Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
923/08.9TVLSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRAZO
RENOVAÇÃO
CESSÃO DE CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
LUCRO CESSANTE
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Se se prevê que, findo o prazo inicialmente estipulado, o contrato de prestação de serviços se renova, sem necessidade de qualquer declaração nesse sentido (tacitamente), tal só pode significar que o contrato, tal como foi celebrado, começa de novo, repete-se, reinicia-se, nos termos em que foi acordado, nomeadamente, quanto à sua validade.
2. Prevendo-se a renovação tácita do contrato, seguida da possibilidade de lhe pôr termo com a antecedência de 60 dias, terá de entender-se que a referida antecedência se reporta ao termo do prazo da renovação.
3. Visando a indemnização ressarcir os lucros cessantes sofridos pelo mandatário, os mesmos deverão ser calculados em função da retribuição estipulada no contrato, deduzida das despesas que se deixam ou não de efectuar.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
            A, Lda. intentou contra S acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 81.211,20, acrescida de juros vincendos, à taxa legal até integral pagamento.
            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
A A. tem por objecto a prestação de serviços de limpeza, e no âmbito da sua actividade, em 4.06.2001, celebrou com a R. um contrato de prestação de serviços gerais de limpeza, obrigando-se a limpar as instalações da R., nos termos e com a periodicidade definidas no Orçamento que fazia parte do contrato, mediante o pagamento do preço mensal de Esc. 2.363.000$00, acrescido de IVA, actualizável anualmente, em Janeiro.
            Em resultado dos sucessivos aumentos, em Dezembro de 2007, o preço mensal era de € 15.820,56, IVA incluído.
            A. e R. acordaram que o contrato teria a duração de 12 meses, renovando-se tacitamente por iguais e sucessivos períodos, excepto se qualquer das partes lhe pusesse termo por comunicação através de carta registada com a/r, com a antecedência de 60 dias relativamente à data do termo, tendo-se o contrato renovado 6 vezes, a última das quais em 4.06.07.
Em 31.10.07, a A. recebeu uma comunicação da R. informando-a que resolvia o contrato com efeitos a partir de 31.12.07, tendo em vista abrir concurso de prestação de serviços de limpeza relativamente a mais 2 estabelecimentos da R.
Em 10.12.07, a A. respondeu afirmando que a R. só poderia resolver o contrato para o seu termo em 4.06.08, não sendo fundamento para o resolução antecipada o invocado, o que, a manter-se, importaria obrigação de indemnizar.
Mais acrescentando que tinha concorrido ao concurso já aberto e caso fosse contratada, não haveria lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
Tal não veio a suceder, tendo a R. comunicado à A., em 20.12.2007, que os serviços tinham sido adjudicados a outra empresa, confirmando a resolução contratual unilateral já feita, com efeitos a partir de 31.12.07.
A resolução foi feita sem motivo justificado e não foi feita ao abrigo da cláusula contratual invocada.
A A. está disponível para efectuar a sua prestação, só não o fazendo por a tal ser impedida pela R.
Tem, pois, direito ao valor integral da contraprestação pecuniária a que a R. se havia contratualmente obrigado, correspondente aos meses de Janeiro a 4 de Junho de 2008.

Regularmente citada, a R. contestou, por excepção, invocando a incompetência territorial relativa do tribunal, e por impugnação, propugnando pela improcedência da acção, pedindo, ainda, a condenação da A. como litigante de má fé, em indemnização no valor mínimo de € 1.000,00.

A A. replicou, propugnando pela improcedência da excepção, e da peticionada condenação como litigante de má fé, pedindo, por seu turno, a condenação da R. como litigante de má-fé em multa e no pagamento das despesas em que a fez incorrer, que computou em € 1.000,00.
A R. treplicou, propugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada excepção de incompetência territorial, e seleccionadas matéria de facto assente e B.I., as quais foram objecto de reclamação, que foi indeferida.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo, na oportunidade, A. e R. apresentado alegações de direito.
Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido, concluindo não existirem indícios de litigância de má fé de qualquer das partes.

Inconformada com a decisão a A. interpôs recurso, tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
A. A Sentença de 1.ª Instância considerou que a cláusula constante do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, relativa à duração do contrato, se deveria interpretar no sentido da transformação do mesmo contrato, após o seu período de duração inicial, em contrato por tempo indeterminado, bem como que com a apresentação a um concurso para a prestação de serviços promovido pela Recorrida a Recorrente “anuiu na extinção da relação contratual existente”, sendo a conduta da Recorrente subsequente à comunicação de denúncia contratual por parte da Recorrida “reveladora da intenção da posição tomada pela Recorrente”.
B. A factualidade provada não permite o enquadramento jurídico realizado pelo Tribunal a quo, sendo este ainda dissonante de toda a elaboração doutrinal existente em torno da vicissitude de cessação do contrato de prestação de serviços.
C. A questão fundamental que surge no presente âmbito reside na interpretação da Cláusula 11.ª do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, sendo certo que a conclusão que tal contrato de prestação de serviços se encontrava sujeito a um período de renovação anual, que determinava que o seu termo coincidisse com o dia 04 de Junho de 2008, é a única interpretação da cláusula contratual coadunável com a doutrina da impressão do declaratário consagrada no n.º 1 do art. 236.º do Código Civil.
D. Caso a vontade das partes fosse estabelecer um direito bilateral de denúncia livre que pudesse ser exercido a todo tempo por qualquer uma das partes não faria qualquer sentido prever-se uma duração inicial determinada, cumulativamente com a operação de renovações tácitas sucessivas do mesmo contrato.
E. A conversão contratual de contrato de prestação de serviços a termo em contrato de prestação de serviços por tempo indeterminado apenas é admitida, nos termos do disposto no art. 293.º do Código Civil, se “o fim prosseguido pelas partes permitisse supor que elas o teriam querido”, o que não representa o caso dos presentes autos.
F. O afastamento da conversão do contrato de prestação de serviços a termo numa prestação de serviços sem termo de vigência consiste no entendimento sufragado, nomeadamente, por PINTO MONTEIRO, a respeito do art. 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho – aplicável ao caso em análise ex vi o disposto no art. 3.º do Código Comercial – considerando ainda ocorrer uma “prorrogação pelo prazo inicialmente previsto”, e acrescentando que, em caso de renovação do contrato, “a cessação só poderá ocorrer no termo do período inicial ou de qualquer dos períodos sucessivos, devendo a antecedência com que a declaração é feita contar-se a partir daí”.
G. Admitir a renovação do contrato em cúmulo com o direito ao exercício de denúncia livre equivaleria a sustentar uma renovação diária, permanente e contínua do mesmo contrato de prestação de serviços, o que consiste numa proposição inadmissível em termos técnico-jurídicos.
H. A renovação do contrato de prestação de serviços pelo período de um ano – ou seja, até 04 de Junho de 2008 – também se retira directamente da letra do contrato de prestação de serviços:
(i) a epígrafe da sua Cláusula 11.ª é relativa à “Duraçãodo contrato, e não à “Cessaçãodo contrato, ou a qualquer outra locução verbal de sentido equivalente;
(ii) a locução contratual “sendo que” implica o conteúdo adversativo da oração subordinada que se lhe segue;
(iii) ao se estipular que “qualquer das partes poderá pôr-lhe termo” (ao contrato) visou-se significar, tão somente, que qualquer das partes poderia obstar à renovação tácita do contrato, a qual ocorre necessariamente tendo por referência o seu período de renovação.
I. Se nada for estipulado em sentido diverso, a renovação do contrato não pode deixar de coincidir com o seu período de vigência inicial, conclusão que se retira, desde logo, do disposto nos arts. 1054.º, n.º 2, do Código Civil, e 149.º, n.º 2, do Código do Trabalho, e representa o ensinamento da doutrina, nomeadamente, de PINTO MONTEIRO e de ROMANO MARTINEZ.
J. O que o Tribunal a quo realizou foi, pura e simplesmente, uma interpretação a contrario sensu do art. 1054.º, n.º 2, do Código Civil, caindo no vício lógico de não determinar, em primeiro lugar, o carácter excepcional da norma objecto de interpretação enunciativa.
K. Em termos sistemáticos, a actualização anual do preço a pagar pela Recorrida à Recorrente pela prestação de serviços contratada depõe igualmente no sentido da renovação do contrato de prestação de serviços até 04 de Junho de 2008.
L. Não existiu qualquer proposta contratual dirigida por parte da Recorrida à Recorrente, mas antes um convite a contratar, uma vez que a comunicação relativa ao novo contrato de prestação de serviços não revestia as características necessárias à existência de uma efectiva proposta contratual.
M. A denúncia contratual traduz-se num direito potestativo conferido pelo ordenamento jurídico a uma das partes da relação contratual, que lhe permite promover, sozinha, a extinção do vínculo, não se vislumbrando, sem completa adulteração do ordenamento jurídico vigente, o que possa representar uma “anuência” ao exercício da faculdade de denúncia pela contraparte.
N. Não é possível retirar de uma missiva na qual se reclama a responsabilidade contratual da Recorrida, sem violação do disposto no art. 217.º, n.º 1, do Código Civil, uma declaração tácita da Recorrente no que respeita à “aceitação” da denúncia contratual promovida pela primeira.
O. Traduzindo-se, em rigor, numa resolução do contrato inválida, o acto de resolução contratual promovido pela Recorrida mostra-se ferido de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 801.º, n.º 2, 286.º, e 294.º do Código Civil.
P. O acto de resolução contratual por parte da Recorrida não produziu quaisquer efeitos jurídicos, apenas havendo impossibilitado, em termos práticos, o cumprimento pontual das obrigações por parte da Recorrente.
Q. Nestes termos, a Recorrida – enquanto credor moroso – perdeu total ou parcialmente o seu crédito por impossibilidade superveniente da prestação, não ficando contudo exonerada da sua contraprestação.
R. Ainda que, nos termos do disposto no art. 1172.º, alínea c), do Código Civil, se pretenda conferir efeitos à denúncia contratual injustificada por parte da Recorrida, esta “deve indemnizar a outra (parte) do prejuízo que esta sofrer (...)”, e o prejuízo em questão não pode deixar de coincidir com o preço dos serviços prestados pela Recorrente, sendo este entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência (cfr. ANTUNES VARELA / PIRES DE LIMA, JANUÁRIO DA COSTA GOMES, ADELAIDE MENEZES LEITÃO, e o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 2009).
S. Pelo exposto, a Sentença recorrida é objecto da censura, nesta se havendo realizado uma inidónea aplicação do Direito à matéria de facto dada como provada, com violação pela mesma do disposto nos artigos 11.º, 217.º, n.º 1, 236.º, n.º 1, 286.º, 293.º, 294.º, 295.º, 801.º, n.º 2, 813.º, 815.º, n.º 2, 1054.º, n.º 2, 1156.º, e 1172.º, alínea c), do Código Civil; do art. 3.º do Código Comercial; do art. 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de Julho, alterado; e do art. 149.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Termina pedindo que a revogação da sentença recorrida e a condenação da apelada na totalidade do pedido.
A R. contra-alegou, propugnando pela manutenção da sentença recorrida.


            QUESTÕES A DECIDIR.
            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC ) as questões a decidir são:
            a) da ilicitude da denúncia do contrato efectuada pela recorrida;
            b) da inexistência de “anuência” da recorrente à extinção do contrato;
c) das consequências da ilicitude referida em a).

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
            O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
A – Em 04 de Junho de 2001, A. e R. celebraram um contrato que denominaram de prestação de serviços gerais de limpeza – cfr. doc. n.º 1.
B - Nos termos desse contrato, a A. obrigou-se a efectuar as operações de limpeza das instalações da R. sitas … – cfr. a Cláusula 1.ª do contrato junto como doc. n.º 1.
C - Limpezas que seriam realizadas nos termos e com a periodicidade definida no Orçamento com a ref.ª, que fazia parte integrante do mesmo contrato – cfr. o doc. n.º 1.
D - O preço mensal inicialmente acordado para as operações de limpeza foi de 2.363.000$00, acrescido de I.V.A. à taxa legal em vigor – cfr. a Cláusula 4.ª e o Anexo I do contrato junto como doc. n.º 1.
E - O contrato previa expressamente um mecanismo de aumento anual do preço na sua Cláusula 6.ª – cfr. o doc. n.º 1.
F - Em resultado das sucessivas aplicações anuais do referido mecanismo, em Dezembro de 2007 o preço mensal que foi pago pela R. pelo serviços prestados pela A. foi de € 15.820,56 (€ 13.074,84 líquidos acrescidos de IVA à taxa de 21%, no valor de € 2.745,72) – cfr. a factura que titula o pagamento referente ao mês de Dezembro de 2007, que se junta como doc. n.º 2.
G - A. e R. acordaram que o contrato teria a duração de 12 meses contados sobre a data da sua celebração, 04 de Junho de 2001 – cfr. a Cláusula 11.ª, n.º 1, do contrato junto como doc. n.º 1.
H – A Cláusula 11.ª dispõe, sob a epígrafe “Duração do Contrato”, o seguinte:
1. O presente contrato é válido por um período de 12 (doze) meses a contar da data da primeira intervenção, ou seja 04 de Junho de 2001.
2. O presente contrato será renovado tacitamente após este período sendo que qualquer uma das partes poderá pôr-lhe termo, desde que para isso comunique à outra por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.
I – O contrato foi executado pelas partes entre 04.06.2001 e 31.12.2007.
J - Em 31 de Outubro de 2007, a A. recebeu uma comunicação subscrita pela R. – cfr. a cópia da comunicação, doc. n.º 3.
L - Nos termos dessa comunicação, a R. informou A. de que rescindia o contrato a partir de 31 de Dezembro de 2007, de acordo com o estipulado no ponto 2 da cláusula 11.ª, por forma a permitir abertura de um concurso de prestação de serviços de higiene e limpeza para mais dois estabelecimentos da Instituição – cfr. o doc. n.º 3.
M – A A respondeu por carta datada de 10.12.2007, expedida a 15.12.2007 (docs. de fls. 41 a 43), onde referiu o seguinte:
- o contrato celebrado com a R. em 4 de Junho de 2001, objecto de sucessivas renovações, terminava o seu período de vigência apenas em 4 de Junho de 2008, conforme o ponto 1 da sua Cláusula 11.ª;
- por outro lado, não estava prevista, para qualquer das partes, a faculdade de se pôr termo ao contrato a todo o tempo, com ou sem aviso prévio;
- o que resulta do ponto 2 da Cláusula 11.ª do contrato é tão somente que, pretendendo uma das partes denunciar o contrato, poderá fazê-lo para o termo em curso (no caso, 4 de Junho de 2008), desde que avise a contraparte com uma antecedência mínima de 60 dias;
- o facto de a resolução ter por intuito a abertura de um concurso de prestação de serviços de higiene e limpeza para mais dois estabelecimentos é um argumento que carece de qualquer sentido, para além do que o concurso já foi lançado e que em lado algum do mesmo se condiciona a apresentação de propostas à resolução do contrato acima referido;
- caso a R. pretendesse efectivamente prescindir dos serviços da A. com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2007, haveria por parte da R uma resolução sem justa causa, o que a constituiria na obrigação de indemnizar a A..
N - A A. acrescentou que, uma vez que tinha concorrido ao concurso aberto pela R., caso no âmbito do mesmo os serviços fossem contratados a A., naturalmente que não haveria lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
O - Os serviços objecto do contrato celebrado entre A. e R. foram adjudicados à empresa H, Lda..
P - Adjudicação que foi comunicada pela R. à A. por carta datada de 12.12.2007, recebida pela A. em 20 de Dezembro de 2007.
Q - A Ré é uma instituição particular de solidariedade social, com estabelecimentos de apoio a idosos, creches e jardins-de-infância para a população carenciada do concelho de Cascais.
R - A Ré carece de contratar serviços de limpeza que operam nos vários espaços que detém para concretizar o seu objecto.
S - O lançamento deste concurso tinha o intuito de englobar num só contrato a prestação de serviços de higiene e de limpeza referente a três espaços distintos da Ré, para que o serviço de limpeza a prestar ficasse mais económico, por facilidade de gestão dos compromissos assumidos e até por simples conveniência.
T - A A. estava na disposição de cumprir as obrigações que impendem sobre si nos termos do contrato versado na al. A desde que não ganhasse o concurso aberto pela R.
U - A A. teve disponíveis e a seu cargo os meios humanos e materiais necessários à execução das obrigações assumidas no contrato versado na al. A.
V - A A. mantinha a intenção e a vontade de cumprir as obrigações assumidas no contrato versado na al. A desde que não ganhasse o concurso aberto pela R.
X - A A. não desenvolveu as suas obrigações assumidas no contrato versado na al. A por via da comunicação produzida pela R., referida nas als. J e L.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Não se suscitam dúvidas acerca da caracterização do contrato celebrado entre A. e R. como de prestação de serviços, pois que aquela se obrigou perante esta a prestar-lhe serviços de limpeza, mediante retribuição, estando reunidos os elementos integrantes do contrato de prestação de serviços, consagrado no art. 1154º do CC, tal como o considerou o tribunal e as partes.
O contrato em causa não se subsume a qualquer das modalidades tipificadas no art. 1155º e reguladas no próprio código, pelo que lhe são extensivas, com as necessárias adaptações [1], as disposições que regem o mandato, de acordo com o disposto no art. 1156º.
Tendo a R., em 31 de Outubro de 2007, comunicado à A. que rescindia o contrato a partir de 31 de Dezembro de 2007, de acordo com o estipulado no ponto 2 da cláusula 11.ª daquele, a questão fundamental deste recurso prende-se com a interpretação da referida cláusula contratual.
Entendeu o tribunal recorrido [2] que tal rescisão foi lícita, de acordo com a invocada cláusula contratual.
Entende a recorrente que não foi, uma vez que, sendo as renovações do contrato por períodos iguais ao inicial (1 ano), e terminando o período de renovação em curso em 4.06.08, a rescisão do contrato foi intempestiva e sem justa causa.
Apreciemos, pois.
Conforme refere Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 444, interpretar um contrato consiste em “determinar o conteúdo das declarações de vontade e consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações” [3].
Para proceder a tal interpretação, haverá que atender às regras estabelecidas nos arts. 236º e ss. do CC.
Assim:
Em regra, “o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº1 do art. 236º), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2 do mesmo art.)[4].
Em caso de dúvida, deve prevalecer, nos contratos onerosos, o sentido “que conduzir ao maior equilíbrio das prestações” – art. 237º.
No negócios formais, exige-se que o sentido da declaração tenha “um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” – art. 238º, nº 1 -, podendo, contudo relevar a vontade das partes, apesar dessa falta de correspondência, se “as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”  – nº 2.
Dispunha a Cláusula 11.ª do contrato, sob a epígrafe “Duração do Contrato”, o seguinte:
1. O presente contrato é válido por um período de 12 (doze) meses a contar da data da primeira intervenção, ou seja 04 de Junho de 2001.
2. O presente contrato será renovado tacitamente após este período sendo que qualquer uma das partes poderá pôr-lhe termo, desde que para isso comunique à outra por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.
Não tendo resultado demonstrada a vontade real das partes [5], cumpre proceder à interpretação desta cláusula de acordo com a doutrina da impressão do declaratário consagrada no art. 236º, nº 1 do CC, como concluiu o tribunal recorrido e defendem recorrente e recorrida.
            Ora, procedendo a tal interpretação, afigura-se-nos que, efectivamente, assiste razão à recorrente.
            A mencionada cláusula está dividida em 2 números.
No primeiro, estipula-se a duração inicial do contrato, que foi fixada em 12 meses, a partir da data da sua celebração.
No segundo, estipula-se que, findo aquele prazo inicial, o contrato se renova tacitamente, podendo, contudo qualquer das partes pôr-lhe termo, isto é, obstar àquela renovação tácita, desde que para isso o comunique à outra parte por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 60 dias.
Se se prevê que, findo o prazo inicialmente estipulado, o contrato se renova, sem necessidade de qualquer declaração nesse sentido (tacitamente), tal só pode significar que o contrato, tal como foi celebrado, começa de novo, repete-se, reinicia-se.
E se se repete, repete-se nos termos em que foi acordado, nomeadamente, quanto à sua validade – 12 meses.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, só se teria de fazer referência a qualquer prazo na renovação tácita, se o prazo das renovações fosse diferente do inicial.
Nada se dizendo, só se pode entender que as renovações são por período igual ao inicialmente fixado.
Contudo, previu-se a possibilidade de qualquer das partes não querer a continuação do contrato, podendo, então, obstar à sua renovação tácita, comunicando-o à outra parte, com a antecedência de 60 dias, relativamente ao termo do período de renovação, prazo esse considerado o conveniente para salvaguardar os interesses das contraentes.
Se a vontade das partes espelhada na cláusula 11ª do contrato fosse no sentido propugnado na sentença recorrida, isto é, fixação de um prazo inicial obrigatório de 12 meses, findo o qual qualquer das partes podia pôr termo ao contrato, desde que o fizesse com 60 dias de antecedência [6], não faria sentido estipular a renovação tácita do mesmo.
Como refere a recorrente, a oração subordinada, iniciada pela locução “sendo que”, de conteúdo adversativo, tem como referente a oração subordinante, “o que significa que a oração subordinada é a excepção à regra determinada pela oração subordinante”.
Se a oração subordinante se reporta à renovação tácita do contrato, a oração subordinada adversativa reporta-se à forma de obstar a essa renovação.
Das restantes cláusulas contratuais [7], nenhum elemento se retira para a interpretação da cláusula contratual em apreço, não obstando à interpretação feita, ao contrário do que sustenta a recorrida, o facto dos pagamentos serem efectuados mensalmente, mediante a emissão de facturas mensais, e das obrigações de limpeza da recorrente serem organizadas em termos diários, semanais e mensais, o que foi estabelecido inicialmente no contrato, para o qual se previu a validade anual.
Acresce referir que ao contrato de prestação de serviços se aplicam supletivamente as normas reguladoras do contrato de mandato, como já supra referido, sendo que neste tipo de contratos, não se prevê qualquer norma supletiva sobre a renovação dos contratos, antes aí vigorando o princípio da livre revogabilidade por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação, como resulta do nº 1 do art. 1170º do CC [8].
Assim, ainda que se estipule no contrato um determinado prazo e a sua renovação, pode o mandato ser livremente revogável por qualquer das partes.
Contudo, prevê a lei – art. 1172º, al. c) do CC -, que a revogação do mandato oneroso pelo mandante, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo, obriga este a indemnizar o mandatário dos prejuízos por este sofridos.
No caso, a R. não revogou o contrato, mas “rescindiu-o” nos termos da cláusula 11ª, ponto 2 do contrato, como expressamente referiu.
Embora o tenha feito com 60 dias de antecedência em relação ao momento em que o pretendia fazer cessar, o que é certo é que não o fez nos termos acordados, com 60 dias de antecedência em relação ao termo da renovação em curso.
Tal “rescisão” mais se deve entender, pois, como revogação do que como denúncia.
Certo é que não foi feita nos termos acordados, não sendo, pois, válida, estando, em consequência, a R. obrigada a indemnizar a A. dos prejuízos sofridos, merecendo, nesta parte, provimento a apelação.
Entendeu-se, ainda, na sentença recorrida que “a A. aceitou a proposta contratual lançada pela R. e apresentou-se ao concurso” e “só após estar decidido que a A. não era a entidade que obtinha vencimento nesse concurso é que a A. endereçou a missiva à R. opondo-se à extinção que esta, há quase dois meses, lhe tinha comunicado”, permitindo tal circunstancialismo “inferir que a A., tacitamente e mediante a apresentação a concurso, anuiu na extinção da relação contratual existente, com efeitos a partir de 31.12.2007”.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não sufragamos tal entendimento.
Por um lado, não houve qualquer proposta contratual, tendo a R. apenas informado a A. que rescindia o contrato, “por forma a permitir abertura de um concurso de prestação de serviços de higiene e limpeza para mais dois estabelecimentos da Instituição”, sendo natural que a A. se apresentasse a concorrer ao mesmo, sem que daí se possa concluir que, tacitamente, aceitava à extinção da relação contratual, nos termos em que havia sido feita.
Uma coisa é apresentar-se a um concurso com vista a tentar “manter” uma relação contratual profícua e que se vinha desenrolando sem contratempos, na perspectiva de ver, agora, ampliado o âmbito da sua actuação, com inerente aumento de vantagens económicas, e outra aceitar uma rescisão efectuada, que tem subjacente aquele concurso.
A apresentação ao concurso não tem a potencialidade de fazer concluir pela aceitação tácita da rescisão efectuada nos termos em que o foi [9].
Por outro lado, apresentando-se a A. ao concurso, também é natural no âmbito da actividade comercial, e sem violação de quaisquer princípios de boa fé, que apenas responda à missiva da R., quando toma conhecimento de que não obteve vencimento no concurso.
A posição a tomar pela A. perante a comunicação da R. poderia estar, como tudo indica [10], dependente do resultado daquele concurso, não querendo, logo, “denunciar” a sua posição, para não ciar quaisquer obstáculos à sua posição no concurso.
Obtendo vencimento no concurso, a A. estaria disposta a aceitar a “rescisão” nos termos em que havia sido feita, sem discutir a sua validade; não obtendo vencimento, não prescindia de discutir aquela.
Conclui-se, pois, ao contrário do entendido na sentença recorrida, que não houve qualquer aceitação tácita da “rescisão” do contrato, procedendo, também nesta parte, o recurso.
Resta, assim, apreciar qual o montante da indemnização a pagar pela R. à A., face ao que supra se deixou dito.
Peticiona a A. a condenação da R. a pagar-lhe o valor correspondente às prestações mensais que deixou de auferir, de Janeiro de 2008 a 4 de Junho do mesmo ano, alegando que tem direito ao valor integral da contraprestação pecuniária a que a R. se havia obrigado contratualmente, por ter estado sempre disposta a cumprir e disso ter sido impedida pela R.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode a pretensão da A. proceder, o que se traduziria, em última instância, num enriquecimento ilegítimo.
Como supra se deixou referido, com a sua conduta, a R. constituiu-se na obrigação de indemnizar a A. dos prejuízos por esta sofridos, não estando obrigada a cumprir as suas obrigações contratuais, nomeadamente, a de retribuição, pelo tempo correspondente ao prazo não decorrido.
No cálculo dos prejuízos, a lei não dá qualquer outra medida que não seja a resultante do funcionamento da teoria da diferença, consagrado no art. 566º, nº 2 do CC.
Sobre esta questão escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. II, 4ª ed., pág. 814, que “quando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário; sendo a revogação feita sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência. Em qualquer dos casos se procura assim fixar o lucro cessante do mandatário” (sublinhado nosso).
Os prejuízos a ressarcir devem ser, pois, calculados em função da retribuição estipulada no contrato, mas não só a ela se atende, uma vez que a menção feita ao lucro cessante mostra que o que realmente está em causa é o prejuízo efectivamente sofrido pelo mandatário, ou seja, a diferença entre a retribuição que se deixa de receber e as despesas que se deixam ou não de efectuar  [11].
A matéria de facto dada como provada - alíneas U, V e X -, não é suficiente para aquilatar das despesas que a A. deixou ou não de efectuar, tendo em atenção, nomeadamente, outros elementos constantes nos autos [12] e as normas laborais aplicáveis nesta matéria.
Assim, haverá que relegar para momento subsequente a liquidação do montante da indemnização, nos termos dos arts. 661º, nº 2 e 378º, nº 2 do CPC, que deverá corresponder à diferença entre o montante da retribuição que a A. teria auferido entre 1.1.08 e 4.06.08 e as despesas com pessoal, material e outras que deixou de efectuar no referido período.
Ao montante apurado, acrescem, como peticionado, juros de mora, à taxa legal, desde a sentença de liquidação até integral pagamento.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, alterando-se a decisão recorrida, julga-se a acção parcialmente procedente, condenando-se, em consequência, a R. a pagar à A. a indemnização que se fixar em incidente de liquidação, nos termos supra referidos, acrescida de juros de mora, nos termos, também, supra referidos.
Custas pela recorrida.
                                                           *
Lisboa, 13 de Julho de 2010

Cristina Coelho
Roque Nogueira
Abrantes Geraldes
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[1] Nomeadamente as resultantes do contrato.
[2] E entende a recorrida.
[3] Também Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 303, escrevia que “interpretar um negócio jurídico – isto é, a declaração ou declarações de vontade que o integram – equivale a determinar o sentido com que ele há-de valer, se valer puder. Trata-se de saber quais os efeitos a que ele tende conforme tal declaração, e que realmente produzirá se e na medida em que for válido; qual o conteúdo decisivo dessa declaração de vontade”.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, Vol. I, pág. 207.
[5] Confrontar as respostas dadas aos arts. 1º e 2º da B.I..
[6] Transformando-se o contrato a termo certo, em contrato por tempo indeterminado.
[7] Nomeadamente da 6ª cláusula, ponto 1 do contrato na qual se estabelecia que “o cliente aceita que o preço dos serviços prestados pela Aralbo Portugal seja actualizado a partir de 01 de Janeiro de cada ano, sempre que a retribuição dos trabalhadores seja alterada por via da lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por qualquer outra disposição de carácter obrigatório para a Aralbo Portugal”.
[8] Tal solução apenas é afastada quando o interesse do mandante não é o único que subjaz à celebração do contrato, existindo, concomitantemente, um interesse do mandatário ou de terceiro – art. 1170º, nº 2 -, questão que, no caso, não se coloca, uma vez que a matéria de facto nada aponta nesse sentido, sendo consensual que, para assim concluir, não basta o facto do contrato ser oneroso.
[9] Da simples apresentação a concurso não se pode deduzir, com toda a probabilidade, a aceitação da rescisão efectuada pela R., nos termos em que o foi – art. 217º do CC.
[10] Tendo em atenção a resposta enviada pela A. em 15.12.2007.
[11] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. da RL de 20.09.2007, in CJ, Tomo IV, pág. 99 e ss. e do STJ de 30.06.2009, P. 288/09.1YFLSB, in www. dgsi.pt.
[12] Nomeadamente os documentos juntos de fls. 86 a 88.