via Verde, em seu nome.
Z - Quando existia uma deslocação de qualquer funcionário era elaborado um mapa igual ao elaborado para o Sr. A….
AA - O cartão «R...» está emitido em nome do Sr. A… porque tinha de ser emitido em nome pessoal, sendo que o Sr. Técnico apura nos mapas elaborados, abastecimento de Gasolina 98, não dispondo o Sr. A… de viatura a gasolina.
AB - Quanto aos encargos com combustíveis suportados por terceiros, tratam-se de familiares do sócio gerente, sendo que o combustível gastos por estas foi utilizado em deslocações que efetuaram em viatura própria em serviço de apoio à empresa, quer em Coimbra, quer em Lisboa.
AC - O apartamento serve para o sócio gerente desenvolver os trabalhos necessários à sua atividade, onde desenvolve horas de trabalho.
AD - Foram desenvolvidos esforços no sentido de cobrar os valores em divida à L…, C… e S… e F….
AE - A C… era fornecedora habitual de combustível, emitindo uma fatura mensalmente referente aos consumos efetuados, sendo que a situação reportada se prende com um erro de faturação detetado aquando da conferência das mesmas e dai a elaboração do mapa, optando-se por receber o valor faturado a mais em vez de corrigir a facturação emitida.
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação assim como naqueles que constam do respectivo processo administrativo (PA).
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo. Assim, por ausência de prova trazida aos autos e na ausência do depoimento das testemunhas indicadas no sentido do que vai alegado nos respetivos artigos da p.i, ficou por demonstrar o alegado nos artigos 23º. 24.°, 26.°, 29.°, 34º, 68.°, 72.°, 79º, 91.º, 92.°, 93.° e 94.° daquele articulado, Quanto a este último artigo cabe referir que no requerimento invocado e a se alude nas alíneas «C» e «O» da matéria de facto assente, não constam os elementos que vão referidos pela Impugnante. Assim, apenas ficou demonstrado nas referidas alíneas o que consta dos documentos nelas referidos, o que Igualmente corresponde à prova parcial do alegado no art.° 88.º da p.i,
No que se refere ao alegado nos artigos 30.º, 35º, 52.º, 53º, 77.º, 82.º, 83.° e 85.° da petição inicial, o Tribunal considerou que tal matéria era essencialmente de natureza conclusiva pelo que não a pôde sujeitar ao crivo probatório.
Quanto aos demais factos que se deram como provados os mesmos resultam da convicção que o Tribunal firmou quanto ao depoimento das testemunhas aqui ouvidas em resposta à matéria factual trazida pela Impugnante aos autos. Deste modo, expurgados os elementos conclusivos e de direito formulados pela Impugnante, a factualidade supra inserida corresponde à prova parcial do que vai alegado nos artigos da pi conforme seguidamente se descreve:
- Art° 25.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «P». Assim, tal prova parcial resultou da convicção que o Tribunal formulou tendo em conta o depoimento da 3ª testemunha ouvida que assistiu ao reconhecimento por parte do Sr. Inspetor Tributário que não haveria fundamentos para a denúncia em causa. Pareceu ao Tribunal que a testemunha falou com verdade, pese embora algum sentimento menos favorável direccionado contra o aludido representante da Impugnada. Também, no nos pareceu que apesar de ser colaborador da Impugnante se sentiam constrangido ou parcial no seu depoimento.
- Art. 31.º e 32.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «Q». Deste modo, o Tribunal teve por boa a declaração da 3ª testemunha ouvida que há cerca de 22 anos trabalha com a Impugnante, sendo que aquela demonstrou conhecimento do modus operardi da mesma. No mesmo sentido, igualmente depôs a 4ª testemunha ouvida, pese embora a mesma só trabalhasse para a Impugnante há bastante menos tempo, pelo que o seu depoimento foi valorado com bastante menor Intensidade. Ambas referiram que apenas existia um contrato escrito de prestação de serviços com a indicada Associação, o que aliás é aceite peias partes em presença.
- Art. 33º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «R». No que se refere a esta alegação, o Tribunal aceitou como verídicas as afirmações feitas pela 3ª testemunha ouvida pelas supra indicadas razões, tendo, porém o Tribunal ficado na insuperável dúvida se os montantes que terão sido pagos ao Sr. V… se destinariam a outros fins que não os da implementação do negócio em Angola. Dúvida esta que se tornou insuperável, do a apontado falecimento da pessoa aqui em questão.
- Art° 51.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «S». No que diz respeito à referida alegação, a mesma foi exorcizada dos elementos conclusivos que a compõem, tendo o Tribunal dado como parcialmente demonstrado o alegado em função do depoimento da referida testemunha, sendo que é aceite pelas partes, tal como resulta do relatório aqui parcialmente transcrito, que a multa em questão foi considerada na contabilidade de Impugnada.
- Art.° 54º e 55º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «T». Assim, a matéria factual considerada, emanou do depoimento das 2.ª e 3ª testemunhas ouvidas que, em paralelo, se referiram à circunstância de ter existido uma auditoria feita a unia empresa sita na ilha da Madeira e que justificaria a estada lá. Não se tratou assim, segundo as testemunhas, de qualquer viagem de lazer, mas antes uma viagem para efeitos profissionais para aferição de um potencial negócio que um cliente da Impugnada queria realizar, mas que não se concretizou.
- Art.° 67.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «U». Neste sentido depôs a 3ª testemunha ouvida que referiu que o Sr. Inspetor Ramos esteve cerca de um ano na sede da Impugnada Ora, esta afirmação foi feita de forma livre e desinteressada, pelo que o Tribunal da veracidade da mesma se convenceu.
- Art.° 70.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «V». No que diz respeito a esta matéria a 3ª testemunha referiu-se de forma assertiva que existiam documentos de caráter particular, que serviam de mera guia indicativa dos descontos a pagar para a segurança social.
- Art. 73.º da p.i, - provado apenas o que vai descrito na alínea «X». Ficou apenas demonstrado pelo depoimento da 3ª testemunha ouvida que os mapas de deslocações correspondiam a verdadeiras deslocações a clientes, não havendo qualquer maquinação quanto aos mesmos. Aliás, a referida testemunha referiu que daqueles se extraiam as faturas das despesas correspondentes aos clientes da Impugnada.
- Art.° 74.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «Y». Ora, a 3ª testemunha a que se alude no referido artigo e, na respetiva sequência, nos anteriores afirmou em Tribunal que possuía o sistema electrónico de pagamentos designado por «Via Verde», estando este em seu nome. No entanto, por tal circunstância, existia a necessidade da mesma ser compensada pelas portagens pagas pelo referido sistema aquando ao serviço da empresa ora Impugnada.
- Art.° 76.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «Z», A este respeito cabe referir que quer a 3ª testemunha, quer a 4ª referiram a existência de mapas das deslocações em serviço da Impugnada e que o mesmo é elaborado sempre que há uma deslocação.
- Art.° 78.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AA». Quanto a esta matéria, ao Tribunal a 3ª testemunha referiu ser detentora de um cartão «R...», que estava em seu nome por exigência da empresa emissora, tendo-o apresentado em Tribunal. Ora, o Tribunal constatou que o cartão que lhe foi apresentado tinha1 em simultâneo o nome da empresa ora Impugnante e o nome da aludida testemunha. Também esta referiu que apenas era possuidor de um veículo a gasóleo.
- Art.° 81.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AB». Relativamente à alegação contida no citado artigo da p.i., a mesma teve que ser dissecada dos termos conclusivos nele empregues, tendo sido dado como parcialmente provada, uma vez que a 3ª e 4ª testemunhas referiram que as filhas do sócio gerente, ocasionalmente, faziam pequenos serviços de favor à Impugnante, sendo que este lhes compensava pelo pagamento do combustível usado no mesmo.
- Art.° 84.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AC». Assim, as 1ª e 2ª testemunhas ouvidas apenas referiram que o sócio gerente da Impugnada, o Sr. L…, utiliza um apartamento que serve de casa de habitação, como local de trabalho, já tendo ambas se deslocado ao referido local no âmbito de reuniões de trabalho. Deste modo, segundo a 1ª testemunha o aludido apartamento sito na Av…, nesta cidade, é «uma extensão do escritório». Em sentido semelhante, a segunda testemunha referiu que já teve reuniões em casa do aludido sócio gerente referindo que a casa de F… é as duas coisas: casa e escritório, estando aquela equipada com telefone, fax, etc.
- Arts.° 95º e 96º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AD». Quanto a esta matéria, dos autos não resultou outra prova senão a que foi dada como matéria assente. Desta forma, apenas ficou demonstrado pelo depoimento da 3ª testemunha ouvida que referentemente às empresas indicadas havia créditos da Impugnada que não foram pagos, apesar de tentativas feitas para os cobrar.
- Arts.° 113.° a 115.º da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AE». Relativamente ao alegado nos referidos artigos, o Tribunal apenas deu como parcialmente provada a matéria que vai descrita, tendo, par o efeito, valorado positivamente o depoimento da 4ª testemunha ouvida, que trabalhou na aludida empresa e que teve conhecimento do apontado erro de faturação que foi compensado nos moldes descritos».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Recurso da Fazenda Pública

Alega a Recorrente que o tribunal a quo errou ao considerar justificadas, para efeitos de dedutibilidade, as despesas contabilizadas pela impugnante na conta “648 – Outros Encargos com Pessoal” ou na conta “622272/622512 – Encargos com deslocações de pessoal” relacionadas com a alegada atribuição de ajudas de custo e quilómetros em viatura própria e portagens, através da emissão dos mapas em Anexo III ao RIT, fls.1 a 52, atribuídas ao funcionário A…, cujos montantes ascendem, nos exercícios em causa de 2009 e 2010, a 15.629,39€ e 17.496,79€ (cf. RIT, fls.37 do PA).

Faz assentar o erro decisório unicamente no facto de tais despesas terem sido aceites como custo fiscal pela AT, como ressuma do RIT e já fora realçado no art.º42.º da contestação (cf. fls.77). Nessa medida, tais despesas nem sequer deveriam integrar os fundamentos da impugnação, porquanto, tendo sido relevadas pela AT como componentes negativas do lucro tributável, nenhum reflexo tiveram no “quantum” da liquidação, pelo que nunca poderia a impugnação ter sido julgada parcialmente procedente por esse fundamento.

Na verdade e como se alcança do ponto “3.1.1.4 – Ajudas de custo, kms. e portagens” do RIT (fls.37 do PA), nele se deixou consignado, em síntese conclusiva da exposição feita, o seguinte: «Uma vez que os valores foram despendidos, devem ser considerados custo/gastos na entidade empregadora (L…, Lda.), como remuneração do funcionário A… e, por isso, sujeitos a IRS como rendimentos da categoria A na sua esfera pessoal».

Só que, em sede de contra-alegações, vem a impugnante sustentar que a alteração da natureza da despesa – no entendimento da AT, dedutível como remuneração paga e não como encargos com deslocações com fora contabilizada – teve reflexos no acto tributário, desde logo, por efeito das obrigações acessórias que tal alteração da natureza da despesa comporta para si, enquanto entidade pagadora.

E os elementos dos autos suportam objectivamente o que a impugnante alega. Na verdade, como se alcança do ponto “1.3.3. – Retenções na fonte – Juros Compensatórios” do RIT (fls.23 do PA), aí se deixou consignado: «O s.p. não procedeu, como devia, à retenção de IRS sobre rendimentos enquadráveis na categoria A de IRS, em consequência das situações descritas nos pontos 3.1.1.4 e 3.2.2, e que de acordo com o n.º2 do art.º103.º do CIRS, está sujeito a juros compensatórios por parte da entidade que tinha a responsabilidade de proceder à sua retenção e entrega nos cofres do Estado (…) Foram apurados montantes de imposto que deveria ter sido retido e entregue nos cofres do Estado, nos montantes de …€2.074,32 em 2009 e €4.552,23 em 2010, e relativamente aos quais o s.p. está sujeito a juros compensatórios».

É certo que tratando-se da responsabilidade tributária pelo pagamento do IRS não retido (art.º18.º, n.º3 da LGT) e sendo os juros compensatórios referidos reportados a esse imposto e não ao IRC, nenhum reflexo a correcção teve no “quantum” da liquidação impugnada nestes autos.

Mas, por outro lado, resulta inegável o interesse objectivo da impugnante em ver apreciada judicialmente a regularidade da documentação e contabilização de determinadas despesas como deslocações de pessoal, que a AT considerou indevidamente contabilizadas e documentadas, ainda que as tenha aceite como custo dedutível em razão da sua diferente qualificação como remunerações pagas.

O que vale por dizer que, embora esteja em causa uma correcção nos custos sem reflexo no “quantum” da liquidação impugnada, ela pode integrar o objecto da impugnação, pelo interesse objectivo da impugnante em ver apreciada e dirimida, por via judicial, a controvérsia em torno da qualificação da despesa contabilizada, ora como encargos com deslocações de pessoal, que é a tese da impugnante, ora como remunerações/vencimentos, que é a tese da AT.

Entendemos, pois, que o tribunal a quo não errou ao apreciar a questão da legalidade desses custos com deslocações de pessoal nos termos em que foram contabilizados pela impugnante, pois nenhum constrangimento de ordem formal se lhe impunha. E não vindo imputada à decisão recorrida, neste ponto, qualquer vício substantivo, não podemos, em sede recursiva, entrar na apreciação do mérito da decisão que concluiu pelo adequado suporte documental da despesa contabilizada como custo com deslocações de pessoal. E se julgou a impugnação parcialmente procedente (também) por esse fundamento, o que a AT está vinculada a fazer é a reconstituição da legalidade da situação objecto do litígio, aí se não incluindo necessariamente uma alteração dos valores liquidados em sede de IRC (art.º100.º, da Lei Geral Tributária).

Improcede este primeiro segmento do recurso da Fazenda Pública.

Passando à segunda questão colocada, não se conforma a Recorrente com o entendimento do tribunal a quo quanto à falta de fundamentação formal da correcção assente na consideração pela AT de todos os proveitos contabilizados, incluindo com «vendas», como «prestações de serviços».

E aqui assiste-lhe inteira razão, avançamos já. E dizemos porquê.

No desenvolvimento do previsto no n.º4 do art.º268.º da CRP, de que decorre o dever de fundamentar os actos administrativos, dispõe o n.º1 do art.º77.º da LGT: «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

Estabelece o seu n.º2 que «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».

Nesse recorte normativo, jurisprudência pacífica e reiterada do STA tem vindo a entender que «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o “bonus pater familiae” de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual», significando isso «…que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto» - vd. Ac. do STA, de 12/03/2014, proferido no proc.º01674/13.

Pois bem, regressando aos autos, deixou-se vertido no RIT (cf. fls. 194 do PA), a propósito desta correcção, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte:
«Contabilisticamente o volume de negócios foi efectuado em contas distintas, contas “71-Vendas” e 72 “Prestação de Serviços”. Constatámos que genericamente os documentos registados na contabilidade na conta “71 – Vendas” estão relacionados com a prestação de serviços, e respeitam a situações com descritivos tais como:
ü Folhas segurança social, guias pagamento de IRS, IVA pagamento, IRC/por conta, declarações IVA, pastas arquivo, balancetes e extractos de conta, recibos vencimentos, separadores, etc;
ü Extractos anuais;
ü Deslocações em viatura própria à vossa empresa.
Conforme se pode concluir, tais situações não são mais do que componentes subjacentes à prestação de serviços, relacionadas com a execução e responsabilidade pela contabilidade das empresas suas clientes e que não correspondem a quaisquer vendas de bens adquiridos com a finalidade da sua comercialização, sendo prova disso, também o facto do SP não registar na conta “31 – Compras” a aquisição daqueles bens, tanto mais que, na generalidade das situações invocadas naquelas facturas, o SP não incorre sequer qualquer custo/gasto dessa natureza, na medida em que a maioria dos documentos invocados não são adquiridos e a sua apresentação é efectuada obrigatoriamente da forma desmaterializada (submetidas electronicamente). Também os encargos com deslocações cobradas a clientes mais afastados são uma componente da prestação de serviços».

Ou seja, a AT deu a conhecer ao destinatário do acto as razões fáctico-jurídicas por que determinados proveitos contabilizados pela impugnante como «vendas» foram considerados como proveitos relativos a «prestações de serviços», em termos de ele poder conformar-se com tal decisão ou impugná-la, pelo que o acto está formalmente fundamentado. Questão diversa prende-se com a correcção dos fundamentos invocados pela AT para a qualificação como «prestações de serviços» do volume de negócios (proveitos) contabilizado como «vendas».

A sentença incorreu, pois, em erro de julgamento ao concluir pela falta de fundamentação formal desta correcção aos proveitos. Este segmento do recurso da Fazenda Pública merece provimento.

Tendo a questão da ilegalidade substantiva da correcção sido colocada na petição inicial (artigos 27.º a 32.º), o tribunal a quo dela não conheceu por prejudicada face ao julgamento de ilegalidade formal da correcção por falta de fundamentação, pelo que dela importa conhecer em substituição por os autos conterem os elementos para tanto (art.º665.º, n.º2, do CPC, ex vi do 2.º alínea e), do CPPT).

Determinados componentes do volume de negócios da impugnante, contabilizados como «vendas» foram considerados pela AT proveitos de «prestações de serviços» e, a nosso ver, está correta a qualificação jurídico-fiscal feita pela AT.

Na verdade e como consta do RIT (fls.25 do PA), a actividade da impugnante consiste na prestação de serviços relacionados com contabilidade, auditoria e consultoria – CAE 69200, não estando colectado pela actividade de vendas.

É certo que, pese embora colectada por uma actividade de prestação de serviços, a impugnante poderia desenvolver acessoriamente a actividade de vendas, como sucede no caso das sociedades profissionais de médicos-veterinários que em simultâneo com a actividade clínica principal, comercializam também produtos específicos de combate preventivo parasitário ou alimentação animal com componentes nutritivos especiais, que adquirem com a finalidade da sua venda a clientes, independentemente da prestação de quaisquer serviços clínicos a esses clientes, realidade esta, por todos conhecida.

Mas não é esse o caso da impugnante. O que ela registou na conta «71 – Vendas», não foram bens adquiridos com vista à sua comercialização (não comprou pastas, nem separadores, nem guias para pagamento de impostos, para vender), mas sim e, exclusivamente, para utilização no âmbito da sua actividade prestadora de serviços de contabilidade, auditoria e consultoria, pelo que esta actividade consome todo o fornecimento a clientes dos materiais e/ou utensílios necessários à execução da prestação de serviços contratualizada (art.º1154.º, do Código Civil).

Ilustrando, de novo, com o exemplo atrás citado, não se conceberia que um sedativo utilizado no adormecimento do animal com vista ao seu tratamento, ou o soro/ produto de desinfecção utilizado para o limpar fosse contabilizado como vendas ao cliente, separadamente, dos serviços clínicos prestados, como se a actividade prestadora de serviços se esgotasse em proporcionar ao cliente trabalho intelectual ou manual.

Assim, a correcção praticada pela AT não nos merece qualquer censura, pelo que, decidindo em substituição, julga-se improcedente a impugnação nesta parte (vícios substantivos imputados ao acto).

Passando, de imediato, a conhecer do recurso interposto pela impugnante, vejamos.

Pretende a Recorrente juntar documentos aos autos, na fase de recurso. Com isso, pretende a alteração da matéria de facto com base na qual o tribunal a quo concluiu que «…os actos procedimentais que se encontram descritos nos presentes autos foram praticados pelo Sr. Inspector em causa [relativamente a quem foi deduzido incidente de suspeição] quando já havia sido decidido o incidente de suspeição levantado e desta decisão não se conhece que tenha sido deduzida qualquer forma de impugnação».

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º651.º do CPC, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância».

Ou seja, tal junção de documentos na fase de recurso depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (ii) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção, um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

Como o tem vindo a salientar a jurisprudência superior, «Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
Quanto ao segundo elemento referido, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum» - vd. Ac. da Relação de Coimbra, de 18/11/2014, tirado no proc.º 628/13.9TBGRD.C1.

Ora, no caso em apreço, a junção de documentos na fase de recurso não é de admitir, porquanto, tais documentos (constam de fls.185 a 288) já eram do conhecimento da impugnante à data do julgamento em 1.ª instância (cf. fls.173 do PA), não consubstanciando documentos, objectiva ou subjectivamente supervenientes.

Por outro lado, como se assinala no acórdão da Relação de Coimbra que vimos acompanhando, «…a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento pressupõe (…) todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes, “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo [Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184]».

Ora, também a esta última situação se não reconduz a dos autos porque a questão da violação do dever de imparcialidade resultante da prática de actos instrutórios no procedimento por agente relativamente ao qual foi arguida suspeição pela impugnante, integrava o petitório e, por outro lado, da junção do processo administrativo aos autos, nos termos do disposto no n.º4 do art.º110.º, do CPPT, foi a impugnante oportunamente notificada (cf. fls.85 a 88 dos autos), pelo que não desconhecendo a existência de tais documentos (notificações que lhe foram feitas pelo inspector sob suspeita), usando da diligência devida logo se poderia ter apercebido que não integravam as peças do PA juntas (alegação que nem corresponde rigorosamente à verdade, pois pelo menos um dos dois documentos cuja junção pretende consta de fls.329/331 do PA), requerendo ao tribunal que diligenciasse junto da AT pela sua completa remessa, por conterem material probatório pertinente à sua defesa.

Mas não foi isso que a impugnante fez e, portanto, não pode agora prevalecer-se da junção de documentos na fase de recurso, pretensão que se indefere, o que significa que tais documentos não podem integrar o material probatório dos autos.

De qualquer modo, compulsados os documentos constantes de fls.334 a 344 do PA, assinalados no ponto F) do probatório, logo se alcança face ao regime jurídico da suspeição previsto no Cód. do Procedimento Administrativo aplicável ex vi do art.º2.º alínea c), da LGT, que a impugnante não tem razão alguma quando sustenta que foram praticados ilegalmente pelo Sr. Inspector a quem opôs suspeição actos instrutórios na pendência da apreciação do pedido pelo competente superior hierárquico do agente.

É que, relativamente ao pedido de suspeição, estabelece o n.º3 do art.º50.º do CPA que «Reconhecida procedência ao pedido, observar-se-á o disposto nos artigos 46.º e 47.º».

Em anotação a esse preceito, escrevem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho, “Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado”, Almedina, 5.ª ed.- 2002, a pág.258: «Os termos em que está redigido o n.º3 inculcam que a suspensão da actividade só ocorre com a substituição, ao contrário do que sucede com a arguição do impedimento. Obtida a dispensa e deferido o pedido de suspeição, haverá lugar à substituição nos moldes em que se desenham no art.47.º. Enquanto ela não ocorrer o visado continuará a tomas as medidas inadiáveis em casos de urgência e perigo (art.º46.º, n.º2)».

Transpondo para os autos a interpretação doutrinária daqueles insignes anotadores, que se acolhe, na pendência da competente decisão no subprocedimento de suspeição, o Sr. Inspector visado estava legitimado (mesmo obrigado funcionalmente) a praticar actos instrutórios no procedimento tributário de liquidação, não tendo ocorrido violação de qualquer preceito constitucional ou legal em matéria de imparcialidade que inquine a legalidade do acto de liquidação, como sustenta a Recorrente.

Improcede este segmento do recurso.

Insurge-se depois a Recorrente contra o segmento da sentença recorrida que concluiu não ter havido violação do princípio da participação, nem falta de fundamentação da decisão de procedimento tributário.

Refere a Recorrente que na audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, alegara “nulidade decorrente da realização de diligências procedimentais por um funcionário no decurso de um pedido suspeição que impendia sobre ele e enquanto o mesmo não tinha sido decidido pela administração” (art.º26.º das alegações de recurso) e nada lhe foi esclarecido sobre a questão colocada, o que configura violação do princípio da participação e do dever legal de fundamentação (art.º27.º das alegações de recurso), tendo a sentença incorrido em erro de julgamento ao decidir diferentemente, violando o disposto no art.º60.º, n.º7, da LGT.

Discordamos uma vez mais da impugnante, sempre com o devido respeito. É certo que a impugnante suscitara no exercício do direito de audiência prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, a questão da imparcialidade do Sr. Inspector Fernando Ramos nos termos enunciados. É também certo que sobre a mesma não foi emitida qualquer pronúncia no relatório final de inspecção (cf. fls.236/244 do PA).

E a nosso ver bem. O relatório final, como nele expressamente se diz, limitou-se a emitir pronúncia sobre as questões suscitadas na audição prévia com implicações fiscais no apuramento do imposto.

Nem podia ser diferentemente, porquanto à data de 01/06/2012, em que foi exarado sobre o RIT o despacho concordante do Sr. Director de Finanças de Coimbra (fls.185 do PA), já o subprocedimento administrativo em que fora apreciada a oposta suspeição se encontrava findo por decisão de indeferimento do Sr. Subdirector-Geral, de 14/10/2011, proferida em recurso hierárquico, facto de que a sentença dá conta e se suporta factualmente nos documentos que constituem fls.334 a 347 do PA.

Portanto, com razoabilidade, não pode sustentar-se que o RIT omitiu pronúncia sobre elementos novos suscitados na audição prévia, porque o que a impugnante qualifica de elementos novos, consubstanciam questões já tratadas, por decisão definitiva, no respectivo subprocedimento de suspeição e que foram levadas ao seu conhecimento antes da data (21/05/2012) em que exerceu o direito de audiência prévia sobre o projecto de conclusões do relatório (cf. fls. 152 e 345 a 347 do PA).

A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento, nem o decidido merece qualquer censura, pelo que o recurso improcede também neste segmento.

Outrossim, não se conforma a impugnante, ora Recorrente, com a sentença recorrida na parte em que sancionou o seu enquadramento no regime de transparência fiscal recortado no art.º6.º do Código do IRC, regime esse que se caracteriza por imputar aos sócios de sociedades de profissionais a matéria colectável das respectivas sociedades, sendo aqueles tributados em sede de IRS. Mas sem razão.

A propósito desta questão, a sentença ponderou nos seguintes termos:
«- Do indevido enquadramento da Impugnada no regime de transparência fiscal.
Segundo a Impugnada, no relatório que sustenta os atos recorridos fez-se uma indevida subsunção daquela no regime de transparência fiscal do art.° 6° do CIRC.
Ora, dos autos resulta, antes de mais que a sociedade ora Impugnada tinha o CAE 69200 dizendo este respeito a “Actividades de contabilidade, auditoria e consultoria fiscal.
Igual e incontestavelmente resulta dos autos que o seu único sócio é Técnico Oficial de Contas.
No ano de 2009, o art. 6.° do CIRC dispunha que:
Artigo 6°
Transparência fiscal
1 - É imputada aos só elos, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que no tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria dc capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direito público.
2 - Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.
3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem da acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 - Para efeitos do disposto no nº 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais - a sociedade constituída para o exercício de uma actividade profissional especificam ente prevista na lista de actividades a que alude o artigo 151º do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade;
b) Sociedade de simples administração de bens - a sociedade que limita a sua actividade é administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras actividades e cujos proveitos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus proveitos;
c) Grupo familiar - o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adopção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha recta ou colateral até ao 4º grau, Inclusive.
No ano de 2010, no art.° 6.° do CIRC dispunha-se que:
Artigo 6°
Transparência fiscal
1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for
aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o
caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

a) Sociedades civis não constituídas sob forme comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa colectiva de direita pública.
2 - Os lucras ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direcção efectiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis directamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.
3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros rios termos que resultarem do acto constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
4 - Para efeitos do disposto no n.° 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais - a sociedade constituída para o exercício de uma actividade profissional especifica mente prevista na lista de actividades a que alude o artigo 151.° do Código do IRS, na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade;
b) Sociedade de simples administração de bens - a sociedade que limita a sua actividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras actividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50% da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos;
c) Grupo familiar - o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adopção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha recta ou colateral até o 4º grau, Inclusive.

Nos termos do art.° 151.º do CIRS, remetia-se os CAE’s ou para um lista constante da Portaria n,° 1011/2001, de 21 de Agosto e nesta previa-se a actividade de TOC, como a que vai exercida aqui pelo sócio-gerente através da sociedade ora Impugnada.

Ora, o Decreto-Lei nº 310/2009, de 26 de Outubro, veio definir o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas e dispôs nos seus artigos 6.º e 7º que:
Artigo 6.º
Funções
1 - São atribuídas aos técnicos oficiais de contas as seguintes funções:
a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devem possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;
b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;
c) Assinar, conjunta mente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respectivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respectivos órgãos;
d) Com base nos elementos disponibilizados pelos contribuintes por cuja contabilidade sejam responsáveis, assumir a responsabilidade pela supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento de salários.
2 - Compete ainda aos técnicos oficiais de contas:
a) Exercer funções de consultoria nas áreas da contabilidade, da fiscalidade e da segurança social;
b) Intervir, em representação dos sujeitos passivos por cujas contabilidades sejam responsáveis, na fase graciosa do procedimento tributário, na âmbito de questões relacionadas com as suas competências especificas;
c) Desempenhar quaisquer outras funções definidas por lei, adequadas ao exercício das respectivas funções, designadamente, as de perito nomeado pelos tribunais ou por outras entidades públicas ou privadas.
3 - Entende-se por regularidade técnica, nos termas da alínea b) do n.° 1, a execução da contabilidade, nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fie/ e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, pelos meias legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor.
4 - As funções de perito referidas na alínea c) do n.° 2 compreendem, para além do alcance definido pelo tribunal no âmbito de peritagens judiciais, a avaliação da conformidade da execução contabilística com as normas e directrizes legalmente aplicáveis, bem como do nível de representação, pela informação contabilista, da realidade patrimonial que lhe subjaz.
Artigo 7.°
Modos de exercício da actividade
1 - Os técnicos oficiais de cantas podem exercer a sua actividade:
a) Por conta própria, como profissionais independentes au como empresários em nome individual;
b) Como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade profissional de técnicos oficiais de contas ou de uma sociedade de contabilidade;
c) Como funcionários públicos, desde que exerçam a profissão de técnico oficial de contas na Administração Pública ou contratados pela administração central, regional ou local;
d) No âmbito de um contrato individual de trabalho celebrado com outro técnico oficial de contas, com uma sociedade de profissionais, com outra pessoa colectiva ou com um empresário em nome individual.
2 - Com excepção das situações referidas no n.° 6 do artigo a o e da prestação de serviços no âmbito de sociedades de contabilidade, os técnicos oficiais de contas celebram, obrigatoriamente, por escrito, com as entidades referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 6.º, o contrato de prestação de serviços referido no n.° 5 do artigo 52.º devendo assumir, nesse documento, pessoal e directamente, a responsabilidade pela contabilidade a seu cargo.
Na presente situação, no Relatório Final que serve de fonte aos atos questionados, refere-se que a “A sociedade por quotas (unipessoal) em presença foi constituída para o exercício da actividade profissional do seu único sócio e gerente (contabilista) na qualidade de TOC, actividade esta constante de lista a alude o artigo 151.° do CIRS […]” (vide fls. 189 do PA). Assim, há uma coincidência entre a actividade do sócio gerente e a desenvolvida pela sociedade comercial que lhe pertence e na qual a mesma se desenvolve, sendo aliás o seu próprio objeto social coincidente com atividades passíveis de serem desenvolvidas por um TOC, conforme resulta dos supra citados artigos 6.º e 7º do ETOC.
Sobre a matéria das sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, escreve o Dr. Rui Morais, in «Apontamentos ao IRC», 2007, pag. 36, que: 7...] A incidência do IRC sobre os lucros (incluindo os distribuído aos sócios, no caso, pessoas físicas) faz com que aconteça uma dupla tributa ção económica, pois que os dividendos são considerados rendimento de capital, tributáveis em IRS na pessoa dos sócios.
Esta questão avulta estando em causa saciedades em que o elemento pessoal é dominante. A diferenciação económica entre a sociedade e os respectivos sócios esbate-se, sendo, portanto, menos clara a existência de diferentes capacidades contributivas. O “valor” da sociedade não resulta tanto do capital investido mas das pessoas dos sócios, os quais, em muitos casos, nela exercem a sua actividade profissional. O lucro dos sócios é, em larga medida, a remuneração do êxito do seu trabalho.
Inversamente, poderão ocorrer situação em que a interposição de uma sociedade pode resultar num economia de Imposto. A sociedade aparecerá, então, como uma estrutura forma que titula determinadas fontes geradoras de rendimento, “abrigando-os da tributação que aconteceria se auferidos directamente pelos s6cios, pelo menos durante o intervalo temporal até à sua distribuição a estes.
Ou seja, duas diferentes motivações - justiça fiscal ou prevenção de certas formas de elisão fiscal - podem ditar que se ignorem as consequências normais que, em termos de imposto, decorrem da personalidade jurídica das sociedades, que se consagre aquilo que, vulgarmente, é designado por transparência fiscal [...]”
Também, o preâmbulo do Decreto-lei nº 442-6/88, que aprova o IRC, define como objetivo da consagração do regime de transparência fiscal no sentido de criar neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios.
Ora, é nosso entendimento que o referido regime assenta, essencialmente, na atividade prosseguida pelos sócios da sociedade, atividade esta que constando da lista a que se alude no art.° 151.° do CIRS determina a aplicação do aludido regime de transparência fiscal. Assim, quando se alude no art.° 6.° do CIRC à pessoa dos sócios, tal referência deve ser entendida como uma estatuindo uma abrangência geral daqueles que detêm a referida qualidade numa sociedade, não se podendo dai retirar que seja exigência da lei fiscal que só as sociedades com dois ou mais sócios podem estar sujeitas ao citado regime de transparência fiscal, o que, na tese da Impugnante, deixaria de rara as sociedades unipessoais. Não cremos que seja esse o entendimento devido sob pena de se criar uma injustificada brecha no ordenamento jurídico, retirando-lhe a necessária harmonia global, indo contra aquela apontadas intenções legislativas.
Por isso, é nosso entendimento, que no se verifica o apontado vicio de violação de lei».

É entendimento que merece a nossa inteira concordância. Em reforço, diremos apenas que a tese da impugnante, deixando de fora do regime de transparência fiscal as sociedades unipessoais, se afigura manifestamente contrário ao perseguido objectivo, que está subjacente à sua criação, da igualdade de tratamento entre sócios de sociedades de profissionais e profissionais independentes titulares de rendimentos da categoria B de IRS.

Resta acrescentar, relativamente ao segundo argumento usado pela Recorrente, de que em anteriores exercícios não teria merecido da AT igual enquadramento fiscal, que a AT pode alterar a sua orientação decisória para futuro, não estando vinculada à mesma orientação por aplicação do apelado princípio do caso decidido ou resolvido.

Tal vinculação só ocorre por força das informações vinculativas. Com efeito, atentando nas disposições constantes do nº14 do art.º68º da LGT e do nº3 do art.º57º do CPPT, verificamos que, uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, ficam os serviços tributários vinculados a não proceder de forma diversa, caso se verifiquem os factos identificados e previstos na lei, salvo em cumprimento de decisão judicial. Ou seja, «O objectivo principal da consulta vinculativa é fornecer ao contribuinte um domínio onde pode actuar com absoluta segurança: um safe harbour. Os efeitos de uma informação vinculativa são sobejamente conhecidos: ela vincula a Administração fiscal ao seu conteúdo», vedando-lhe, mesmo, «… a prática do prospective overruling: rever a situação criada, modificando-a com efeitos para o futuro, se considerar que a decisão é ilegal e que, por isso, se não pode manter» (Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, 3ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 205/206).

É, pois, de confirmar este segmento decisório da sentença, improcedendo o recurso também por este fundamento.

Por último, não se conforma a Recorrente com o decidido na sentença quanto à falta do requisito de indispensabilidade para aceitação como custo fiscal das despesas incorridas com o locado habitacional. E isso porque a factualidade aportada ao probatório não permite extrair tal conclusão.

A propósito desta questão, a sentença ponderou o seguinte:

«Considerando a prova feita nos autos e tendo em conta a prova documental constante dos mesmos no que se refere á comprovação dos custos consideramos, esquematicamente que:
(…)
g) Casa de habitação - se é certo que ficou demonstrado nos presentes autos que o sócio gerente usava a sua casa de habitação para fins profissionais, a verdade é que a prova documental junta aos autos, nomeadamente o contrato de arrendamento, demonstram que a mesma serve uma utilidade não profissional sendo que, no entanto, está firmado em nome da sociedade ora Impugnante (cf. fls. 348 a 349 dos autos). No entanto, não resultou prova suficiente no sentido de se poder dizer que tal circunstância é suficiente para demonstrar a indispensabilidade do respetivo custo, sendo que tal se torna ainda mais difícil quando a Impugnante tem sede noutro local (cf. fls. 1 do PA). Posto isto, tal custo não é indispensável e foi bem desconsiderado (…)».

Que dizer?

Nos termos do disposto no corpo do n.º1 do art.º23.º do Código do IRC, consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

No caso em apreço, não está em causa a comprovação da efectividade do custo, mas apenas a sua indispensabilidade. Impõe-se-nos, pois, indagar em que consiste essa indispensabilidade, uma vez que a lei, não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis, constantes das diversas alíneas do referido art.º23.º, exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.

Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?

Nesta matéria, vimos seguindo a linha doutrinária do acórdão do STA, de 24/09/2014, tirado no proc.º 0779/12, no qual se deixou consignado o que se transcreve:

«Consideramos definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).
Entendemos a indispensabilidade como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte. «Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa. É este o entendimento que vem sendo seguido por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (Entre muitos outros, fazendo um exaustivo tratamento do tema, vide o acórdão de 30 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 107/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 16 de Julho de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32240.pdf), págs. 2185 a 2189, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0debd9869a94ea78025795f003be743?OpenDocument.).
Assim, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.).
Ou seja, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. o já referido art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2001, ao limitar a relevância dos custos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do resultado (êxito ou inêxito) que em concreto proporcionaram.
«A própria letra daquele n.º 1 do art. 23.º aponta decisivamente nesse sentido com a utilização do tempo verbal futuro «forem», em vez do tempo passado «foram»: a perspectiva adequada para apreciar a indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos é do agente económico no momento em que agiu, quando apenas há a possibilidade de as opções empresariais a tomar virem a produzir proveitos e não a da fiscalização tributária, agindo na presença dos resultados obtidos, apreciando a relevância que as despesas tiveram efectivamente para eles serem atingidos.
A esta luz, é de concluir que são de considerar indispensáveis para a realização dos proveitos as despesas que, no momento em que são realizadas, se afigurem como potencialmente geradoras de proveitos, o que tem como corolário só poder ser eliminada a relevância fiscal de um custo quando for de concluir, à face das regras da experiência comum, que não tinha potencialidade para gerar proveitos, isto é, quando se demonstrar que o acto que gera os custos não pode ser considerado como um acto de gestão, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada possa resultar um proveito» (Cfr. acórdão de 15 de Junho de 2012 do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, proferido no processo n.º 29 2012 – T., disponível em http://www.caad.org.pt/userfiles/file/P29%202012T%20-%202012-06-15%20-%20JURISPRUDENCIA%20-%20Decisao%20Arbitral.pdf. ).
Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa.

O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social. A utilização daquele preceito legal para desconsiderar fiscalmente um custo efectivamente suportado circunscreve-se às situações de confusão entre o património empresarial e o património pessoal dos sócios, bem como àquelas em que a empresa, em detrimento do seu património, pretende beneficiar terceiros. Dito de outro modo, «se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável» (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, pág. 87.).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipos de despesas em causa».

Vertendo aos autos o decidido no acórdão e os considerandos doutrinários que refere, vejamos.

A sentença deu por provado (ponto AC do probatório) que «o apartamento serve para o sócio gerente desenvolver os trabalhos necessários à sua actividade, onde desenvolve horas de trabalho».

Na motivação da decisão de facto refere o seguinte: «Art.°84.° da p.i. - provado apenas o que vai descrito na alínea «AC». Assim, as 1ª e 2ª testemunhas ouvidas apenas referiram que o sócio gerente da Impugnada, o Sr. L…, utiliza um apartamento que serve de casa de habitação, como local de trabalho, já tendo ambas se deslocado ao referido local no âmbito de reuniões de trabalho. Deste modo, segundo a 1ª testemunha o aludido apartamento sito na Av…, nesta cidade, é «uma extensão do escritório». Em sentido semelhante, a segunda testemunha referiu que já teve reuniões em casa do aludido sócio gerente referindo que a casa de … é as duas coisas: casa e escritório, estando aquela equipada com telefone, fax, etc.».

Perante o consignado em sede factual, não é possível afastar a indispensabilidade dos custos incorridos com a renda do locado e consumos de gás relacionados com o apartamento, ainda que se trate de um apartamento com finalidade habitacional e em outro local esteja instalada a sede da sociedade impugnante.

Se o único sócio e gerente da impugnante, uma sociedade de profissionais, comprovadamente desenvolve a sua actividade profissional no locado habitacional, tal significa que faz dele utilização para fins empresariais ainda que, concomitantemente, nele possa habitar.

Aliás, o que serviu de fundamento à não-aceitação da dedutibilidade do custo contabilizado pela impugnante, foi o entendimento da AT de que o apartamento se destinava a servir de habitação particular do seu sócio e gerente, não afecto à actividade da sociedade (cf. RIT, fls.49 do PA). Ora, este pressuposto factual da decisão correctiva foi infirmado pela prova produzida em tribunal, da qual é possível concluir pela utilização do locado para fins empresariais, não se podendo afastar a indispensabilidade unicamente pela circunstância de o locado servir também de habitação ao sócio.

A sentença incorreu em erro de julgamento ao decidir pela falta do requisito de indispensabilidade das despesas relacionadas com o locado (rendas e consumos de gás), não podendo manter-se na ordem jurídica neste segmento, pelo que o recurso merece provimento quanto a este fundamento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a. Conceder parcial provimento ao recurso da Fazenda Pública e revogar a sentença recorrida na parte em que julgou não fundamentadas as correcções assentes na qualificação de determinados proveitos contabilizados pela impugnante como «vendas», como proveitos resultantes da «prestação de serviços».
b. No mais, negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.
c. Conhecendo em substituição, julgar a impugnação improcedente quanto aos vícios substantivos imputados à correcção dos proveitos contabilizados pela impugnante em vendas, como resultantes da «prestação de serviços».
d. Conceder parcial provimento ao recurso da impugnante e revogar a sentença recorrida na parte em que julgou não dedutíveis por não se verificar o requisito da indispensabilidade, os custos contabilizados com despesas incorridas com o locado.
e. No mais, negar provimento ao recurso da impugnante.
Custas a cargo de ambas as Recorrentes, na proporção do decaimento.
Porto, 29 de Setembro de 2016
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro