Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00076/18.4BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES;
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; RESOLUÇÃO CONTRATUAL;
FORMULAÇÃO DE PEDIDO INDEMNIZATÓRIO; NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», com o NIF ...74, residente na Rua ... ..., instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO NACIONAL DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES, I.P, ...70, com sede no Largo ..., em ..., pedindo a sua condenação a reintegrar a A. nos termos e funções que detinha à data da resolução [do contrato de avença], pagando com efeitos retroativos as renumerações até então devidas, e a pagar à A. a quantia de €59.400,00 (cinquenta e nove mil e quatrocentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, a titulo de danos patrimoniais e da quantia de €15.000,00 (quinze mil Euros), a titulo de danos não patrimoniais. Tudo acrescido dos juros de mora deste a citação até ao seu efetivo e integral pagamento.
Por decisão proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1° Salvo erro e o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo cometeu erro de actividade e de julgamento, porquanto fez errada interpretação e aplicação, quer das normas de direito adjectivo, quer das normas de direito substantivo.

2° A sentença deu como provados os factos provados em 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. da sua fundamentação que se dão como reproduzidos.

3° A sentença julgou a acção totalmente improcedente porquanto, entendeu que a contrato de prestação de serviços, independentemente do prazo e condições nele fixadas, é livremente revogado por qualquer das partes, sem qualquer consequência.

4° Bem como, que com tal revogação não existiu qualquer impossibilidade da A. em ingressar na administração publica.

5° Desde logo a sentença padece de nulidade (art. 615° n° 1 d) do Cód. Proc. Civil), ou in minime de ilegalidade, porquanto não conheceu de factos de que estava obrigada a conhecer, porque alegados pela A., em sede de P.I.

6° Assim, e como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo, só deu como provados os factos dados como provados “Atentas as posições das partes e considerando os documentos juntos aos autos o Tribunal dá como provados os seguintes factos suficientes para a discussão e a decisão a proferir”.

7° Porém, outros factos foram expressamente alegados pela A., e sobre os quais o Tribunal a quo devia ter conhecido e produzido prova, atendendo às várias soluções de direito.

8° A saber, os constantes nos arts. 25., 26., 34., 35., 36., 62., 66., 67., 68., 69., 86., 87., 88., 89., 90., 91., 92., 93., 94., 95., 96., 97., 98., 99., 100., 101., 102., 103., 104., 105., 106., 107. da P.I.

9° Entende-se, ainda, que a sentença fez errada interpretação e aplicação das normas aplicáveis in caso.

10° Assim, e de acordo com a factologia alegada, em 06 de Agosto de 2015, a A. e a R. celebraram um contrato que teve por objecto principal a aquisição de serviços, na modalidade de avença fixa.

11° A R. para a celebração de tal contrato, escolheu o ajuste direto, nos termos do disposto na alínea a) do n°1 do artigo 20° do Código de Contratos Públicos (CCP).

12° A proposta de adjudicação do contrato foi autorizada por Deliberação do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF, I.P., no dia 04 de Agosto de 2015, que também aprovou o contrato e suas cláusulas a outorgar pela A. e pela R.

13° Tendo em consequência de tal contrato a A., obrigado a prestar à R., os serviços constantes da clausula oitava desse contrato.

14° Foi igualmente acordado que os serviços supra mencionados deveriam ser prestados na Sede da R. sito no Largo ... .... Funções a ser exercidas com periodicidade laboral e sob as ordens, direção e fiscalização da R.

15° Foi igualmente acordado que o preço contratual total era de € 29.700,00 (vinte e nove mil e setecentos euros) acrescido de I.V.A. à taxa legal em vigor, se devido, equivalente a onze prestações mensais em cada ano de €900,00 (novecentos euros).

16° Tal preço, de acordo com o contrato outorgado, incluía todos os custos, encargos e despesas cuja responsabilidade não estivesse expressamente atribuída à R., incluindo as despesas de alojamento, alimentação e deslocação de meios humanos, bem como as despesas de aquisição, transporte, armazenamento e manutenção de meios materiais.

17° A. e R. acordaram que o contrato teria a duração de 12 (doze) meses contados desde 01 de Abril de 2015.

18° Fixando a Cláusula 3.ª de tal contrato, o prazo de vigência, condições de renovação, condições de denuncia, que se dão como reproduzidas.

19° O contrato foi executado pelas partes entre 01 de Abril de 2015 a 31 de Março de 2016, renovando-se, existindo igual cumprimento entre 01 de Abril de 2016 a 31 de Março de 2017.

20° Acontece que, no dia 31 de Março de 2017, a R. informou verbalmente a A. que esse mesmo dia deixaria de exercer funções.

21º A A. na sequência dessa comunicação requereu à R. uma “carta de despedimento” e a “Declaração da situação de desemprego de trabalhadores independentes economicamente dependentes (Mod. RP 5064-DGSS)”.

22º Nos termos desse pedido, a R. no dia 17 de Abril de 2017, colocou à disposição da A., uma Deliberação do Conselho Directivo referente à reunião de 29 de Março de 2017 (assinada pelo Presidente desse Conselho Directivo – «BB»), na qual constava a decisão de não renovação do contrato.

23º Assim, a deliberação que deu conta da decisão de não renovação de contrato com a A., em documento emitido a 29 de Março de 2017, pelo Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF, I.P. - Dr. «BB» -, foi tomada fora do tempo de denúncia contratualmente estipulado pelas partes.

24º O contrato celebrado entre a R. e a A., com início em 01 de Abril de 2015, foi objecto de duas renovações tácitas.

25º Desta forma o contrato terminava o seu período de vigência apenas em 31 de Março de 2018, conforme o ponto 1 da sua Cláusula 3.ª.

26º Uma vez que, não estava prevista, para qualquer das partes, a faculdade de pôr termo ao contrato a todo o tempo, com ou sem aviso prévio.

27º O que resulta do ponto 2 da Cláusula 3.ª do contrato é tão-somente que, pretendendo uma das partes denunciar o contrato, poderá fazê-lo para o termo em curso (no caso, 31 de Março de 2017), desde que avise a contraparte com uma antecedência mínima de 60 dias (até 31/01/2017), mediante aviso prévio, através de carta registada com aviso de recepção.

28º Assim, caso a R. pretendesse efetivamente prescindir dos serviços da A. com efeitos a partir de 31 de Março de 2017, haveria por parte da R. o dever de denunciar o contrato, no tempo e nos termos contratualmente fixados. Ou seja, a 31 de Janeiro de 2017. O que não sucedeu.

29° Igualmente, no dia 17/04/2017, a R. emitiu à A. Declaração de Situação de Desemprego.

30° Em consequência da revogação do contrato operada pela R., deixou de receber a retribuição anual de € 9.900,00 (nove mil e novecentos euros) acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. Ficando numa situação de desempregada.

31° A A. deixou de poder concorrer a empregos com renumeração igual ou superior a que obtinha.

32° A A. perdeu a oportunidade de submeter-se ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.

33° A A. ficou em situação económica difícil, tanto mais que adquiriu carro, para poder deslocar-se com frequência a ..., para poder cumprir pontualmente o veículo contratual, cujo preço paga a prestações.

34° A resolução contratual por parte da R, carece de cobertura legal.

35° Assim, a R. celebrou com a A. um contrato administrativo de aquisição de serviços, que o Código de Contratos Públicos regula e define no artigo 450.° como “(...) contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários tipos de serviços mediante o pagamento de um preço.”

36° O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas foi celebrado para a prestação de trabalho em pessoa coletiva de direito público (INMLCF, I.P.).

37° Este tipo de contrato poderia ser livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário.

38° Acontece, porém que, no âmbito desse contrato foi fixado a modalidade de avença fixa, isto é, contrato cuja execução é de “(...) prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.”, cf. o artigo 10.° da Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho.

39° A este contrato, na falta de regulação especial aplica-se as disposições relativas ao mandato artigo 1157.° do Código Civil.

40° Entre elas conta-se a regra, imperativa, da livre revogabilidade do contrato, não obstante convenção em contrário (art.° 1170.°, n.° 1 CC).

41° Acontece que, as partes acordaram que prazo de vigência do contrato seria de 12 (doze) meses, a ter início no dia 1 de Abril de 2015, com renovações automáticas por iguais períodos, se nenhuma das partes o denunciasse, até o máximo de 36 (trinta e seis) meses.

42° Qualquer uma das partes detinha o direito potestativo de denunciar do contrato, sem obrigação de indemnização à contraparte, desde que, fosse respeitado os requisitos de aviso prévio, e antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.

43° Neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n° 923/08.9TVLSB.L1-7, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/e1f0d6d2d77dff29802577a800529231

44° Assim a denúncia é uma das modalidades de cessação contratual, que por iniciativa extrajudicial, que se traduz numa declaração de vontade unilateral receptícia de um dos contraentes no sentido de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável. Todavia, não existiu denúncia no prazo supra indicado.

45° Como consequência, o direito potestativo de denúncia extinguiu-se pelo simples facto de chegar-se ao fim do tempo já previamente convencionado para o exercer.

46° Assim, tem-se por adquirida a vontade tacitamente manifestada de não colocar fim ao contrato.

47° Veja-se no artigo 217.°, n.1 do Código Civil, a noção legal de declaração tácita “(...)é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”

48° Tacitamente as partes quiseram e conformaram-se com a renovação do contrato, por igual período, operada no momento em que expira o prazo (60 dias) para as partes comunicarem a intenção de pôr fim ao contrato.

49° Assim, a data do final do contrato, originariamente convencionada, foi substituída pela a que resulta da renovação (isto é, até um limite máximo de 36 meses).

50° Nestes termos, o contrato foi celebrado para durar até 31 de Março de 2016 e renovou-se, passando a ter como termo final o dia 31 de Março de 2017, mas isto, se, uma das partes – designadamente o contraente público - comunicar à outra, mediante aviso prévio, com antecedência de 60 dias, a vontade de não renovar, caso contrario, renovar-se-á por mais um ano.

51° Logo o referido contrato renovou-se, a 1 de Abril de 2017, tendo como termo o dia 31 de Março de 2018.

52° Desta forma, o silêncio do contraente-público subsistiu para além do prazo convencionado, o que gerou a prorrogação da vigência do contrato por mais um ano.

53° Este silêncio vale enquanto declaração negocial, uma vez que, esse valor foi atribuído por “convenção” cfr. artigo 218° do Código Civil.

54° O silêncio, de forma tácita, produziu os seus efeitos (a renovação contratual) em momento anterior à comunicação da vontade do contraente em o fazer cessar.

55° Desta forma, a comunicação verbal efectuada pela R. no dia 31 de Março de 2017, bem como a comunicação de 19 de Abril de 2017, que determinam a “(...) não renovação do contrato (...)”, não poderão afetar as expectativas contratuais da A., criadas no dia 31 de Março de 2017 (momento da renovação do contrato).

56° Esta comunicação é extemporânea, por ser efectuada para além do prazo convencionalmente acordado 60 (sessenta dias), e não cumpre os requisitos contratualmente convencionados (notificação através de carta registada com aviso de recepção).

57° A declaração de vontade de não renovação do contrato, comunicada a A., não tem cobertura legal, sendo esta ilícita.

58° Por outro lado, o Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF, I.P. deliberou no sentido de não proceder à renovação do contrato, alegando que esta carece de parecer prévio vinculativo do membro do Governo responsável pela área das finanças, conforme o artigo 75.°, n.° 5 da Lei n.° 82-B/2014, de 31 de Dezembro.

59° Tal deliberação baseia-se em fundamento que não é legalmente válido.

60° Assim, a renovação dos contratos de prestação de serviços na modalidade de avença fixa, estão sujeitos ao referido diploma, bem como à Portaria n.° 20/2015, de 04 de Fevereiro de 2015.

61° Estabelece o artigo 3.°, n.° 1 da referida Portaria, que “Antes da decisão de contratar, o dirigente máximo do órgão ou serviço solicita aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública a emissão de parecer”.

62° Acontece que o dirigente máximo do INMLCF, I.P., contratou sem proceder ao pedido de parecer vinculativo. Sendo tal facto e suas consequências jurídicas ignoradas na sentença recorrida.

63° Só posteriormente, porquanto da verificação da “(... )urgente necessidade de sanar as irregularidades verificadas no processo de contratação (...)”, colocadas a descoberto na sequência de uma auditoria, levada a cabo pela Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça, é que, decidiu “não proceder à renovação do contrato” celebrado com a A., quando tacitamente em momento anterior (dia 31 de Janeiro de 2017 - 60 dias antes) o contrato já se havia renovado, tendo como termo o dia 31 de Março de 2018.

64° Ora tal conduta, é tida como resolução unilateral do contrato, pelo contraente público.

65° Ora, convocando ao caso, o Princípio do Pacta Sunt Servanda, o contrato uma vez renovado, passa a ter força vinculativa para as partes, devendo ser pontualmente cumprido, cfr. 406.°, n.°1 do Código Civil.

66° Pelo que se atenta ao artigo 432.°, n.° 1 do Código Civil “é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção”.

67° A verdade é que não existiu acordo para resolução contratual, bem como, não se funda em disposição legal.

68° Esta não foi exercida no âmbito dos Poderes Exorbitantes de resolução do contraente Público, poder prescrito no artigo 302.° alínea a) do CCP, detalhadamente enunciado:
I. Nos artigos 329.°, n.°1 e 333.° do CCP, nos casos em que o contraente público pode resolver o contrato a título sancionatório, por acto administrativo;
II. No artigo 334.° do CCP, nos casos em que o contraente público pode resolver o contrato através da emissão de acto administrativo, por razões de interesse público (mediante o pagamento de uma justa indemnização);
III. No artigo 335.° do CCP, nos casos em que o contraente público pode resolver o contrato com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias.

69° Assim, a resolução do contrato, não encontra enquadramento em nenhuma das hipóteses supra mencionadas referentes aos Poderes do Contraente Público artigo 302.°, alínea e) do CCP, bem como, desrespeita o Princípio Pacta Sunt Servanda.

70° Trata-se de em rigor, de uma resolução do contrato inválida, o acto de resolução contratual padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 286.°, e 294.° do Código Civil.

71° Pelo que, a R. deverá ser condenada a indemnizar a A., pelos prejuízos sofridos decorrentes de tal conduta.

72° Pois, a revogação unilateral atribui o dever de indemnização pelos prejuízos dela decorrente para a contraparte, nos termos previstos no art.° 1172.° alínea c) do Código Civil, uma vez que trata-se de contrato oneroso, celebrado por certo tempo e foi revogado sem a antecedência conveniente.

73° No caso sub judice ficou acordado que o mesmo seria celebrado pelo prazo de 12 meses, automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se, denunciado por qualquer das partes, mediante carta registada com aviso de receção, até 60 dias antes do termo do prazo inicial ou da renovação em curso na data da expedição.

74° O que não sucedeu.

75° Desta forma, o artigo 1172° do CC aplica-se, devendo a R. proceder ao pagamento de uma indemnização à A.

75° A imediata cessação do contrato confere à A o direito a uma indemnização, isto pelos prejuízos que lhe foram causados, nos termos do disposto no artigo 562.° e seguintes do CC.

76° Convocando in caso a Teoria da Causalidade Adequada, há obrigação de indemnização em relação aos danos “(...)que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”, cfr. artigo 563.° do Código Civil.

77° Nos termos do artigo 564° do Código Civil, a indemnização deverá abranger o prejuízo causado e bem assim os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

78° Em consequência da revogação do contrato operada pela R., deixou de receber a retribuição anual de € 9.900,00 (nove mil e novecentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, referente ao período de 01/04/2017 a 31/03/2018, quantia, essa que se reclama à R.

79° A A. deixou de poder concorrer a empregos com renumeração igual ou superior a que obtinha, perdeu a oportunidade de submeter-se ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.

80° Daí resultando um prejuízo, calculado segundo as regras da equidade em pelo menos € 59.400,00 (cinquenta e nove mil e quatrocentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, face às legítimas espectativas criadas à A. pela R., quantia, essa que se reclama à R.

81° Equivalente ao valor de seis anos do preço contratual anual acordado. Pois, caso tal contrato tivesse sido regularmente celebrado pela R., e como tal não fosse objecto de resolução por parte desta.

82° Caso não fosse a conduta do R., a A. teria oportunidade de se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública. E de ingressar na carreira da Administração Publica, com todos os benefícios e direitos daí decorrentes e próprios dos trabalhadores da Função Publica. E continuar a receber tal valor contratual a titulo de retribuição.

83° Por outro lado, pelo facto de ter tal vínculo contratual com a R., a A. não concorreu nesse período a outros contratos com a Administração Publica.

84° Em consequência, da conduta da R., a A. ficou em situação económica difícil, uma vez que adquiriu carro, para poder deslocar-se com frequência a ..., para poder cumprir pontualmente o vínculo contratual.

85° Tendo de adiar projecto de vida, que passavam por sair de casa de seus pais, e morar em apartamento independente. Bem como, ficou impossibilitada de se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.

86° Toda esta situação foi apta a proporcionar e proporcionou à A., danos não patrimoniais que pela sua gravidade carecem de serem indemnizados.

87° Assim, a A. face à conduta da R., ficou e está apreensiva com o seu futuro, vivendo desde então triste e revoltada. Sentimentos, esses, que a afectam na sua vida pessoal, familiar e social. Passando a isolar-se e sentindo-se revoltada com a vida. Deixando de se alimentar, padecendo desde então de sentimentos de revolta, tristeza e angústia, estando depressiva.

88° Pois, a A., não fosse a conduta da R., podia-se ter submetido ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Publica.

89° O que lhe foi vedado pela conduta da R.

90° Situação, essa, que irá afectar de modo irreversível a vida da A.

91° Pelo que, R. deveria ter sido condenada a pagar à A., uma indemnização não inferior a € 15.000,00 (quinze mil Euros), a título de danos não patrimoniais.

92° Atenta a factualidade supra descrita, bem como todo o respectivo enquadramento jurídico, verifica-se que se encontram preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnização, devendo a R. ser condenada a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos e que perfazem a quantia global de € 59.400,00 (cinquenta e nove mil e quatrocentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, a titulo de danos patrimoniais e da quantia de € 15.000,00 (quinze mil Euros), a titulo de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora deste a citação até o seu efectivo e integral pagamento.

93° Consta da sentença recorrida, que a revogação do contrato da A. pela R., não impediu a A. de requerer a avaliação da sua situação, ao abrigo do programa regulado pela Portaria n° 150/2017, de 3 de maio. Constando a esse respeito, da sentença recorrida: “Conforme se refere tanto no preâmbulo da Portaria, como no seu artigo 1.º, n.º 2, o procedimento em causa respeita à avaliação de situações de exercício de funções existentes em algum momento do período de 1 de janeiro de 2017 até à data da sua entrada em vigor, o que abrange o período em que a A. prestou serviços no INML.”

94° Desde logo, lavra em erro o Tribunal a quo. Assim, consta de tal diploma no art. 1° n° 2, o seguinte:
“2 - O procedimento regulado pela presente portaria avalia situações de exercício de funções existentes em qualquer momento do período de 1 de janeiro de 2017 até à data da entrada em vigor daquela”.

95° Sendo, o diploma em causa entrou em vigor a 4 de Maio de 2017 (data seguinte à da sua publicação), pelo que, de acordo com a revogação do contrato, efectuada pelo R., o contrato em causa, já não estaria em vigor desde 31/03/2017.

96° Assim o mesmo, já se vê, não estaria em vigor a 04/05/2017.

97° Entende-se que, a aplicação da Portaria n° 150/2017, de acordo com a redação dada ao art. art. 1° n° 2 de tal diploma, implica a avaliação de situações existentes e em vigor até 04/05/2017. Ora, sucede que, de acordo com a conduta do R., no que toca à A., tal situação deixou de existir desde 30/03/2017.

98° Sendo que, mesmo que fosse possível a comunicação da revogação do contrato a 31/03/2017 (o que só por mera hipótese de raciocínio se concede), a mesma só teria efeitos, passados 60 dias, após tal data. Isto é, a 31 de Maio de 2017.

99° Logo, caso tivesse sido cumprido tal prazo, de aviso prévio, o contrato ainda estaria em vigor a 04/05/2017. Podendo, segundo a sentença, a A. requerer tal avaliação ao abrigo do programa regulamentado pela Portaria n° 150/2017 de 3 de maio.

100° O que a A. esteve impedida, por incumprimento contratual da R., ao não respeitar o aviso prévio de 30 dias.

101° Aliás, em último termo, a A. sempre teria direito a receber a indemnização equivalente, à retribuição que deixou de receber por falta de aviso prévio, isto é, de € 1.800,00 (mil e oitocentos Euros), acrescidos de IVA.

102°Assim, a sentença enferma de nulidade e de ilegalidade, tendo violado os normativos supra elencados. Pelo que deverá ser revogada, devendo o R. ser condenado no pedido. Ou caso assim, se não entenda, deverão os autos serem remetidos à 1ª instância, a fim de conhecer e decidir toda a matéria de facto alegada e proceder à consequente aplicação do direito.

Termos em que e com o suprimento, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida, devendo o R. ser condenado no pedido. Ou caso assim, se não entenda, deverão os autos serem remetidos à 1ª instância, a fim de conhecer e decidir toda a matéria de facto alegada e proceder à consequente aplicação do direito.
Tudo com as Legais consequências.
Assim se fazendo
JUSTIÇA!

Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão ficou assente a seguinte factualidade:
1. Em 06 de agosto de 2015, a A. e a R. celebraram um contrato que tem
por objeto principal a aquisição de serviços, na modalidade de avença fixa - cf. doc. ... junto com a p.i.;
2. A proposta de adjudicação do contrato foi autorizada por Deliberação do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF, I.P., no dia 04 de agosto de 2015, que também aprovou o contrato e suas cláusulas - acordo e teor do contrato junto como doc. ... com a petição inicial;
3. Nos termos da cláusula 8.ª (oitava) desse contrato, a A. obrigou-se à prestação dos seguintes serviços:
a) Cooperação na coordenação científica de atividade de medicina legal e outras ciências forenses;
b) Cooperação na coordenação de atividades de investigação, nos diversos domínios da medicina legal e outras ciências forenses;
c) Cooperação na elaboração de planos de formação técnico-científica;
d) Cooperação na realização de cursos de formação profissional e de ensino pré-graduado nas diversas áreas das ciências forenses;
e) Cooperação na organização de eventos das diversas áreas das ciências forenses; e
f) Exercício de atividades na área da Antropologia Forense, designadamente identificação de restos humanos e das causas da morte, através do exame dos ossos e das lesões. - cf. doc. ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4. Foi igualmente acordado que os serviços supra mencionados deveriam ser prestados na Sede da R. sito no Largo ... ... - cf. doc. ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; acordo;
5. A. e R. acordaram que o contrato teria a duração de 12 (doze) meses contados desde 01 de abril de 2015, e que o preço contratual total seria de € 29.700,00 (vinte e nove mil e setecentos euros) acrescido de I.V.A. à taxa legal em vigor, se devido, equivalente a onze prestações mensais em cada ano de €900,00 - cf. doc. ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; acordo;
6. O preço supra referido incluía todos os custos, encargos e despesas cuja responsabilidade não esteja expressamente atribuída à R., incluindo as despesas de alojamento, alimentação e deslocação de meios humanos, bem como as despesas de aquisição, transporte, armazenamento e manutenção de meios materiais - cf. doc. ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; acordo;
7. A Cláusula 3.ª do contrato mencionado nos pontos antecedente dispõe, sob a epígrafe “Prazo de vigência do contrato”, o seguinte:
1. O contrato mantém-se em vigor pelo prazo de 12 (doze) meses, a contar do dia 1 de abril de 2015, e considera-se automaticamente renovado por períodos subsequentes de 12 (doze) meses, se nenhuma das partes o denunciar, até ao limite máximo de 36 (trinta e seis) meses, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
2. Qualquer das partes pode denunciar o contrato, mediante aviso prévio à contraparte com a antecedência mínima de 60 dias, sem obrigação de a indemnizar/sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do mesmo.
3. A denúncia deve ser efetuada mediante notificação à contraparte, através de carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.” - cf. doc. ... junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; acordo;
8. O contrato foi executado pelas partes entre 01 de abril de 2015 e 31 de março de 2017 - acordo;
9. No dia 31 de março de 2017, o R. (na pessoa do Professor Doutor «BB») informou verbalmente a A. que nesse mesmo dia deixaria de exercer funções - acordo;
10. A A. na sequência dessa comunicação requereu ao R. uma “carta de despedimento” e a “Declaração da situação de desemprego de trabalhadores independentes economicamente dependentes (Mod. RP 5064-DGSS)” - acordo;
11. O R., no dia 17 de abril de 2017, remeteu à A. a Deliberação do Conselho Diretivo referente à reunião de 29 de março de 2017 (assinada pelo Presidente desse Conselho Diretivo - «BB»), na qual constava a decisão de “não proceder à renovação do contrato” celebrado com a A. - cf. doc. ... junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
12. No mesmo dia 17 de abril de 2017, o R. emitiu à A. Declaração de Situação de Desemprego junta como doc. ... com a petição inicial.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, na óptica da Recorrente o Tribunal a quo cometeu erro de actividade e de julgamento, porquanto fez errada interpretação e aplicação, quer das normas de direito adjectivo, quer das normas de direito substantivo.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
Consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação de Direito:
“Afirma a A., desde logo, que não tendo o R. respeitado o prazo de 60 dias acordado para proceder à denúncia do contrato celebrado, o seu silêncio produziu os efeitos de renovação contratual, passando o referido contrato a ter como termo o dia 01.04.2018.
Entende, por isso, que a comunicação verbal efetuada pelo R. no dia 31.03.2017, bem como a comunicação de 19.04.2017, que determinam a “(...) não renovação do contrato (...)”, não poderão afetar as sua expectativas contratuais, criadas no dia 31.01.2017, por serem extemporâneas e por não cumprirem os requisitos convencionados
Mais defende que sendo a conduta do INML tida como resolução unilateral do contrato, a mesma é inválida, por não ter sido fundada nem em convenção nem na lei, mormente nas hipóteses mencionadas no artigo 302.º do CCP, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 1172.º, al. c) do CC, deve o R. proceder ao pagamento de indemnização à A., pelos prejuízos que lhe foram causados, nos termos do disposto no artigo 562.º e seguintes do CC.
Vejamos.
O Réu Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., abreviadamente designado por INML, é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio (cf. artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31 de julho).
Inexiste dissenso sobre a qualificação do contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços, que teve por objeto serviços de coordenação científica e de atividades de investigação no campo da medicina legal e outras ciências forenses, de elaboração de planos de formação técnico-científica e realização de cursos de formação profissional e de ensino pré-graduado nas diversas áreas das ciências forenses, assim como cooperação na organização de eventos das diversas áreas das ciências forenses e exercício de atividades na área da Antropologia Forense.
Efetivamente, e face aos factos provados, podemos concluir que estamos perante um contrato de prestação de serviços na modalidade de avença, que, conforme dispõe o artigo 10.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (LGTFP), aqui aplicável por força do disposto no seu artigo 1.º, n.º 2, tem como objeto a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal.
A lei prevê a possibilidade de cessação do contrato de avença celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar (cf. artigo 10.º, n.º 2, al. b) da LGTFP).
Não regulando o CCP, nem a LGTFP, além do que resulta do apontado artigo 10.º, o contrato de avença, devemos ainda atender ao regime previsto nos artigos 1154.º e ss. do Código Civil, designadamente, aos preceitos relativos ao contrato de mandato – artigo 1157.º e ss. – por força do disposto no artigo 1156.º do mesmo diploma.
Delimitado o quadro legal em que vamos mover-nos, atentemos ao teor do contrato em causa nos autos, em cuja cláusula 3.ª se dispõe, sob a epígrafe “Prazo de vigência do contrato”, o seguinte:
“1. O contrato mantém-se em vigor pelo prazo de 12 (doze) meses, a contar do dia 1 de abril de 2015, e considera-se automaticamente renovado por períodos subsequentes de 12 (doze) meses, se nenhuma das partes o denunciar, até ao limite máximo de 36 (trinta e seis) meses, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato.
2. Qualquer das partes pode denunciar o contrato, mediante aviso prévio à contraparte com a antecedência mínima de 60 dias, sem obrigação de a indemnizar/sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do mesmo.
3. A denúncia deve ser efetuada mediante notificação à contraparte, através de carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.”
A cessação deste contrato foi comunicada à A. em 31.03.2017, na sequência da deliberação do Conselho Diretivo do Réu de não proceder à renovação do mesmo (cf. pontos 9 e 11 do probatório). Não foi imputado à Autora qualquer comportamento inadimplente desta como fundamento da decisão do Réu de pôr termo ao contrato, apenas resultando da deliberação referida que tal decisão deriva da falta de solicitação de parecer prévio à contratação da A..
Ou seja, ao contrário do que parece pressupor a A. nos artigos 62.º a 75.º da petição inicial, não nos encontramos perante a figura da resolução contratual (cf. artigos 432.º e ss. do Código Civil). É que, conforme se consignou no Acórdão do STJ de 07.10.2003, proferido no Proc. n.º 03A2760 (disponível em www.dgsi.pt, bem como toda a jurisprudência doravante mencionada) a resolução é a destruição da relação contratual, operada por ato posterior de vontade de um dos contraentes, que, com base num fundamento legal ou convencional, pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado, coisa que não se verifica na hipótese presente, em que é nítido que a ré, baseando-se apenas na própria faculdade contratual e também legal de pôr termo ao contrato independentemente de qualquer conduta inadimplente da autora, (...), o pretende fazer cessar para futuro sem apagar os efeitos anteriormente produzidos. Isto é, estamos perante uma revogação do contrato de avença, pois se trata de uma cessação deste, destinada a operar apenas para futuro, a que, conforme acordado entre as partes, a ré podia livremente proceder independentemente de qualquer incumprimento da autora, que nem sequer se mostra invocado como base da cessação.
Isto é, no caso dos autos, quando o Réu, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho Diretivo, no dia 31.03.2017, comunicou à A. que nesse mesmo dia deixaria de prestar serviços, o que pretendeu fazer foi “revogar”, “fazer cessar” unilateralmente o dito contrato, sem causa ou fundamento para o efeito, a partir dessa data (ex nunc) e em violação do prazo de denúncia contratual que fora acordado entre as partes (vejam-se, a este propósito, os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado”, vol. II, 4ª ed., pág. 809).
Logo, temos uma verdadeira “revogação” do contrato de execução continuada acordado entre as partes, levada a cabo de forma unilateral.
Ora, nos termos do artigo 1170.º, n.º 1, do CC, “o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário...” - princípio da livre revogabilidade do mandato -, apenas assim não sucedendo se “o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa” – 1170.º, n.º 2, do CC Donde resulta que também o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário, salvo se tal contrato tiver sido celebrado no interesse de ambas as partes ou de terceiro.
A doutrina e a jurisprudência, no entanto, vêm entendendo que o simples facto de o contrato ser oneroso e de haver interesse económico no contrato não integra o “interesse” previsto na citada norma, pelo que, no presente caso se nos afigura que não tem aplicação o 1170.º, n.º 2, do CC – donde a admissão da livre revogabilidade contratual leva a cabo pelo Réu (cf. neste sentido, entre outros Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. II, 4.ª ed., pág. 809).
Assim sendo, não podemos deixar de considerar que com a dita comunicação o Réu “revogou” o contrato com efeitos a partir de 31.03.2017.
Porém, a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do artigo 1172.º, als. c) e d), do CC.
Foi o que aconteceu no presente caso, já que a dita revogação foi comunicada pelo Réu à A. no dia em que daria a renovação anual automática do contrato, portanto, fora do prazo para denúncia convencionado.
Esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, do CC, o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter que reintegrar a A., ou a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado.
Efetivamente, a A. alega que, na sequência da revogação contratual operada pelo Réu deixou de receber a retribuição anual de € 9.900,00 (nove mil e novecentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, referente ao período de 01.04.2017 a 31.03.2018, deixou de poder concorrer a empregos com igual ou superior à que obtinha, e perdeu a oportunidade de ingressar na carreira da Administração Publica, com todos os benefícios e direitos daí decorrentes e próprios dos trabalhadores da Função Publica, o que, além de lhe provocar danos patrimoniais que computa em € 59.400,00 (cinquenta e nove mil e quatrocentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, lhe provocou também danos morais.
A A. peticiona a sua reintegração nas funções que detinha à data da resolução, e o pagamento das remunerações até então devidas. Acontece que a A. não alega que tenha continuado a prestar serviços para além do dia 31.03.2017, antes resultando dos autos que não o fez, tendo-lhe sido entregue declaração para efeitos de requerer subsídio de desemprego. Ademais, ainda que a revogação do contrato, ocorrida no dia 31.03.2017 e para produzir efeitos no mesmo dia, tenha que se considerar efetuada sem a “antecedência conveniente” (entendida como “o tempo necessário para prover aos seus interesses”, conforme defendem Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pág. 813), certo é que a A. não alega quaisquer prejuízos como decorrentes da inobservância de tal antecedência, não existindo qualquer obrigação legal de o mandante (INML) “cumprir as suas obrigações contratuais, designadamente a de retribuição, pelo tempo correspondente ao prazo não decorrido; ao invés, tem de indemnizar os prejuízos causados, para os quais a lei não dá qualquer medida que não seja a resultante do funcionamento da teoria da diferença - artº 566º, nº 2... Daí que não possa a outra parte pedir, sem mais, as retribuições ajustadas para esse período, cabendo-lhe antes alegar e provar qual o prejuízo por si sofrido efetivamente, dependente não só das receitas que não auferiu, mas também da existência ou inexistência de despesas não efetuadas” (in Ac. STJ de 29.09.1998, in C.J. STJ, ano VII, tomo III, pg. 34, apud Ac. do TRL de 10.02.2009, proferido no Proc. n.º 4300/07.0TJCBR.C1).
Bem assim, não pode o Tribunal afirmar que revogação contratual é facto sem o qual se teria verificado o ingresso da A. numa carreira da Administração Pública. Aliás, nem se pode afirmar que, tendo sido respeitado o prazo de 60 dias previsto para a denúncia do contrato, ou a antecedência considerada “conveniente” (cf. artigo 1172.º, al. d) do CC) para o Réu proceder à revogação, a A. teria a chance de se submeter ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no setor empresarial do Estado, previsto no artigo 19.º da Lei n.º 7 -A/2016, de 30 de março, no artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e na Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro.
Desde logo, se a A. não requereu a avaliação da sua situação, ao abrigo do programa regulado pela Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, não terá sido por causa da revogação do seu contrato, já que, apesar desta, não estava impedida de o fazer. Conforme se refere tanto no preâmbulo da Portaria, como no seu artigo 1.º, n.º 2, o procedimento em causa respeita à avaliação de situações de exercício de funções existentes em algum momento do período de 1 de janeiro de 2017 até à data da sua entrada em vigor, o que abrange o período em que a A. prestou serviços no INML.
Por outro lado, conforme defende Carlos A. Fernandes Cadilha, o “... direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado ...”, já que a “... questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expetativa jurídica ...”. E, concluindo, afirma que não “... existindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, e sendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, a figura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações de privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caraterizar, com mais evidência, como um dano autónomo.” (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado, 2.ª edição, 2011, págs. 98/100).
A propósito da indemnização por perda de chance expôs-se no Acórdão do TCAN de 11.10.2013, proferido no Proc. n.º 01119/08.5BECBR:
“XXII. Assim sendo, a doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.”.
Revertendo ao caso dos autos, e compulsado o teor da Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, temos, desde logo, que apenas seriam de submeter ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública as situações de exercício de funções na administração direta e indireta do Estado, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário de trabalho, que correspondam a necessidades permanentes dos órgãos ou serviços e sem o adequado vínculo jurídico.
Ora, a A. não demonstra (nem sequer em termos de alegação, diga-se), nem factos dos quais resulte que prestava serviços com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário de trabalho, nem factos dos quais resulte que a sua atividade era desempenhada para prover a necessidades permanentes do INML.
Assim, não só porque a perda de oportunidade não resulta da revogação aqui em causa, como porque não vêm demostrados factos dos quais resulte que aquela oportunidade era real e séria, fica afastada a possibilidade de indemnizar a A. por não se ter submetido ao de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no setor empresarial do Estado.
Por fim, e quanto aos danos morais que vêm alegados, os mesmos são apontados como tendo decorrido diretamente da impossibilidade de a A. se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública, e não da revogação do contrato de prestação de serviços, em si mesma.
Deste modo, ainda que se provasse, abrindo um período de instrução para o efeito, que os mesmos ocorreram, jamais poderia ser atribuída à A. qualquer indemnização por tais danos, porquanto, como vimos, tal impossibilidade não só não decorre da revogação, como, ainda que decorresse, a A. não demonstrou factos dos quais resulte a existência de uma probabilidade real, séria, e considerável de obter qualquer vantagem caso se tivesse submetido a tal programa.
Assim sendo, e em suma, uma vez que,
(i) por um lado, a indemnização prevista no artigo 1172.º, al. c)
do CC visa apenas reparar o dano resultante da revogação extemporânea (evento que obriga à reparação), nos termos dos artigos 562.º, 563.º e 564.º, do CC, e que a observância do prazo de “antecedência conveniente” jamais poderia conduzir à retoma da prestação de serviços por parte da A., não vindo peticionado o pagamento de indemnização pelos prejuízos decorrentes da inobservância dessa antecedência,
(ii) e que, por outro lado, a A. não ficou impedida, pela revogação do contrato de prestação de serviços, de requerer a análise da sua situação ao abrigo do programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública, regulado pela Portaria n.º 150/2017, de 3 de maio, forçoso será concluir pela improcedência da presente ação, em que vem exclusivamente peticionada a reintegração da A. nos termos e funções que detinha à data da revogação, com o pagamento das remunerações devidas pela prestação de serviços, e o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais pelo facto de aquela ter perdido a oportunidade de se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.” (sublinhados nossos).
Quanto à matéria de facto -
Invoca a Recorrente a nulidade da sentença (artº 615° n° 1 d) do Cód. Proc. Civil), ou in minime a sua ilegalidade, porquanto não conheceu de factos de que estava obrigada a conhecer, porque alegados pela A., em sede de P.I..
Da omissão de pronúncia -
Com efeito, a correspondente nulidade mostra-se tipificada na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, relacionando-se com o n.º 2 do art.º 608.º do CPC, segundo a qual, «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Assim, só haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes, excetuando aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
A omissão de pronúncia como nulidade só se verifica quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não quando deixa de apreciar os argumentos invocados a favor da versão por elas sustentada, entendimento que é pacificamente aceite pela generalidade da jurisprudência.

In casu a situação relatada pela Recorrente não se reconduz ao vício de nulidade.
Todavia, a Recorrente tem razão num ponto.
É que foram expressamente alegados pela Autora factos sobre os quais o Tribunal a quo devia ter produzido prova, atendendo às várias soluções plausíveis da questão de direito.
A saber,
“25º- Todavia o contrato celebrado entre a R. e a A., com início em 01 de Abril de 2015, foi objecto de duas renovações tácitas (primeira a 01 de Fevereiro de 2016 e segunda a 31 de Janeiro de 2017.
26º- Desta forma o contrato terminava o seu período de vigência apenas em 01 de Abril de 2018, conforme o ponto 1 da sua Cláusula 3.ª.
(..)
34º- Deixou de poder concorrer a empregos com renumeração igual ou superior a que obtinha.
35º- Perdeu a oportunidade de submeter-se ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.
36º- Ficou em situação económica difícil, tanto mais que adquiriu carro, para poder deslocar-se com frequência a ..., para poder cumprir pontualmente o veículo contratual, cujo preço paga a prestações. (doc. ...)
(...)
62º- O Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF, I.P. deliberou no sentido de não proceder à renovação do contrato, alegando que esta carece de parecer prévio vinculativo do membro do Governo responsável pela área das finanças, conforme o artigo 75.º, n.º 5 da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro.
(...)66º- Acontece que o dirigente máximo do INMLCF, I.P., contratou sem proceder ao pedido de parecer vinculativo.
67º- Só posteriormente, porquanto da verificação da “(...) urgente necessidade de sanar as irregularidades verificadas no processo de contratação (...)”, colocadas a descoberto na sequência de uma auditoria, levada a cabo pela Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça, é que,
68º- Decidiu “não proceder à renovação do contrato” celebrado com a A., quando tacitamente em momento anterior (dia 31 de Janeiro de 2017) o contrato já se havia renovado, tendo como termo o dia 1 de Abril de 2018.
69º- Ora tal conduta, é tida como resolução unilateral do contrato, pelo contraente público.
(...)86º- Perdeu a oportunidade de submeter-se ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.
87º- Daí resultando um prejuízo, calculado segundo as regras da equidade em pelo menos € 59.400,00 (cinquenta e nove mil e quatrocentos Euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, face às legítimas espectativas criadas à A. pela R., quantia, essa que se reclama à R.
88º- Equivalente ao valor de seis anos do preço contratual anual acordado.
89º- Pois, caso tal contrato tivesse sido regularmente celebrado pela R., e como tal não fosse objecto de resolução por parte desta.
90º- A A. teria oportunidade de se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.
91º- Ingressar na carreira da Administração Publica, com todos os benefícios e direitos daí decorrentes e próprios dos trabalhadores da Função Publica.
92º- E continuar a receber tal valor contratual a título de retribuição.
93º- O que foi impedida de o fazer face à resolução contratual realizada pela R.
94º- Por outro lado, pelo facto de ter tal vínculo contratual com a R., a A. não concorreu nesse período a outros contratos com a Administração Publica.
95º- Em consequência, da conduta da R., a A. ficou em situação económica difícil, uma vez que adquiriu carro, para poder deslocar-se com frequência a ..., para poder cumprir pontualmente o vínculo contratual.
96º- Tendo de adiar projecto de vida, que passavam por sair de casa de seus pais, e morar em apartamento independente.
97º- Bem como, ficou impossibilitada de se submeter ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Pública.
98º- Toda esta situação foi apta a proporcionar e proporcionou à A., danos não patrimoniais que pela sua gravidade carecem de serem indemnizados.
99º- Assim, a A. face à conduta da R., ficou e está apreensiva com o seu futuro.
100º- Vivendo desde então triste e revoltada.
101º- Sentimentos, esses, que a afectam na sua vida pessoal, familiar e social.
102º- Passando a isolar-se e sentindo-se revoltada com a vida.
103º- Deixando de se alimentar, padecendo desde então de sentimentos de revolta, tristeza e angustia.
104º- Estando depressiva.
105º- Pois, a A., não fosse a conduta da R., podia-se ter submetido ao programa de regularização dos vínculos precários na Administração Publica.
106º- O que lhe foi vedado pela conduta da R.
107º- Situação, essa, que irá afectar de modo irreversível a vida da A.”.
Ora, o Tribunal a quo, não conheceu tais factos alegados pela Autora.
Assim, terá a sentença de ser revogada a fim de os mesmos serem enfrentados, embora se reconheça que em determinadas situações há confusão entre factos e direito e entre factos e matéria conclusiva.
Em suma,
A sentença deu como provados os factos provados em 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. da sua fundamentação que se dão como reproduzidos.
A sentença julgou a acção totalmente improcedente porquanto, entendeu que o contrato de prestação de serviços, independentemente do prazo e condições nele fixadas, é livremente revogado por qualquer das partes, sem qualquer consequência.
Bem como, que com tal revogação não existiu qualquer impossibilidade da A. em ingressar na administração publica.
Todavia, a sentença peca por deficit instrutório.
Na verdade, não conheceu de factos de que estava obrigada a conhecer, porque alegados pela Autora, em sede de P.I..
Assim, e como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo, deu como provados os factos “Atentas as posições das partes e considerando os documentos juntos aos autos” considerando-os “suficientes para a discussão e a decisão a proferir”.
Porém, outros factos foram expressamente alegados pela A., e sobre os quais o Tribunal a quo devia ter conhecido e produzido prova, atendendo às várias soluções plausíveis da questão de direito.
Procedem, assim, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e determina-se a remessa dos autos ao TAF a quo a fim de conhecer e decidir toda a matéria de facto alegada e proceder à consequente aplicação do direito.
Sem custas.
Notifique e DN.

Porto, 15/12/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Isabel Jovita