Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00282/07.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS, IRS, PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO; ÓNUS DA PROVA; CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO;
Sumário:I. Da conjugação dos art.º 266.º da CRP e 55.º e 58.º da LGT, resulta que o princípio do inquisitório está ligado com os princípios da justiça, da imparcialidade e da prossecução do interesse público impondo que a Administração Tributária o dever de apurar a verdade material, ainda que para o efeito tenha de proceder a diligências não requeridas pelo sujeito passivo ou cujo resultado lhe seja desfavorável.

II. Por força dos n.ºs 1 e 4 do art.º 74.º da LGT, compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

III.A avaliação indireta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Tem-se entendido que os factores quantitativos propostos nesse normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indiretos não sendo obrigatório atender a todos os factores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:J.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser ordenada o aperfeiçoamento das conclusões.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
A Recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, devidamente identificada nos autos, inconformada, interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a impugnação judicial, instaurada por J., NIF (...), relativa a liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios dos anos de 2002, 2003 e 2004, no montante global de € 50 688.32.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…):

A RFP, ora Recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal "a quo", que julgou a presente impugnação procedente e anulou as liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - A presente impugnação judicial foi deduzida contra as liquidações adicionais de IRS e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2002, 2003 e 2004, efectuadas na sequência de uma acção inspectiva, no âmbito da qual resultaram correcções à matéria tributável declarada, em cada um dos mencionados anos, apurada com recurso a métodos indirectos.

2 - O Impugnante, ora Recorrido, apresentou, nos termos do artigo 91° da LGT, Pedido de Revisão da Matéria Tributável para o exercício de 2002 e Pedido de Revisão da Matéria Tributável relativamente aos exercícios de 2003 e 2004, por considerar ser excessiva a quantificação operada pela AT, não tendo sido alcançado qualquer acordo.

3 - O impugnante/Recorrido veio alegar, em suma:
- Que nunca pôs em causa a tributação por métodos indirectos
- Que quanto aos montantes devolvidos à FCTUC, os cheques não foram emitidos em nome do impugnante, mas sim dos coordenadores dos projectos, mas foram efectivamente por si movimentados, destinando-se ao pagamento de despesas no âmbito de projectos
- Que parte foi devolvida à FCTUC, sendo o remanescente usado para o pagamento das mais variadas despesas
- Que requereu à AT a notificação da FCTUC para que esta informasse quais os montantes que devolveu a esta entidade, sendo tal pedido indeferido por a administração ter entendido que tal prova caberia ao impugnante
- Que cabia à AT pedir a colaboração da FCTUC, pois não se trata de qualquer repartição do ónus da prova, mas sim uma exigência decorrente do princípio do inquisitório para que a verdade material fosse conseguida, devendo a AT trazer ao processo todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, o que constitui vício do procedimento
- Que é patente a excessiva quantificação do valor apurado no relatório

4 - Por douta Sentença, de 13 de Janeiro de 2017, proferida pela Mmª Juíza do Tribunal "a quo", foi a referida Impugnação Judicial julgada procedente, determinando a anulação das liquidações de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004 objecto dos presentes autos.

5 - Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Representação da Fazenda Pública ora Recorrente conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que existiu erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito.

6 - Com todo o respeito pela decisão "a quo" e reconhecendo a análise efectuada pela Mmª Juíza, entende a ora Recorrente que existiu:
-Erro de julgamento quanto à matéria de facto, ao dar como assente determinada factualidade mas decidir em desconformidade com a prova produzida.
-Erro de julgamento quanto à matéria de direito por errada interpretação e aplicação das normas legais ao caso sub Júdice:
- Artigo 58° da Lei Geral Tributária
- Artigo 74°, n° 1 e n° 3 da Lei Geral Tributária
- Artigo 342, n° 1 do Código Civil

7 - O que conduzirá indubitavelmente a decisão diversa da que foi decidida, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida.

8 - Em suma, o Impugnante, ora Recorrido, aceita que se consideram verificados os pressupostos para a determinação indirecta da matéria tributável, devendo, contudo, a AT presumir os seus rendimentos com base em critérios adequados do ponto de vista económico e da experiência comum, guiando-se por critérios de justiça, proporcionalidade e adequação, sendo excessiva a quantificação da matéria tributável.

9 - Deste modo, nos termos do estatuído no n° 3 do artigo 74° da LGT, encontrando-se legitimado o recurso a métodos indirectos, passa a caber ao Impugnante/Recorrido demonstrar que ouve erro ou manifesto excesso na quantificação efectuada, não lhe bastando, sequer, gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada.

10 - O ora Recorrido, no âmbito do pedido de revisão requereu à AT a notificação da FCTUC para que informasse qual o montante de alegadas verbas por ele devolvidas, por entender que não se trata de uma questão de repartição do ónus da prova, mas sim de uma decorrência do princípio do inquisitório, competindo à AT pedir a colaboração da FCTUC, no âmbito dos seus poderes e no domínio das suas competências para atingir a verdade material, o que constitui vício do procedimento.

11 - Invoca o ora Recorrido que o princípio do inquisitório se justifica pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da AT (artigos 266°, n°1 da CRP e 55° da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artigo 266°, n° 2 da CRP e artigo 55° da LGT).

12 - Veio o ora Recorrido alegar, no que toca aos montantes respeitantes à FCTUC, que os mesmos foram efectivamente por si movimentados para pagamento de despesas no âmbito de projectos e que parte desse valor foi por si devolvido àquela entidade.

13 - Entendeu a Mmª Juíza do tribunal "a quo" que: "Contudo e como ressalta da fundamentação de facto, a factualidade alegada pelo impugnante não foi por ele demonstrada, como devia, de acordo com as regras do ónus da prova ínsitas no artigo 74° da LGT."

14 - Assim, a Mmª Juíza "a quo", conclui que não se verifica o invocado vício de violação de lei das liquidações em crise, por erro nos respectivos pressupostos de facto.

15 - Contudo, considera a Mmª Juíza na douta sentença recorrida que: "A obrigação de prossecução do interesse público imposto à actividade da AT, nos termos do Art.266°, n° 1 da CRP e 55° da LGT, justifica o princípio do inquisitório que é também corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade, Assim, a AT, tem o dever de proceder oficiosamente a diligências tendentes à verificação e comprovação dos factos alegados pelo interessado, cabendo-lhe o papel dinâmico de recolha dos elementos com relevância para a decisão."

16 - Mas a verdade é que o Acórdão que a Mmª Juíza invoca, não se relaciona com a matéria em discussão nos presentes autos, mas a urna situação de asilo político, não estando sequer em discussão matéria de direito fiscal.

17 - Cita-se o teor do mencionado Acórdão: "I - O poder conferido a Administração pelos n. 1 e 2 do art. 1 da lei n° 38/80, de 1 de Agosto, e vinculado, devendo o direito de asilo ser reconhecido se os pressupostos descritos na lei se verificarem no caso concreto".
"VII — A falta de diligência reputadas necessárias para a construção da base fáctica da decisão afectará esta não só na hipótese de serem obrigatórias (violação do princípio da legalidade) mas também se a materialidade dos factos considerados não estiver comprovada ou se faltarem, nessa base, factos relevantes, alegados pelo interessado, por insuficiência da prova que a Administração deveria ter colhido (erro nos pressupostos de facto)."
"VIII - O princípio do inquisitório está expressamente previsto no art. 17 da Lei n. 38/80."

18 - Assim, a Mmª Juíza "a quo" entra em contradição, pois, não obstante reconhecer que tal ónus estava a cargo do impugnante, conclui e decide que tal ónus é da AT, que violou o princípio do inquisitório porque não realizou as diligências que comprovassem o que o Impugnante, ora Recorrido pretendia demonstrar, o que inquina todas as liquidações em crise e determina a sua anulação.

19 -Refere a douta sentença "a quo" que aquando do pedido de revisão o impugnante requereu a notificação da FCTUC para que informasse, relativamente às verbas devolvidas àquela entidade, qual o montante em discussão "o que foi indeferido por entender a AT que não tendo tal facto sido por si invocado, a prova caberia ao contribuinte."

20 - Na sequência do pedido efectuado, o Sr. Director de Finanças, em 19 de Outubro de 2006, proferiu Despacho do seguinte teor: "Nos termos do art° 74°, n° 1, da Lei Geral Tributária, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
"Não tendo a administração tributária invocado os factos a que alude o sujeito passivo, não recai sobre ela o ónus de o provar". "Termos em que, o pedido, nesta parte será indeferido." "Notifique-se o sujeito passivo para, se assim o entender, utilizar o direito de participação a que se refere o art° 60° da Lei Geral Tributária".

21 - O Exm° Mandatário do Impugnante, ora Recorrido, foi notificado do teor integral do referido Despacho de indeferimento, em 20 de Outubro de 2006, através do ofício n° 10978, para, no prazo de 10 dias exercer, querendo, o mencionado direito de audição.

22 - Contudo, o ora Recorrente, nada veio dizer, não vindo fazer qualquer prova dos factos que pretendia ver reconhecidos, tendo uma atitude absolutamente passiva a este respeito.

23 - No que toca aos factos não provados, considerou a Mma. Juíza do Tribunal "a quo" que, entre outros, não se provou que "parte daqueles valores foi devolvida à FCTUC, sendo o remanescente utilizado para o pagamento das mais variadas despesas (...).

24 - Sendo certo que até a Exma. Procuradora da República entendeu que "as testemunhas em causa não concretizaram as suas perceções, mormente no que à factualidade não provada respeita." "Assim, falhando elementos concretos que permitam colocar em crise a quantificação operada, terá a impugnação que improceder."

25 - O princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58° da LGT, não impõe à AT que indague tais factos, cujo ónus em sede de quantificação sobre o mesmo impendia e relativamente aos quais o ora Recorrido nunca desenvolveu qualquer esforço no sentido da sua demonstração, nem durante o procedimento, nem durante o processo de impugnação judicial.

26 - Não pode, pois, a RFP, ora Recorrente, concordar com o entendimento da Mm' Juíza "a quo" no sentido de que competia à AT efectuar a diligência requerida pelo mesmo, e apurar os eventuais valores em causa, alegadamente devolvidos à FCTUC, constituindo essa omissão uma violação não só do princípio do inquisitório, mas também dos princípios da imparcialidade, da justiça e da legalidade.

27 - Sendo o ora Recorrido que pretende relevar que tais importâncias foram devolvidas à FCTUC, sobre ele terá de recair o ónus da sua demonstração, não implicando a obediência ao princípio do inquisitório a que a AT está obrigada o dever de se substituir ao contribuinte na articulação dos factos que, nos termos da lei, a este competem.

28 - Não tem fundamento pôr a cargo da AT diligências manifestamente desproporcionadas, quando o próprio Impugnante, ora Recorrido, nem durante o procedimento nem durante o processo de impugnação judicial, desenvolveu qualquer esforço no sentido de demonstrar a verificação dos factos que pretendia provar, suprindo tal falta, pelo que o non liquet sobre esta questão apenas poderá ser contra ele resolvido.

29 - Cita-se a este respeito o entendimento expresso no Acórdão do TCAS, Processo 08843115, de 22 de Outubro de 2015, refere: "5. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei (...) está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr. Art° 58° da L.G.T., o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação (...)".
"6. Este dever imposto à A. Fiscal de averiguar a verdade material não dispensa os contribuintes da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no art° 59 da L.G.T. Por outro lado, a previsão desta obrigação da Fazenda Pública de averiguar os factos relevantes para a decisão não significa que ela tenha o ónus da prova desses factos, pois apenas a insuficiência probatória de factos constitutivos dos direitos invocados pela A. Fiscal é valorada processualmente contra ela (art°. 74, n° 1, da L.G.T.)."

30 - Cita-se, também, o Acórdão do TCA Sul, proferido no processo 04633/11, de 22 de Novembro de 2011, que expressa o seguinte entendimento: "O princípio do inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que por completo substitua as obrigações impendentes sobre os contribuintes (...), em que na sua falta a AT, a todo o transe, tenha de obter esses documentos, que em primeira linha aos contribuintes pertence."

31 - Relativamente à quantificação da matéria tributável levada a cabo pela AT, considerou a Mmª Juíza do Tribunal "a quo", que "a informação eventualmente prestada pela FCTUC era apta a permitir uma fixação da matéria tributável mais próxima da realmente obtida, pelo que a AT não podia dispensar a diligência requerida pelo contribuinte."

32 - A RFP, ora Recorrente, não pode concordar com o entendimento da Mmª Juíza "a quo", no sentido de que tal informação era apta a permitir uma fixação da meteria tributável mais próxima da realmente obtida, porque não resulta da factualidade vertida nos autos quaisquer dados que possam sustentar essa hipótese, por desconhecimento absoluto do que está em causa, de eventuais montantes a restituir à Faculdade e anos a que se reportam e se tal informação, se eventualmente prestada, seria susceptível de alterar a quantificação à matéria colectável levada a cabo pela AT.

33 - Relativamente ao critério eleito pela AT, a Mmª Juíza "a quo" considerou que, no caso presente, "o método eleito (...) mostra-se racional, não estando a AT impedida de do mesmo lançar mão."

34 - Como consta na douta sentença recorrida "tal critério de apuramento da matéria colectável pode ser enquadrado nas alíneas d) e i) do n° 1 do artigo 90° da LGT, pois que foram tidos em conta os elementos e informações declarados à AT, mormente relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte/impugnante, bem como uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte."

35 - A Mmª Juíza refere na douta sentença "a quo" que "Entendendo-se que a AF demonstrou cabalmente o recurso à avaliação indirecta passa a caber ao impugnante demonstrar, positivamente, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada, não lhe bastando gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada, já que face à natureza da quantificação com recurso a métodos indiciários, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita exclusivamente com base na declaração do contribuinte".
De qualquer modo, refere a Mmº Juíza "a quo" também não me parece que o impugnante tenha conseguido, apenas com duas testemunhas, criar sequer essa fundada dúvida."

36 - Legitimado e não contestado pelo ora Recorrido o recurso a métodos indirectos de tributação, impende sobre o impugnante o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, nos termos do n° 3 do artigo 74° da LGT e constitui entendimento doutrinal e jurisprudencial pacificamente aceite.

37 - E o certo é que o Impugnante, ora Recorrido, não logrou demonstrar de forma credível que se verificou erro ou excesso na quantificação operada, nem apresentou dados que pusessem em causa as bases com que foi calculada a matéria tributável e o imposto em falta, no sentido de os rectificar de alguma incorrecção ou apresentar outra proposta alternativa credível à que foi utilizada no relatório, que levassem à quantificação de outros valores.
38 - A este respeito, Cita-se o Acórdão do TCAN, processo 00018/02, de 29 de Maio de 2014, que refere: "I) (...) é à AT que cabe fazer prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) pertencendo, por contrapartida, ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos."
"III) E, quando se verifiquem - isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - dos necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte, ou seja, só então passará a caber ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada".
"V) Nesta medida, e porque o ora Recorrido não alegou e provou nos autos a existência de um ou vários elementos susceptíveis de afastar o enquadramento feito pela AT (...) tem de entender-se que o ora Recorrido não foi capaz de desonerar-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74° n° 3 da LGT."

39 - Assim, impunha-se que ao Impugnante, ora Recorrido, a circunstanciada alegação e prova de factos concretos, que sejam idóneos a demonstre, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável.

40 - E, a verdade é que o ora Recorrido, tendo em conta o encargo probatório do seu lado, não demonstrou que existisse excesso de quantificação da matéria tributável em relação aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, nada em concreto se apurando que possa caracterizar tal excesso, não tendo feito qualquer prova consistente, não conseguindo sequer criar fundada dúvida a esse respeito.

41 - De acordo com entendimento expresso no Acórdão do STA, Processo n° 01211/09, de 17 de Março de 2010, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário e excepcional em relação à avaliação directa, cabe à AT a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, cfr. Artigo 74°, n° 3 da LGT.

42 - Cita-se também o Acórdão do TCAN, processo 01324/15.6BEVIS, de 7 de Julho de 2016:"V- Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente."

43 - Pelo que não se entende a justificação e conclusão da Mmª Juíza "a quo", porquanto, o que está em causa é provar o excesso de quantificação da matéria tributável, pelo que, com todo o respeito pela douta sentença recorrida, não se conforma esta RFP com tal entendimento pois, para além de na sua conclusão praticar uma inversão do ónus probatório, ainda erra generalizadamente, porquanto se contraria a si própria entre os factos provados e as conclusões produzidas, violando as normas legais em vigor, nomeadamente porque o ora Recorrido não provou materialmente que houve qualquer erro ou excesso de quantificação da matéria tributável por parte da AT, cujo método de quantificação foi, até, considerado apto e idóneo para o fim em vista, não conseguindo, sequer criar qualquer dúvida fundada sobre essa quantificação.

44 - Conforme consta no Acórdão do TACN, processo 00235/03, de 26 de Fevereiro de 2015, cfr. Acórdão do TCAS n° 04335/10, de 18 de Outubro de 2011: "2. Sendo característico das situações apontadas por lei como de impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável o aparecimento de dúvidas sobre a quantificação real, inerentes e consequentes da utilização de métodos indirectos, que, actuando indicadores, sempre e só podem alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efectiva terá tido, só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do acto impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso o impugnante, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de "erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada".
"3. Assim, não aproveita ao impugnante uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável."

45 - No mesmo sentido, o Acórdão do TCAN, proferido no processo 00741/08.4BEPNF, de 12/12/2014, que refere:" 1. No recurso à avaliação indirecta compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação". "8.(...) o contribuinte apenas tem que provar a inadequação do critério quantificador usado para assim demonstrar a ilegalidade da liquidação que dele resultou".

46 - O Acórdão do TCAS, Processo 03275/09, de 25 de Novembro de 2009 refere que: "IV - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação e ao contribuinte a prova do excesso na sua quantificação (artigo 74° n° 3 da LGT)."
"IX - A eventual dificuldade que possa resultar para a impugnante de provar (...) excesso na quantificação levada a efeito pela AF com recurso à avaliação indirecta, não constitui obstáculo à atribuição daquele ónus à impugnante, pois essa dificuldade de prova não está legalmente prevista como determinando uma inversão do ónus da prova, como se extrai do disposto no artigo 344°, do Código Civil."
"X - Se a impugnante se arroga o direito à dedutibilidade dos custos que diz terem sido desconsiderados pela AF, é sobre si que recai o dever de comprovar esses custos - artigo 74°, n° 1, da LGT (...)".

47 - Com todo o respeito pela decisão "a quo" e reconhecendo a análise efectuada pela Mmª Juíza, entende a ora Recorrente que existiu:
- Erro de julgamento quanto à matéria de facto que ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo está feito em desconformidade com a prova produzida, independente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto
e
- Erro de julgamento quanto à matéria de direito que ocorre por errada subsunção dos factos às normas legais aplicáveis, ou seja, por errada interpretação e aplicação das normas legais ao caso sub júdice, violando o disposto nos artigos 74° e 58°, ambos da LGT e o artigo 342°, n° 1 do Código Civil.

48 - O que conduzirá indubitavelmente a decisão diferente da que foi decidida, pelo que deverá ser revogada a douta sentença recorrida, razão pela qual deve a mesma ser revogada e substituída por outra que mantenha as liquidações impugnadas na ordem jurídica.

49 - Termos em que dever ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

50 - E, conforme é mencionado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n° 06235/12, de 15 de Janeiro de 2013, "O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer erro ou característica da situação "sub júdice" que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida."

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, como é de inteira

JUSTIÇA..(…)”

O Recorrido apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

i) A recorrente “conclui” as suas alegações de recurso com 50 conclusões (!) que são uma repetição das alegações, pelo que, deve a mesma ser notificada nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 639º do NCPC, o que se requer.
ii) Do dever de actuação balizada pelos princípios da justiça e da imparcialidade, com concretização no artigo 58.º da LGT, decorre para a AT uma particular injunção normativa de actuação segundo “critérios de isenção na averiguação das situações fácticas, realizando todas as diligências que se afigurem necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à administração tributária cabe defender”.
iii) Por força dessa norma, a AT deve realizar todas as diligências que sejam objectivamente relevantes para a concreta averiguação da realidade factual em que a decisão do procedimento deve assentar, trazendo a essa instância todas as provas relativas à situação fáctico-material decidenda.
iv) As regras e critérios do ónus da prova não interferem com a actuação do princípio do inquisitório, sendo que este actua funcionalmente antes de definida a matéria de facto, como dimensão aquisitiva dos elementos necessários à decisão, não podendo a AT valer-se das regras do artigo 74.º da LGT, para deixar de realizar as diligências que sejam necessárias ao apuramento da verdade material.
v) No contencioso de anulação em que o contencioso tributário se enquadra, ao contrário do que sucede nos sistemas do common law, não está em causa a licitude, à luz de todo o ordenamento jurídico, do resultado da actividade da administração tributária, mas apenas a legalidade de um concreto acto de liquidação, em função dos concretos fundamentos de direito e de facto alegados para a sua prática.
vi) No n.º 2 do art. 77.º da LGT, estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários que, pelos termos utilizados serão, para este efeito, apenas os actos de liquidação dos tributos. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (Cfr. LGT, anotada e comentada, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores).
vii) Por outro lado, da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do art. 268.º da C.R.P., conclui-se que o direito de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos é reconhecido em condições de plena eficácia, o que exige que seja proporcionada aos seus destinatários a possibilidade de os impugnarem com completo conhecimento das razões de facto de direito que os motivaram.
viii) Uma interpretação do art.º 77º, n.º 2 da LGT que se baste com uma descrição dos critérios aplicados na quantificação do acto tributário sem qualquer fundamentação de direito, mormente a indicação das normas legais aplicáveis é inconstitucional por violação do artigo 268.º, n.ºs 3 e 4 da CRP.
ix) O Tribunal não podia colocar-se a hipotizar se o critério de apuramento pode ser enquadrado nestas ou naquelas as alíneas, pois que tal ónus incumbe à AT, na medida em que “ a administração está obrigada a fundamentar a avaliação, evidenciando as razões porque optou por certo critério e explicitando o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado – cfr. artigo 84º(3) da LGT.
x) E nem tão pouco que foi perfeitamente apreendido pelo impugnante que, por isso, conseguiu deduzir uma defesa consistente, invocando mesmo erro nos pressupostos de facto da quantificação, pois que tal juízo não assenta em qualquer pressuposto de facto mas tão somente numa subjectividade, resultando indemonstrado que acaso o contribuinte fosse conhecedor das normas que o Tribunal agora convoca a sua defesa fosse a mesma.
xi) Donde por vício de forma os actos de liquidação são ilegais e errada é a decisão que assim não decidiu.

Termos em que e nos mais de direito se requer a Vossas Excelências:

a) Seja negado provimento ao recurso da Fazenda Pública.
b) No julgamento da causa de pedir do vício de violação de lei, por afronta ao Art. 90.º da LGT e, por consequência, vício de forma por falta de fundamentação, seja concedido provimento ao recurso, julgando-se a impugnação procedente, com as legais consequências.(…)”


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser ordenada a aperfeiçoamento das conclusões.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, com o seu consentimento, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

As questões suscitadas pelos Recorrente, são delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro: (i) de julgamento de facto e direito, por fazer uma errada interpretação e aplicação dos art.º 58.º e º n.ºs 1 e 3 do 74.º da LGT e do art.º 342.º n.º 1 do Código Civil e (ii) em, ampliação de recurso, em erro de julgamento ao não julgar verificado o vício de violação de lei, por afronta ao art.º 90.º da LGT e, por consequência, vício de forma por falta de fundamentação.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

A) O impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária que incidiu sobre IRS do ano de 2002, no âmbito da qual, em 4/09/2006, foi elaborado o relatório de fls. 71 a 90 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
(...)
1. – CRITÉRIO UTILIZADO
Assim, foram listados todos os valores lançados a crédito nas contas bancárias que correspondem às entradas/depósitos nas contas, no ano em análise, cujos mapas resumo se apresentam em anexo (ANEXO 6).
Foram excluídos destas listagens os valores lançados a crédito que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência lançada a débito noutra conta com o mesmo valor.

1.1. - Determinação da matéria colectável em sede de IRS
Considera-se assim, que o total das importâncias que deram entrada nas contas do Sujeito Passivo correspondem aos valores recebidos decorrentes do exercício da sua actividade, valores estes que incluem IVA à taxa normal (art.° 18.° CIVA) em vigor à data dos respectivos movimentos bancários, uma vez que este contribuinte é sujeito passivo de IVA com já se explicou nos pontos III e IV do presente relatório.
Procedeu-se ao apuramento dos valores de IVA e de rendimentos da categoria B correspondentes aos recebimentos do Sujeito Passivo no ano em análise (ANEXO 5), que se resumem no quadro seguinte:
(...)
A actividade exercida pelo Sujeito Passivo enquadra -se no art.° 3° do IRS, sendo a determinação do rendimento colectável efectuada com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado de acordo com o n.° 2 do art.° 28° do CIRS, uma vez que o Sujeito Passivo não optou pelo regime de contabilidade organizada.
Assim, o rendimento tributável da categoria "B" para o ano 2002 ascende a 98.151,97 €, cujo apuramento se apresenta no quadro abaixo, resultante da aplicação do coeficiente 0,65 (previsto no n.º 2 do art.º 31º do CIRS) aos rendimentos estimados de 151.003,04 €, provenientes da categoria "B" auferidos pelo sujeito passivo "A".
(...)».

B) Contra a matéria tributável fixada através de métodos indiretos foi deduzida reclamação, nos termos do Art. 91.º e seguintes da LGT, conforme requerimento de fls. 36 a 43 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido.

C) Reunidos os peritos, não foi alcançado acordo, como se infere da Acta n.º 035-C/LGT, de fls. 13 do p.a., que se dá por integralmente reproduzida.

D) O perito da Fazenda Pública apresentou o Laudo de fls. 14 a 16 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
7 – Para além disso, refere ainda o reclamante que existe um processo judicial em curso (em segredo de Justiça), com vista a apuramento de valores a restituir, os quais não poderão ser considerados como rendimentos, exibindo no debate contraditório fotocópia de guia de depósito de 2005/04/12, no montante de 11.594,03 €, á ordem da FCTUC, com indicação de Inq.N.º 44/05.
Ora, acontece que não é possível confirmar do que se trata, quais os correspondentes valores, e ano ou anos em que os mesmos foram recebidos, se porventura se referir a devolução de verbas.
8 – Assim sendo e não sendo possível por parte do perito do reclamante a obtenção em tempo útil de documentos que justifiquem todas as devoluções/pagamentos eventualmente efectuados, ficou inviabilizado um acordo em sede de procedimento de revisão, não obstante os vários debates contraditórios.
(...)».

E) Consequentemente, em 15/11/2006, foi proferido o Despacho n.º 13/06, de fls. 6 a 12 do p.a., que também se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
Justificada a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, cabe, por sua vez, ao contribuinte, o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, de acordo com o disposto no n. º 3, do art.º 74.º da LGT.
Contudo, os factos e cálculos apresentados no relatório da inspecção, que fundamentaram a determinação do valor da matéria tributável do contribuinte, não foram, em concreto, postos em causa nem pelo sujeito passivo no pedido de procedimento de revisão, nem pelo seu perito ao longo das reuniões que levasse à obtenção de um acordo entre as parte.
Ora, não existindo acordo no procedimento de revisão, compete agora resolver, nos termos do n. 6.° do artigo 92.° da LGT, "tendo em conta as posições de ambos os peritos". No entanto, o perito do contribuinte não só não traz nada de novo ao processo, como se limita simplesmente a transcrever na íntegra os 42 artigos do pedido de procedimento (no pedido de procedimento a numeração dos artigos passou do número 12 para o número 15), não provando haver excesso na quantificação.
Por outro lado, o perito da Administração no seu laudo concorda em absoluto com os factos que fundamentam a tributação com recurso a métodos indirectos descritos no ponto IV do relatório, confirmando "a necessidade de aplicação de métodos indirectos, mostrando-se à saciedade cumprido o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, o qual compete à administração tributária nos termos do n. ° 3 do artº 74.º da Lei Geral Tributária, o que de resto foi pacificamente aceite pelo reclamante (37º da reclamação)", acrescentando que o "critério de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos teve por base os valores recebidos através das contas bancárias em nome do reclamante ou de terceiros mas por si movimentadas no exercício da actividade (como se demonstra no relatório), expurgando o movimento de transferência entre contas, parecendo - nos que dificilmente se poderia encontrar critério mais adequado e tão fiável quanto este".
Ora, tal como consta no relatório, a inspecção tributária verificou que foram efectuados pagamentos ao sujeito passivo através de diversas contas, tendo notificado o contribuinte para apresentar os "extractos de todas as contas bancárias de que sejam ou foram titulares nos anos de 2002, 2003 e 2004, em quaisquer instituições financeiras sitas em Portugal, bem como as contas bancárias de terceiros, que o sujeito passivo movimente "com autorização bancária" ou "procuração" ou em alternativa, autorizar nos termos do n.º do art.º 79.º do Decreto-Lei nº. 298/92 de 31 de Dezembro, a Administração Tributária a ter acesso às mesmas". Não tendo os serviços obtido qualquer resposta e em face dos "indícios de fraude fiscais e abuso de confiança relatados" e "na procura da verdade material para efeitos de tributação real dos previsíveis impostos em falta que importa apurar com rigor, propôs-se abertura de Processo de Inquérito nos termos do art.º 40 do RGIT ao sujeito passivo "J. com o NIF: (...)", no sentido da obtenção dos extractos bancários e documentos justificativos dos depósitos bancários efectuados" nas diversas contas identificadas no relatório.
Através do processo de inquérito n.º 25/06.2IDCBR os serviços tiveram acesso às contas bancárias referidas no relatório, com excepção da conta da CGD com o NIB (...), verificando que "havia montantes depositados nas diversas contas, sem correspondência nos recibos mod. 6, ou outros comprovativos de pagamento obtidos na circularização".
Em 20 de Julho de 2006, foi ouvido o sujeito passivo em termos de declarações, tendo declarado, tal como consta a folhas 13 do relatório, que:
"Os montantes entrados nas quatro contas em anexo, referem-se a:
1. Alguns montantes de maior valor, foram recebidos da Faculdade de Ciências e Tecnologia, para pagamento de despesas no âmbito de "PROJECTOS DE INVESTIGAÇÃO ", cujas saídas tinham a contrapartida para o pagamento a fornecedores;
2. Outros montantes referiam-se a adiantamentos do próprio a bolseiros, por conta das bolsas de investigação, sendo os mesmos estrangeiros;
3. Alguns dos montantes depositados nestas contas também se podem referir a uma outra conta que possui na CGD e que não é nenhuma das identificadas, e era a conta para onde eram efectuadas as transferências da FCTUC. Essa conta é em nome do seu pai e que este depois transferia dinheiro para estas contas. Nesta conta só existiam movimentos que lhe diziam respeito e não era movimentada com dinheiros do pai;
4. Questionado sobre a forma de pagamento dos recibos mod. 6 (vulgos recibos verdes» que emitia à Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra - FCTUC, referiu que esses pagamentos eram efectuados por transferência bancária, para a conta referida no ponto 3, cuja identificação no momento não tem presente, mas que nos vai indicar e nomeadamente assinar toda a documentação para acesso bancário perante a "Instituição de Crédito - CGD".
Relativamente aos movimentos referidos em 1, 2 e 3, não possui neste momento documentos que comprovem as ditas afirmações, mas que irá diligenciar no sentido de os obter e de os exibir até ao dia 27 do corrente mês".
No mesmo dia apresentou o contribuinte uma autorização de acesso à conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, com o n° (...), assinada pelo seu titular "J.", pai do sujeito passivo.
Da análise de todos os documentos disponíveis constatou-se que os "montantes depositados nas contas bancárias são substancialmente superiores aos valores das prestações de serviços declaradas, não tendo sido apresentada justificação documental para esse facto, verificando-se assim, a impossibilidade de comprovação dos rendimentos reais, não permitindo o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo".
A partir destes documentos obtidos através do processo de inquérito e do auto de declarações, os serviços de inspecção tributária consideraram "as importâncias que deram entrada nas contas bancárias do Sujeito Passivo e, as que não estando em seu nome o mesmo movimenta com "PROCURAÇÃO" e ainda a conta que o pai deu autorização de acesso bancário à Administração Fiscal, selo provenientes das actividades por si exercidas" (folhas 14 do relatório).
Nos Anexos 4 e 5 encontram-se os extractos das contas bancárias objecto de análise, tendo sido listados todos os valores lançados a crédito nas contas bancárias que correspondem às entradas/depósitos nas contas e com esses valores foi elaborado um mapa resumo que se encontra no Anexo 6 do relatório.
Dessas listagens foram excluídos os "valores lançados a crédito que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência lançada a débito noutra conta com o mesmo valor "(folhas 16 do relatório).
Com base nestes valores foi apurado um rendimento ilíquido estimado da categoria "B", auferidos pelo sujeito passivo J., de 151.003,04 €. Encontrando-se o contribuinte sujeito às regras do regime simplificado, de acordo com o n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, a este valor tem que ser aplicado o coeficiente de 0,65, estipulado no n.º 2 do art.º 31 do mesmo código, obtendo-se assim o rendimento líquido da categoria "B" para o sujeito passivo "A".
Ou seja o legislador considerou que 35% dos rendimentos ilíquidos obtidos por prestadores de serviços, corresponde aos custos inerentes ao desempenho da actividade profissional, logo, já se encontram aqui contemplados os custos.
O contribuinte, no pedido de procedimento, alega que a tributação foi excessiva. Para provar o excesso de tributação o sujeito passivo mencionou algumas situações e juntou documentos ao pedido de procedimento.
O perito da Administração, na posse desses documentos, e embora sejam todos dos anos de 2003 e 2004, após efectuar as somas dos valores por anos (excepto 2.216,80 Reais que se desconhece o contravalor em Euros), concluiu, no segundo parágrafo do ponto 9 que "no ano de 2004 os referidos documentos ascendem 17.773,50 €, quando os valores presumidos nesse ano foram apenas de 9.561,55 € (sem IVA), correspondendo a 11.378,25 € de depósitos/entradas em contas bancárias, não justificados. Ou seja, se se considerassem tais documentos, abater-se-ia mais do que aquilo que se presumiu em falta".
Perante as incoerências e irregularidades detectadas, conclui-se que o contribuinte errou. No entanto não se consegue apurar com exactidão qual o montante em falta, restando só à administração retirar as ilações, que constam do relatório aqui já referido e respectivos anexos, tiradas de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido, tal como estipula o artigo 349.º do Código Civil. A inspecção tributária apurou os valores que considera reais podendo o contribuinte provar o contrário, no entanto, numa primeira fase não utilizou o contraditório do art.° 60 do RCPIT, nem conseguiu, ao longo do procedimento de revisão, apresentar elementos que levassem ao afastamento da aplicação de métodos indirectos ou ao apuramento de outros valores.
Que o critério operado na quantificação da matéria tributável se mostra adequado a definir a situação tributária concreta da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
Deste modo
E pelas razões expostas, porque racionalmente fundamentadas, aderimos à aplicação do critério proposto no relatório de Inspecção Tributária na determinação da matéria tributável, o que vale por não aceitarmos, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, e logo, a pretensão do contribuinte.
Pelo que
Mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S., sendo o rendimento global liquido fixado no total de € 116.227,51 (...), para o ano de 2002; (...)».

F) O impugnante foi ainda alvo de uma ação de inspeção tributária em matéria de IRS dos anos de 2003 e 2004, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls. 228 a 249 do p.a., que também se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS 1. IRREGULARIDADES NO PROCESSAMENTO DE RECIBOS MOD. 6
(...)
5. dos elementos enviados pela FCTUC, verificou-se que:
5.1. no ano de 2003 foi emitido em 18/03/2003 o recibo mod. 6 n.º AGJ0368245, no montante de 1.895,45 € com o NIF: (...), mas cujo nome indicado é "J.";
- a caderneta a que pertence este recibo foi adquirida em nome de "C., cujo requisitante foi "J.;
- este recibo foi pago pela FTUC através do Fundo de Maneio atribuído ao Coordenador da Unidade de I&D 313/94 do Departamento de Química;
- situações idênticas se verificaram em 2000 e 2001, tendo sido emitidos recibos das séries AEK0470577 e ADX0587881 cadernetas estas adquiridas e requisitadas em nome de "J.";
- alguns dos cheques de pagamento dos recibos dos anos de 2000 e 2001 foram depositados na conta (...) do BCP sendo aposto no verso dos cheques para além da conta a menção "a pagar a J.", "a pagar a J." e "a pagar a J. e J.";
- (...)
5.2. Dos elementos enviados referentes ao sujeito passivo "C. com o NIF: (...)", verificou-se que:
- Os recibos modo 6 enviados foram emitidos em seu nome e com o respectivo NIF,
- Nos anos de 2001, 2002 e 2003, foram processados recibos das cadernetas ADX0587851, AGJ0368201 e AGJ0368301;
- A caderneta da série ADX 0587851 a ADX 0587900, foi requisitada na Tesouraria do Serviço de Finanças de Coimbra 2 em 05/05/1998 em nome de "J. com o NIF: (...)" sendo o requisitante o próprio sujeito passivo;
- A caderneta da série AGJ0368201 a AGJ0368250 foi requisitada em nome de "C." por "J.;
- A caderneta da série AGJ 0368301 a AGJ 0368350 foi requisitada por e em nome de "J.;
- (...)
6. Da circularização efectuada, às entidades a quem o sujeito passivo prestou serviços, verificou-se ainda que no ano de 2001 e para pagamento do recibo ADX 0587892 emitido em 14/08/2001 no montante de 240.000$00 emitido ao Instituto de Ciência Tecnologia e Inovação Química, (...), foi emitido o cheque n.º 371509374 em 31/10/2001 da conta BPI/BBI n.º (...) no valor de 1.108.560$00 titulando o mesmo diversos pagamentos. Assim e tendo sido solicitado ao citado instituto todos os documentos que aquele cheque pagou, verificou -se que o mesmo tinha sido emitido ao portador e pagou os seguintes documentos:
(...)
V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
No decurso de inspecção obtivemos por via do processo de inquérito instaurado nesta Direcção de Finanças, a informação bancária das contas já referidas. Atendendo ao atrás exposto, vamos considerar que as importâncias que deram entrada nas contas bancárias do Sujeito Passivo e, as que não estando em seu nome o mesmo movimenta com “PROCURAÇÃO” e ainda a conta que o pai deu autorização de acesso à Administração Fiscal, são provenientes das actividades por si exercidas.
Os extractos bancários com movimentos nos anos em análise são das seguintes contas bancárias (ANEXOS 4 e 5):
(...)
Quando ouvido o sujeito passivo em termo de declarações a 20/07/2006, o mesmo informou que alguns dos depósitos nas contas sobre as quais estava a ser questionado, provinham de transferências de uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, com o n.º (...), em que é titular o seu pai "J.", tendo nesse mesmo dia entregue uma autorização de acesso à citada conta.
Foram compulsados os extractos das cinco contas bancárias com movimentos, verificando-se que, os montantes entrados na conta da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º (...), eram provenientes de transferências efectuadas por ordem da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, e que dizem respeito ao pagamento das prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo a esta entidade, e já tratado no ponto III do presente relatório.
Da análise dos extractos bancários das restantes contas, verifica-se existirem alguns movimentos de transferências entre as citadas contas.
Nos montantes saídos das contas indicadas (quer por levantamentos em multibanco, cheques ou transferências bancárias) não se identificaram que houvesse valores que correspondessem a adiantamentos que o sujeito passivo efectuava a bolseiros, como o mesmo refere no termo de declarações lavrado em 20/07/2006.
1. - CRITÉRIO UTILIZADO
Assim, foram listados todos os valores lançados a crédito nas contas bancárias que correspondem às entradas/depósitos nas contas, para cada um dos anos em análise, cujos mapas resumo se apresentam em anexo (ANEXO 6).
Foram excluídos destas listagens os valores lançados a crédito que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência lançada a débito noutra conta com o mesmo valor.
Foram ainda expurgados os montantes depositados em que foram detectados os correspondentes recibos modo 6 e ainda o montante de 39.903,83 € depositado na conta 239012248100 em 24/09/2003, que se refere à venda de uma viatura BMW.
1.1. - Determinação da matéria colectável em sede de IRS
Considera-se assim, que o total das importâncias que deram entrada nas contas do Sujeito Passivo correspondem aos valores recebidos decorrentes do exercício da sua actividade, valores estes que incluem IVA à taxa normal (art.º 18.º CIVA) em vigor à data dos respectivos movimentos bancários, uma vez que este contribuinte é sujeito passivo de IVA com já se explicou nos pontos III e IV do presente relatório.
Procedeu-se ao apuramento dos valores de IVA e de rendimentos da categoria B correspondentes aos recebimentos do Sujeito Passivo para cada um dos anos em questão, que se apresentam em anexo (ANEXO 6).
(...)
A actividade exercida pelo Sujeito Passivo enquadra-se no art.º 3º do IRS, sendo a determinação do rendimento colectável efectuada com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado de acordo com o n.º 2 do art.º 28° do CIRS, uma vez que o Sujeito Passivo não optou pelo regime de contabilidade organizada.
Assim, o rendimento tributável para o ano 2003 ascende a 51.651,79 €, cujo apuramento se apresenta no quadro abaixo, resultante da aplicação do coeficiente 0,65 (previsto no nº 2 do art.º 31° do CIRS) aos rendimentos estimados de 79.464,29 €.
(...)
O rendimento tributável para o ano de 2004 ascende a 24.197,70 €, cujo apuramento se apresenta no quadro abaixo, resultante da aplicação do coeficiente 0,65 (previsto no artº 31º do CIRS) ao total dos rendimentos obtidos 37.227,22 €, sendo que o montante de 5.134,49 € foi apurado por correcções aritméticas, conforme explanado no ponto III 1 e 2 do presente relatório e o montante de 9.561,55 € resultante dos rendimentos estimados conforme explanado nos pontos IV e V do presente relatório.
(...)».

G) O impugnante também reclamou, nos termos do Art. 91.º da LGT, contra a matéria coletável fixada para os anos de 2003 e 2004 com recurso a métodos indiretos, conforme requerimento de fls. 209 a 216 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido.

H) Reunidos os peritos, não foi alcançado acordo como se infere da Ata n.º 036-C/LGT, de fls. 191 do p.a., que também se dá aqui por reproduzida.

I) O perito da Fazenda Pública elaborou o Laudo de fls. 182 a 184 do p.a., que também se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte:
«(...)
7 – Para além disso, refere ainda o reclamante que existe um processo judicial em curso (em segredo de Justiça), com vista a apuramento de valores a restituir, os quais não poderão ser considerados como rendimentos, exibindo no debate contraditório fotocópia de guia de depósito de 2005/04/12, no montante de 11.594,03 €, á ordem da FCTUC, com indicação de Inq.N.º44/05.
Ora, acontece que não é possível confirmar do que se trata, quais os correspondentes valores, e ano ou anos em que os mesmos foram recebidos, se porventura se referir a devolução de verbas.
8 – Assim sendo e não sendo possível por parte do perito do reclamante a obtenção em tempo útil de documentos que justifiquem todas as devoluções/pagamentos eventualmente efectuados, ficou inviabilizado um acordo em sede de procedimento de revisão, não obstante os vários debates contraditórios.
(...)».

J) Foi, então, proferido o Despacho n.º 14/06, de fls. 174 a 180 do p.a., que igualmente se dá aqui por reproduzido na sua íntegra e do qual importa destacar o seguinte:
«(...)
Justificada a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, cabe, por sua vez, ao contribuinte, o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, de acordo com o disposto no n.º3, do art.º 74.º da LGT.
Contudo, os factos e cálculos apresentados no relatório da inspecção, que fundamentaram a determinação do valor da matéria tributável do contribuinte, não foram, em concreto, postos em causa nem pelo sujeito passivo no pedido de procedimento de revisão, nem pelo seu perito ao longo das reuniões que levasse à obtenção de um acordo entre as partes.
Ora, não existindo acordo no procedimento de revisão, compete agora resolver, nos termos do n. 6.° do artigo 92.° da LGT, "tendo em conta as posições de ambos os peritos". No entanto, o perito do contribuinte não só não traz nada de novo ao processo, como se limita simplesmente a transcrever na íntegra os 42 artigos do pedido de procedimento (no pedido de procedimento a numeração dos artigos passou do número 12 para o número 15), não provando haver excesso na quantificação.
Por outro lado, o perito da Administração no seu laudo concorda em absoluto com os factos que fundamentam a tributação com recurso a métodos indirectos descritos no ponto IV do relatório, confirmando "a necessidade de aplicação de métodos indirectos, mostrando-se à saciedade cumprido o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, o qual compete à administração tributária nos termos do n. ° 3 do artº 74.º da Lei Geral Tributária, o que de resto foi pacificamente aceite pelo reclamante (37° da reclamação)", acrescentando que o "critério de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos teve por base os valores recebidos através das contas bancárias em nome do reclamante ou de terceiros mas por si movimentadas no exercício da actividade (como se demonstra no relatório), expurgando o movimento de transferência entre contas, parecendo-nos que dificilmente se poderia encontrar critério mais adequado e tão fiável quanto este".
Ora, tal como consta no relatório, a inspecção tributária verificou que foram efectuados pagamentos ao sujeito passivo através de diversas contas, tendo notificado o contribuinte para apresentar os "extractos de todas as contas bancárias de que sejam ou foram titulares nos anos de 2002, 2003 e 2004, em quaisquer instituições financeiras sitas em Portugal, bem como as contas bancárias de terceiros, que o sujeito passivo movimente "com autorização bancária" ou "procuração" ou em alternativa, autorizar nos termos do n.° do art.° 79.° do Decreto-Lei n°. 298/92 de 31 de Dezembro, a Administração Tributária a ter acesso às mesmas". Não tendo os serviços obtido qualquer resposta e em face dos "indícios de fraude fiscais e abuso de confiança relatados" e "na procura da verdade material para efeitos de tributação real dos previsíveis impostos em falta que importa apurar com rigor, propôs-se abertura de Processo de Inquérito nos termos do art.° 40 do RGIT ao sujeito passivo "J. com o NIF: (...)", no sentido da obtenção dos extractos bancários e documentos justificativos dos depósitos bancários efectuados" nas diversas contas identificadas no relatório.
Através do processo de inquérito n.º 25/06.2IDCBR os serviços tiveram acesso às contas bancárias referidas no relatório, com excepção da conta da CGD com o NIB (...), verificando que "havia montantes depositados nas diversas contas, sem correspondência nos recibos mod. 6, ou outros comprovativos de pagamento obtidos na circularização ".
Em 20 de Julho de 2006, foi ouvido o sujeito passivo em termos de declarações, tendo declarado, tal como consta a folhas 13 do relatório, que:
"Os montantes entrados nas quatro contas em anexo, referem-se a:
1. Alguns montantes de maior valor, foram recebidos da Faculdade de Ciências e Tecnologia, para pagamento de despesas no âmbito de "PROJECTOS DE INVESTIGAÇÃO ", cujas saídas tinham a contrapartida para o pagamento a fornecedores;
2. Outros montantes referiam-se a adiantamentos do próprio a bolseiros, por conta das bolsas de investigação, sendo os mesmos estrangeiros;
3. Alguns dos montantes depositados nestas contas também se podem referir a uma outra conta que possui na CGD e que não é nenhuma das identificadas, e era a conta para onde eram efectuadas as transferências da FCTUC. Essa conta é em nome do seu pai e que este depois transferia dinheiro para estas contas. Nesta conta só existiam movimentos que lhe diziam respeito e não era movimentada com dinheiros do pai;
4. Questionado sobre a forma de pagamento dos recibos mod. 6 (vulgos recibos verde» que emitia à Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra - FCTUC, referiu que esses pagamentos eram efectuados por transferência bancária, para a conta referida no ponto 3, cuja identificação no momento não tem presente, mas que nos vai indicar e nomeadamente assinar toda a documentação para acesso bancário perante a "Instituição de Crédito - CGD".
Relativamente aos movimentos referidos em 1, 2 e 3, não possui neste momento documentos que comprovem as ditas afirmações, mas que irá diligenciar no sentido de os obter e de os exibir até ao dia 27 do corrente mês".
No mesmo dia apresentou o contribuinte uma autorização de acesso à conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, com o n° (...), assinada pelo seu titular "J.", pai do sujeito passivo.
Da análise de todos os documentos disponíveis constatou-se que os "montantes depositados nas contas bancárias são substancialmente superiores aos valores das prestações de serviços declaradas, não tendo sido apresentada justificação documental para esse facto, verificando-se assim, a impossibilidade de comprovação dos rendimentos reais, não permitindo o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo".
A partir destes documentos obtidos através do processo de inquérito e do auto de declarações, os serviços de inspecção tributária consideraram "as importâncias que deram entrada nas contas bancárias do Sujeito Passivo e, as que não estando em seu nome o mesmo movimenta com "PROCURAÇÃO" e ainda a conta que o pai deu autorização de acesso bancário à Administração Fiscal, selo provenientes das actividades por si exercidas" (fls. 14 do relatório).
Nos Anexos 4 e 5 encontram-se os extractos das contas bancárias objecto de análise, tendo sido listados todos os valores lançados a crédito nas contas bancárias que correspondem às entradas/depósitos nas contas e com esses valores foi elaborado um mapa resumo que se encontra no Anexo 6 do relatório.
Dessas listagens foram excluídos os "valores lançados a crédito que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência lançada a débito noutra conta com o mesmo valor "(folhas 17 do relatório).
Por outro lado, verificou-se que os montantes entrados na conta da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º (...), eram provenientes de transferências efectuadas por ordem da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), e diziam respeito ao pagamento das prestações de serviços efectuadas pelo contribuinte a esta entidade.
Com base nestes valores foram apurados os rendimentos ilíquidos estimados da categoria "B", auferidos pelo sujeito passivo J., nos anos de 2003 e 2004. Encontrando-se o contribuinte sujeito às regras do regime simplificado, de acordo com o n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, a este valor tem que ser aplicado o coeficiente de 0,65, estipulado no n.º 2 do art.º 31 do mesmo código, obtendo-se assim o rendimento líquido da categoria "B" para o sujeito passivo "A".
Ou seja, o legislador considerou que 35% dos rendimentos ilíquidos obtidos por prestadores de serviços, corresponde aos custos inerentes aos desempenho da actividade profissional, logo, já se encontram aqui contemplados os custos.
O contribuinte, no pedido de procedimento, alega que a tributação foi excessiva. Para provar o excesso de tributação o sujeito passivo mencionou algumas situações e juntou documentos ao pedido de procedimento.
O perito da Administração, na posse desses documentos, elaborou o quadro que se encontra a folhas 2 do seu laudo acrescentando que a “soma ascende a 2.530,72 € em 2003 e 17.773,50 € em 2004”. Na soma do ano de 2003 não estão contemplados 2.216,80 Reais e por se desconhecer o contravalor em Euros. Quanto ao pagamento efectuado à Agência Abreu, o reclamante apenas juntou cópia de cheque, tendo sido possível ao perito da administração “confirmar que se tratou de pagamento de viagens do Dr. A., tendo os documentos sido emitidos em nome da FCTUC”.
Concluiu o perito da administração no ponto 9 que:
"Analisando a documentação junta à reclamação, e muito embora se possa admitir que se trata de devolução de venda ou pagamento de despesas da FCTUC (pelo menos nalgumas situações), certo é que que não é possível saber com rigor a que período(s) se refere e do que se trata.
Por outro lado, no ano de 2004 os referidos documentos ascendem 17.773,50 €, quando os valores presumidos nesse ano foram apenas de 9.561,55 € (sem IVA), correspondendo a 11.378,25 € de depósitos/entradas em contas bancárias, não justificados. Ou seja, se se considerassem tais documentos, abater-se-ia mais do que aquilo que se presumiu em falta".
Perante as incoerências e irregularidades detectadas, conclui -se que o contribuinte errou. No entanto não se consegue apurar com exactidão qual o montante em falta, restando só à administração retirar as ilações, que constam do relatório aqui já referido e respectivos anexos, tiradas de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido, tal como estipula o artigo 349.º do Código Civil. A inspecção tributária apurou os valores que considera reais podendo o contribuinte provar o contrário, no entanto, numa primeira fase não utilizou o contraditório do art.° 60 do RCPIT, nem conseguiu, ao longo do procedimento de revisão, apresentar elementos que levassem ao afastamento da aplicação de métodos indirectos ou ao apuramento de outros valores.
Que o critério operado na quantificação da matéria tributável se mostra adequado a definir a situação tributária concreta da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
Deste modo
E pelas razões expostas, porque racionalmente fundamentadas, aderimos à aplicação do critério proposto no relatório de Inspecção Tributária na determinação da matéria tributável, o que vale por não aceitarmos, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, e logo, a pretensão do contribuinte.
Pelo que
Mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S., sendo o rendimento global líquido fixado no total de € 51.651,79 (...), para o ano de 2003 e de € 24.19,70 (...), para 2004; (...)»

K) Foram emitidas em nome do impugnante a liquidações de IRS e juros, referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004, cujas demonstrações constam de fls. 147 a 149 e se dão aqui por integralmente reproduzidas, apurando-se os valores a pagar de, respetivamente, 28.762,4€, 10.546,41€ e 1.744,64€.

L) Os prazos de pagamento voluntário das liquidações id. na alínea antecedente expiraram, respetivamente, em 3.01.2007, 15.01.2007 e 15.01.2007 – facto admito por acordo.

M) A p.i. da presente impugnação foi apesentada a coberto de correio registado no dia 10.04.2007, conforme carimbo aposto no envelope de fls. 20, que se dá por integralmente reproduzido.
*
A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.
**
Com interesse para a decisão, não se provou que:

1. O impugnante adiantou valores monetários a J. e a C..

2. As duas pessoas identificadas na alínea antecedente emitiram recibos utilizando os números de contribuinte de J. e N..

3. Os montantes respeitantes à FCTUC foram movimentados pelo impugnante para pagamento de despesas no âmbito de projetos.

4. Parte daqueles valores foi devolvida à FCTUC, sendo o remanescente utilizado para o pagamento das mais variadas despesas de que são exemplo, devolução no montante de 7.500,00€, pagamentos a J. de 1.495,00€, 2.242,50€ e 1.556,00€, pagamentos a P. de 4.000,00 e 980,00€, pagamento à Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa no valor de 750,00€, pagamento à Agência Abreu do montante de 1.780,72€, pagamento de uma viagem do bolseiro C. no valor de 2.216,80 reais, entre outras.
*
Relativamente aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova. Como bem realça a Exma. Procuradora da República, as únicas testemunhas arroladas e inquiridas nos autos foram a irmã e o cunhado do impugnante e dos respetivos depoimentos resulta evidente que nenhum deles estava relacionado com a atividade do impugnante, pelo que reportaram factos baseados em conversas tidas com este, donde se denota alguma ingenuidade do impugnante no relacionamento com os intervenientes nos projetos por ele geridos, mormente porque aceitava pagar despesas particulares de professores de cujo valor, depois e por alguma razão, não conseguia ser restituído. Porém, as testemunhas em causa não concretizaram as suas perceções, mormente no que à factualidade não provada respeita.

3.2. Aditamento oficioso à matéria de facto provada
Adita-se aos factos provados as seguintes alíneas N) a Q), por nos autos constarem elementos que o comprovem:

N) Foi deduzida a reclamação, a que se refere os factos B) e G) nas quais constam a final o seguinte: “ Requerimento: requer-se da FCTUC para informar qual o montante que está a ser judicialmente exigido ao ora reclamante.” (cfr. 36 a 44 e 209 a 217 do PA apenso aos autos).
P) Em 19.10.2006, o Diretor de Finanças proferiu o seguinte despachoVem, J., num pedido de revisão da matéria colectável, nos termos do art.º 91.º da Lei Geral Tributária, relativamente ao IRS do exercício de 2002, requerer a final a notificação da FCTUC para informar “(…) qual o montante que está a ser judicialmente exigido ao ora reclamante (…)”
Nos termos do art.º 74º., n.º1 da Lei Geral Tributária, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Não tendo a administração tributária invocado os factos a que alude o sujeito passivo, não recai sobre ela o ónus de o provar.
Termos que o pedido nesta será indeferido.
Notifique o sujeito passivo para, se assim entender, utilizar o direito de participação a que se refere o art.º 60.º da Lei Geral Tributária. (…)” (cfr. fls. 29 PA apenso aos autos);
Q) Em 19.10.2006, o Diretor de Finanças proferiu despacho com idêntico teor ao referido na alínea P) reportando-se ao IRS e IVA dos exercícios de 2003 e 2004. (cfr. fls. 202 do PA apenso aos autos)

4. JULGAMENTO DE DIREITO

4. 1. Quer o Ilustre magistrado do Ministério Público quer o Recorrido vieram alegar que deveria a Recorrente ser convidada a corrigir as conclusões de recurso nos termos do n.º 3 do art.º 639.º do CPC.
Compulsadas as motivações e contra-alegações entendemos que as mesmas cumprem minimamente o disposto no n.º 1 do art.º 639.º do CPC, pese embora não se evidenciem por uma fórmula sintética, no entanto, delas resulta com clareza os fundamentos em que a Recorrente sustenta a alteração da sentença recorrida.
Nesta conformidade, não se vê necessidade de tal diligência, pelo que vai indeferida.

4.2. A Recorrente, em síntese, alega nas suas conclusões que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, por fazer uma errada interpretação e aplicação dos artigos 58.º e º n. 1 e 3 do 74.º da LGT e do art.º 342.º n.º 1 do Código Civil.
Vejamos:
A Administração Tributária instaurou procedimento inspetivo ao Recorrido, tendo em vista irregularidades ocorridas em sede IRS e de IVA, do ano de 2002 e dos anos de 2003 e 2004, tendo sido objeto de dois procedimentos inspetivos.
A Administração Fiscal, em todos os exercícios procedeu a correções aritméticas à matéria coletável e também por recurso a métodos indiretos. Houve lugar ao procedimento de revisão, previsto no art.º 91.º da LGT, os quais culminaram com o Despacho n.º 13/06 de 15 de novembro de 2006, relativo ao ano de 2002 e com o Despacho n.º 14/06 de 23 de novembro de 2006, relativo ao ano de 2003 e 2004.
O Recorrido, encontrava-se coletado pela atividade de “Economista “e auferia rendimentos de trabalho independente, sendo que nos respetivos recibos (vulgarmente designado por “verdes) indicava “formador” outras vezes “Prestações de Serviços” e não foram declarados rendimentos correspondentes.
No ano de 2002, a Administração corrigiu o lucro tributável, por recurso a métodos indiretos tendo apurado rendimento líquido de 116 227,51 € e nos anos de 2003 e 2004 os rendimentos líquidos de 51 651,79 e 24197,70 €, respetivamente.
O Recorrido aquando do pedido de revisão, previsto no art.º 91.º da LGT, requereu a notificação da FCTUC (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra) para que informasse qual o montante em discussão, o que foi indeferido pela AT por entender que não tendo tal facto sido por si invocado, a prova caberia ao contribuinte. No entanto, entende o Recorrido/Impugnante que não se trata de qualquer questão de repartição do ónus da prova, mas sim uma exigência decorrente do princípio do inquisitório, competindo à AT pedir a colaboração da FCTUC, no âmbito dos seus poderes e no domínio das suas competências, com vista à descoberta da verdade material.
A sentença recorrida, após fazer um enquadramento legal e factual concluiu que pela necessidade de proceder às diligências julgando verificado, o vício procedimental invocado pelo Recorrido de violação princípio do inquisitório anulando todas as liquidações.
Dispõe o artigo 266.º da Constituição que “. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”
Preceitua o artigo 55.º da Lei Geral Tributária que “ A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”
Dispõe o artigo 58.º da Lei Geral Tributária, que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”.
Também este princípio está consignado no 6.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT) que consagra a obrigação de a Administração Tributária adotar oficiosamente todas as iniciativas adequadas à descoberta da verdade material.
Da conjugação dos artigos 266.º da CRP, 55.º e 58.º da LGT, resulta que o princípio do inquisitório está ligado com os princípios da justiça, da imparcialidade e da prossecução do interesse público impondo que a Administração Tributária o dever de apurar a verdade material, ainda que para o efeito tenha de proceder a diligências não requeridas pelo sujeito passivo ou cujo resultado lhe seja desfavorável.
Tem entendido a jurisprudência que o princípio do inquisitório não obriga a Administração Fiscal a realizar todas as diligências requeridas pelos sujeitos passivos, mas apenas aquelas que, em concreto, se mostrem necessárias ao apuramento da verdade material (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 15.02.2013, proferido no âmbito do processo n.º 01764/08.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt).
Pese embora o princípio do inquisitório seja estrutural, pelo qual a AT se deve pautar, importa verificar se no caso em apreço, diligências requeridas aí se enquadram.
Importa realçar que estamos em sede de revisão da matéria coletável, ao abrigo do art.º 91.º da LGT, e o Recorrido, nos seus requerimento de revisão não contesta a legalidade do uso dos poderes fixação por métodos indiretos, aceitando que se verificam os pressupostos para a determinação da matéria coletável, entendendo que deve a AT presumir os seus rendimentos com base em critérios adequados do ponto de vista económico e da experiência comum, guiando-se por critérios de justiça, proporcionalidade e adequação, no entanto considera excessiva a quantificação da matéria tributável.
Aqui chegados e não tendo o Recorrido questionado os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos, a questão vai centrar-se na quantificação da matéria tributável.
E como ficou dito no acórdão deste TCAN n.º 00165/04 de 24.02.2005 in www.dgsi.pt a incerteza da quantificação na avaliação indireta é uma hipótese possível como consequência do método utilizado na determinação da matéria tributável “…que por culpa do contribuinte não foi apurada através da forma normal dadas as deficiências que a sua escrita comercial apresentava ou dada a sua pura e simples falta, cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
O n.º 1 do art.º 74.º da LGT, preceitua que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
E, por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito prevê que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.”
Por força dos n.ºs 1 e 4 do art.º 74.º da LGT, compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Sendo este princípio corolário do disposto no art.º 344.º do Código Civil, ou seja, aquele que invocar o direito cabe fazer prova dos factos constitutivo do direito.
Como resulta da matéria de facto provada na alínea N) e neste acórdão aditado, o Recorrido requereu em sede procedimento de revisão, que a Administração Fiscal diligenciasse junto da FCTUC para informar qual o montante que estava a ser judicialmente exigido o que foi indeferido pela AT.
Alegou nos seus requerimentos de revisão, que as verbas que entraram nas contas dizem respeito a valores da FCTUC, cujos cheques não foram por si emitidos, em nome do Recorrido, mas sim em nome de coordenadores de projetos, mas que este movimentava e destinavam-se a pagar despesas no âmbito dos projetos.
E que parte delas foram devolvidas à FCTUC, outras para pagamento de despesas.
Concluiu que parte das verbas recebidas e não gastas no âmbito dos projetos e ainda não devolvidas à FCTUC, em virtude da existência de um processo judicial em curso.
Como se pode ver, o que o Recorrente pretende é que a AT desenvolva diligências junto da FETUC, para apurar os valores das verbas recebidas e não gastas no âmbito dos projetos e que eventualmente terão sido devolvidas à FCTUC.
Este tipo de diligência, não se prende com o princípio do inquisitório a que a AT está obrigada no âmbito do procedimento tributário por força dos normativos supra citados, mas sim prende-se com a prova do excesso da quantificação da matéria coletável.
Acresce referir, que no âmbito dos procedimentos inspetivos foram solicitadas informações à FCTUC as quais foram ponderadas e contribuíram para solidificar o recurso a métodos indiretos e a quantificação da matéria coletável.
Refira-se ainda, que o Recorrido quer durante o procedimento inspetivo quer mesmo em sede de impugnação judicial, não desenvolveu qualquer esforço no sentido de demonstrar os factos que pretendia provar, tendo uma atitude passiva, sendo certo que estava na sua disponibilidade, juntar aos autos prova da existência do processo judicial e demonstrar que quantias estavam aí a ser-lhe exigidas e relacioná-las com os presentes autos.
Acresce ainda que nos factos não provados, que não foram impugnados, resultou que, não se provou que "parte daqueles valores foi devolvida à FCTUC, sendo o remanescente utilizado para o pagamento das mais variadas despesas.”
Aqui chegados termos de concluir que a sentença recorrida ao anular as liquidações de IRS por violação do princípio do inquisitório incorreu em erro de julgamento de facto e direito por errada interpretação e aplicação dos art.º 74.º 58.º. º da LGT e do art.º 342.º n.º 1 do Código Civil, o que conduz à sua revogação.

4.3. Em ampliação de recurso o Recorrido questiona o segmento do julgamento da causa do pedir do vício de violação de lei, por afronta ao art.º 90.º da LGT e, consequente, vício de forma por falta de fundamentação.
Alega que uma interpretação do art.º 77º, n.º 2 da LGT que se baste com uma descrição dos critérios aplicados na quantificação do ato tributário sem qualquer fundamentação de direito, mormente a indicação das normas legais aplicáveis é inconstitucional por violação do artigo 268º, n.ºs 3 e 4 da CRP.
E que o Tribunal não podia colocar-se a hipotizar se o critério de apuramento pode ser enquadrado nestas ou naquelas as alíneas, pois que tal ónus incumbe à AT, na medida em que “a administração está obrigada a fundamentar a avaliação, evidenciando as razões porque optou por certo critério e explicitando o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado”.
E nem tão pouco que foi perfeitamente apreendido pelo Recorrido/ Impugnante que, por isso, conseguiu deduzir uma defesa consistente, invocando mesmo erro nos pressupostos de facto da quantificação, pois que tal juízo não assenta em qualquer pressuposto de facto mas tão somente numa subjetividade, resultando indemonstrado que acaso o contribuinte fosse conhecedor das normas que o Tribunal agora convoca a sua defesa fosse a mesma.
Vejamos:
A questão a decidir é a de saber se sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar não verificado o vicio de violação de lei, por afronta ao art.º 90.º da LGT e consequente falta de fundamentação e se tal interpretação que se baste com uma descrição dos critérios aplicados na quantificação do ato tributário sem qualquer fundamentação de direito, mormente a indicação das normas legais aplicáveis é inconstitucional por violação do artigo 268º, n.ºs 3 e 4 da CRP.
O n.º 2 do art.º 77.º da LGT prevê que: A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
O n.º 4 do art.º 77.º da LGT preceitua que: “A decisão da tributação pelos métodos indiretos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação diretas e exata da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.”
Decorre da interpretação conjugada do n.º 2 e 4 do art.º 77.º da LGT, que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, no entanto, a decisão da tributação pelos métodos indiretos descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objetivos da atividade de base científica, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
Por sua vez, art.º 90.º da LGT, sob a epigrafe “Determinação da matéria tributável por métodos indiretos” prevê que: “1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indiretos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos diretos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da atividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da atividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte. (…)”
O art.º 90.º da LGT, enuncia a título meramente exemplificativo, os elementos a atender na determinação da matéria tributável por impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
A avaliação indireta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Tem-se entendido que os factores quantitativos propostos nesse normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indiretos não sendo obrigatório atender a todos os factores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.
Na sentença recorrida refere-se que: “(…) No caso presente, o método eleito – de considerar como provenientes das atividades exercidas pelo impugnante todas as quantias depositadas nas identificadas contas bancárias por ele movimentadas, excluindo os movimentos que indiciavam meros acertos de contas – mostra-se racional, não estando a AT impedida de do mesmo lançar mão.
De resto, tal critério de apuramento da matéria coletável pode ser enquadrado nas alíneas d) e i) do n.º 1 do artigo 90.º da LGT, pois que foram tidos em conta os elementos e informações declarados à AT, mormente relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte/impugnante, bem como uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte. (…)”
Decorre da interpretação do art.º 90.º e n.º 4 do art.º 74.º da LGT a obrigatoriedade da Administração Tributária proceder à escolha de um método e indicar quais os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.
Considerando que a Administração Tributária deve determinar um “quantum” de matéria tributável que seja o mais próximo possível do que seria obtido pelo sujeito passivo através da aplicação de métodos diretos de apuramento, tem o dever de recolher elementos, tão concretos e completos quanto possível que a auxiliem na tarefa de quantificação, o que pode conduzir à utilização de mais do que um dos métodos previstos no artigo 90.º da LGT ou outro critério.
No caso em apreço a Administração Tributária explicita o método utilizado para quantificar o valor da matéria coletável no capítulo V. do relatório de inspeção tributária.
Considerou, para o apuramento do rendimento tributável para o ano de 2002, “as importâncias que deram entrada nas contas bancárias do Sujeito Passivo e, as que não estando em seu nome o mesmo movimenta com “PROCURAÇÃO” e ainda a conta que o pai deu autorização de acesso bancário à Administração Fiscal, são provenientes das actividades por si exercidas”, tendo sido excluídos “os valores lançados a créditos que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência laçada a débito noutra conta com o mesmo valor.”
Para o ano de 2003 e 2004,as importâncias que deram entrada nas contas bancárias do Sujeito Passivo e, as que não estando em seu nome o mesmo movimenta com “PROCURAÇÃO” e ainda a conta que o pai deu autorização de acesso bancário à Administração Fiscal, são provenientes das actividades por si exercidas”, tendo sido excluídos “os valores lançados a créditos que se tenham identificado como sendo estornos de lançamentos a débito, bem como transferências efectuadas entre as contas, ou seja, quando se verificou que um lançamento a crédito era uma transferência com o nome do Sujeito Passivo ou do seu pai, ou proveniente de uma conta titulada em seu nome ou das contas tituladas em nome de seu pai, e que na mesma data existia uma transferência laçada a débito noutra conta com o mesmo valor.
Foram ainda expurgados os montantes depositados e que forma detetados os correspondentes recibos mod.6 e ainda o montante de 39.903,83 € depositados na conta (…) em 24/09/2003, a que se refere a venda de uma viatura BMW.”
A sentença recorrida, considerou que o método eleito mostra-se racional, não estando a AT impedida de ao mesmo lançar mão, julgamento que o Recorrido não contesta.
Assim, a sentença recorrida não afronta o art.º 90.º da LGT, embora fizesse um esforço, que lhe não competia, de enquadrar os critérios utilizados nas alíneas d) e i) do art.º 90.ºda LGT, tendo nessa parte se excedido, erro que desde já se diga, não afeta a decisão final.
A sentença recorrida após fazer um exaustivo enquadramento legal e doutrinal, considerou que os atos se consideravam devidamente fundamentados, pese embora não conste da decisão do Exmo. Diretor de Finanças de Coimbra, proferida nos termos do artigo 92.º, n.º 6 da LGT, a indicação das alíneas do n.º 1, do artigo 90.º da LGT concretamente aplicada, o certo é que a AT demonstrou qual o critério que usou para a determinação da matéria coletável.
A decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e como supra se disse, no que concerne à decisão do recurso a métodos indiretos, obrigatoriedade da Administração Tributária proceder à escolha de um método e indicar quais os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, o que ficou devidamente explanado no relatório e na decisão de aplicação de métodos indiretos, tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência.
A sentença recorrida não nos merece censura pois considerou que o método utilizado pela Administração Tributária afigura-se racional, em face da omissão de proveitos que foi detetada e que justificou o recurso à aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria coletável indicando os citérios utilizado, pelo que tal interpretação aplicáveis não de mostra desconforme com a lei nem com a Constituição nomeadamente com os n.ºs 3 e 4 artigo 268º.
Destarte, indefere-se o recurso nesta parte.

4.4. E assim formulamos as conclusões/sumário:

I. Da conjugação dos art.º 266.º da CRP e 55.º e 58.º da LGT, resulta que o princípio do inquisitório está ligado com os princípios da justiça, da imparcialidade e da prossecução do interesse público impondo que a Administração Tributária o dever de apurar a verdade material, ainda que para o efeito tenha de proceder a diligências não requeridas pelo sujeito passivo ou cujo resultado lhe seja desfavorável.

II. Por força dos n.ºs 1 e 4 do art.º 74.º da LGT, compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
Após, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação.

III.A avaliação indireta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efetiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Tem-se entendido que os factores quantitativos propostos nesse normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indiretos não sendo obrigatório atender a todos os factores mas recorrer-se apenas aos que, em cada caso, se afigurem como mais seguros para permitir com maior rigor aquele desiderato.

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em:

a) conceder provimento ao recurso de Fazenda Pública revogar a sentença na parte impugnada e manter as liquidações de IRS de 2002, 2003 e 2004, objeto do presente recurso, e
b) Negar provimento recurso efetuado pelo Recorrido em ampliação de recurso.
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Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC.
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Porto, 16 de setembro de 2021

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes