Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02071/05.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Cardoso
Descritores:IRC; FACTURAS FALSAS; ERRO DE JULGAMENTO FACTO E DIREITO; ÓNUS DA PROVA
Sumário:
1.ª Não basta à Recorrente remeter para as folhas da transcrição do depoimento das testemunhas, impunha-se-lhe, antes, que indicasse com exactidão as concretas passagens do depoimento testemunhal que impõem levar ao probatório os pontos de facto que merecem uma resposta diversa da decisão da matéria de facto, acompanhada de apreciação crítica dos meios de prova.
2.ª A divergência de convicção pessoal da Recorrente sobre a prova produzida em diligência de inquirição de testemunhas e aquela que o Tribunal a quo formou não se confunde com erro de julgamento, pois, trata-se, antes, de uma diferente valoração da prova.
3.ª A Administração Tributária tem o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca, nos termos do aludido 58.º da LGT, e só a insuficiência probatória dos mesmos, que não ocorre nos presentes autos, é que pode ser valorada processualmente contra ela.
4.ª Perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ESC, LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO
1. ESC, LDA., NIPC 50xxx27, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 08/03/2010, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2002 e 2003, respectivamente, nos montantes de € 50.508,74 e € 7.497,38.
2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. A sentença sub judice enferma, com a devida vénia, de errónea determinação dos factos efectivamente provados em juízo e da sua subsunção jurídica;
2. 2. Ficou provado em juízo e terá de ser adicionado à matéria e facto provada que a ora impugnante foi sub-contratada em obras adjudicadas por outras empresas do ramo, nomeadamente em Baguim do Monte, em Avintes e no Alto da Maia, tendo ela própria subcontratado outras entidades na execução das obras de Baguim do Monte, de Avintes e do Alto da Maia, entre as quais figurava a empresa do Senhor S... — emitente das facturas em causa;
3. 3. Eram usos do sector, à data dos factos, utilizar pagamentos em numerário ou proceder ao imediato levantamento dos cheques recebidos, uma vez que os recebimentos e os
pagamentos eram feitos na mesma data e os depósitos tardavam cerca de oito dias a ficar disponíveis;
4. 4. À data dos factos, era ainda uso do sector lançar mão de contratos verbais e efectuar as medições no local e entre as partes para efeitos dos pagamentos mensais;
5. 5. As facturas da SC S.A., Lda, eram facturas iguais a quaisquer outras e cumpriam aparentemente todos os requisitos formais e ao tempo não era possível a verificação de números de contribuinte ou o cruzamento de informações de facturação;
6. 6. A contabilidade da ora Impugnante encontrava-se regularmente organizada e cumpria todas regras contabilísticas;
7. 7. Nos termos do artigo 76° da LGT "As informações prestadas pela Inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos", pelo que o carácter iuris tantum da presunção de verdade das declarações e elementos do contribuinte só poderá ser contrariado pelas informações oficiais fundamentadas de acordo com critérios objectivos;
8. 8. Diz o Acórdão n.° 5884/01, de 22-01-2002, do TCAS que "A AF, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus da prova da verificação dos pressupostos que determinaram as correcções técnicas, cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a leva a considerar determinada operaçãocomo simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.";
9. 9. No caso em apreço não ficou satisfeito o ónus da prova da Administração Fiscal, pois que esta não colheu nem provou indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas não titularem operações reais, limitando-se a afirmar que a entidade emitente das facturas era conhecida por emitir facturas falsas, para daí pretender obter a inversão do ónus da prova do custo suportado por um terceiro — o ora recorrente —que em tudo é alheio a esta afirmação;
10. Nenhum indício ou facto foi alegado para suportar esta afirmação da Administração fiscal, nem para suportar a sua conclusão de que são falsas estas facturas em particular: não foi alegado se as facturas aqui em questão foram devidamente registadas na contabilidade da emitente, se foram pagos os impostos a elas respeitantes, se a emitente tinha pessoal ou meios disponíveis para prestar os serviços facturados;
11. Fica assim prejudicado o pressuposto inicial, pedra angular de toda a construção da administração tributária e que, por consequencialidade, não pode constituir ponto de partida, pressuposto da douta sentença ora recorrida: que as facturas em apreço são falsas;
12. 12. Ficou provado que as facturas estavam regularmente emitidas e eram aparentemente válidas para suportar o custo, sendo que o desconhecimento de que o seu emitente era conhecido da administração tributária por alegadamente emitir facturas falsas não pode ser imputável ao adquirente dos serviços prestados, in casu a ora recorrente;
13. 13. É a própria jurisprudência a afirmar no Ac. TOAS n.° 2645/99 de 05-06-2001 que "Não sendo aceite o custo de certa factura por falta da mesma e por os sub-empreiteiros serem indiciadores de passarem facturas falsas, provada a existência desta ao tempo dos fornecimentos e a efectiva realização destes, com a realização de várias obras, a prova da menor extensão dos custos destas, relativamente aos declarados, cabe à FazendaPública";
14. O único fundamento invocado para as liquidações impugnadas foi efectivamente o de que o nome constante nas facturas está errado e o NIPC corresponde a uma Sociedade —existente — e que alegadamente será conhecida da administração fiscal — e só — como "emitente de facturação falsa", alegação que nunca foi objectivada;
15. Não pode, pois, ter-se como invertido o ónus da prova, por não ter a administração tributária carreado para o processo os fundamentos objectivos exigidos pela LGT para fazer eliminar a presunção de verdade das declarações e elementos dos contribuintes,não subsistindo assim fundamento para ser desconsiderado o custo fiscal inerente aos serviços descritos,
16. Razão pela qual terão de relevar como custos fiscais, para efeitos de IRC os valores correspondentes às facturas aqui em questão.
Nestes termos e nos que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença Recorrida, e conceder-se integral provimento à impugnação apresentada, com a consequente anulação da liquidação adicional de IRC impugnada, com o que se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!»
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3. Não foram apresentadas contra-alegações.
4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 244, no sentido da sentença não ser possível de censura.
5. Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos vem o processo à Conferência para julgamento.
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II - Questões a decidir:
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (em vigor à data da prolação da sentença).
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu decisão da matéria de facto com o seguinte teor (a numeração foi introduzida por nós):
«II – Matéria de Facto Apurada
1. A impugnante tem como actividade a construção civil, a que corresponde o CAE 45211.
2. Na sequência de uma acção de inspecção realizada pela Administração Fiscal, tendo como objectivo a análise das operações realizadas nos anos de 2002 e 2003, no âmbito da actividade desenvolvida de construção civil, foram efectuadas à impugnante liquidações adicionais em sede de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC), no montante total de €50.508,74 e €7.497,38, respectivamente.
3. O relatório final de acção inspectiva consta de fls. 33 a 43 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, concluindo que “(…) Não se aceitou para efeitos fiscais, atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código de IRC, os custos contabilizados nos exercícios de 2002 e 2003, correspondentes ao valor dos serviços prestados constantes de facturas, em que a entidade emitente, a SC S. A., Lda., é inexistente no cadastro da Administração Fiscal e o seu NICP indicado nas facturas é da firma “CSC, Lda.”, emitente de facturação falsa. (…)”
4. O teor do relatório de inspecção e a decisão proposta de efectuar liquidações adicionais de IRC foram apropriados pelo despacho proferido, em 19/11/2004, pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária – cfr. fls. 33 do processo administrativo apenso aos autos.
5. Em 22/11/2004, foi determinada a matéria colectável, conforme teor de fls. 27 a 30 do processo administrativo apenso aos autos, que aqui se tem por reproduzido.
6. Em 24/11/2004, foi notificado à ora impugnante, por carta registada com aviso de recepção, o teor das correcções resultantes da acção de inspecção, tendo-se anexado, como parte integrante da notificação, as conclusões do relatório de inspecção tributária – cfr. fls. 44 a 47 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
7. As liquidações adicionais de IRC ora impugnadas, relativas aos exercícios de 2002 e 2003 tinham como data limite de pagamento o dia 14/06/2005 e 15/06/2005, respectivamente – cfr. fls. 12 e 13 a 17 do processo administrativo apenso.
8. Em 15/09/2005, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 3 dos autos.
9. A liquidação de IRC, referente ao exercício de 2003 em causa, encontra-se paga, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3468200501035525.
10. A liquidação de IRC, referente ao exercício de 2002 em causa, encontra-se em cobrança, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3468200501035215.
11. A ora impugnante, actuando no sector da construção civil, no que tange à obra de betão, nos anos de 2002 e 2003, terá sub-empreitado (sub-contratado) algumas obras adjudicadas por outras empresas do ramo.
12 Nesta sequência, com a conclusão das empreitadas, a impugnante recebeu dinheiro do dono das obras.
13. Dá-se, também, por integralmente reproduzido o teor das facturas emitidas por “SC S.A., Lda.” à ora impugnante, constantes de fls. 84 a 96 do processo físico, bem como o teor do auto das declarações prestadas pelos sócios-gerentes da impugnante, ínsito a fls. 97 a 102 do processo físico.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos juntos aos autos (que não foram impugnados), nos ínsitos no processo administrativo apenso aos mesmos e no depoimento prestado pelas testemunhas apresentadas pela impugnante.
Não se logrou provar, com a segurança e certeza exigíveis, quais foram concretamente os trabalhos realizados por “SC S.A., Lda.” (e seus eventuais empregados) e em que obras, na medida em que os testemunhos ouvidos foram muito vagos, com referências genéricas e titubeantes.
Na verdade, os dois primeiros depoimentos ouvidos foram prestados por “donos de obra” que terão contratado com a impugnante. O primeiro terá solicitado os serviços da impugnante na obra do AM e o segundo em obras do INH, em BM e A….
Ficou claro que estas obras concretas foram realizadas e que a impugnante teve nelas intervenção. Contudo, os depoimentos foram esquivos e incutindo dúvida no que tange a eventual subcontratação por parte da impugnante. Ou seja, as relações pessoais e profissionais destas testemunhas, na qualidade de donos das obras referenciadas, com a impugnante foram sendo descritas com alguma clareza. Já a intervenção da “SC S.A., Lda.” nas mesmas não se mostrou esclarecedora:
Por um lado, não ficou claro que fosse o dito “Sr. S...” o contacto e a pessoa presente em obra representante da emitente das facturas. Aliás, a testemunha VMCR ter-se-á referido a um “Sr. G...” e, apenas confrontado com outro nome, terá admitido poder ser um “Sr. S...”.
Estas incertezas e a falha quase total de descrição das relações da impugnante com a emitente das facturas, pois também pouco ou nada sabiam as testemunhas quanto à forma de pagamento da impugnante à “SC S.A., Lda.”, levaram a uma descredibilização dos seus depoimentos.
Assim, o tribunal não conseguiu formar convicção segura acerca da presença de empregados da “SC S.A., Lda.” nas obras em causa e muito menos da execução específica dos trabalhos descritos nas facturas em crise.
Uma vez que, da articulação do conjunto da prova produzida nos autos, não se mostram concretizados os trabalhos que a “SC S.A., Lda.” terá realizado em obras eventualmente adjudicadas à impugnante, não é possível retirar as conclusões constantes dos artigos 28.º e 31.º da petição inicial.»
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3. De Direito
3.1. A Recorrente principia por questionar a matéria de facto fixada na sentença, como se colhe das conclusões 1. a 6. supra transcritas, pretendendo que a esta sejam adicionados “factos”, que em seu entender resultam do depoimento das testemunhas que arrolou.
Vejamos.
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Tal erro respeita a qualquer elemento ou característica da situação sub judice que não revista natureza jurídica.
A alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 658-B e 712.º do CPC (actuais artigos 640.º e 662.º), sob pena de rejeição nesta parte do recurso (vide neste sentido Acórdão do TCA Sul de 13/03/3012, processo n.º 05275/12, disponível em http://www.dgsi.pt).
Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 685.º-B, dispunham o seguinte:
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando so meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Para legitimar o TCA a corrigir a matéria de facto dada como provada na primeira instância por erro de apreciação das provas seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.
António Santos Abrantes Geraldes, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág.165 a 166).
Nos termos do n.º 1 do artigo 655.º do CPC (actual artigo 607.º, n.º 5), as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).
Sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º do CPC (anterior art. 655.º) transcrevemos pela sua pertinência excerto do Ac. n.º 198/2004 do Tribunal Constitucional (embora formulado com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil): «O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-dedutiva (…).
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).
A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam decisão.» (in DR, II, de 02/06/2004, págs. 8545 e segs.).
No caso em apreço, a Recorrente impugna a matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação (documentos e testemunhas).
Analisadas as conclusões e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não preenche totalmente o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, indicando com exactidão os meios de prova - as passagens concretas da gravação dos depoimentos das testemunhas -, que impunham que se levasse ao probatório os factos referidos nas alegações, a fls. 167 e 168 dos autos de suporte físico e nas conclusões 2 a 6 das alegações.
Não basta à Recorrente remeter para as folhas da transcrição do depoimento das testemunhas, impunha-se-lhe, antes, que indicasse com exactidão as concretas passagens do depoimento testemunhal que impõem levar ao probatório os pontos de facto que merecem uma resposta diversa da decisão da matéria de facto, acompanhada de apreciação crítica dos meios de prova.
Não obstante a Recorrente não tenha cumprindo de forma rigorosa o ónus que sobre si impendia, lidos os pontos das alegações que entende serem de aditar à matéria de facto, bem como as transcrições dos depoimentos das testemunhas, resulta que alguns não se tratam de factos, antes consubstanciam meros juízos e considerações da Recorrente (por ex.: “As facturas da SC S.A., Lda., eram facturas iguais a quaisquer outras e cumpriam aparentemente todos os requisitos legais”); outros pontos mostram-se provados (por ex.: “foi subcontratada em obras adjudicadas por outras empresas do ramo” - ponto 11 da matéria de facto; “tendo, pelo seu lado, subcontratado outras entidades na execução dessas mesmas obras” - ponto 11 da matéria de facto; e,” o pagamento era efectuado em dinheiro” - ponto 12 do probatório); por outro lado, dos depoimentos não se retiram alguns dos factos que indica, conforme decorre da motivação da matéria de facto (por ex.: “o Senhor S... foi um dos subcontratados”); outrossim, outros factos não assumem, para os efeitos pretendidos pela Recorrente qualquer relevância no sentido da tese defendida, sendo, por isso, desprovidos de interesse para a apreciação e decisão do mérito da presente causa (por ex.: “é uso do sector utilizar pagamentos em numerados ou proceder ao imediato levantamento dos cheques recebidos”; “contabilisticamente torna-se inviável a utilização da conta Bancos”; e, “à data dos factos era uso lançar mão de contratos verbais e efectuar medições a olho”.
Efectivamente, nos presentes autos não foi posta em causa a realização da empreitada, nem as subempreitadas, nem a conclusão das obras, nem que a contabilidade da Recorrente estava organizada de acordo com a lei, mas, antes, que a alegada subcontratada – SC S.A., Lda. – , tenha efectuado os trabalhos de empreitada descritos nas facturas que emitiu (com o NIPC que não era o seu) e contabilizadas pela Recorrente.
No que respeita à valoração do depoimento das testemunhas, a Recorrente limita-se a discordar da convicção formulada pela Mma Juíza a quo sem indicar, em concreto, qualquer contradição, deficiência ou obscuridade, dito por outras palavra, não concretiza o vício lógico em que o julgado terá incorrido.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrente não são de molde a inverter o sentido probatório que foi fixado no tribunal a quo, não se mostrando a decisão da matéria de facto arbitrária, nem desproporcionada.
Efectivamente, consta da sentença recorrida, na motivação da matéria de facto, o seguinte: Ficou claro que estas obras concretas foram realizadas e que a impugnante teve nelas intervenção. Contudo, os depoimentos foram esquivos e incutindo dúvida no que tange a eventual subcontratação por parte da impugnante. Ou seja, as relações pessoais e profissionais destas testemunhas, na qualidade de donos das obras referenciadas, com a impugnante foram sendo descritas com alguma clareza. Já a intervenção da “SC S.A., Lda.” nas mesmas não se mostrou esclarecedora:
Por um lado, não ficou claro que fosse o dito “Sr. S...” o contacto e a pessoa presente em obra representante da emitente das facturas. Aliás, a testemunha VMCR ter-se-á referido a um “Sr. G...” e, apenas confrontado com outro nome, terá admitido poder ser um “Sr. S...”.
Estas incertezas e a falha quase total de descrição das relações da impugnante com a emitente das facturas, pois também pouco ou nada sabiam as testemunhas quanto à forma de pagamento da impugnante à “SC S.A., Lda.”, levaram a uma descredibilização dos seus depoimentos.
Assim, o tribunal não conseguiu formar convicção segura acerca da presença de empregados da “SC S.A., Lda.” nas obras em causa e muito menos da execução específica dos trabalhos descritos nas facturas em crise.
Uma vez que, da articulação do conjunto da prova produzida nos autos, não se mostram concretizados os trabalhos que a “SC S.A., Lda.” terá realizado em obras eventualmente adjudicadas à impugnante, não é possível retirar as conclusões constantes dos artigos 28.º e 31.º da petição inicial.
Alega a Recorrente que as testemunhas afirmaram que subcontrataram a aqui Recorrente nas obras: em BM, em A… e no AM; e que no ponto da matéria facto que se refere à subcontratação, as obras relevantes nos presentes autos não foram identificadas.
Tem razão a Recorrente quanto à ausência de identificação concreta das obras no probatório, porém, as referidas obras mostram-se discriminados e especificadas na motivação da matéria de facto.
Embora a identificação das obras não tenham sido especificadas na matéria de facto dada como provada, não ocorre qualquer omissão de factos, uma vez que que as mesmas encontram-se referenciadas na motivação da matéria de facto, conforme se constata pela sua leitura, supra transcrita (vide neste sentido Ac. deste TCA de 30/04/2013, proc. n.º 00944/04, disponível em http://www.dgsi.pt/).
O Recorrente imputa ainda à sentença erro relativo aos pagamentos em dinheiro efectuados à Recorrente pelos “donos das obras” (fls. 165 das alegações – autos de suporte físico).
Refere a Recorrente, a este propósito, que as testemunhas afirmaram (não diz quais) que eram os empreiteiros encarregados das obras – e não o dono da obra – quem pagava à ora Recorrente.
No entanto, daqui não se retira que a sentença tenha incorrido em qualquer erro de julgamento de facto.
O contrato de subempreitada é, como a sua designação o indica, um subcontrato na dependência do contrato de empreitada, existindo uma relação em escada.
No domínio das relações contratuais estabelecidas entre o empreiteiro e o subempreiteiro, aquele funciona como “dono da obra”, por a posição do subempreiteiro, em relação ao empreiteiro ser igual à posição deste em relação ao dono da obra.
Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Évora em acórdão de 09/07/2009, proferido no processo n.º 4036/03.1TBSTB.E1, nos seguintes termos: A subempreitada é um contrato subordinado a outro que lhe é prévio, um subcontrato, em que o subempreiteiro se apresenta como empreiteiro de outro empreiteiro, e este como se fosse dono da obra, em qualquer caso em tema de obrigação de resultado.» (no mesmo sentido vide Ac. do STJ de 03/06/2003, proc. n.º 03A1440, Ac. do TR de Lisboa de 06/06/2006, proc. n.º 534/06 (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/).
Nos presentes autos foram descritas as relações estabelecidas entre o subempreiteiro, aqui Recorrente, e os empreiteiros, sendo que estes prestaram depoimentos perante o tribunal de primeira instância, como 1.ª e 2.ª testemunha, tendo-se identificado como tal, não se suscitando qualquer dúvida sobre esta matéria, conforme decorre da motivação da matéria de facto, que inclusive identifica o dono da obra “INH” que contratou o empreiteiro (RM – 2.ª testemunha) que, por sua vez, subcontratou a Impugnante, aqui Recorrente.
Se bem interpretámos, é no sentido supra referido que “dono da obra” foi indicado na decisão da matéria de facto da sentença sob recurso, atenta a qualidade e o depoimento das testemunhas ouvidas.
Assim sendo, os identificados empreiteiros no confronto com o subempreiteiro, aqui Recorrente, são os “donos das obras”.
De realçar que a Recorrente parece perfilhar idêntico entendimento quando no ponto 31 da p.i afirma que recebeu dinheiro do dono da obra.
Pensamos pelas razões apontadas, salvo o devido respeito, não existir nesta questão qualquer erro de julgamento, uma vez que se retira da motivação da matéria de facto, quem são os donos da obra.
Realmente, o que a Recorrente pretende, nos presentes autos, é colocar em crise a convicção que o tribunal recorrido formou perante as provas produzidas na diligência de inquirição de testemunhas e substituir essa convicção pela sua própria convicção.
A divergência de convicção pessoal da Recorrente sobre a prova produzida em diligência de inquirição de testemunhas e aquela que o Tribunal a quo formou não se confunde com erro de julgamento, pois, trata-se, antes, de uma diferente valoração da prova.
Lido o texto da decisão da primeira instância, facilmente se depreende que a mesma é escorreita e está doutamente fundamentada, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não se encontrando razões para alterar essa decisão.
Sobre esta questão pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo em acórdão de 15/11/2018, proferido no proc. n.º 0279/11.6BEPRT, que acompanhamos, nos seguintes termos:
«I) A lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
II) Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.» (disponível em http://www.dgsi.pt/).
Concluindo, a recorrente quedou-se pela interpretação que a própria faz da prova produzida, através da indicação dos pontos que pretendia ver aditados ao probatório, mas esta não é manifestamente a forma de alterar a matéria de facto, com base em erro de julgamento, em que na reapreciação da concreta prova se vai constatar se a testemunha disse ou não o que foi vertido na sentença.
A modificação da decisão da matéria de facto da primeira instância só se justificaria se, feita a reapreciação por este Tribunal, fosse evidente a grosseira análise e valoração efectuada na instância recorrida, o que, efectivamente não sucedeu no caso concreto.
Face ao exposto improcede o alegado erro de julgamento de facto e a pretendia modificação da matéria de facto.
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Do errado julgamento de direito
A questão a apreciar seguidamente é a de saber se a Administração Tributária colheu e provou indícios sérios e objectivos que traduzam uma probabilidade elevada de as facturas não titulares operações reais.
A Recorrente alega que não pode ter-se como invertido o ónus da prova, por a Administração Tributária não ter carreado para o processo os fundamentos objectivos exigidos pela LGT para fazer eliminar a presunção de verdade das declarações e elementos dos contribuintes, não subsistindo assim fundamento para ser desconsiderado o custo fiscal inerente aos serviços descritos.
Sustenta a aqui Recorrente na p.i. que subcontratou, no que se refere à obra de betão, serviços à “SC SA, Lda.”, que eram pagos ao m2 e que as obras foram realizadas (pontos 28 e 29 da p.i.). Mais invocou que, durante os anos de 2002 e 2003, era impossível obter informação das sociedades cujo número de contribuinte fosse válido e que, de facto, pertencesse a esse contribuinte.
No essencial, os serviços de inspecção tributária fundamentaram a desconsideração das questionadas facturas nos seguintes termos: O NIPC 50xxx86 do fornecedor, constante das facturas emitidas pela SC, SA, Lda. é a firma “CSC, Lda.”, conhecida na Direcção de Finanças como emitente de facturas falsas; o número de registo de matrícula na Conservatório do Registo Comercial Valongo, que conta das facturas, é falso; Na morada constante das facturas, nunca existiu esta empresa, destinando-se apenas a habitação; não existem dados da SC, SA, Lda., na Segurança Social.
Mais fundamenta as correcções, de acordo com as declarações prestadas pelos sócios-gerentes da Recorrente: Os serviços prestados pela SC, SA, Lda. não foram objecto de orçamentação ou contrato de empreitada. Houve apenas acordos verbais sobre o serviço a prestar; Os pagamentos eram efectuados em dinheiro. Não existem documentos comprovativos das medições dos trabalhos eventualmente executados, nem de quaisquer acertos de contas com a referida “SC SA, Lda.”.
A sentença sob recurso julgou improcedente a impugnação deduzida pela Recorrente contra as liquidações adicionais de IRC, por considerar que os indícios colhidos pela AT são suficientes para alicerçar tal situação, não tendo a impugnante logrado fazer prova no sentido de infirmar as presunções da administração tributária.
Com efeito, a decisão da primeira instância fundamentou a improcedência da impugnação, da seguinte forma: Na verdade, verificam-se os pressupostos legais que legitimam a actuação da Administração, impendendo sobre a impugnante o ónus de demonstrar que os custos que contabilizou se verificaram efectivamente.
O montante que a impugnante havia contabilizado como custos, decorrentes de prestações de serviços pretensamente realizados pela “SC S.A., Lda.”, não tiveram concretização, pois não logrou provar que efectivamente os trabalhos descritos nas facturas se realizaram.
Ora, a ser assim, é evidente que não se pode considerar ter implicado qualquer custo ou perda indispensável para a realização dos seus proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
O facto de dois donos de obras terem assegurado que as obras do AM, de BM e de A… (do INH) estão finalizadas, não é suficiente para formar no tribunal a convicção de que as facturas são verdadeiras e correspondem a prestações de serviços efectivamente realizadas nos moldes registados na documentação. Ou seja, não resultou da prova produzida que a “SC S.A., Lda.” tivesse tido qualquer intervenção na execução destas obras. Apenas sabemos que a impugnante contratou com os donos destas obras, mas não resultou provado com segurança que era o Sr. S... quem contactava com a impugnante, que era o responsável pelo pessoal nas obras e que trazia e cobrava as facturas. Também não se provou que a impugnante efectuasse quaisquer adiantamentos em dinheiro pelos trabalhos efectuados pela “SC S.A., Lda.” e que no final dos meses se fizessem acertos de contas conforme medição por m2 dos trabalhos realizados.
Compulsada a argumentação da impugnante, observa-se que se queda por afirmações vagas, genéricas ou conclusivas – cfr. artigos 27.º a 31.º da petição inicial. De qualquer modo, como vimos, não se logrou provar o invocado nos artigos 28.º e 31.º, segunda parte.
Assim, da conjugação de todos os elementos probatórios, é nosso juízo que os indícios colhidos pela administração são suficientes para alicerçar tal situação, devendo manter-se as liquidações de IRC, pois a impugnante não logrou fazer prova no sentido de infirmar as presunções da administração fiscal[ Assim tem vindo a entender a nossa jurisprudência. A título de exemplo, cfr. acórdão do STA, de 16.01.1996, in recurso n.º 62 295, proferido no processo de impugnação n.º 32/92 do 1.º Juízo deste Tribunal de 1ª Instância: «o artigo 121.º não retirou ao acto tributário a presunção de legalidade de que gozava, apenas a limitou, já que tal presunção apenas cessará se, através “da prova produzida resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, devendo o acto ser anulado”. Mas a prova que crie essa fundada dúvida, incumbe, naturalmente, ao impugnante, não à AF, nos termos gerais (artigo 342.º, n.º 1 do C. Civil)».].
Vejamos.
Importa, assim, determinar se em face dos factos dados como provados na decisão da primeira instância é possível concluir, como aí se concluiu, que a Administração Tributária recolheu indícios suficientes e relevantes para desconsiderar as facturas, por não titularem operações económicas entre a Recorrente e “SC, S.A., Lda.”.
Nos presentes autos estão em crise as liquidações adicionais de IRC, dos anos de 2002 e 2003, emitidas na sequência de acção de fiscalização de que foi alvo a contabilidade da Recorrente, por a matéria colectável da Recorrente ter sido corrigida, não tendo sido aceites como custos os valores das facturas emitidas por “SC, S.A., Lda.”, Lda.”, correcções alicerçadas nos factos descritos no relatório de inspecção tributária (ponto 3 do probatório).
Assim, o recurso em apreço tem subjacente a desconsideração de custos em consideração de alegada facturação falsa.
Ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) importa o rendimento obtido, tomando-se por base o lucro tributável, o qual consiste na soma algébrica do resultado líquido do exercício (diferença entre proveitos ou ganhos e custos ou perdas) e das variações patrimoniais positivas e negativas realizadas no período da tributação e que não tenham sido reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidas nos termos do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (cfr. artigo 17º).
O artigo 23.º n.º 1 do CIRC preceitua: Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços , tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação; (...).
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 75.º da LGT dispõe o seguinte: Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previsto na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Consideram-se custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos, nomeadamente encargos com a aquisição de serviços, devendo estes encargos estar contabilizados e documentados, presumindo-se a veracidade da contabilidade devidamente organizada (artigos 23.º do CIRC e 75.º da LGT).
No caso em apreço, conforme consta da decisão recorrida, a Administração Fiscal não aceitou custos documentados em facturas emitidas pela sociedade supra referida por, segundo ela, aquele sujeito passivo era inexistente no cadastro da Administração Tributária e o NIPC indicado nas facturas é da sociedade “CSC, Lda.”, esta, emitente de facturação falsa.
Nas facturas falsas o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem às operações materiais realmente existentes, simulando uma realidade que não existe ou, pelo menos, que não existe tal como nelas se documenta, com o objectivo de serem contabilizadas pelo beneficiário como custos para assim poder reduzir o lucro tributável subtraindo-se ao pagamento do imposto devido, parcialmente ou mesmo na sua totalidade. (artigos 17.º e 23.º do CIRC).
A Administração Tributária não pôs em causa que as obras foram realizadas, mas tão só que não foram executadas pela sociedade emitente das facturas em causa.
Importa, assim, analisar a questão relativa ao ónus de prova para depois averiguar se ocorreu o apontado erro de julgamento.
No caso sub judice, a AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a liquidar o IRC adicional, por entender que as facturas da “SC SA, Lda.” não titulam reais prestações de serviço, ou seja, por entender que se trata de facturação falsa, sendo bastante a prova de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
Só a demonstração de tal factualidade é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (principio da declaração e da veracidade da escrita), passando, então, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Na verdade, configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, quando a Administração Tributária procede a correcções da matéria colectável declarada por considerar que as facturas que documentam custos, em IRC, não correspondem a operações reais, compete-lhe reunir e demonstrar factos que permitem, com recurso às regras de experiência, concluir que as facturas visadas não correspondem a operações reais e efectivas.
Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando que os custos que contabilizou, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, por o artigo 100.º do CPPT não ser aplicável neste caso. (vide neste sentido acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).
In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que foram recolhidos indícios concretos e objectivos de que as facturas emitidas por “SC SA, Lda.“ e contabilizadas pela aqui Recorrente, nos anos de 2002 e 2003, não titulavam transacções reais, pois, não tiveram na base a prestação de serviços por parte da sociedade emitente das mesmas à Impugnante, que, por isso, não incorreu nos custos veiculados, ficticiamente, por tais documentos.
Destacamos os elementos determinantes para a não aceitação do alegado pela Recorrente, que constam do Relatório de Inspecção Tributária, já supra referidos, e que residem nos seguintes factos:
- O NIPC 502958286 do fornecedor, constante das facturas emitidas pela SC, SA, Lda. é da firma “CSC, Lda.”, conhecida na Direcção de Finanças como emitente de facturas falsas;
- O número de registo de matrícula na Conservatório do Registo Comercial Valongo, que conta das facturas, é falso;
- Na morada constante das facturas, nunca existiu esta empresa, destinando-se apenas a habitação;
- Não existem dados da SC, SA, Lda., na Segurança Social
Por último, de referir que é totalmente irrelevante que a Recorrente à data dos factos não tenha forma de confirmar o NIPC da SC SA, Lda., sendo que bastava-lhe demonstrar que aquelas facturas titulam operações comerciais efectivas e reais, sendo certo que nos autos não resulta provado que os serviços foram prestados pela identificada sociedade, sem esquecer que a Recorrente pode ter subcontratado com outros prestadores de serviços que não a emitente das facturas não consideradas.
A Administração Tributária tem o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca, nos termos do aludido 58.º da LGT, e só a insuficiência probatória dos mesmos, que não ocorre nos presentes autos, é que pode ser valorada processualmente contra ela.
Perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente.
No caso em apreço não há dúvida de que os factos mais razoáveis e de acordo com a experiência são os que nos leva à convicção que a AT fez a prova que lhe era exigida, quanto ao bem fundado da formação das suas presunções de existência de facturação falsa e, naturalmente conduz à improcedência das conclusões das alegações e do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.
Com efeito, a partir dos factos provados, podemos concluir que a Recorrente não provou a efectiva prestação dos serviços que estão suportados pelas facturas, nomeadamente, não apresentou contratos escritos assinados, troca de correspondência entre as empresas, informações completa sobre os trabalhadores, fichas de obra, auto de medição e prova dos pagamentos das facturas.
Realmente, como se lê na motivação da matéria de facto dada como assente, os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de impugnação foram esquivos, incutindo dúvida no que tange a eventual subcontratação por parte da aqui Recorrente, com falha total de descrição das relações da Recorrente com a “SC S.A., Lda.”, bem como não ficou claro que fosse o “Sr. S...” o contacto e a pessoa presente em obra representante da emitente das facturas.
Sobre a Recorrente impedia a prova de que, não obstante esses factos, as prestações de serviço foram efectivamente executadas pela “SC SA, Lda.”, ou seja, cabia-lhe demonstrar a existência dos factos que invoca, como pilar da almejada anulação das liquidações adicionais de IRC, o que não logrou, pelo que tem que suportar a desvantagem de não ter cumprido o ónus de prova que sobre si impendia.
Daí que, incumbindo à Impugnante, aqui Recorrente, o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, tais montantes não possam ser considerados como custos para efeitos fiscais.
Impõe-se, pois, negar provimento ao presente recurso.
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Conclusões/Sumário:
1.ª Não basta à Recorrente remeter para as folhas da transcrição do depoimento das testemunhas, impunha-se-lhe, antes, que indicasse com exactidão as concretas passagens do depoimento testemunhal que impõem levar ao probatório os pontos de facto que merecem uma resposta diversa da decisão da matéria de facto, acompanhada de apreciação crítica dos meios de prova.
2.ª A divergência de convicção pessoal da Recorrente sobre a prova produzida em diligência de inquirição de testemunhas e aquela que o Tribunal a quo formou não se confunde com erro de julgamento, pois, trata-se, antes, de uma diferente valoração da prova.
3.ª A Administração Tributária tem o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca, nos termos do aludido 58.º da LGT, e só a insuficiência probatória dos mesmos, que não ocorre nos presentes autos, é que pode ser valorada processualmente contra ela.
4.ª Perante esses concretos indícios, essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente.
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IV – DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Porto, 9 de Maio de 2019.
Ass. Maria Cardoso
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Bárbara Tavares Teles