Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00030/05.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IVA.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
CORRECÇÃO À MATÉRIA COLECTÁVEL.
ARTIGO 19º Nº 3 DO CIVA.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos, desde que estejam em causa factos com interesse para a decisão de causa que não tenham sido contemplados na decisão posto em crise.
II) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada.
III) No caso em análise, em foram recolhidos indícios da utilização abusiva de facturas emitidas sob a chancela da emitente, com sequente simulação de transacções comerciais referenciadas nesses documentos, situação que coloca em crise, em termos essenciais, a questão do verdadeiro emitente das facturas, até porque se mostra provado (e neste domínio, a Recorrente não formula qualquer reparo), ser o Rui Borges conhecido, da impugnante, como vendedor da emitente, qualidade que já tinha em outras firmas, com que os responsáveis da impugnante mantiveram relações comerciais, ou seja, afirmando-se a materialidade das operações, estando apenas em causa os termos em que tais operações decorreram, destacando-se a presença de um terceiro que se limita a emitir as facturas que, afinal, titulam as aludidas operações, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.
IV) E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M..., S.A.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 03-01-2012, que julgou procedente a IMPUGNAÇÃO deduzida por “M. …, S.A.”, tendo como pano de fundo a liquidação em sede de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente ao exercício de 1999, no valor de 117.175,67 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 616-620), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…)

A. A douta sentença recorrida considerou que a Administração Tributária não fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação.

B. A douta sentença recorrida decidiu no sentido da procedência da impugnação determinando a anulação da liquidação, por haver concluído, além do mais, que “A Impugnante demonstrou que as operações são verdadeiras”.

C. Com o assim decidido não se pode a Fazenda Pública incorrendo a douta sentença em erro de julgamento no tocante à valoração da prova produzida e subsunção do direito aos factos.

D. Em causa está a apreciação da falsidade ou não das facturas indicadas a fls. 2 e 3 do relatório de inspecção tributária, que titulam transacções comerciais entre “S…” e a Impugnante.

E. Em primeiro lugar, na factualidade dada como provada, consta: “22º - A mercadoria que entra na Impugnante é devidamente documentada - cfr. prova documental”.

F. Dos autos não resulta provado que a mercadoria que consta nas facturas de S… entrou nas instalações da impugnante,

G. pois e apesar da douta sentença dar relevância à prova testemunhal para alicerçar o seu juízo, tal caminho é inóspito dada a necessária e obrigatória demonstração documental para comprovação do percurso/circuito da mercadoria.

H. E não se diga que com os documentos juntos pela impugnante que essa prova se encontra realizada, porque não se encontra. Pelo contrário, a evidente falta de demonstração da entrada e da saída da mercadoria reforça as conclusões dos serviços de inspecção tributária, i.e., que as facturas da S… são falsas.

I. Veja-se que a impugnante para comprovação da entrada das mercadorias no seu armazém junta, as por si designadas, fichas de stock, que mais não são do que registos internos informáticos, facilmente manietáveis, sem qualquer suporte documental, e cuja legitimidade probatória é, como é bom de ver, nula.

J. E para comprovação da saída das mercadorias junta mapas de vendas por vendedores, que, mais uma vez, mais não são do que registos internos informáticos, facilmente manietáveis, sem qualquer suporte documental, e cuja legitimidade probatória é, como é bom de ver, nula.

K. Ora, dizia o n.º 1 do art.º 1º do DL 45/89, 11.02, que todos os bens em circulação, seja qual for a sua natureza ou espécie, deverão ser acompanhados de dois exemplares do documento de transporte [entende-se por documento de transporte a factura, guia de remessa, nota de venda a dinheiro, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes - n.º 3 do art.º 1º DL 45/89, 11.02].

L. Dispondo o n.º 4 do art.º 3 do DL 45/89, 11.02 que as facturas, guias de remessa ou documentos equivalentes deverão indicar os locais de carga e descarga e a data e hora em que se inicia o transporte.

M. Ora, analisando os documentos juntos pela impugnante verifica-se que aquela não junta nenhuma guia de transporte. Sendo assim, imperioso se torna que as indicações impostas pelo n.º 4 do art.º 3º daquele diploma legal constem da factura.

N. No entanto, em nenhuma das facturas em causa nestes autos consta qual o local de carga, de descarga, o veículo que procedeu ao transporte, ou a data e a hora em que se iniciou o transporte.

O. Deste modo, é incontestável que a impugnante não conseguiu demonstrar a entrada das mercadorias referidas naquelas facturas nas suas instalações, pois as facturas não contém os elementos necessários para servirem como documentos de transporte.

P. E mais uma vez se diga que tal demonstração não pode ser suplantada por prova testemunhal.

Q. Centrando-nos agora na alegada demonstração pela impugnante da saída das mercadorias constantes nas facturas da S….

R. Entende a Fazenda Pública, como já dito, que os mapas de vendas por vendedores não comprovam a saída das mercadorias constantes nas facturas aqui em causa.

S. A impugnante para fazer tal prova tinha, necessariamente, de juntar as facturas de venda, o que aquela não fez.

T. A impugnante tentou demonstrar, por prova testemunhal, aquilo que deveria estar suportado documentalmente, como a lei fiscal e comercial assim o impõe.

U. Ademais, da leitura do acórdão da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto que a impugnante bondosamente juntou aos autos e em transcrição do depoimento da S… esta afirmou que "(...) nunca procedeu a qualquer venda de mercadoria a qualquer das firmas ( ..) “M. …” (…)”.

V. Ora, sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. art. 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cf. art. 655.º do CPC), a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente poderá servir para convencer o Tribunal da realidade das operações e/ou da sua dimensão.

W. Um último apontamento para infirmar a prova testemunhal produzida pela impugnante, revelando-se esta de pouca (ou nenhuma) credibilidade.

X. Resulta dos autos, nomeadamente do processo-crime que correu termos no tribunal Judicial de Ovar - Processo 1/00.9TELSB - que em nome de S… foi abusivamente emitida facturação [falsa] por uma rede criminosa com o intuito de fazer circular mercadorias em fraude tipo carrossel para apropriação indevida de impostos.

Y. No entanto, a testemunha J… afirmou em sede de inquirição de testemunhas que conhece S…, porque ela passava nas instalações da impugnante "antes de ir acima fazer negócio".

Z. Ora, que credibilidade pode oferecer este depoimento, relembre-se que a testemunha era gerente de armazém da impugnante, quando resulta mais do que demonstrado dos autos que a S…, pessoa física, foi vitima de um engodo e que nunca teve qualquer intervenção nas ditas transacções comerciais.

AA. Neste pendor, afere-se in totum que os factos espelhados no relatório de inspecção tributária, reforçam a existência de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzem indubitavelmente uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais,

BB. aquilatando-se que se impunha à impugnante, um esforço probatório no intuito de primeiramente afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária e que recaem sobre a simulação das operações, e por outro lado demonstrar a efectividade da prestação de serviços,

CC. prova que aquela não fez.

DD. A prova carreada para os autos pela Administração tributária cumpriu o seu objectivo, porquanto, atento o conteúdo do relatório de inspecção tributária, da acusação do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, e do efectivo desfecho do processo crime, com acórdão do Tribunal da Relação do Porto já transitado em julgado, e que consta dos autos afigura-se ter ficado provado a falsidade das facturas em causa, e o efectivo prejuízo para o Estado pela actuação da aqui Impugnante

EE. Deste modo, o douto tribunal errou no seu julgamento.

FF. Sobre a Administração Tributária recai o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art. 75º da LGT),

GG. só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.

HH. Não é necessário que a Administração Tributária prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do C. Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros,

II. sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, i.e., de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação e de combate à fraude fiscal.

JJ. E perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente.

KK. Na senda de ALBERTO XAVIER, a Administração Tributária recorre a «factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova». Mas, «Tais juízos devem ser, contudo, “suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade».

LL. Ora, face à materialidade analisada os indícios verificados no caso subjudice, são suficientes para que a Administração Tributária tenha concluído que às facturas em causa não correspondiam serviços realmente prestados pela entidade emitente e que a impugnante não podia ter deduzido, como deduziu, o IVA nelas mencionado, e, assim, proceder ao apuramento do imposto em falta,

MM. não tendo a impugnante, ao contrário do doutamente decidido, abalado as conclusões da Administração Tributária, não tendo, pois, cumprido o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

A recorrida “M. …, S.A.” apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“(…)

A. A liquidação de IVA, controvertida nos autos, resultou do entendimento por parte da A.F., de que as facturas especificadas no relatório de fundamentação emitidas em 1999 à recorrida pela emitente S…, não correspondem a operações reais.

B. Tal como emerge do relatório de conclusões de inspecção tributária à alegante, e consta dos itens 1 a 13 da lista de factos assentes, a A.F. considerou que as facturas emitidas por S… consubstanciam operações simuladas.

C. Na óptica da A.F., dado que as facturas titulam operações simuladas, o IVA nelas inscrito não confere direito à dedução, nos termos do n.º 3 do art. 19º do CIVA.

D. A A.F. conclui pela simulação das operações, devido à circunstância de, no âmbito da investigação criminal, se terem apurado indícios de que as facturas questionadas não consubstanciavam quaisquer operações reais.

E. Tal como decorre do item III do Relatório de Fundamentação, a liquidação secundária de IVA baseia-se única e exclusivamente nos Autos de Inquérito n.º 1/2000 TELSB, de processo-crime a que estava sujeita a sociedade alegante, bem como o respectivo sócio gerente.

F. Sucede que, a totalidade das acusações, quer imputadas à sociedade alegante, quer ao respectivo representante legal, não foram consideradas provadas, o que motivou a sua absolvição, por se entender que "Na verdade (...) apurou-se que ambas receberam efectivamente a mercadoria, que a pagaram a quem lha facturou e que depois a integraram na sua actuação comercial (…)".

G. Dito de outro modo a sentença proferida em primeira instância no âmbito do processo-crime, e corroborada pelo Tribunal de Recurso, veio exactamente a demonstrar o contrário dos factos em que A.F. ancorou a liquidação secundária de IVA,

H. Tendo sido excluída da Ordem Jurídica a conexão em que se baseava a A.F. para promover a liquidação, inexiste matéria para sustentar a legitimidade e legalidade da liquidação adicional de IVA.

I. Não pode o ordenamento jurídico consentir que em sede de processo-crime se entenda que ocorreu uma relação material verdadeira entre dois contribuintes e, em sede de procedimento tributário se sustenta decisão contrária.

J. O ordenamento tributário presume a veracidade dos dados e apuramentos constantes da contabilidade, cessando a presunção de veracidade, no caso de se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte (art. 75º da LGT).

K. No caso dos autos, cabia à A.F., o ónus da prova dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação.

L. Os indícios alvitrados pela A.F. são insuficientes para chegar ao juízo a que a recorrente chegou quanto à existência de operações simuladas, já que, da prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida, sem prescindir da motivação que em processo crime determinou a absolvição da alegante, permite dar como provada a materialidade vertida no elenco de factos assentes.

M. A impugnante logrou provar a factualidade alegada, e infirmar as conclusões evidenciadas pela A.F., já que como resulta dos elementos por ela colhidos, e aceites pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, os bens foram adquiridos, transportados e armazenados nas suas instalações, pagos e sujeitos a revenda.

N. A Fazenda Pública confunde simulação com falsificação.

O. As aquisições de bens evidenciados nas facturas postas em crise pela A.F., devem ser consideradas como custos do exercício, à luz do disposto no art. 23º do CIRC, e como tal dedutível o IVA suportado na sua aquisição.

P. O Tribunal Central Administrativo Norte em sede de apreciação de recurso interposto pela Fazenda Pública relativamente à liquidação adicional de IRC para o mesmo período de tributação, decidiu manter a decisão do Tribunal a quo.

Q. Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

Assim, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Ex.ªs inteira e sã JUSTIÇA!

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o descrito erro quanto ao julgamento da matéria de facto e bem assim a pertinência da correcção à matéria colectável em sede de IVA com referência ao disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA.

3. FUNDAMENTOS

3.1 DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A - Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental e nos depoimentos das testemunhas:

1.º - A liquidação em crise, resulta de uma acção inspectiva levada a efeito à Impugnante que decorreu entre 9 e 26 de Setembro de 2002.

2.º - Essa acção inspectiva foi determinada por a Direcção de Finanças de Coimbra ter tido uma intervenção no âmbito do inquérito n.º 1/00.9TELSB do DCIAP, no qual foram detectadas algumas irregularidades em alguns contribuintes, entre os quais se incluía a Impugnante.

3.º - No decurso desse inquérito foram apreendidas algumas facturas de S…, que tinham sido emitidas em nome da ora Impugnante no valor total de Esc. 138.185.945$00 nas quais tinha sido liquidado o IVA à taxa de 17% no montante de Esc. 23.491.611$00.

4.º - Daí resultou que a sociedade M. …, S.A., tinha comprado bebidas à referida S… naquele valor.

5.º - Bebidas essas que foram transportadas pela firma J… & Cª, Ld.ª.

6.º - A liquidação de IVA, controvertida nos autos, resultou do entendimento por parte da A.F., de que as facturas especificadas no relatório de fundamentação emitidas em 1999 à Impugnante pela emitente S…, não correspondem a operações reais.

7.º - A A.F. não aceita como custos os pagamentos documentados devido à circunstância de, no âmbito da investigação criminal, se terem apurado indícios de que as facturas questionadas não consubstanciavam quaisquer operações reais.

8.º - A liquidação de IVA baseia-se nos Autos de Inquérito n.º 1/2000 TELSB, de processo-crime a que se encontrou sujeita a sociedade ora Impugnante, bem como o respectivo sócio gerente - cfr. teor do Relatório de Inspecção Tributária.

9.º - A totalidade das acusações, quer imputadas à sociedade Impugnante, quer ao seu representante legal, não foram consideradas provadas, o que motivou a sua absolvição, por se entender que "Na verdade ( ... ) apurou-se que ambas receberam efectivamente a mercadoria, que a pagaram a quem lha facturou e que depois a integraram na sua actuação comercial ( ... )".

10.º - A sociedade Impugnante contabilizou as facturas emitidas pela S….

11.º - Para o seu pagamento foram emitidos cheques nesse valor a favor da S….

12.º - A conexão factura(s) vs cheque para pagamento é revelada pelo extracto de conta corrente do fornecedor "S… " do estabelecimento de Felgueiras e Penafiel - docs. 2 e 3 e seguintes (juntos aos autos pela Impugnante):

- Factura n.º 105 de 01/10/99 (doc. 4), paga através do cheque n.º 8422537625 (doc. 5), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 6), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 7), reportando-se tal movimento ao Artigo "Açúcar Plástico", com o código interno n.º 010005.

- Factura n.º 109 de 28/09/99 (doc. 8), paga através do cheque n.º 9172537546 (doc. 9), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 10), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 11), reportando-se tal movimento ao Artigo "Açúcar Plástico", com o código interno n.º 010005.

- Factura n.º 111 de 06/10/99 (doc. 12), paga através do cheque n.º n.° 8422537625 (doc. 13), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 14), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 15), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800105.

- Factura n.° 111 de 06/10/99 (doc. 16), paga através do cheque n.º 8422537625 (doc. 17), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 18), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 19), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.° 800121.

- Factura n.º 111 de 06/10/99 (doc. 20), paga através do cheque n.° 8422537625 (doc. 21), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 22), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 23), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800109.

- Factura n.º 111 de 06/10/99 (doc. 24), paga através do cheque n.° 8422537625 (doc. 25), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 26), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 27), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.° 800110.

- Factura n.° 115 de 06/10/99 (doc. 28), paga através do cheque n.° 8422537625 (doc. 29), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 30), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 31), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800109.

- Factura n.º 115 de 06/10/99 (doc. 32), paga através do cheque n.° 8422537625 (doc. 33), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 34), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 35), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800106.

- Factura n.° 115 de 06/10/99 (doc. 36), paga através do cheque n.° 8422537625 (doc. 37), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 38), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 30), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800121.

- Factura n.° 115 de 06/10/99 (doc. 40), paga através do cheque n.º 8422537625 (doc. 41), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 42), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 43), reportando-se tal movimento ao Artigo "Fraldas Dodot", com o código interno n.º 800105.

- Factura n.º 118 de 12/10/99 (doc. 44), paga através do cheque n.° 8012537723 (doc. 45), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 46), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 47), reportando-se tal movimento ao Artigo "Açúcar Plástico", com o código interno n.º 010005.

- Factura n.° 120 de 18/10/99 (doc. 48), paga através do cheque n.° 2662537737 (doc. 49), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 50), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 51), reportando-se tal movimento ao Artigo "Licor Beirão", com o código interno n.º 210004.

- Factura n.° 120 de 18/10/99 (doc. 52), paga através do cheque n.° 2662537737 (doc. 53), mercadoria entrada em armazém conforme ficha de stock (doc. 54), posteriormente revendida, conforme documento comprovativo de saída de armazém (doc. 55), reportando-se tal movimento ao Artigo "Whisky Highland Clan", com o código interno n.° 250003.

13.º - É ao fornecedor que cabe o pagamento do transporte da mercadoria entregue à Impugnante - cfr. prova testemunhal.

14.º - Tendo em conta a política de compras, o critério de aquisição é gizado pelo preço, atentos aos valores de mercado, pois trata-se de uma sociedade que aposta na maximização do volume das vendas e na redução da margem de comercialização, o que só é possível à custa de compras com preços concorrenciais - cfr. prova testemunhal.

15.º - Os cheques foram recebidos por R… e L… - cfr. prova testemunhal.

16.º - Era o Sr. R… que estabelecia os contactos com a M. …, S.A. - cfr. prova testemunhal.

17.º - A ora Impugnante conhecia o Sr. R… como vendedor da S… - cfr. prova testemunhal.

18.º - A A.F. não considerou a importância de 117.175,67 euros, como IVA dedutível, que tinha sido liquidado nas referidas facturas.

19.º - Na sequência dessa acção inspectiva, procedeu-se a correcções à matéria tributável no valor de 551.986,13 euros - cfr. teor do Relatório de Inspecção Tributária.

20.º - O vendedor R…, era conhecido da Impugnante, uma vez que já tinha sido vendedor de outras firmas, nomeadamente "M…, Ld.ª”, "G…, Ld.ª” e "A…, Ld.ª” - cfr. prova testemunhal.

21.º - A Impugnante desconhece as transportadoras das mercadorias - cfr. prova testemunhal.

22.º - A mercadoria que entra na Impugnante é devidamente documentada - cfr. prova testemunhal.

23.º - Os pagamentos são feitos através de cheque - cfr. prova documental.

24.º - As testemunhas confrontadas com os documentos existentes nos autos respeitantes às facturas, afirmaram que as mesmas correspondem às compras efectuadas à fornecedora S….

B - Factos não provados com relevância para a decisão da causa:

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”

Ao abrigo do disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C. Proc. Civil (actual art. 662º), adita-se ao probatório o seguinte:

25º No RIT a que se alude nos autos, consta, além do mais, que:

“…

II - OBJECTIVOS. AMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

Despacho nº 39525 de 13/06/02 com vista à inspecção ao sujeito passivo para consulta e recolha de elementos, exercício de 1999. Teve início em 09/07/02 e término em 26/09/02.

Motivos da inspecção: Interveio a Direcção de Finanças de Coimbra no âmbito do inquérito 1/2000TELSB do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Procuradoria Geral da República, tendo resultado, das diligências efectuadas, a detecção de diversas irregularidades em alguns sujeitos passivos nos quais se inclui a empresa em epígrafe sediada no distrito do Porto. Da informação enviada peça D.D.F. de Coimbra, e no que concerne ao sujeito passivo em questão, extrai-se o seguinte:

“Na execução do respectivo mandato foram apreendidas diversas facturas, emitidas em nome de “S…” nas condições do quadro seguinte:

(…)

A M. …, S.A. adquiriu, portanto, a “S…”, bebidas no montante de 102.133.680$00 que contabilizou em compras e com IVA de 17 389 003$00 que deduziu ao IVA a pagar ao Estado, nos períodos de Novembro e Dezembro, ficando na situação de credora de IVA.

Para além de os respectivos transportes terem sido efectuados por J… & Cª Lda no contexto já referido no ponto 12, solicitou-se comprovativos dos respectivos fluxos financeiros, quanto a pagamentos, tendo sido exibidos cópias de cheques efectivamente emitidos em nome de S…. Porém, dado o conjunto de indícios apontar para a simulação e utilização abusiva de facturas de terceiros, solicitámos declaração de autorização, prontamente assinada, para obter no respectivo Banco fotocópias frente e verso dos respectivos cheques. Em face dessas fotocópias constatou-se que quem recebeu os mesmos foram R… (identificado em ponto 1) e L… (já referenciada no processo). Mais nos foi referido que todos os contactos para estas transacções foram efectuados com o citado R…”.

“Atendendo, no entanto, ao conjunto de indícios já elencados que permite concluir pela utilização abusiva, sem o seu consentimento, do nome de S… consideramos estar em presença de situação prevista e punível pelo artigo 23º, nº 2 c) do RJIFNA pelo que as vantagens patrimoniais, obtidas à custa destas simulações, por parte de M. …, S.A. são as seguintes:

IVA 17.362.286$00, dedução indevida de IVA

IRC 38.810.798$00, oneração indevida de compras;”

No processo enviado pela DDF de Coimbra refere-se que, na matéria que diz respeito aos sujeitos passivos objecto do inquérito atrás descrito, foi já deduzida a respectiva acusação.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Junto da empresa M. …, constatamos a efectiva contabilização das facturas/recibo referidas no quadro atrás descrito, referentes a compras efectuadas a S…, que foram registadas na conta de “Compras” tendo o IVA nelas constante sido deduzido ao imposto a pagar dos períodos de Outubro e Novembro de 1999. Para além das facturas constantes do citado quadro, verifica-se ainda a contabilização de diversas outras da mesma fornecedora, nos meses de Setembro a Novembro de 1999, conforme contas-correntes em anexo, obtidas na empresa M. …. Elaborou-se o seguinte quadro do qual constam a totalidade das facturas contabilizadas

(…)

Como ficou referido no ponto II, das diligências efectuadas no âmbito do inquérito 1/2000 TELSB do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Procuradoria Geral da República, no qual interveio a Direcção de Finanças de Coimbra, conclui-se ter havido a utilização abusiva, de facturas emitidas em nome de S… sem o seu consentimento. Assim, considerou-se estar em presença de situação prevista e punível pelo artigo 23º, nº 2 c) do RJIFNA, ou seja, na celebração de negócio simulado relativamente ao qual já foi deduzida a respectiva acusação.

Cabe à Direcção de Finanças do Porto, proceder às correcções em sede do Imposto s/ Valor Acrescentado e Imposto s/o Rendimento - IRC, para anulação das vantagens patrimoniais obtidas pela simulação das compras descritas nas facturas evidenciadas no quadro. Desta forma, procedem-se às seguintes correcções:

IVA - Dedução Indevida

Setembro/99 579.360$ / 2.889,84 Euros

Outubro/99 9.896.407$ / 49.363,07 Euros

Novembro/99 13.015.844$ / 64.922,76 Euros

Total 23.491.611$ / 117.175,67 Euros …” (fls. 200-207 do PAT apenso).




3.2 DE DIREITO

Nas suas conclusões do recurso, a recorrente questiona a decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.

Vejamos.

Na óptica da recorrente, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à valoração da prova produzida e subsunção do direito aos factos, na medida em que em causa está a apreciação da falsidade ou não das facturas indicadas a fls. 2 e 3 do relatório de inspecção tributária, que titulam transacções comerciais entre “S…” e a Impugnante e na factualidade dada como provada, consta: “22º - A mercadoria que entra na Impugnante é devidamente documentada - cfr. prova documental”.

Ora, dos autos não resulta provado que a mercadoria que consta nas facturas de S… entrou nas instalações da impugnante, pois e apesar da douta sentença dar relevância à prova testemunhal para alicerçar o seu juízo, tal caminho é inóspito dada a necessária e obrigatória demonstração documental para comprovação do percurso/circuito da mercadoria e não se diga que com os documentos juntos pela impugnante que essa prova se encontra realizada, porque não se encontra. Pelo contrário, a evidente falta de demonstração da entrada e da saída da mercadoria reforça as conclusões dos serviços de inspecção tributária, i.e., que as facturas da S… são falsas.

Aliás, para comprovação da entrada das mercadorias no seu armazém, a impugnante junta, as por si designadas, fichas de stock, que mais não são do que registos internos informáticos, facilmente manietáveis, sem qualquer suporte documental, e cuja legitimidade probatória é, como é bom de ver, nula e para comprovação da saída das mercadorias junta mapas de vendas por vendedores, que, mais uma vez, mais não são do que registos internos informáticos, facilmente manietáveis, sem qualquer suporte documental, e cuja legitimidade probatória é, como é bom de ver, nula.

Neste ponto, sem prejuízo do esforço inglório de alegação da Recorrente, não se compreende o facto de a mesma ter elegido este elemento do probatório como o centro da sua crítica à decisão recorrida, pois que se trata de matéria claramente conclusiva que, por esse motivo, não cabe no probatório, de modo que, de acordo com o disposto no art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 662º), determina-se a sua eliminação do probatório, na medida em que dizer que “a mercadoria que entra na Impugnante é devidamente documentada” faz apelo a toda a actividade da ora Recorrida, sendo que só a análise de toda a contabilidade da mesma poderá fornecer dados capazes de permitir uma afirmação como a descrita, sendo que, no caso presente, o que está em causa é a desconsideração das facturas emitidas por S… em nome da ora Impugnante, o que justifica a perplexidade do Tribunal “ad quem” quando a Recorrente, em termos de impugnação da decisão em matéria de facto, dirige o seu ataque a um elemento do probatório que, pelo seu carácter conclusivo, acaba por retirar ao exposto pela Recorrente o alcance que esta lhe pretendia atribuir.

Quanto à matéria essencial em análise no presente recurso, a sentença recorrida ponderou que:

“…

Ora, do ponto II do relatório de inspecção tributária, nada mais resulta do que urna referência generalista à “detecção de diversas irregularidades em alguns sujeitos passivos nos quais se inclui a empresa em epígrafe sediada no distrito do Porto.”

Do que contende, com a ora Impugnante, apenas se pode concluir que no ano de 1999, adquiriu bebidas à “S…”, por intermédio de um indivíduo chamado R…, tendo procedido ao pagamento, por cheque, dos montantes facturados.

À face do critério de repartição do ónus da prova, será a Administração Fiscal que incumbe o ónus de provar a existência dos factos em que assentou as correcções.

Cabia à A.F. provar a verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, através da enunciação de indícios sérios, fortes e consistentes da eventual situação irregular da Impugnante.

Deverá ainda ser dada relevância à decisão do tribunal criminal relativamente a apontada absolvição, transitada em julgado, uma vez que pela A.F. foi feito o aproveitamento da circunstância de, alegadamente, no processo crime, ter ficado comprovada a falsidade das facturas, quanto ao seu emitente e valor real das transacções.

Efectivamente, na situação em análise, a A.T., partiu do pressuposto que, no âmbito de uma investigação criminal, se haviam recolhido indícios fortes da prática de crime de fraude fiscal, para o que tinha servido a utilização de facturas, emitidas em nome de S…, que não corresponderiam, na totalidade, a reais transacções comerciais, encontrando-se alguns destes documentos registados na contabilidade daquela, decidiu haver lugar à anulação das "vantagens patrimoniais" obtidas, pela Impugnante, com base na posse e contabilização dessas facturas, o que actuou por mera operação aritmética, fazendo, simplesmente, acrescer ao lucro tributável declarado, para o exercício de 1999, o montante total das compras contabilizadas com o apoio em facturas emitidas no nome da identificada S….

A A.F. em momento algum teve a preocupação de questionar e conferir se as mercadorias discriminadas nas facturas detidas pela Impugnante tinham ou não sido, efectivamente, adquiridas por esta, para serem utilizadas no exercício da sua actividade comercial.

Pelo que, não poderá agora, a A.F. suscitar reservas relativamente aos preços das mercadorias, inscritos nas facturas contabilizadas pela Impugnante.

A factualidade provada aponta no sentido de que a Impugnante comprou os produtos mencionados nas visadas facturas e procedeu ao pagamento do valor da facturação através de cheques, comprovada e regularmente, sacados.

Assim, terá de necessariamente concluir-se estarmos em presença da assunção, pela sociedade Impugnante, de encargos relativos à aquisição de bens indispensáveis ao exercício lucrativo do seu comércio, enquadráveis na previsão do art. 23º, n.º 1, alínea a) do CIRC.

Ora, nos termos do art. 58° da Lei Geral Tributária (LGT), a administração tributária deve, no procedimento, no exercício do princípio do inquisitório, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

A Impugnante demonstrou que as operações são verdadeiras.

Ficou ainda demonstrado que a Impugnante desconhece o incumprimento fiscal da entidade que consigo estabeleceu relações comerciais no exercício em causa.

Não se verificam, deste modo, os pressupostos do negócio simulado.

Assim, não é de excluir a dedução do IVA, por inaplicabilidade do art. 19º do CIVA.

Do exposto, resulta que, o acto impugnado esta ferido de ilegalidade por erro quanto aos pressupostos, o que gera a sua anulabilidade, nos termos do art. 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. …”

Nas suas alegações, a Recorrente insiste que os factos espelhados no relatório de inspecção tributária, reforçam a existência de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzem indubitavelmente uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais, aquilatando-se que se impunha à impugnante, um esforço probatório no intuito de primeiramente afastar os indícios recolhidos pela Administração Tributária e que recaem sobre a simulação das operações, e por outro lado demonstrar a efectividade da prestação de serviços, prova que aquela não fez, sendo que a prova carreada para os autos pela Administração tributária cumpriu o seu objectivo, porquanto, atento o conteúdo do relatório de inspecção tributária, da acusação do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, e do efectivo desfecho do processo crime, com acórdão do Tribunal da Relação do Porto já transitado em julgado, e que consta dos autos afigura-se ter ficado provado a falsidade das facturas em causa, e o efectivo prejuízo para o Estado pela actuação da aqui Impugnante, o que significa que o douto tribunal errou no seu julgamento, pois que sobre a Administração Tributária recai o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito - art. 75º da LGT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente, além de que não é necessário que a Administração Tributária prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do C. Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros, sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, i.e., de indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, pois, de contrário, seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação e de combate à fraude fiscal e perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente.

Ora, face à materialidade analisada os indícios verificados no caso subjudice, são suficientes para que a Administração Tributária tenha concluído que às facturas em causa não correspondiam serviços realmente prestados pela entidade emitente e que a impugnante não podia ter deduzido, como deduziu, o IVA nelas mencionado, e, assim, proceder ao apuramento do imposto em falta, não tendo a impugnante, ao contrário do doutamente decidido, abalado as conclusões da Administração Tributária, não tendo, pois, cumprido o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.

Que dizer?

Neste domínio, cabe referir que o Imposto sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 394-B/84, de 26/12, pode definir-se como um imposto indirecto tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que recai sobre a despesa, é repercutível (o encargo fiscal é transferível para o consumidor final) e o respectivo facto tributário apresenta um carácter transitório ou acidental. É um imposto geral sobre o consumo, na medida em que incide, em princípio, sobre todas as transmissões de bens e prestações de serviços com características onerosas (cfr.artº.1, do C.I.V.A.). O I.V.A. caracteriza-se, igualmente, como um imposto plurifásico porque incide sobre todas as fases do circuito económico, desde a produção ao consumidor final, e não cumulativo, na medida em que em cada fase do circuito económico tributa apenas o valor acrescentado, isto é, o acréscimo de valor que os bens ou serviços passam a ter na fase em que se encontram, evitando, assim, o efeito cumulativo de imposto sobre imposto. Além das características apontadas, o I.V.A. apresenta ainda a da neutralidade, dado que, mercê do mecanismo das deduções, o imposto virá a ser suportado, na totalidade, pelo consumidor final, tornando fiscalmente irrelevante o número de fases que integrem o circuito económico. Por último, refira-se que a liquidação do imposto é feita pelos operadores económicos que procedem a autoliquidação e repercutem para o cliente o imposto liquidado a montante, devendo utilizar o método subtractivo indirecto na determinação do valor acrescentado de acordo com o disposto no artº.19, do C.I.V.A. (cfr. Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.240 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.618 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.24 e seg. e 411 e seg.).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas a incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. No que diz respeito ao imposto sobre o valor acrescentado, o facto tributário que lhe é fundamento consubstancia-se em qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, a título oneroso, que seja efectuada no território nacional (cfr.artº.1, do C.I.V.A.).

Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do IVA e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).

Ainda no que diz respeito ao específico regime do I.V.A., igualmente se dirá que o legislador se socorre de presunções que estabelecem a prova legal para alguns factos particulares, as quais implicam uma verdadeira inversão do ónus da prova e se explicam pela natureza deste tributo (cfr.artº.80, do C.I.V.A.; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.314 e seg.). Por último, atendendo mais uma vez à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.).

Neste particular, é sabido que, como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

De notar que a administração tributária não precisa de demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-10-2004, processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75.º da Lei Geral Tributária.

Neste domínio, em princípio, se os indícios denunciam que com forte probabilidade os emitentes das facturas não tinham capacidade empresarial para vender a mercadoria mencionada nas facturas, tanto bastaria para se criar um juízo sério de que aquelas transacções não existiram, ou seja, que aqueles emitentes não venderam à recorrente aqueles materiais, logo, a recorrente não os comprou, traduzindo assim a factura uma simulação de transacção entre o emitente e o utilizador da factura.

E assim dir-se-ia que bastaria à administração tributária, para cumprir o seu ónus, carrear factos relativos aos emitentes das facturas indiciadores da sua incapacidade para transaccionarem as mercadorias. E ficaria desonerada de averiguar qualquer facto na esfera do utilizador das facturas indiciador da sua participação ou conhecimento ou dever de conhecer da falsificação. Poderia limitar-se, como aconteceu no caso dos autos, a constatar na contabilidade do sujeito passivo a existência de facturas daqueles emitentes para, sem mais, considerar indevidamente deduzido o IVA, passando a competir ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade das transacções.

Em suma, a ser assim entendido, a administração tributária, conhecedora que determinado sujeito passivo se dedicava à emissão de facturas falsas, poderia sem mais, desconsiderar os custos de qualquer outro sujeito passivo inspeccionado que tivesse contabilizado facturas daquele emitente.

A partir daqui, importa ter presente o exposto no RIT, que sustenta a conduta da AT:

“…

II - OBJECTIVOS. AMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA

Despacho nº 39525 de 13/06/02 com vista à inspecção ao sujeito passivo para consulta e recolha de elementos, exercício de 1999. Teve início em 09/07/02 e término em 26/09/02.

Motivos da inspecção: Interveio a Direcção de Finanças de Coimbra no âmbito do inquérito 1/2000TELSB do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Procuradoria Geral da República, tendo resultado, das diligências efectuadas, a detecção de diversas irregularidades em alguns sujeitos passivos nos quais se inclui a empresa em epígrafe sediada no distrito do Porto. Da informação enviada peça D.D.F. de Coimbra, e no que concerne ao sujeito passivo em questão, extrai-se o seguinte:

“Na execução do respectivo mandato foram apreendidas diversas facturas, emitidas em nome de “S…” nas condições do quadro seguinte:

(…)

A M. …, S.A. adquiriu, portanto, a “S…”, bebidas no montante de 102.133.680$00 que contabilizou em compras e com IVA de 17 389 003$00 que deduziu ao IVA a pagar ao Estado, nos períodos de Novembro e Dezembro, ficando na situação de credora de IVA.

Para além de os respectivos transportes terem sido efectuados por J… & Cª Lda no contexto já referido no ponto 12, solicitou-se comprovativos dos respectivos fluxos financeiros, quanto a pagamentos, tendo sido exibidos cópias de cheques efectivamente emitidos em nome de S…. Porém, dado o conjunto de indícios apontar para a simulação e utilização abusiva de facturas de terceiros, solicitámos declaração de autorização, prontamente assinada, para obter no respectivo Banco fotocópias frente e verso dos respectivos cheques. Em face dessas fotocópias constatou-se que quem recebeu os mesmos foram R... (identificado em ponto 1) e L… (já referenciada no processo). Mais nos foi referido que todos os contactos para estas transacções foram efectuados com o citado R...”.

“Atendendo, no entanto, ao conjunto de indícios já elencados que permite concluir pela utilização abusiva, sem o seu consentimento, do nome de S… consideramos estar em presença de situação prevista e punível pelo artigo 23º, nº 2 c) do RJIFNA pelo que as vantagens patrimoniais, obtidas à custa destas simulações, por parte de M. …, S.A. são as seguintes:

IVA 17.362.286$00, dedução indevida de IVA

IRC 38.810.798$00, oneração indevida de compras;”

No processo enviado pela DDF de Coimbra refere-se que, na matéria que diz respeito aos sujeitos passivos objecto do inquérito atrás descrito, foi já deduzida a respectiva acusação.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

Junto da empresa M. …, constatamos a efectiva contabilização das facturas/recibo referidas no quadro atrás descrito, referentes a compras efectuadas a S…, que foram registadas na conta de “Compras” tendo o IVA nelas constante sido deduzido ao imposto a pagar dos períodos de Outubro e Novembro de 1999. Para além das facturas constantes do citado quadro, verifica-se ainda a contabilização de diversas outras da mesma fornecedora, nos meses de Setembro a Novembro de 1999, conforme contas-correntes em anexo, obtidas na empresa M. …. Elaborou-se o seguinte quadro do qual constam a totalidade das facturas contabilizadas

(…)

Como ficou referido no ponto II, das diligências efectuadas no âmbito do inquérito 1/2000 TELSB do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Procuradoria Geral da República, no qual interveio a Direcção de Finanças de Coimbra, conclui-se ter havido a utilização abusiva, de facturas emitidas em nome de S… sem o seu consentimento. Assim, considerou-se estar em presença de situação prevista e punível pelo artigo 23º, nº 2 c) do RJIFNA, ou seja, na celebração de negócio simulado relativamente ao qual já foi deduzida a respectiva acusação.

Cabe à Direcção de Finanças do Porto, proceder às correcções em sede do Imposto s/ Valor Acrescentado e Imposto s/o Rendimento - IRC, para anulação das vantagens patrimoniais obtidas pela simulação das compras descritas nas facturas evidenciadas no quadro. Desta forma, procedem-se às seguintes correcções:

IVA - Dedução Indevida

Setembro/99 579.360$ / 2.889,84 Euros

Outubro/99 9.896.407$ / 49.363,07 Euros

Novembro/99 13.015.844$ / 64.922,76 Euros

Total 23.491.611$ / 117.175,67 Euros …” (fls. 200-207 do PAT apenso).

Com este pano de fundo, crê-se pertinente, o contributo do Ac. deste Tribunal de 31-01-2014, Proc. nº 01380/05.7BEBRG, www.dgsi.pt, onde se esmiuçaram alguns dos elementos já apontados, referindo-se que “… Como ponto de partida da nossa análise, adiantamos desde já que, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, não constitui requisito do direito à dedução, nas operações internas, que tenha sido o emitente da fatura a transmitir os bens ou a prestar os serviços.

O que constitui requisito desse direito é que tenha sido o utilizador a adquirir esses bens e serviços. É o que resulta do n.º 1 do artigo 20.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o qual «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens e serviços adquiridos…».

Assim sendo, os indicadores de facto de que o emitente da fatura não tem capacidade para prestar o serviço não bastam, por si só, para obstar à dedutibilidade do imposto mencionado nessa fatura, se não houver razões para pôr em causa a realização desse serviço por terceiro.

Pode, à partida, parecer estranho que o legislador se tenha abstraído da relação subjacente titulada na fatura que, para ser subjetivamente verdadeira, teria que existir entre aqueles dois sujeitos (o emitente da fatura e o utilizador da fatura). Mas há uma razão para tal: é que o legislador também abstrai da relação subjacente para exigir o imposto do emitente.

Com efeito, e nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, o imposto também pode ser exigido ao emitente da fatura que ali o mencione indevidamente. Cada fatura onde seja mencionando imposto constitui um «cheque sobre o Tesouro» (cit. José Guilherme Xavier de Basto, in «A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 164, Centro de Estudos Fiscais 1991, pág. 140). E isto acontece precisamente porque o destinatário da fatura também não deixa, por esse facto, de ter o direito a utilizá-la, no exercício do seu direito à dedução.

Assim, não sendo a existência da relação subjacente entre aqueles dois sujeitos um requisito de dedutibilidade do imposto, esta só pode ser afastada por uma norma de exclusão.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas: o n.º 3 do seu artigo 19.º. Porque foi com base nessa norma que a administração tributária procedeu às correções impugnadas.

E segundo esta norma, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.

No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil - artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.

Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros – artigo 240.º do Código Civil. Pode ser absoluta (quando não existe vontade de realizar negócio nenhum) ou relativa (quando existe a vontade de dissimular um outro negócio). E, neste último caso, pode ser subjetiva (quando o negócio dissimulado é realizado com outro sujeito) ou objetiva (quando o negócio dissimulado tem natureza ou conteúdo diverso, como sucede com a simulação de valor).

Analisemos mais detalhadamente a simulação subjetiva (que é a que para o caso releva). Para que haja simulação é necessário que exista um acordo entre os sujeitos os sujeitos reais da operação e o interposto (interposição fictícia). Se o acordo existe apenas entre o interposto e um dos sujeitos reais da operação, atuando aquele em nome próprio, mas no interesse e por conta desse sujeito (interposição real), não se nos apresenta uma simulação, mas antes um mandato sem representação (cfr. artigos 1180.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição atualizada, pág. 476).

A comissão mercantil, regulada nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, é uma modalidade de mandato sem representação, com a particularidade de ter por objeto, não a prática de atos jurídicos, mas a prática de atos do comércio. Também neste caso existe uma interposição real e lícita de sujeitos (e que se contrapõe, por isso, a interposição fictícia ou simulada - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume II, pág. 747). Ou seja, o negócio é realmente celebrado entre o mandatário ou comissário e o destinatário dos serviços. Mas aquele fica com a obrigação de transferir para o mandante a titularidade dos direitos que tenha adquirido em execução do mandato.

Assinale-se que o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado acolheu expressamente a figura jurídica da comissão mercantil, como decorre dos seus artigos 3.º, n.º 3, alínea c) (no caso de interposição na transferência de bens) e 4.º, n.º 4 (no caso da prestação de serviços). O que significa que, também para os efeitos deste imposto, a prestação de serviços por conta de outrem não é uma interposição fictícia ou simulada.

Assim sendo, a interposição de um sujeito entre o emitente da fatura e o seu utilizador só será uma operação simulada para efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, só excluirá o direito à dedução se existir acordo entre eles com o intuito de enganar terceiros, nomeadamente o fisco.

Pelo que a existência de acordo entre o verdadeiro prestador do serviço e o seu utilizador, no sentido de simular a celebração do negócio entre um deles apenas e terceiro com o intuito de enganar terceiros (e o fisco em particular) é elemento essencial da simulação subjetiva.

Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.

Sobre esta matéria, dispõe com interesse o artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Assim, e tomando como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Todavia, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07 (Processo n.º 01026/02, disponível a redação integral in www.dgsi.pt, seguindo o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002-04-17, processo n.º 026635, também ali disponível), firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Deve salientar-se, porém, que esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a administração tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu (no caso, que não ocorreu entre os sujeitos mencionados na fatura. Ou seja (para utilizar as palavras do mesmo aresto), depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

O que, de resto, resultava já do artigo 82.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (na redação então em vigor) segundo o qual a ratificação das declarações do sujeito passivo ocorreria quando a administração tributária fundadamente considerasse que nelas figurara um imposto superior ou uma dedução superior aos devidos.

E que nem poderia ser de outra forma, porque o exercício do direito à dedução tem por base a declaração a que então aludia o artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Declaração essa que, nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal. E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.

Pelo que, quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que seria muito difícil demonstrar, na generalidade dos casos), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido. …”.

A partir daqui, e considerando a situação particular em apreciação nos autos, tem de entender-se que para haver simulação seria necessário que a administração fiscal tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema de fraude, ou seja, que tivesse reunido indícios de que a utilizadora das facturas participou ou que sabia ou devia saber que a emitente das facturas não era o verdadeiro fornecedor da mercadoria em apreço, na medida em que pode acontecer que a utilizadora de facturas falsas não saiba nem tenha possibilidades de saber da falsidade.

Com efeito, basta que um operador, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se desloque às instalações de um outro revendedor, ofereça as mercadorias, acorde um preço e desconte o cheque usado como meio de pagamento.

A aceitar-se que o ónus da Fazenda Pública se basta com a recolha de indícios de falsidade relativamente aos emitentes das facturas levaria a que os utilizadores das facturas falsas, que não sabem que são falsas, não pudessem deduzir custos que efectivamente suportaram, sem que tivessem participado em qualquer esquema fraudulento.

Dir-se-á que, sempre tais utilizadores inocentes poderiam fazer prova da veracidade das transacções - na aplicação do quadro probatório acima fixado: à administração tributária cabe o ónus de demonstrar indícios da falsidade; cumprido tal ónus passa a caber ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das transacções.

Mas facilmente se percebe que tal prova, nestas circunstâncias, de fraude a montante, que desconhece, será impossível para o utilizador das facturas provar o que quer que seja para além do que resulta da sua contabilidade, e que, não se deve esquecer, goza de presunção de veracidade. Se houve fraude e o utilizador das facturas desconhece não pode provar que as mercadorias foram adquiridos aos emitentes das facturas, porque não foram; nem pode provar que os adquiriu a outrem, porque para este utilizador de facturas a mercadoria foi comprada ao emitente, desconhecendo o real vendedor.

O que pode fazer o utilizador das facturas nestas circunstâncias é tão-só esclarecer como é que as negociações se desenvolveram e com quem se desenvolveram.

Ora, do coligido ponto II do RIT, para além de uma referência generalista e, par isso, inócua à “detecção de diversas irregularidades em alguns sujeitos passivos nos quais se inclui a empresa em epígrafe sediada no distrito do Porto”, no que directamente, contende com a impugnante, só se pode, objectivamente, concluir que, no ano de 1999, adquiriu bebidas à “S…”, por intermédio de um indivíduo chamado R…, tendo procedido ao pagamento, por cheque, dos montantes facturados.
Naturalmente, não se olvida mostrar-se subentendido, neste trecho do RIT que, no âmbito de precedente acção de investigação criminal, teriam sido recolhidos indícios da utilização abusiva de facturas emitidas sob a chancela de S…, com sequente simulação de transacções comerciais referenciadas nesses documentos, mas tal realidade coloca em crise, em termos essenciais, a questão do verdadeiro emitente das facturas, até porque se mostra provado (e neste domínio, a Recorrente não formula qualquer reparo), ser o R… conhecido, da impugnante, como vendedor da S…, qualidade que já tinha em outras firmas, com que os responsáveis da impugnante mantiveram relações comerciais.
Assim, no caso dos autos, não se mostra indiciado e não ficou provado que a Impugnante tivesse conhecimento que o vendedor era distinto da “S…” sendo esta uma mera emitente de facturas.

Por outro lado, como se aponta no Ac deste Tribunal de 14-05-2009, Proc. nº 29/05.2BEPNF, junto aos autos, “… não podemos deixar de realçar a dualidade de critérios sustentada pela Rte, pugnando, por um lado, pela desconsideração da decisão do tribunal criminal com relação à apontada absolvição, transitada em julgado, enquanto, por outro, defende o aproveitamento da circunstância de, alegadamente, no processo crime, ter ficado comprovada a falsidade das facturas, quanto ao seu emitente e valor real das transacções. Obviamente, tendo a Rte defendido, na alegação deste recurso jurisdicional, que as correcções efectuadas à matéria tributável da impugnante, para o ano de 1999, se estribam, além do mais, na acusação do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, não lhe poderia interessar, nada mesmo, o decesso judicial desse libelo...

Na situação julganda, como já supra demos conta, a AT, com relação, especificamente, à impugnante, partindo do pressuposto que, no âmbito do uma investigação criminal, se haviam recolhido indícios fortes da prática de crime de fraude fiscal, para o que tinha servido a utilização de facturas, emitidas em nome de S…, que não corresponderiam, na totalidade, a reais transacções comerciais, encontrando-se alguns destes documentos registados na contabilidade daquela, decidiu haver lugar a anulação das vantagens patrimoniais obtidas, pela impugnante, com base na posse e contabilização dessas facturas, o que actuou por mera operação aritmética, fazendo, simplesmente, acrescer ao lucro tributável declarado, para o exercício de 1999, o montante total das compras contabilizadas com o apoio em facturas emitidas no nome da identificada S….

Este procedimento, como a própria Rte, implicitamente, admite, em momento algum teve a preocupação de questionar e conferir se as mercadorias discriminadas nas facturas detidas pela impugnante tinham ou não sido, na realidade, efectivamente, adquiridas por esta, para serem utilizadas no exercício da sua actividade comercial, sem prejuízo de ter acontecido que tais compras não tenham sido feitas à dita S…, nem pelas quantias facturadas. Necessariamente, se tem actuado com esta ponderação, admitindo-se, como a Rte, que as mercadorias indicadas nas facturas foram transaccionadas, nunca a expressão numérica da correcção que foi promovida teria a amplitude que veio a assumir, enquanto desconsideração do total das compras. Acresce que, estando em causa, como parece, a possibilidade de as mercadorias respectivas terem sido compradas, pela impugnante, por preço inferior ao do mercado, com trabalho, mas seguramente, os serviços de fiscalização tributária, da DF do Porto, podiam determinar e quantificar uma real e efectiva vantagem patrimonial, eventualmente, obtida pela impugnante.

Conferido este decisivo défice instrutório e inviabilizando a solução actuada pelos serviços da AT que, agora, se possam suscitar reservas com relação aos preços das mercadorias, inscritos nas facturas contabilizadas pela impugnante, em função da factualidade que a sentença recorrida julgou provada, apontando, sem dúvidas, no sentido de que aquela comprou os produtos mencionados nas visadas facturas e procedeu ao pagamento do valor da facturação por cheques, comprovada e regularmente, sacados, só podemos concluir estar na presença da assunção, pela sociedade impugnante, de encargos relativos à aquisição de bens indispensáveis ao exercício lucrativo do seu comércio, enquadráveis na previsão do art. 23.º n.º 1 al. a) do CIRC. …”.

Nesta sequência, não podemos deixar de acompanhar a leitura da decisão recorrida quando integra na análise da matéria em causa nos autos o contributo do aresto agora apontado, que apreciou os mesmos elementos ao nível da liquidação de IRC, o que significa que não foram recolhidos indícios suficientes, sérios e objectivos de que a Impugnante tivesse actuado em combinação com terceiro, nomeadamente, o R… no sentido de enganar e prejudicar terceiros e também não foram recolhidos indícios de que a Impugnante sequer soubesse que estava a adquirir bens ao R… e não à S…, além de que a circunstância de os pagamentos serem feitos por cheques recebidos por R… e L… não é suficiente, a nenhuma luz, para extrair a conclusão de que a impugnante sabia que as aquisições estavam a ser efectuadas a outrem que não a referida S….

Deste modo, havendo indícios de que a emitente das facturas não forneceu a mercadoria mencionada nas facturas, impunha-se que a administração fiscal indagasse da participação da ora Recorrida no esquema simulatório.

Ora, a administração tributária não diz que a recorrente sabia ou devia saber que estava a comprar a pessoa diferente da que figura na factura e o utilizador da factura não está obrigado a saber a situação empresarial ou fiscal do emitente da factura que lhe entrega a mercadoria.

Aceitar-se que um utilizador de facturas veja os custos desconsiderados sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais.

Este entendimento vai de encontro ao do Tribunal de Justiça que no Acórdão de 31 de Janeiro de 2013, processo C-642/11 - que tratava de uma questão de dedutibilidade de IVA, reportando-se aos casos em que as irregularidades se verificam na esfera dos emitentes, pronunciou-se assim:

«47 Assim, cabe às autoridades e aos tribunais nacionais recusar o direito a dedução, se se demonstrar, face a elementos objectivos, que esse direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Julho de 2006, Kittel e Recolta Recycling, C-439/04 e C-440/04, Colet., p.I-6161; e acórdãos, já referidos, Mahagében e David, n.º 42, e Bonik, n.º 37).

48 Contudo, também segundo jurisprudência bem assente, não é compatível com o regime do direito a dedução prevista pela Diretiva 2006/112 sancionar, com a recusa desse direito, um sujeito passivo que não sabia nem podia saber que a operação em causa fazia parte de uma fraude cometida pelo fornecedor ou que outra operação incluída na cadeia de fornecimento, anterior ou posterior à realizada pelo referido sujeito passivo, estava viciada por fraude ao IVA (v., especialmente, acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Optigen e o., C-354/03, C-355/03 e C-484/03, Colet., p. I-483, n.ºs 52 e 55; e acórdãos, já referidos, Kittel e Recolta Recycling, n.ºs 45, 46, e 60, Mahagében e Dávid, n.º 47, e Bonik, n.º 41).

49 Além disso, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.ºs 61 a 65 do acórdão Mahagében e David, já referido, que a Administração Fiscal não pode exigir de maneira geral que o sujeito passivo que pretenda exercer o direito a dedução do IVA, por um lado, verifique que o emitente da fatura referente aos bens e aos serviços em função dos quais o exercício deste direito é pedido dispõe da qualidade de sujeito passivo, possui os bens em causa e está em condições de os entregar e cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA, a fim de se certificar de que não há irregularidades ou fraude ao nível dos operadores a montante, ou, por outro, possua documentos a este respeito.

50 Daqui decorre que o tribunal nacional que deva decidir se, num determinado caso, existe operação tributável, tendo a Administração Fiscal alegado no processo que a existência de irregularidades cometidas pelo emitente da fatura ou por um dos seus fornecedores, como omissões contabilísticas, deve zelar por a apreciação da prova não conduza a esvaziar de sentido a jurisprudência recordada no n.º 48 do presente acórdão, obrigando de forma indireta o destinatário da fatura a proceder a verificações junto do seu contratante que, em principio, não lhe incumbem.»

E a final declarou:

«(…)

2- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legitima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma factura, por inexistência de uma operação tributável efectiva, quando, no aviso retificativo de tributação enviado ao emitente da fatura, o imposto sobre o valor acrescentado declarado pelo emitente não tiver sido corrigido. Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efectivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objectivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.» (sublinhado nosso).

Uma última nota para sublinhar que não cabe ponderar a aplicação do nº 4 do art. 19º do CIVA, nos termos do qual, e a partir de 2005, veio estabelecer-se que não é possível deduzir o IVA resultante de operações em que o transmitente dos bens ou o prestador de serviços não entrega o imposto liquidado ao Estado «quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada».

No caso, repete-se, estando demonstrado que a ora Recorrida adquiriu a mercadoria em causa, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber que quem lhe estava a vender não era a pessoa que figurava nas facturas.

E não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua actuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas facturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim acompanhar a decisão recorrida quando determinou a anulação das liquidações impugnadas.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Porto, 14 de Julho de 2014

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Fernanda Esteves (“Voto a decisão”)