Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00727/19.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO; TAXAS DE PORTAGEM;
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO; RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO;
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS; VALOR PROBATÓRIO DO AUTO DE NOTÍCIA;
Sumário:
I – O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação por falta de pagamento de taxas de portagem de cinco anos, é reduzido para 4 anos (de caducidade do direito à liquidação, previsto no artigo 45º da LGT), nos termos do artigo 33º, nº 2, do RGIT, dado que o valor da coima varia em função da taxa de portagem devida (artigo 7º, da Lei nº 25/2006, de 30/06, na redação dada pela Lei nº 51/2015, de 8/06).

II – Este prazo conta-se da data da infração que, por estarem em causa infrações omissivas, por efeito do artigo 5º, nº 2, do RGIT, se considera praticada na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário.

III - A inaplicabilidade do Código Penal, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, limita-se às causas e não aos efeitos e limites dos prazos, matérias que, não vindo reguladas no RGCO e no RGIT, terão de ser resolvidas com recurso àquele Código; por isso, é de aplicar o artigo 120º do Código Penal, cujo nº 6 enuncia que a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a suspensão e, bem assim, o nº 2 do artigo 121º do mesmo Código, que estipula que a interrupção inutiliza o prazo até então decorrido, voltando a contar-se novo prazo, depois de cada interrupção.

IV – De acordo com o disposto no artigo 28º, nº 3 do RGCO, na redação da Lei nº 109/2001, de 24/12, aplicável por remissão do artigo 33º, nº 3 do RGIT, “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.

V - Embora a Recorrente possa, com base na sua própria avaliação da prova produzida, discutir a convicção que o Tribunal a quo formou quanto aos factos provados e não provados, o Tribunal ad quem não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes conferidos à 1ª instância, só podendo alterar o ali decidido quanto à matéria de facto, se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (cfr. alínea b) do nº 3 do artigo 412º do CPP).

VI - A descrição sumária dos factos referida no artigo 79º, nº1, al. b), do RGIT não exige uma enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, da decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conforme é apanágio do processo penal, e atento o previsto quanto às sentenças (cfr. artigo 374º, nº 2, do CPP), mas antes um regime de menor solenidade, o que se justifica face à menor gravidade das sanções contraordenacionais, sem que os direitos de defesa constitucionalmente consagrados sejam prejudicados (cfr. artigo 32º, nº 10, da CRP). Somente se exige que a descrição factual que consta da decisão de aplicação da coima seja suficiente para permitir que o arguido se aperceba dos factos que lhe são imputados e, com base nessa perceção, possa defender-se adequadamente.

VII - Bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, esta exigência há de considerar-se satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infraestruturas rodoviárias, designadamente autoestradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contraordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respetiva matrícula e com referência aos trajetos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infrações e aos montantes das respetivas taxas.

VIII - Nos termos do artigo 9º, nº 2, da Lei nº 25/2006, de 30/06, o auto de notícia, elaborado nos termos do artigo 57º do RGIT faz fé sobre os factos detetados pelo autuante até prova em contrário, ou seja, atribui-se-lhes força probatória plena, como se conclui dos artigos 346º e 347º do Código Civil.

IX - Não tendo a Recorrente questionado a autoria dos factos que determinaram a sua condenação em coimas, não se tornou necessária a recolha de prova suplementar além do auto de notícia..*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Lda, devidamente identificada nos autos, vem recorrer do Despacho decisório proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 02.01.2023, que julgou improcedente o recurso por si apresentado das decisões de aplicação de coima proferidas nos processos de contraordenação nºs ...82, ...90, ...42, ...85, ...93, ...07, ...74, ...40, ...58, ...34, ...69, ...50, ...23, ...15, ...31 e ...66, por violação do disposto no artigo 5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 25/06, de 30-06, infrações punidas pelo artigo 7º da mesma Lei, pedindo a absolvição do processo e o seu arquivamento.

1.2. A Recorrente findou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I. O Tribunal A Quo não podia ter dado como provados nenhum dos factos que na sentença deu como provados relativamente à prática das infrações por parte da arguida mencionados no PROBATÓRIO, dos pontos 3.1.1 e seguintes.
II. Assim, como não podia ter considerado que não havia factos alegados pela arguida que devam considerar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão. (Ponto 3.2 da sentença quando refere:” Não se vislumbram nos autos outros factos alegados cuja prova seja relevante para a decisão. * Para a prova dos factos acima elencados, foi determinante a análise dos documentos juntos aos autos pela AT e constantes do processo físico, não impugnados, conforme se encontra devidamente identificado em cada um dos pontos do probatório. Quanto às diligências efectuadas junto das Concessionárias e [SCom02...] quanto à questão da certificação dos aparelhos, como abaixo se verá, e melhor ponderada a situação, acabaram por não se mostrar úteis para a presente decisão, pelo que não foram consideradas pelo Tribunal. A restante matéria alegada pelo Recorrente não foi julgada provada ou não provada porque são factos irrelevantes para a decisão ou são factos conclusivos ou constituem mera alegação de direito.).
IIa. Como não podia a sentença assumir que a arguida não impugnou os autos de notícia, quando no seu recurso alega claramente:
“A arguida não praticou nenhuma das infrações de que vem acusada.
Nunca passou em nenhuma portagem sem que tivesse deixado de pagar a respectiva taxa pela sua utilização.”
IId. Assim como nas suas conclusões de recurso conclui no seu ponto 1:
“A arguida não praticou nenhuma infração, nunca tendo passado em nenhuma portagem sem que não tenha pago a devida taxa.”
III Como tal, a arguida impugnou as acusações contra si formuladas nos autos de notícia.
IV. Assim como não poderia ter o Tribunal A Quo ter considerado que as decisões recorridas contêm a necessária descrição dos factos, imposta pela alínea b) do nº 1 do art. 79º do RGIT.
V. Assim como não podia a sentença ter considerado que as decisões condenatórias sub judice continham os elementos essenciais para a determinação da medida da coima, nomeadamente a fundamentação relativamente ao elemento subjectivo do tipo.
VI. Assim, como não podia a sentença ter considerado que os processos sub judice tinham fundamento probatório válido, já que, dependem de prova fotográfica ou provinda de detectores dos DDIE e esta não se encontra nos processos, e assim não podia o Tribunal A Quo ter dados como provados os factos constitutivos das infrações de que a arguida vem acusada.
VII. O Tribunal A Quo não podia ter condenado a arguida em nenhum dos processos sub judice, quando, no probatório, nem sequer deu como provados os factos que foram imputados na decisão administrativa da AT. Em nenhum momento no probatório da sentença recorrida, foram dados como provados factos que consubstanciam e de onde se possam ter inferido os elementos objectivos e subjectivos das infrações impugnadas.
VIII. O que o Tribunal A Quo deu como factos provados no Probatório, dos pontos 3.1.1 e seguintes, foi o levantamento dos autos de notícia lá identificados; a instauração dos processos contra a arguida que estão em causa sub judice; a imputação das infrações à arguida por parte dos agentes autuantes (mas não a sua verificação e cometimento por parte da arguida); deu como provado que foram proferidas as decisões condenatórias da AT; e que a arguida recorreu das mesmas.
IX. Tendo a arguida posto em causa a prova que sustenta todas as imputações à arguida; além de ter posto em causa a verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo contraordenacional de que a arguida vem acusada em cada um dos processos, teria o Tribunal A Quo de se ter pronunciado sobre essa questão, já que, foi objecto de recurso de impugnação.
X. Existe assim, omissão de pronúncia da Sentença relativamente a estas questões, o que é uma nulidade insanável.
XI. A sanção para o incumprimento da alínea b) e c) do n.º 1 do referido art. 58.º do RGCO é a nulidade da decisão impugnada, nos termos dos arts. 283.º, n.º 3, 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, aplicável subsidiariamente. Deveria o Tribunal A Quo ter determinado esta medida.
XII. Ou podia ir por outra via,
XIII. A ausência EM TODAS AS DECISÕES da autoridade administrativa de factos integradores do tipo subjectivo não conduzindo à sua nulidade, conduz antes à impossibilidade de ser proferida decisão de condenação por não verificação de contraordenação por falta de um dos seus elementos típicos. Deveria o Tribunal A Quo ter determinado esta medida.
XIV. DA FALTA DE PROVA NOS PRESENTES PROCESSOS E DO DESPREZO PELO Nº 2 DO ART. 8 DA LEI Nº 25/2006 conjugado com o nº 3 DO ART. 9º DA MESMA LEI.
XV.O Tribunal A Quo não podia ter dado como provados nenhum dos factos que na sentença deu como provados nos pontos 3.1.1 do probatório.
XVI. As passagens no presente processo foram detectadas, não através de um agente humano de guarda nas portagens, mas sim através de um suposto sistema informático (DDIE). OS AUTOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO SUB JUDICE NÃO FAZEM FÉ PUBLICA, JÁ QUE, NÃO FORAM PRESENCIADOS PELO AGENTE AUTUANTE, SENDO UMA FANTASIA QUE O TRIBUNAL A QUO INGENUAMENTE E INDEVIDAMENTE CONSIDEROU COMO VERDADEIRA. Os agentes autuantes NÃO presenciam passagens dos veículos no local das supostas infrações. As detecções a existirem são sempre informáticas sem olho humano a verificá-las. Facto que o Tribunal A Quo não se interessou por apurar com a inquirição das testemunhas arroladas pela Arguida.
XVII. Ora, para que um auto de notícia, no âmbito da Lei 25/2006, tenha fé pública, quando detectado por equipamentos, como é o caso, deve constar do processo prova de que esta foi obtida precisamente por equipamentos aprovados nos termos legais e regulamentares. Caso contrário, faltando esse requisito, não pode haver fé pública do auto de notícia, nem pode ser considerada que haja prova válida de qualquer infração de que um cidadão venha acusado.
XVIII. Não se pode desprezar a importância do nº 2 do art. 8º conjugado com o nº 3 DO ART. 9º DA MESMA LEI.
XIX. Não se podem considerar estas infrações como provadas porque o dispositivo electrónico das concessionárias usado nos presentes processos não está aprovado pelo IMT e os equipamentos de detecção não estão aprovados pelo IMT.
XX. O facto de haver uma listagem de DDIE no IMT, não é prova só por si, que o aparelho que foi usado para detectar CADA UMA das supostas passagens em auto estradas, por parte da arguida, faz parte dessa lista aprovada.
XXI. Não existe em nenhuma parte do processo, qualquer referência a qual o equipamento em concreto (ou sequer em termos genéricos) usado na deteção de qualquer uma das passagens de que a arguida vem acusado.
XXII. Mesmo que os aparelhos de detecção não necessitassem de ser aprovados e certificados, o que não se concorda, tem de haver uma relação que se possa fazer entre:
XXIII. os aparelhos que foram usados para detectar estas infrações – as fotos que servem de base a cada um dos processos – e a lista de aparelhos aprovados pelo IMT.
XXIV. A sentença considerou erradamente que a arguida não contesta as infrações de que vem acusada.
XXV. A arguida ataca - desde o início da sua intervenção no presente processo - a acusação que lhe é imputada pela falta de elementos subjectivos e objectivos do tipo, estando implícita a não aceitação dessa imputação por parte da arguida.
XXVI. Nas Portarias 314-B/2010 e 1033-C/2010 foram determinados os requisitos de aprovação e certificação dos sistemas de DDIE, os quais detectam as passagens dos veículos em auto-estradas.
XXVII. O art. 27º da Portaria 1033-C, vem determinar que: “A aprovação dos modelos e sistemas de DDIE já instalados à data da entrada em vigor da presente portaria decorre, excepcionalmente, no prazo de seis meses após aquela data.”
XXVIII. Ou seja, os aparelhos e sistemas DDIE anteriormente em uso pelas concessionárias tinham de ser aprovados à posteriori. XXIX. As concessionárias tinham 6 meses para os apresentar para efeitos de aprovação ratificativa do SIEV.
XXX. Ora, no fundo, todos os sistemas e aparelhos DDIE que são usados pelas concessionárias para detectar passagens em auto-estradas, tinham de ser sempre aprovados pelo SIEV, fossem novos, fossem antigos.
XXXI. Ora, no presente caso não há qualquer menção no presente processo a qualquer tipo específico de sistema DDIE que detectou as supostas passagens do veículo identificados nos autos.
XXXII. Sem a identificação do sistema DDIE usado em específico no presente processo, e sem um Despacho do Conselho de Administração do SIEV ou do IMT a aprovar o sistema DDIE que foi alegadamente usado em especifico nos presentes autos, não sabemos se foram ou não cumpridos os requisitos de aprovação e certificação das Portarias acima mencionadas que exigem sim certas características para que estes sistemas sejam legais.
XXXIII. As Portarias referidas nesta disposição legal, nunca foram adaptadas como manda o art. 7º do DL nº 76/2014, pelo que, tendo passado o prazo dos 180 dias, todo o sistema de aprovação de sistemas DDIE caiu.
XXXIV. As aprovações de todos os sistemas a operar no país (Portugal) caducaram, sejam as antigas ou as novas.
XXXV. O processo está inquinado desde a sua origem por falta de prova válida, desde sempre invocada pela arguida, o que, sendo uma nulidade insanável, torna nulos todos os actos subsequentes, sendo esta nulidade invocada de conhecimento oficioso.
XXXVI. Devia o Tribunal A Quo ter considerado que os presentes processos são nulos ab initio por falta de prova válida, sendo que sem a mesma não podia considerar que o auto de contraordenação só por si faz fé pública, e considerando que, está implícita em toda a defesa da arguida que esta impugna a prática e imputação das infrações de que vem acusada.
XXXVII. Esteve mal assim o Tribunal A Quo ao considerar como provados os pontos 3.1.1 da sentença, e a fazer as considerações, acima mencionadas.
XXXVIII. Temos então como erros de julgamento de facto, o facto de o tribunal A Quo ter omitido pronúncia relativamente à prova dos elementos objectivos e subjectivos do tipo acima invocados, sendo que deveria ter dado estes como não provados e como tal absolvido a arguida.
XXXIX. Outro erro de julgamento de facto é o facto de o Tribunal A Quo ter considerados provados os pontos 3.1.1 da sentença, quando não existe prova fotográfica válida das passagens de que a arguida vem acusada de ter efectuado, assim como não existe também qualquer outro tipo de registo válido das passagens nos processos que substitua essas fotos. Deveriam assim ter sido dados como não provados os factos constitutivos das infrações de que a arguida vem acusada acima referidos; e a arguida absolvida de todos processos sub judice.
XL. Considerando que este processo levanta muitas dúvidas relativamente à própria prática das infrações, que a arguida colocou em crise logo desde início, por falta de prova válida das mesmas, In Dúbio Pro Réu.
XLI. Devia o Tribunal A Quo ter diligenciado no sentido de ouvir as testemunhas da arguida em audiência de julgamento e de ter providenciado a junção aos autos dos documentos requeridos juntar pela arguida, que eram absolutamente essenciais à descoberta da verdade e ao intuito teleológico das alegações e motivações do seu recurso.
XLIa. Deveria ter o Tribunal A Quo, promovido a junção aos autos dos documentos solicitados pela arguida, promovido o julgamento neste processo, e ouvido as testemunhas arroladas pela arguida, nomeadamente os agentes autuantes para aferir da fé pública do auto, quando à verificação presencial das infrações.
XLIb. Estas omissões, e principalmente a omissão de falta de junção dos documentos solicitados juntar pela arguida ao processo, violam o direito de defesa da arguida, tendo o tribunal assente a sua decisão na ausência dos mesmos, os quais são de extrema importância para o processo. Esta violação do direito de defesa da arguida aqui se invoca para os devidos efeitos legais.
XLIc. O Tribunal A Quo abusou do instituto do nº 2 do art. 64º do RGCO quando propôs à arguida a decisão por mero despacho.
XLII. Tendo a arguida apresentado prova testemunhal, tendo negado a prática de todas as infrações, tendo requerido a produção de prova documental, e não entendendo o tribunal ouvir as testemunhas e promovido a junção aos autos da prova requerida, induz CLARAMENTE a arguida em erro quando convida à decisão por mero despacho.
XLIII. Desta forma, o Tribunal A Quo não fundamentou as razões pelas quais considerou a desnecessidade da audiência de julgamento, violando assim o art. 64º do RGCO, e consequentemente o direito de defesa da arguida constitucionalmente consagrado no art. 32, nº 10 da CRP, nulidade essa que desde já se invoca para os devidos efeitos legais, requerendo que a revogação da sentença recorrida e a devolução dos autos ao Tribunal A Quo para efeitos de efetuar o julgamento a fim de apreciar a prova documental requerida juntar e ouvir as testemunhas apresentadas pela arguida.

Termos em que, deverá ser revogada a sentença proferida devendo ser substituída por outra que reconheça as nulidades invocadas com as devidas consequências legais; assim como se determine a absolvição da arguida em todos os processos de contra-ordenação em causa nos presentes autos.».

1.3. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

1.4. O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra respondeu ao recurso pela forma expressa no articulado de fls. 554 e seguintes dos autos [no SITAF], tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. A decisão recorrida fez uma correta apreciação da matéria de facto e acertada aplicação do direito.
2. Por essa razão não se vislumbra qualquer fundamento, de facto ou de direito, que permita sustentar o recurso interposto pela recorrente.
3. A recorrente não requereu a junção de documentos, nem indicou testemunhas.
4. No recurso de aplicação de coima o juiz só pode decidir por despacho, depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, conforme o disposto no n.º 2 do art.º 64º do RGCO.
5. Foi justamente o que sucedeu nos presentes autos, sendo que a ora recorrente e o Ministério Público não se opuseram a essa forma de decisão.
Termos em que, mantendo-se a decisão recorrida, será feita a habitual JUSTIÇA!»

1.5. O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer, considerando que:
«(…)
A Mmª Juíza sustentou, em despacho proferido no dia 27/02/2023 (fls. 549/550 do SITAF), e em termos que não merecem censura e que acompanhamos na íntegra, que a sentença não enferma das nulidades que lhe são assacadas pela recorrente, nomeadamente:
- omissão de pronúncia e erro de julgamento de facto, pois não dá como provados os factos que consubstanciam os elementos objectivos e subjectivos das infracções impugnadas, fazendo menção aos elementos constitutivos das infracções de que a arguida vem acusada apenas na parte relativa à matéria de direito;
- erro de julgamento de facto, por ter considerado factos como provados sem que exista sustentação para tal; - ausência da junção aos autos dos documentos solicitados;
e,
- ausência de fundamentação das razões pelas quais considerou a desnecessidade da audiência de julgamento, em violação do art. 64.º do RGCO e do artigo 32.º/10 da CRP, omitindo diligências instrutórias (inquirição de testemunhas),----------------------------------------------------- termos e fundamentos que a recorrente defende serem suficientes para a revogação da sentença recorrida.
No recurso ora apresentado a recorrente alega ainda que a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por errónea avaliação da matéria de facto, e erro de julgamento de direito, conforme fundamenta em sede conclusiva e para cuja leitura remetemos.
**
Ora, concordando com os fundamentos que estiveram na base da sentença recorrida, pelos fundamentos e razões aí aduzidas, às quais aderimos, é nosso parecer que o recurso apresentado não merece provimento.
Assim, por se mostrar suficientemente fundamentada de facto e de direito, não violando qualquer normativo legal, deverá a sentença recorrida ser mantida na ordem jurídica.».

1.6. A Recorrente veio suscitar a prescrição dos procedimentos contraordenacionais.
1.7. A Fazenda Pública respondeu, sustentando que, aplicando o prazo prescricional de 4 anos, acrescido de metade, bem como dos períodos de suspensão de 6 meses, por admissão do recurso, e 160 dias pelas medidas covid, ainda não ocorreu a alegada prescrição.
1.8. O DMMP junto deste Tribunal teve, novamente, vista dos autos, acompanhando o entendimento sustentado pela Fazenda Pública.


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Dispensados os vistos legais, obtida a concordância dos Exmºs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável por força do artigo 3º, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP), ex vi artigo 74º, nº 4 do RGCO), excepto quanto a questões de conhecimento oficioso, pelo que, no caso, o tribunal conhecerá, antes de mais, da excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional, que é de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final, e constitui causa extintiva do procedimento contra-ordenacional, obstando à apreciação do mérito do recurso – artigos 33º e 61º, nº 1, alínea b) do RGIT e 27º do RGCO (neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de Fevereiro de 2018, proferido no Processo nº 2493/16, e a vasta jurisprudência e doutrina nele citadas).
Caso não se conclua pela prescrição do procedimento contraordenacional, cumprirá, então, apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia e erro de julgamento de facto e de direito, por ocorrerem nulidades insupríveis, por falta de certificação da prova fotográfica e dos dispositivos de detecção e identificação automática de veículos.


2. FUNDAMENTAÇÃO
3.1.2. Factualidade assente em 1ª instância
No despacho decisório recorrido foi efectuado o seguinte julgamento de facto:
«1. Em 05-09-2019 foram instaurados contra a Recorrente os Processos de Contraordenação n.º ...34, ...42, ...50, ...69, ...85, ...93, ...07, ...15, ...23, ...31, ...40, ...58, ...66, ...74, ...82 e ...90, por, em vários dias dos meses de Março, Agosto, Novembro e Dezembro de 2018, Janeiro e Fevereiro de 2019 ter transposto, com várias viaturas, as portagens ali identificadas sem ter efectuado o respectivo pagamento (cfr. informação de fls. 51 do processo físico);
2. Na sequência de notificação, a Recorrente exerceu o seu direito de defesa nos processos acima identificados, por requerimento apresentado em 25-09-2019, que aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 43 e ss. do processo físico);
3. Em 04-10-2019 o Chefe do SF de ... proferiu decisões nos processos de contraordenação acima identificados, tendo a decisão proferida no PCO n.º ...34 o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 60-B a 356 do processo físico);
4. As demais decisões de aplicação de coimas proferidas nos processos de contraordenação referidos em 1. possuem conteúdos absolutamente iguais, diferindo apenas na identificação das matrículas das viaturas, concretas horas e dias de passagem, identificação das vias estradais, valores de portagem, datas de infracção/período de tributação e coimas fixadas (fls. 63 a 356 do processo físico);
5. Pelos ofícios n.º ...72 e ...73, de 04-10-2019 o Chefe do SF de ... remeteu à Recorrente, por correio registado com AR, assinados em 07-10-2019 e em 09-10-2019, as decisões a que se referem os pontos 3. e 4. supra (fls. 55 a 60 do processo físico);
6. Em 14-10-2019 a Recorrente apresentou o presente recurso contra as decisões de fixação de coima a que se referem os pontos 3. e 4. supra (cfr. fls. 1 a 12 do processo físico).

3.2. Factos não provados:
Não se vislumbram nos autos outros factos alegados cuja prova seja relevante para a decisão.
*
Para a prova dos factos acima elencados, foi determinante a análise dos documentos juntos aos autos pela AT e constantes do processo físico, não impugnados, conforme se encontra devidamente identificado em cada um dos pontos do probatório.
A restante matéria alegada pelo Recorrente não foi julgada provada ou não provada porque são factos irrelevantes para a decisão ou são factos conclusivos ou constituem mera alegação de direito.».

3.1.2. Aditamento à matéria de facto provada

Ao abrigo do disposto no artigo 431º, alínea a) do CPP, ex vi artigo 3º, alínea b) do RGIT e artigo 74º, nº 4 do RGCO, acorda-se em aditar à factualidade fixada, porque documentalmente comprovado e com relevo para a decisão sobre o mérito e sobre a prescrição do procedimento contra-ordenacional, a seguinte factualidade:
6. Por ofício com data de 17.11.2020, dirigido ao processo nº 430/20.1BECBR, que corre termos neste Tribunal, veio a [SCom02...] dizer o seguinte:
“(…) informamos que os modelos dos equipamentos que, captaram as fotografias das infrações em causa foram aprovados pelo Despacho nº 12 594/2007, do Diretor-Geral da Direção Geral de Viação, de 16 de março de 2007, publicado no Diário da República, Série II, n.º 118, de 21 de junho, podendo o mesmo ser consultado em https://dre.pt/.
O referido equipamento capta a fotografia da infração, registando ao mesmo tempo no sistema o dia, hora e local onde a mesma se verificou, só assim é que conseguimos ter toda a informação necessária à elaboração das notificações. Com efeito, o dia, hora e local das infrações é, desde logo, comunicado ao proprietário dos documentos de identificação do veículo, aquando do envio da notificação a que se refere o n.º 1 da Lei nº 25/2006).” (cfr. fls. 670 dos autos [no SITAF]);

7. Em 03/12/2019, foi proferido despacho de admissão liminar do recurso, notificado aos intervenientes processuais por ofícios/notificações eletrónicas expedidos em 04/12/2019 (cfr. fls. 393 e 396 a 400 [no SITAF]).

*
3.2. De Direito
As questões suscitadas nos presentes autos, bem como as alegações e conclusões deste recurso, coincidem totalmente com as arguidas no processo nº 119/20.1BECBR e ali apreciadas por acórdão desta subsecção de 12.10.2023.
Assim, tendo em vista a aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8º, nº 3, do Código Civil) e por economia de meios, com a vénia devida, transcrevemos, por com ela inteiramente concordarmos, a fundamentação de direito acolhida no mencionado acórdão, com as necessárias adaptações:

«A Recorrente veio insurgir-se contra o despacho decisório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente o recurso por si apresentado das decisões de aplicação de coima proferidas em vários processos de contra-ordenação do Serviço de Finanças ..., pela prática de infracções previstas no nº 2 do artigo 5º da Lei nº 25/06, de 30 de Junho, punidas pelo artigo 7º do mesmo diploma legal, por falta de pagamento de taxas de portagem.
Alega a Recorrente, em síntese, que a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia e em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto as decisões de aplicação de coima não contém a descrição sumária dos factos nem os elementos para a determinação da medida da coima, o que constituiria nulidade insuprível dos processos de contra-ordenação, por falta dos requisitos legais das decisões de aplicação de coima impugnadas, nos termos do artigo 63º, nº 1, alínea d) do RGIT, e porquanto os processos contra-ordenacionais em causa nos autos não têm fundamento probatório válido, já que a prova fotográfica ou provinda dos detectores dos dispositivos electrónicos do veículo não se encontra junta aos autos, ou não está certificada por nenhuma entidade certificada para o efeito e, bem assim, que o Tribunal a quo abusou do instituto do nº 2 do artigo 64º do RGCO quando propôs à arguida a decisão por mero despacho e que não fundamentou as razões pelas quais considerou a desnecessidade da audiência de julgamento, violando aquele normativo e, consequentemente, o direito de defesa da ora Recorrente.
Importa, no entanto, como se referiu anteriormente, apreciar prioritariamente a eventual prescrição do procedimento contra-ordenacional, porquanto constitui matéria do conhecimento oficioso e prioritário, uma vez que, a verificar-se, acarreta a extinção do procedimento, nos termos do disposto no artigo 61º, nº 1, alínea b) do RGIT.
Vejamos.
Vem imputada à arguida a prática, em diversas datas compreendidas entre [8] de [março] de 201[8] e (…) [fevereiro] de 201[9], de infracções por falta de pagamento de taxas de portagem, previstas no nº 2 do artigo 5º da Lei nº 25/06, de 30 de Junho, punidas pelo artigo 7º do mesmo diploma legal.
Nos termos do artigo 33º, nº 1 do RGIT, o procedimento contra-ordenacional extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 anos.
Porém, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Assim, cumpre, em primeiro lugar, determinar qual o prazo de prescrição aplicável no caso: se o prazo geral de 5 anos, constante do artigo 33º, nº 1 do RGIT, se o prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do artigo 33º, nº 2 do mesmo Regime.
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Abril de 2010, proferido no Processo nº 0777/09, no âmbito de recurso de promoção da uniformidade da jurisprudência ao abrigo do artigo 73º, nº 2 do RGCO, e integralmente disponível em www.dgsi.pt, a infracção depende de liquidação para os efeitos do disposto no artigo 33º, nº 2 do RGIT “sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida”.
É também esta a posição defendida por Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in “Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, 4ª edição, 2010, Áreas Editora, p. 323, em anotação ao artigo 33º: “Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no nº 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.”
No que, em concreto, respeita às contra-ordenações previstas na Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, como as que aqui estão em causa, esta matéria foi já tratada neste Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 4 de Abril de 2019, proferido no Processo nº 00096/18.9BECBR, de que foi relatora a 1ª Adjunta deste colectivo, integralmente disponível em www.dgsi.pt, e que ponderou nos seguintes termos:
«Efectivamente, o artigo 33º do RGIT estabelece um prazo geral de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais, aduaneiras e não aduaneiras, de cinco anos, mas estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação. (…)
Lembramos que às contra-ordenações previstas na Lei nº 25/2006, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infracções Tributárias – cfr. o seu artigo 18º. E, assim sendo, a partir das alterações introduzidas pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12, para conhecer a prescrição do procedimento contra-ordenacional teremos que fazer apelo, como se indica na sentença recorrida, ao disposto no artigo 33º do RGIT.
Insurge-se, especificamente, o Recorrente contra a aplicação do nº 2 do artigo 33º do RGIT. Todavia, como veremos, é nossa convicção que tal normativo deve ser aplicado às portagens, com as devidas adaptações, como é próprio da aplicabilidade de direito subsidiário – ex vi artigo 18º da Lei nº 25/2006, de 30/06.
Não é clara a ideia subjacente a esta coincidência entre o prazo de liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, parecendo que ela se poderia justificar por não ser razoável que a tutela sancionatória se estendesse para além do prazo em que é possível a liquidação, isto é, se na perspectiva legislativa deixa de interessar, pelo decurso do prazo de caducidade, a liquidação do tributo, também deixará de justificar-se a punição de condutas que conduziram à sua omissão.
No entanto, a fórmula utilizada no nº 2 deste artigo, ao referir a dependência da infracção relativamente à liquidação da prestação tributária, não traduz esta ideia pois a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2008, Áreas Editora, página 320.
Apontam-se como exemplos de casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artigos 108º, nº 1, 109º, nº 1, 114º, 118º e 119º, nº 1, do RGIT. Neste último caso, a contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária na medida em que o montante das coimas depende de haver ou não imposto a liquidar.
Ora, a situação em apreço tem, manifestamente, paralelismo com os casos indicados, dado que a decisão da fixação da coima alude à cominação prevista no artigo 7º da Lei nº 25/2006, de 30/06, na redacção dada pela Lei nº 51/2015, de 8 de Junho:
“1 - As contra-ordenações previstas na presente lei são punidas com coima de valor mínimo correspondente a 7,5 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a (euro) 25, e de valor máximo correspondente ao quadruplo do valor mínimo da coima, com respeito pelos limites máximos previstos no Regime Geral das Infracções Tributárias. (…).”
Portanto, verifica-se que a coima a fixar depende em absoluto do valor da taxa de portagem correspondente ao percurso efectivamente realizado pelo infractor ou, nos casos em que não é possível verificar tal percurso, sempre dependerá do valor máximo da taxa de portagem “cobrável na respectiva barreira de portagem ou, no caso de infra-estruturas rodoviárias, designadamente em auto-estradas e pontes, onde seja devido o pagamento de portagens e que apenas disponham de um sistema de cobrança electrónica das mesmas, no sublanço ou conjunto de sublanços abrangido pelo respectivo local de detecção de veículos para efeitos de cobrança electrónica de portagens” (cfr. artigo 7º, nº 1 e nº 2 da Lei nº 25/2006).
Nesta conformidade, é inequívoco que a sanção aplicável depende do valor da respectiva taxa de portagem.
Por isso, bem andou a sentença recorrida ao considerar aplicável o disposto no artigo 33º, nº 2 do RGIT à situação, que estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, como é o caso.» [fim de citação]
Acolhendo a jurisprudência deste Tribunal vertida no Acórdão vindo de citar, e que aqui vem sendo reiterada, concluímos que, estando em causa a aplicação do artigo 7º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido nos termos do disposto no artigo 33º, nº 2 do RGIT, ex vi artigo 18º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho.
E, assim sendo, aos procedimentos contra-ordenacionais pela prática das infracções em causa nos presentes autos aplica-se, nos termos do artigo 33º, nº 2 do RGIT, o prazo de quatro anos previsto no artigo 45º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), normativo segundo o qual, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
Seguidamente, a questão que se coloca, nesta sede, é a de saber qual o termo inicial do prazo de prescrição: se o momento da prática da infracção como estabelece o artigo 33º, nº 1 do RGIT, se do termo do ano em que se verificou o facto tributário, por aplicação do disposto no artigo 45º, nº 4, 1ª parte, da LGT.
Com efeito, a redacção do artigo 33º, nº 2 do RGIT parece sugerir que apenas se aplicaria o prazo de caducidade do direito à liquidação e já não o disposto no artigo 45º, nº 4 da LGT quanto ao termo inicial do mesmo, ou seja, o objectivo do legislador seria o de considerar o prazo mais curto da caducidade quando a infracção dependesse da liquidação, mas mantendo as regras próprias do RGIT quanto ao termo inicial.
No entanto, a adopção deste entendimento frustraria a coincidência pretendida pelo legislador entre o prazo de caducidade da liquidação e o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, pelo que, limitando-se a norma do artigo 33º, nº 2 do RGIT a remeter para o prazo de caducidade da liquidação, não distinguindo entre o período de tempo e a fixação do seu início, concluímos que são aplicáveis nesta sede as regras sobre o termo inicial do prazo constantes do artigo 45º, nº 4 da LGT.
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pp. 320-321: “Não existe um prazo único para o exercício do direito de liquidar tributos, pelo que o prazo de prescrição das contra-ordenações, quando a infracção depender da liquidação, varia conforme os casos. (…) Como se vê pelo texto do nº 2 deste art. 33º do RGIT, em que se refere que o prazo de prescrição “é reduzido”, só relevam para este efeito os prazos de caducidade de direito de liquidação que levem a uma redução do prazo de prescrição de 5 anos, previsto no nº 1, e não prazos superiores a este. (….) Estes prazos de caducidade contam-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 4 do art. 45º da LGT).”
Com efeito, conforme estabelece o nº 4 do artigo 45º da LGT, na redacção actual, “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Ora, como se referiu, as infracções imputadas à Recorrente consistem em não ter efectuado o pagamento da taxa de portagem reportado a passagens em diversas datas compreendidas entre [8] de [março] de 201[8] e (…) [fevereiro] de 201[9].
Estamos perante infracções omissivas que se consideram praticadas na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respectivo dever tributário, conforme o disposto no artigo 5º, nº 2 do RGIT.
Logo, a data das infracções a considerar corresponderá ao dia em que foram transpostas as barreiras de portagem sem o correspondente pagamento das taxas de portagem devidas, sendo estas as datas de início de contagem do prazo prescricional, por referência às infracções respectivas.
Porém, na contagem do prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.
Assim, nos termos do artigo 33º, nº 3 do RGIT, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, para além dos casos previstos nos artigos 42º, nº 2, 47º e 74º, e, ainda, no caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contra-ordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para pagamento.
A remissão feita no citado nº 3 do artigo 33º do RGIT é, pois, para a aplicação das normas sobre suspensão e interrupção da prescrição do processo contra-ordenacional previstas no RGCO, cujo artigo 27º-A estabelece que a prescrição do procedimento por contra-ordenação se suspende, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal [alínea a)], estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa [alínea b)], estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso [alínea c)], sendo que nestes dois últimos casos, “a suspensão não pode ultrapassar seis meses” (nº 2).
Como referem J. Lopes de Sousa e Simas Santos, in ob. cit., pág. 327, a “existência desta norma especial [artigo 27º-A do RGCO] sobre o regime da suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, que reproduz uma das situações de suspensão previstas no art. 120º, nº 1 do C. Penal, leva a concluir que não são aplicáveis neste procedimento as restantes causas admitidas no processo penal que poderiam ser aplicadas em processo contra- ordenacional (…).”
Por seu lado, estabelece o artigo 28º do RGCO, sob a epígrafe Interrupção da prescrição, o seguinte:
«1 – A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.»
A este propósito, transcreve-se, uma vez mais, os Autores e obra citada, pág. 328, na parte em que referem que “estando expressamente previstas as causas interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional, está afastada a possibilidade de fazer apelo às causas previstas no art. 121º do C. Penal”.
A inaplicabilidade do Código Penal, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição, limita-se, portanto, às causas, e não aos efeitos e limites dos prazos, matérias que, não vindo reguladas no RGCO e no RGIT, terão de ser resolvidas com recurso àquele Código.
É, assim, de aplicar o artigo 120º do Código Penal, cujo nº 6 enuncia que a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a suspensão e, bem assim, o nº 2 do artigo 121º do mesmo Código, que estipula que a interrupção inutiliza o prazo até então decorrido, voltando a contar-se novo prazo, depois de cada interrupção.
No caso vertente, face à factualidade assente, resulta que ocorreram várias causas de interrupção, destacando-se a prolação e notificação das decisões da autoridade administrativa (alínea d) da mesma disposição legal).
Havendo várias causas de interrupção, há que atender à última ocorrida, o que tem como efeito, como se viu, a desconsideração do período de tempo já decorrido (cfr. artigo 121º, nº 2 do Código Penal).
Importa, por outro lado, ter ainda presente o disposto no artigo 28º, nº 3 do RGCO, na redacção da Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro, aplicável por remissão do artigo 33º, nº 3 do RGIT, e segundo o qual “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.
Com efeito, como bem se compreende, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que pudesse, indesejavelmente, eternizar-se a possibilidade de prosseguir o processo contra o arguido, pelo que, em ordem a evitar uma tal situação, estabeleceu-se na referida norma do RGCO (como já sucedia no Código Penal) um limite à admissão de um número infinito de interrupções e à ideia de que cada interrupção da prescrição implica um novo decurso da totalidade do prazo, vindo, de resto, consagrar legalmente o que já era entendimento jurisprudencial anterior.
No caso sub judice, o prazo máximo de prescrição é, assim, de 6 anos (4 anos acrescidos de metade). Mas, como expressamente se ressalva no artigo 28º, nº 3 do RGCO, importa atender aos factos suspensivos da prescrição, porquanto o período durante o qual o procedimento estiver suspenso não relevará para a contagem do referido prazo.
Os autos evidenciam uma causa de suspensão do procedimento contra-ordenacional em questão: a decorrente do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 27º-A do RGCO (pendência do procedimento a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso – cfr. ponto 7. dos factos provados supra, por nós aditado), e que, como se disse, tem a duração máxima de 6 meses (cfr. o nº 2 do mesmo artigo 27º-A do RGCO), findo o qual o prazo retomará o seu curso, nos termos do artigo 120º, nº 3 do Código Penal (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no Processo nº 545259, integralmente disponível em www.dgsi.pt).
Tudo ponderado, procedendo ao cômputo do prazo de prescrição dos procedimentos contra-ordenacionais em causa nos presentes autos, principiando pelos que respeitam às infracções mais antigas imputadas à Recorrente, por falta de pagamento de taxas de portagem reportadas ao dia [8] de [março] de 2018, tendo o prazo de 4 anos iniciado a sua contagem nessa data, o mesmo interrompeu-se, pela última vez, em [7 e 9] de [outubro] de 2019, com a notificação das decisões de aplicação de coima (cfr. ponto [5]. do probatório), pelo que se reiniciou a contagem de um novo prazo de prescrição, o qual se suspendeu, por 6 meses, nos termos do artigo 27º-A, nº 1, alínea c) e nº 2 do RGCO, após o que retomou o seu curso, (…). E assim é (…) considerar[ando] neste cômputo a suspensão do prazo prescricional por mais 160 dias (ou, se se quiser, 5 meses e 10 dias) que decorre da legislação relacionada com as “Medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte de 31 de Março de 2022 e 19 de Maio de 2022, proferidos, respectivamente, nos Processos nºs 2035/21.5BEBRG e 131/19.3BEMDL, este de que foi relator o ora 2º Adjunto deste colectivo).
Assim, o prazo de prescrição de 4 anos, acrescido de 6 meses de suspensão, ainda não se completou relativamente às infracções mais antigas, praticadas no mês de [março] de 201[8], e, por maioria de razão, relativamente às infracções praticadas em datas posteriores (e portanto, como está bom de ver, também não se consumou já o prazo máximo de prescrição - como se referiu, de 6 anos contados da data da infracção, acrescido dos períodos de suspensão -, o qual está longe de se completar).
Conclui-se, pelo exposto, que os procedimentos de contra-ordenação exercidos contra a ora Recorrente em causa nos presentes autos não estão prescritos, pelo que, quanto às respectivas infracções, haverá, seguidamente, que apreciar o mérito do recurso.
Vejamos, então.
O Chefe do Serviço de Finanças ... proferiu, nos processos de contra-ordenação nºs [ ...34, ...42, ...50, ...69, ...85, ...93, ...07, ...15, ...23, ...31, ...40, ...58, ...66, ...74, ...82 e ...90], decisões de aplicação de coimas únicas à Arguida, ora Recorrente, acrescidas de custas processuais no valor de €76,50, por falta de pagamento de taxas de portagem, imputando-lhe as infracções previstas no nº 2 do artigo 5º da Lei nº 25/06, de 30 de Junho, punidas pelo artigo 7º do mesmo diploma legal.
A Arguida impugnou judicialmente tais decisões administrativas de aplicação de coimas, ao abrigo do disposto no artigo 80º do RGIT, com os seguintes fundamentos:
(i) padecerem os procedimentos contra-ordenacionais de falta de prova da prática das infracções, decorrente da prova fotográfica não estar nos autos ou não estar certificada por nenhuma entidade certificada para o efeito; (ii) nulidade insanável de que padecem as decisões de aplicação da coima, ao abrigo do disposto nos artigos 63º, nº 1, alínea d) e 79º, nº 1, alíneas a) e c), ambos do RGIT; (iii) verificam-se os pressupostos para a aplicação do regime jurídico da infracção continuada.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, apreciando os fundamentos invocados, concluiu pela improcedência (d)[o presente recurso, mantendo-se as decisões recorridas, condenando-se a Recorrente numa coima única no valor de € 68.839,25, por cúmulo material.]”.
A Arguida insurge-se contra o decidido, alegando, em síntese, quanto ao invocado erro de julgamento de facto, que “O Tribunal A Quo não podia ter dado como provados nenhum dos factos que na sentença deu como provados relativamente à prática das infrações por parte da arguida mencionados no PROBATÓRIO, dos pontos 3.1.1 e seguintes (...) não podia ter considerado que não havia factos alegados pela arguida que devam considerar-se como não provados (...) não podia a sentença ter considerado que os processos sub judice tinham fundamento probatório válido, já que, dependem de prova fotográfica ou provinda de detectores dos DDIE e esta não se encontra nos processos, e assim não podia o Tribunal A Quo ter dados como provados os factos constitutivos das infrações de que a arguida vem acusada (...) erros de julgamento de facto, o facto de o tribunal A Quo ter omitido pronúncia relativamente à prova dos elementos objectivos e subjectivos do tipo acima invocados, sendo que deveria ter dado estes como não provados (...) outro erro de julgamento de facto é o facto de o Tribunal A Quo ter considerados provados os pontos 3.1.1 da sentença, quando não existe prova fotográfica válida das passagens de que a arguida vem acusada de ter efectuado, assim como não existe também qualquer outro tipo de registo válido das passagens nos processos que substitua essas fotos. Deveriam assim ter sido dados como não provados os factos constitutivos das infrações de que a arguida vem acusada acima referidos; e a arguida absolvida de todos processos sub judice.”
Vejamos, então, iniciando a análise do recurso pela matéria que se prende com a impugnação da matéria de facto considerada na sentença, o que se fará acompanhando o decidido no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12 de Janeiro de 2023, proferido no Processo nº 401/19.0BECBR, em caso idêntico ao presente, em que são as mesmas as partes e as questões suscitadas, relativamente ao mesmo tipo de infracções, tal como são semelhantes as sentenças recorridas e as alegações de recurso, e cujo discurso fundamentador, em vista de uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8º, nº 3 do Código Civil), aqui acolhemos e, com a devida vénia, seguiremos de muito perto.
Assim, nos termos do disposto no artigo 18º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, “às contraordenações previstas na presente lei, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infrações Tributárias”.
E, segundo o disposto no artigo 3º, alínea b) do RGIT, “são aplicáveis subsidiariamente: (…)
b) Quanto às contraordenações e respetivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social”.
Por seu lado, estipula o artigo 41º, nº 1 do RGCO que “sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”.
Por outro lado ainda, concretamente quanto à matéria de facto, estatui o artigo 431º do Código de Processo Penal (CPP) que “sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º; ou
c) Se tiver havido renovação de prova.”
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do artigo 431º do CPP, norma que, conjugada com o artigo 412º, nº 3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar: “a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas”.
Acrescentando o nº 4 deste artigo 412º que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.».
Assim, em recurso, a reapreciação da prova depende do cumprimento de requisitos de forma e conhece condicionantes e limites.
No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um tríplice ónus: (i) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados (o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência); (ii) indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação, no caso em que esta tenha ocorrido (o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige, ainda, a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação, i.e., as concretas passagens a que se refere o nº 4 do citado artigo 412º do CPP); e (iii) indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
O que se pretende é a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que o recorrente se propõe. Impõe-se-lhe o dever de tomar posição clara, nas conclusões, sobre o objecto do recurso, especificando o que, no âmbito factual, pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação, especificando as provas que devem ser renovadas (alínea c) do nº 3 do mesmo artigo 412º do CPP).
«O ónus conexiona-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.» (vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2006, proferido no Processo nº 185/06-3ª).
Na verdade, «A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante da definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.» (vd. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2007 e 15 de Outubro de 2008, proferidos nos Processos nºs 3518/06-3ª e 2894/08-3ª, respectivamente).
O recurso da matéria de facto não foi concebido como instrumento ao serviço da realização de novo julgamento, com reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o julgamento efectuado na primeira instância não tivesse existido. Trata-se, apenas, de um instrumento concebido para a correcção de erros de julgamento e de procedimentos devidamente discriminados pelas partes. A intromissão do tribunal ad quem no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica”, no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
«O tribunal superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de direito.» (vd. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 59/2006, de 18 de Janeiro de 2006, proferido no Processo nº 199/05, da 2ª secção, publicado no DR, II Série, de 13 de Abril de 2006).
No caso vertente, apesar de a Recorrente especificar, nas conclusões da motivação do recurso, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (pontos 3.1.1 do probatório, ou seja, factos 1. a [6].) e, genericamente, afirmar ocorrer erro ao não terem sido conduzidos à matéria de facto não provada “factos”, não indica os concretos factos por si alegados que deveriam ser reconduzidos ao probatório, nem as concretas provas produzidas nos autos que impõem decisão diversa da recorrida sob os pontos 3.1.1 do probatório, limitando-se a colocar em causa a inexistência de prova fotográfica válida das passagens de que a arguida vem acusada.
Neste âmbito, importa salientar que embora a Recorrente possa, com base na sua própria avaliação da prova produzida, discutir a convicção que o Tribunal a quo formou quanto aos factos provados e não provados, o Tribunal ad quem não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes conferidos à 1ª instância. Como decorre da jurisprudência assente, o tribunal de recurso só pode alterar o decidido em 1ª instância quanto à matéria de facto, se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (cfr. alínea b) do nº 3 do artigo 412º do CPP).
Ora, como decorre da sentença recorrida, a validade dos registos fotográficos foi alvo de apreciação e será como tal que se afigura que a questão é merecedora de conhecimento, ou seja, em sede de erro de julgamento de direito.
Assim sendo, conclui-se que a Recorrente apenas deu cumprimento parcial ao estabelecido no artigo 412º, nº 3, alínea b) e nº 4 do CPP, razão pela qual o ataque preconizado não se afigura apto para modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, pelo que não ocorre o erro de julgamento de facto invocado.
Prosseguindo.
Relativamente ao erro de julgamento de direito em que a sentença teria incorrido, alega a Recorrente, em síntese, que “(…) não poderia ter o Tribunal A Quo ter considerado que as decisões recorridas contêm a necessária descrição dos factos (...) não podia a sentença ter considerado que as decisões condenatórias sub Judice continham os elementos essenciais para a determinação da medida da coima, nomeadamente a fundamentação relativamente ao elemento subjetivo do tipo. (...) não podia a sentença ter considerado que os processos sub judice tinham fundamento probatório válido, já que, dependem de prova fotográfica ou provinda de detectores dos DDIE e esta não se encontra nos processos (...) Tendo a arguida posto em causa a prova que sustenta todas as imputações à arguida; além de ter posto em causa a verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo contraordenacional de que a arguida vem acusada em cada um dos processos, teria o Tribunal A Quo de se ter pronunciado sobre essa questão, já que, foi objecto de recurso de impugnação. (…) Existe assim, omissão de pronúncia da Sentença relativamente a estas questões, o que é uma nulidade insanável. (…) A sanção para o incumprimento da alínea b) e c) do nº 1 do referido art. 58º do RGCO é a nulidade da decisão impugnada, nos termos dos arts. 283º, nº 3, 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a) do CPP, aplicável subsidiariamente”.
Vejamos.
O artigo 379º do CPP, aplicável ex vi artigo 3º do RGIT e 41º do RGCO, prevê o regime privativo da nulidade da sentença penal, limitando-o a três diferentes situações: a) a falta de fundamentação, acrescendo para o processo sumário e abreviado, a falta do dispositivo; b) a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e condições previstos nos artigos 358º e 359º; c) a omissão e o excesso de pronúncia.
A Recorrente aponta à sentença sob recurso a nulidade prevista nesta última alínea na vertente “omissão de pronúncia”, com o fundamento de que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questão que deveria ter apreciado.
Nas questões a apreciar pelo tribunal, incluem-se as de conhecimento oficioso e as questões submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar. Entende-se por questão todo o problema concreto e não os motivos, argumentos, pontos de vista e doutrinas expostos pelos sujeitos processuais em abono da respectiva pretensão, o que significa que só em relação ao primeiro (problema concreto) e já não em relação a estes (argumentos), se pode equacionar a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia (cfr. Oliveira Mendes, “Código de Processo Penal Comentado”, 2014, Almedina, pág. 1182, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2012 e 16 de Setembro de 2009, proferidos nos Processos nºs 2965/06.0TBLLF.E1 e 08P2491, respectivamente).
Ora, da análise da sentença recorrida em confronto com as conclusões do recurso apresentado em 1ª instância, as quais delimitam o objecto dos autos, resulta que o Tribunal a quo se pronunciou, especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita, sobre todos os fundamentos invocados pela Recorrente, e ainda que se possa considerar que a omissão ora equacionada se enquadre no âmbito alargado da falta de fundamentação alegada, questão que foi objecto de apreciação pelo Tribunal a quo, pois, como ensina Alberto dos Reis, in “CPC Anotado e comentando”, 1981, volume V, pág. 143, “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Atente-se que a questão alegadamente omissa “verificação dos elementos subjectivos e objectivos do tipo contraordenacional de que a arguida vem acusada em cada um dos processos” se enquadra na questão mais ampla alvo de apreciação e decisão, identificada na sentença sob recurso como “falta de indicação dos factos que sustentam a contraordenação (…) ou dos factos que estabelecem o elemento subjectivo (negligência ou dolo)”, pelo que não se pode estar perante uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, mas, quanto muito, perante um erro de julgamento de direito. Com efeito, a sentença recorrida apreciou a questão afirmando que, contrariamente ao defendido pela Recorrente, as decisões recorridas contêm a necessária descrição sumária dos factos, imposta pela alínea b) do nº 1 do artigo 79º do RGIT.
Assim, a sentença não está inquinada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Prosseguindo a análise do recurso que nos vem dirigido, agora na parte em que a Recorrente reitera a falta da necessária descrição dos factos e dos elementos essenciais para a determinação da medida da coima, importa atentar no que se ponderou a esse propósito na sentença recorrida (transcrevendo a decisão proferida no Processo nº 663/19.3BECBR):
«A falta de requisitos legais da decisão de aplicação da coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, constitui, segundo o disposto no artigo 63.º n.º 1, alínea d) do RGIT, nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal.
Dispõe o visado artigo 79.º, n.º1 do RGIT que a “decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.”.
Muito embora as nulidades previstas no Regime Geral da Infracções Tributárias sejam qualificadas pelo legislador como insupríveis, certo é que as suas consequências variam entre a mera conversão da notícia da infracção em participação (no caso das nulidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 63.º do RGIT), até à anulação dos termos processuais subsequentes com o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos.
Não obstante, a decisão de aplicação da coima deve conter sempre uma descrição sumária dos factos, de molde a que por essa via se satisfaça o direito de informação do arguido de que, com a conduta praticada, incorreu no preenchimento do tipo contra-ordenacional.
Ora, a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem vindo a entender que a descrição sumária dos factos referida no artigo 79.º, n.º1, al. b) do RGIT não exigirá uma enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conforme é apanágio do processo penal, e atento o previsto quanto às sentenças (cfr. art.º 374.º, n.º 2 do CPP), mas antes um regime de menor solenidade, o que se justifica face à menor gravidade das sanções contra-ordenacionais, sem que os direitos de defesa constitucionalmente consagrados sejam prejudicados (cfr. art.º 32.º, n.º 10 da CRP). Somente se exige que a descrição factual que consta da decisão de aplicação da coima seja suficiente para permitir que o arguido se aperceba dos factos que lhe são imputados e, com base nessa percepção, poder defender-se adequadamente.
Daqui se extrai que a decisão tem de conter uma enunciação dos factos sumária e a indicação das normas violadas, ou seja, a referência a todos os elementos que conduziram à condenação, não bastando a simples remissão para qualquer outra peça processual, mesmo tratando-se, por exemplo, do auto de notícia (Vide, exemplificativamente, a este propósito, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2006, Proc. 0449/05, disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os arestos citados na presente decisão.). Por outras palavras, não será suficiente face à letra da lei qualquer decisão de aplicação da coima que apenas contenha uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico. Logo, a contrario, as exigências legais previstas no artigo 79.º, n.º 1, al. b) do RGIT ficam preenchidas quando a decisão contenha fundamentação que se demonstre como suficiente para que o arguido possa realizar o exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
Como referem LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, os requisitos a que deve obedecer a decisão que aplica a coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, e de entre eles, os que impõem a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, visam «assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão» (In Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pg. 517.). (…)
Vejamos pois, se as decisões recorridas satisfazem ou não os visados requisitos legais.
As decisões em causa estão consubstanciadas em documentos de formato estandardizado retirado do Sistema Informático de Contra-Ordenações da ATA, vulgarmente denominado de “SCO”, e possuem conteúdos absolutamente iguais, diferindo apenas na identificação das concretas horas e dia de passagem, identificação da auto-estrada e do veículo, valor de portagem, data de infracção/período de tributação e coimas fixadas, podendo ler-se na parte sob a epígrafe «Descrição Sumária dos Factos» referente ao processo de contra-ordenação autuado em primeiro lugar (PCO n.º ...90) [no presente processo o PCO n.º ...08[3]34], exemplificativamente, o seguinte:
«Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos:
[1. Imposto/Tributo: Taxa de portagem; 2. Data/hora da infração: 2018-02-27 10:17:20
[no presente proc. ...16:27:27]; 3. Local da infração [SCom03...] S.A. [Neste proc., [SCom04...], SA]”; 4. Entrada; ... Saída: ... [No presente processo: Entrada: ...: ... Nó]; 5.Identificação da viatura: ..-OA-OO / 24GP./\3RH2 / ... / 4[nestes autos, ..-NU-.. (4x2) TRACTOR ...]; 6. Montante da taxa de portagem: 7,60 [nos autos: € 1,05], os quais se dão como provados.» (cfr. sublinhado nosso, factos provados sob os pontos 6. e 7.) [nos presentes autos, factos provados 3. e 4.].]
[(…)]
Mais ainda, é indicado um pouco mais à frente, já na parte das normas infringidas e punitivas a «falta de pagamento de taxa de portagem».
É assim possível aferir a partir do teor das visadas decisões que estão em causa taxas de portagem, com determinado valor, relativas a veículos com determinadas matrículas, marcas e modelos, por referência a determinados dias, horas e locais.
E tendo presente a mais recente Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, há que concluir, que tal descrição é legalmente suficiente quanto ao requisito “descrição sumária dos factos”. Tal como se pode ler em Acórdão do STA de 17.10.2018:
“(…)bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas.
É certo que a “Falta de pagamento da taxa de portagem” não está referida na parte da decisão administrativa que tem como epígrafe “Descrição Sumária dos Factos”, mas na parte intitulada “Normas Infringidas e Punitivas”, sob a indicação das dessas normas. Mas essa menção, apesar de fora do lugar adequado na decisão administrativa condenatória, constitui uma efectiva descrição da factualidade que integra o tipo contra-ordenacional (Vide o comentário de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit, na nota de rodapé com o n.º 153, pág. 425, a propósito de uma situação paralela, objecto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2007, proferido no processo n.º 353/07, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0633394c326a59e6802573150037201b.) e, conjugada com a demais, aduzida no lugar próprio, não deixa à Arguida qualquer dúvida sobre a factualidade que lhe foi imputada. Essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que prevêem e punem a infracção, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima.
Como, lapidarmente, ficou dito no acórdão de 7 de Outubro de 2015 desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 218/15, «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada» (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e6802
56f8e003ea931/307ae8d6f83e653780257ed9003d5b80.).
O ilícito em causa é a falta de pagamento da taxa de portagem e os comportamentos imputados à Arguida, descritos com pormenor, preenchem o tipo legal, permitindo à Arguida entender claramente o facto que lhe é imputado.
A norma em apreço – art. 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho – tutela o pagamento da taxa de portagem, sendo indiferente o modo como o não pagamento se concretizou, que também não releva quanto à coima aplicável ou à respectiva medida (cfr. art. 7.º da mesma Lei). É certo que no referido art. 5.º se descrevem, nos seus n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2, os diversos modos como pode concretizar-se essa falta de pagamento, uma vez que esta, em razão da diversidade de modos de pagamento, pode resultar de uma multiplicidade de circunstâncias. Mas essas circunstâncias não constituem elementos essenciais do tipo, pois se destinam apenas a concretizar um e o mesmo ilícito, qual seja a falta de pagamento da portagem. Por isso, não se exige a menção às mesmas na “descrição sumária dos factos” requerida pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.
Acresce que esses elementos não essenciais do tipo foram oportunamente comunicados à Arguida aquando da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do art. 70.º do RGIT (cfr. os documentos para que se remete no facto provado sob o n.º 2). (…)
Já no que se refere à exigência de indicação dos elementos que contribuem para a medida da coima, também se pode ler no referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 17 de Outubro de 2018, proferido no Processo nº 1004/17.0BEPRT], o seguinte:
«A sentença considerou ainda que a decisão administrativa enfermava de nulidade insanável, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 63º do RGIT por desrespeito pelo requisito constante da alínea c) do nº 1 do art. 79º, do mesmo Regime, uma vez que, para o cumprimento desse requisito, «não bastava o recurso a um quadro com a indicação dos elementos previstos no artigo 27º do RGIT, acompanhado da mera afirmação de que esses elementos foram tidos em conta na graduação da coima.//Ao invés, impunha-se uma demonstração expressa do iter cognitivo e valorativo subjacente a tal fixação, que permitisse ao arguido, em primeira linha, e ao Tribunal, nesta sede, compreender as razões pelas quais se decidiu fixar a coima naquele valor e não noutro».
Convém recordar o disposto na alínea c) do nº 1 do art. 79º do RGIT: «1. A decisão que aplica a coima contém: [...] c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação».
Ora, essa exigência deve ter-se por satisfeita no caso sub judice, pois quanto à fundamentação da concreta coima aplicada foram ponderados os factores a que manda atender o art. 27º do RGIT; assim, como consta da decisão, foram ponderados: a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a prática da infracção.
Assim, contrariamente ao decidido, entendemos não ser nula a decisão de aplicação da coima, pois que dela constam os requisitos mínimos que a lei manda observar quanto ao dever de fundamentação da decisão e que visam permitir ao visado contra ela reagir no exercício do seu direito de defesa; direito que, como ficou dito no acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Junho de 2015, proferido no processo nº 382/15 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/96227826215066e08
257e770035334c.
No mesmo sentido, o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo nº 1270/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea9 31/a75dc76a097b3c3d8025808e00440621), ditado pelo Recorrente, «não se vê tenha sido postergado pela forma estandardizada como foi cumprido o dever de fundamentação da decisão».
Ou seja, a decisão de aplicação da coima respeitou o requisito da alínea c) do nº 1 do art. 79º do RGIT.».
Na verdade, tendo presente que o artigo 27.º, n.º 1, do RGIT prevê que “a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação”, e analisando as decisões recorridas, verifica-se que tais elementos constam expressamente das mesmas, sob a epígrafe «Medida da Coima» (cfr. factos provados sob os pontos 6. e 7.), aí se consignando e considerando todos os elementos previstos no artigo 27.º, n.os 1 e 2 do RGIT: a indicação de que não existiram actos de ocultação ou benefício económico, de que a prática da infracção é frequente e de simples negligência, que o arguido não estava sujeito a obrigação de não cometer a infracção, possuindo uma baixa situação económica e financeira e que haviam decorrido mais de 6 meses sobre a prática da infracção.
Pelo que se conclui igualmente, nesta parte, que as decisões recorridas respeitaram o disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.»
Ora, não podemos deixar de aderir à fundamentação vertida na sentença sob recurso supra transcrita, nomeadamente, ao traslado do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Outubro de 2018, proferido no Processo nº 1004/17.0BEPRT, integralmente disponível em www.dgsi.pt.
Assim é porquanto não se pode olvidar, porque é disso que se trata, que as exigências de fundamentação da decisão administrativa de aplicação da coima se relacionam com a possibilidade do exercício do direito de defesa, ou seja, com o permitir-se ao arguido conformar-se com a decisão ou reagir contra ela. Assim, os requisitos previstos no artigo 79º do RGIT para a decisão condenatória proferida no âmbito de processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão.
Tendo presente esta ideia, as exigências do artigo 79º do RGIT deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos, não sendo, para tanto, obstáculo o modo sintético e padronizado como, no caso, as mesmas foram formuladas, designadamente, quanto à descrição sumária dos factos e indicação dos elementos essenciais para a determinação da coima, como, aliás, tem sido jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr., entre outros, os Acórdãos de 25 de Julho de 2015, 14 de Dezembro de 2016 e 8 de Junho de 2022, proferidos nos Processos nºs 382/15, 1270/15 e 468/17, respectivamente).
Assim sendo, no caso vertente, é possível aferir, a partir do teor das decisões impugnadas, sob o título “descrição sumária dos factos” (cfr. pontos 2. e 3. do probatório) que estão em causa taxas de portagem, com determinado valor, relativas a veículos com determinadas matrículas, marcas e modelos, por referência a determinados dias, horas e locais, indicando-se, já sob o título “normas infringidas e punitivas” a «falta de pagamento de taxa de portagem», pelo que, não pode subsistir dúvida alguma à Recorrente quanto aos factos que lhe são imputados.
E tendo sido considerados, nas mesmas decisões, os seguintes elementos: «Atos de ocultação», «Benefício económico», «Frequência da prática», «Negligência», «Obrigação de não cometer a infracção», «Situação económica e financeira» e «Tempo decorrido desde a prática da infracção»; elementos, esses, que foram ponderados nos seguintes termos, respectivamente: «Não», «0,00», «Acidental» ou «Frequente», «Simples», «Não», «Baixa» e «> 6 meses» (cfr. pontos 2. e 3 do probatório supra), mostram-se também suficientemente indicados os elementos ponderados na fixação em concreto da coima.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
Alega, ainda, a Recorrente, e em síntese, que os processos contra-ordenacionais em causa nos autos não têm fundamento probatório válido já que a prova fotográfica ou provinda dos detectores dos dispositivos electrónicos dos veículos não se encontra junta aos autos, ou não estão certificados.
Ora, sobre esta questão concreta, debruçou-se o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Março de 2021, proferido no Processo nº 663/19.3BEBCR, pelo que, atenta a identidade ao caso sub judice (tratando-se, aliás, da mesma Recorrente) e por economia de meios, visando, ainda, a interpretação e aplicação uniformes do direito, acolhemos a argumentação jurídica ali aduzida, passando a transcrever o seu discurso fundamentador, sem necessidade de quaisquer adaptações para o caso concreto:
«Alega a Recorrente que “… a prova não está certificada por nenhuma entidade certificada para o efeito. (…) O Tribunal a quo não poderia considerar estas infrações como provadas baseado no simples facto de o dispositivo eletrónico estar aprovado pelo IMT e os equipamentos de deteção estarem aprovados pelo IMT. (…) O aparelho ou os vários aparelhos em concreto que detetou ou detetaram as infrações têm de estar mencionados na decisão condenatória, mas de facto, não está no presente processo. (…) Caso contrário não sabemos se esses aparelhos estão a cumprir os requisitos legais de aprovação mencionados na Lei nº 25/2006.”
O Tribunal recorrido analisou esta questão e considerou que de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 9º da Lei nº 25/2006, de 30 de junho “… o auto de notícia “faz fé sobre os factos detetados pelo autuante até prova em contrário”.
(…) [N]o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, aprovado pela visada Lei nº 25/2006, o auto de notícia faz prova legal plena.
Ora, nos casos de prova legal plena não basta efetuar contraprova, destinada a tornar duvidosos os factos em causa, sendo antes necessário fazer a prova de que não é verdadeiro o facto que dela for objeto (cfr. artigos 346º e 347º do Código Civil).
E atendendo aos factos dados como provados sob o ponto 1. e 3., é certo que foram aí descritos os factos constitutivos das infrações em causa, especificando-se o lugar, o dia e hora onde as mesmas foram praticadas pelo que, fazendo o auto de notícia prova plena, sempre caberia à arguida, ora Recorrente, provar que não são verdadeiros os factos ali descritos, sendo indiferente não constarem dos autos os referidos registos fotográficos, considerando que os autos de notícia nem sequer fazer referência aos mesmos.
Não obstante, diga-se, e considerando que os artigos 8º e 9 da Lei nº 25/2006 sempre fazem referência à deteção da prática das contraordenações “através de equipamentos adequados, designadamente que registem a imagem ou detetem o dispositivo eletrónico do veículo”, nem sequer corresponde à verdade a falta de certificação dos visados equipamentos eletrónicos e, por consequência, das imagens que registam nos locais, datas e horas aí indicadas. De facto, constitui atribuição do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), entre o mais, exercer os serviços de gestão dos dispositivos eletrónicos e certificação de tecnologia para efeitos de cobrança de portagens e outras taxas rodoviárias e de aprovação e fiscalização de sistemas de identificação automática de dispositivos eletrónicos (road side equipment ou RSE), de acordo com o disposto no artigo 3º, nº 4, alínea t) do Decreto-Lei nº 236/2012, de 31.10 (alterado pelo Dec.-Lei nº 77/2014, de 14.05), diploma que aprovou a orgânica do referido Instituto.
Sendo que a listagem dos Dispositivos de Deteção e Identificação Eletrónica (DDIE) aprovados e certificados pelo IMT, por referência às várias concessões rodoviárias nacionais, encontra-se publicado e publicitado no sítio da internet do aludido Instituto (Acessível através do link: http://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/InfraestruturasRodoviarias/SistemadeIdentificacaoEletronicadeVeiculos/Paginas/ListagensdeDispositivosdeDetecaoeIdentificacaoEletronica.aspx)
Vejamos:
Prevê o artigo 8º da Lei nº 25/2006, de 30 de junho:
1 - A prática das contraordenações previstas nos artigos 5º e 6º pode ser detetada por qualquer agente de autoridade ou agente de fiscalização no exercício das suas funções, bem como através de equipamentos adequados, designadamente que registem a imagem ou detetem o dispositivo eletrónico do veículo.
2 - Os equipamentos a utilizar para o fim mencionado no número anterior devem ser aprovados nos termos legais e regulamentares.
Dispõe o artigo 9º do citado diploma:
1 - Quando o agente de fiscalização, no exercício das suas funções, detetar a prática ou a ocorrência de contraordenações previstas nos artigos 5º e 6º, lavra auto de notícia, nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e remete-o à entidade competente para instaurar e instruir o processo.
2 - O auto de notícia lavrado nos termos do número anterior faz fé sobre os factos detetados pelo autuante até prova em contrário.
3 - O disposto no número anterior aplica-se aos meios de prova obtidos através dos equipamentos referidos no artigo anterior.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - (Revogado.)
7 - É apenas lavrado um auto de notícia com as infrações praticadas em cada mês.
Resulta do artigo 57º do RGIT:
1 - A autoridade ou agente de autoridade que verificar pessoalmente os factos constitutivos da contraordenação tributária levantará auto de notícia, se para isso for competente, e enviá-lo-á imediatamente à entidade que deva instruir o processo.
2 - O auto de notícia deve conter, sempre que possível:
a) A identificação do autuante e do autuado, com menção do nome, número fiscal de contribuinte, profissão, morada e outros elementos necessários;
b) O lugar onde se praticou a infração e aquele onde foi verificada;
c) O dia e hora da contraordenação e os da sua verificação;
d) A descrição dos factos constitutivos da infração;
e) A indicação das circunstâncias respeitantes ao infrator e à contraordenação que possam influir na determinação da responsabilidade, nomeadamente a sua situação económica e o prejuízo causado ao credor tributário;
f) A menção das disposições legais que preveem a contraordenação e cominam a respetiva sanção;
g) A indicação das testemunhas que possam depor sobre a contraordenação;
h) A assinatura do autuado e, na sua falta, a menção dos motivos desta;
i) A assinatura do autuante, que poderá ser efetuada por chancela ou outro meio de reprodução devidamente autorizado, podendo a autenticação ser efetuada por aposição de selo branco ou por qualquer forma idónea de assinatura e do serviço emitente.
Em anotação ao artigo 57º do RGIT escrevem LOPES DE SOUSA, Jorge, e SIMAS SANTOS, Manuel, in Regime Geral das Infrações Tributárias, Anotado, 2ª edição 2003, Áreas Editora, pág. 385:
«10 - A particular exigência a nível de requisitos que a lei prevê para o auto de notícia, não extensível aos outros documentos que podem servir de base à instauração de processo contraordenacional, é explicada pelo especial valor probatório que lhe é conferido.
No entanto, no R.G.I.T., à semelhança do que já sucedia com o C.P.T., não se refere já que o auto de notícia faz fé em juízo até prova em contrário, como era referido no art. 109º do C.P.C.I..
Esta fé em juízo era considerada constitucionalmente admissível, desde que fosse entendida como reconduzindo-se a um especial valor probatório, não definitivo, mas antes só “prima facie”, atribuído a certas comprovações materiais, feitas presencialmente por certa autoridade pública, que não acarretava qualquer presunção de culpabilidade.
Porém, o valor probatório de um facto relaciona-se com a prova necessária para o contrariar.
Em regra, para destruir os efeitos práticos da produção de prova pela parte que tem o ónus de provar certos factos, basta opor contraprova a respeito dos mesmos factos, por forma a tomá-los duvidosos (art. 346º, nº 1, do Código Civil).
Porém, nos casos de prova legal plena, não basta já efetuar tal contraprova, sendo necessário fazer a prova de que não é verdadeiro o facto que dela for objeto (art. 347º do mesmo Código).»
No caso sub judice, nos termos do artigo 9º, nº 2, da Lei nº 25/2006, o auto de notícia, elaborado nos termos do artigo 57º do RGIT faz fé sobre os factos detetados pelo autuante até prova em contrário.
Faz-se prevalecer a força probatória dos autos de notícia até prova em contrário, ou seja, atribui-se-lhes força probatória plena, como se conclui dos artigos 346º e 347º do Código Civil.
Em situação similar à dos presentes autos, em recurso interposto pela aqui Recorrente, por acórdão de 04/07/2019, no âmbito do processo nº 592/17.5BECBR, foi referido:
“Decorre da conjugação do nº 1 do art.º 8º e nº 2 do art.º 9º da Lei 25/2006, supracitados, que os autos de notícia fazem fé sobre os factos detetados pelo autuante até prova em contrário. Verifica-se assim que da lei não resulta a exigência da identificação do aparelho que detetou a infração.
Como refere o digno magistrado do MP nas suas conclusões, com o qual concordamos, “a recorrente nunca questionou a autoria dos factos que determinaram a sua condenação em coimas, razão pela qual não se tornou necessária a recolha de prova suplementar além do auto de notícia, que faz fé dos factos que relata até prova em contrário, como resulta expressamente do preceituado no artigo 9º, nº 2 da Lei 25/2006.”
Ora, atendendo aos factos dados como provados sob o ponto 1. e 3., não impugnados nesta sede, é certo que foram aí descritos os factos constitutivos das infrações em causa, especificando-se o lugar, o dia e hora onde as mesmas foram praticadas pelo que, fazendo o auto de notícia prova plena, sempre caberia à arguida, ora Recorrente, provar que não são verdadeiros os factos ali descritos. No entanto, a Recorrente não prova e nunca questiona a autoria dos factos, pelo que falecem totalmente os argumentos por si invocados nesta parte do recurso.”
Este entendimento, com o qual concordamos, é inteiramente transponível para o caso dos autos, pois, considerando os factos provados nos pontos 1. e 3. da matéria de facto assente, foram aí descritos os factos constitutivos das infrações em causa, especificando-se o lugar, o dia e hora onde as mesmas foram praticadas pelo que, fazendo o auto de notícia prova plena, sempre caberia à arguida, ora Recorrente, provar que não são verdadeiros os factos ali descritos, sendo indiferente não constarem dos autos os referidos registos fotográficos, considerando que os autos de notícia nem sequer fazem referência aos mesmos.» [fim de citação]
Este mesmo entendimento é igual e inteiramente transponível para o caso dos autos, considerando os factos provados nos pontos 2. e 3 do probatório, e não obstante a Recorrente vir agora alegar que a sentença considerou erradamente que a arguida não contesta as infracções de que vem acusada [cfr. conclusão XXIV.], com o argumento de que na petição inicial de recurso “alega claramente: “A arguida não praticou nenhuma das infrações de que vem acusada. Nunca passou em nenhuma portagem sem que tivesse deixado de pagar a respectiva taxa pela sua utilização” e “conclui no seu ponto 1: “A arguida não praticou nenhuma infração, nunca tendo passado em nenhuma portagem sem que não tenha pago a devida taxa” [cfr. conclusões IIa. e IId. do recurso ora apresentado], porquanto tais alegações não detêm nenhuma correspondência com o teor da petição inicial apresentada pela Arguida, ora Recorrente, o que permite concluir que, também no caso vertente, a Recorrente nunca questionou a autoria dos factos que determinaram as decisões de aplicação de coimas impugnadas.
Prossegue o douto Acórdão que vimos de citar:
«Num outro enfoque, as taxas de portagem surgem como contrapartida da utilização de infraestruturas rodoviárias. A utilização das referidas infraestruturas sem o pagamento da correspondente taxa dá origem a um procedimento que culmina com a emissão de uma liquidação da taxa de portagem, que é notificada ao devedor (aquele que consta do registo automóvel como proprietário). O artigo 10º, nº 1, da Lei nº 25/2006, de 30 de junho, prevê que nas situações em que não seja “possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contraordenação, as concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas eletrónicos de cobrança de portagens, consoante os casos, notificam o titular do documento de identificação do veículo para que este, no prazo de 30 dias úteis, proceda a essa identificação ou pague voluntariamente o valor da taxa de portagem e os custos administrativos associados.
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, quando seja identificado o agente da contraordenação, é este notificado para, no prazo de 30 dias úteis, proceder ao pagamento da taxa de portagem e dos custos administrativos associados.
Ora, como estamos perante uma taxa, liquidada por um ente que não é a AT e na falta de regulamentação específica, serão aplicáveis as normas da LGT e do CPPT (vide ponto do sumário do acórdão do STA, de 11/04/2018, recurso n.º 0124/18, consultável em www.dgsi.pt). Contra o ato tributário de liquidação da taxa de portagem podem ser utilizados os meios de reação graciosos e contenciosos legalmente previstos para este tipo de atos, dos quais se destaca a reclamação graciosa e a judicial (vide acórdão do STA, de 16/01/2019, recurso nº 011/16.4BEAVR 0654/16, consultável em www.dgsi.pt).
A falta de pagamento da taxa de portagem nos termos legais tem importantes consequências. O serviço de finanças da área do domicílio fiscal do agente de contraordenação procede à instauração e instrução dos processos de contraordenação a que se refere a Lei nº 25/2006, bem como procede à aplicação das coimas respetivas. Por outro lado, AT, nos termos do artigo 17º-A da Lei nº 25/2006, fica legitimada, nos termos do CPPT, a promover a cobrança coerciva dos créditos relativos à taxa de portagem, dos custos administrativos e dos juros de mora devidos, bem como da coima e respetivos encargos.
Os artigos 5º e 6º da Lei nº 25/2006 preveem quais são as condutas que configuram uma infração, podendo-se concluir que em todos elas acontece falta de pagamento do tributo nos termos estabelecidos na lei.
Pelo Decreto-Lei nº 236/2012, de 31 de outubro, foi aprovada a orgânica do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P.. Nos termos do artigo 3º, nº 4, do referido diploma com a redação introduzida pelo Decreto-Lei nº Decreto-Lei nº 77/2014, de 14 de maio, “[s]ão atribuições do IMT, I. P., em matéria de infraestruturas rodoviárias, incluindo matérias específicas relativas à rede rodoviária nacional: (…)
t) Exercer os serviços de gestão de normas e processos do sistema de identificação eletrónica de veículos, de autorização de utilizadores do sistema de identificação eletrónica de veículos, de gestão dos dispositivos eletrónicos e certificação de tecnologia, de gestão de eventos de tráfego públicos, para efeitos de cobrança de portagens e outras taxas rodoviárias, de gestão de sistemas de informação relativas à atividade que desenvolve, de aprovação e fiscalização de sistemas de identificação automática de dispositivos eletrónicos (road side equipment ou RSE), e de exploração de RSE próprios;
Nos termo do artigo 22º do Decreto-Lei 112/2009, com a redação introduzida pela lei nº Lei nº 46/2010, de 7 de setembro “[a] entidade gestora do sistema de identificação eletrónica de veículos publicita, no prazo máximo de vinte e quatro horas, no seu sítio da Internet, a localização dos dispositivos instalados, nas praças ou nos pórticos de portagem, de deteção e identificação automáticos, devendo a informação prestada encontrar-se permanentemente atualizada”.
Ora, no caso sub judice o Recorrente não apresentou qualquer prova demonstrativa de qualquer deficiência que afetasse o funcionamento dos equipamentos que detetaram a prática das contraordenações. Não há qualquer evidência de que o respetivo processo de aprovação não tenha sido efetuado nos termos legais e regulamentares.
Não prevê a lei a certificação da fotografia por entidade certificadora, a indicação em concreto do aparelho que registou a imagem, a respetiva certificação. Como acima se referiu, exige a lei de aprovação e fiscalização de sistemas de identificação automática de dispositivos eletrónicos, bem como a sua publicitação, no prazo máximo de vinte e quatro horas, no sítio do IMTT na Internet, a localização dos dispositivos instalados, nas praças ou nos pórticos de portagem, de deteção e identificação automáticos, devendo a informação prestada encontrar-se permanentemente atualizada”.
Termos em que improcedem as conclusões invocadas a este título.
*
Nas conclusões XII e seguintes a Recorrente funda o seu entendimento tendo por base uma analogia de raciocínio com o sistema de “verificação das infrações de excesso de velocidade do Código da Estrada através de radares ….”
Na douta petição inicial o Recorrente transcreve o artigo 170º do Código da Estrada que tem como epígrafe “auto de notícia e de denúncia” e depois apresenta uma descrição de uma infração por excesso de velocidade, para concluir que no caso dos presentes autos nada é referido quanto aos aparelhos que detetaram as infrações de que a arguida vem acusada.
Vejamos:
Sucede que a Lei nº 25/2006, de 30 de junho, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem e no seu artigo 9º, acima transcrito, prevê os requisitos a que obedece o auto de notícia esclarecendo que será elaborado nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Assim, prevendo a Lei nº 25/2006, de 30 de junho, o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem, deve tal regime ser aplicado quando estejam em causa este tipo de infrações.
Ora, o referido diploma prevê que o auto de notícia será elaborado nos termos do Regime Geral das Infrações Tributárias e não, como parece entender o Recorrente, nos termos do artigo 170º do Código da Estrada.
O Código da Estrada tem em vista outras finalidades, nomeadamente, promover a liberdade de trânsito, a segurança rodoviária e a diminuição da sinistralidade, etc., o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem visa sancionar a falta de pagamento das referidas taxas portagem.
Prevendo a lei um regime específico – Regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem – é esse regime que deve ser aplicado.» [fim de citação]
Improcede, pois, o recurso no segmento vindo de apreciar.
Alega, por último, a Recorrente, e em síntese, que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido de ouvir as testemunhas da arguida em audiência de julgamento e de ter providenciado pela junção aos autos dos documentos requeridos pela arguida, que eram absolutamente essenciais à descoberta da verdade. Mais alega que o Tribunal a quo abusou do instituto do nº 2 do artigo 64º do RGCO quando propôs à arguida a decisão por mero despacho, porquanto, tendo a arguida apresentado prova testemunhal e não entendendo o Tribunal ouvir as testemunhas e promovido a junção aos autos da prova requerida, induziu claramente a arguida em erro quando convidou à decisão por mero despacho. E, por último, que o Tribunal a quo não fundamentou as razões pelas quais considerou a desnecessidade da audiência de julgamento, violando o artigo 64º do RGCO e, consequentemente, o direito de defesa da arguida constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 10 da CRP, nulidade que invocou.
Vejamos.
O artigo 64º do RCGO dispõe nos seguintes termos:
“1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.
2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação.
4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção.
5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação. (…).”
Resulta do disposto no nº 2 do artigo 64º do RCGO que no recurso de aplicação de coima o juiz só pode decidir por despacho, depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, e não havendo oposição.
E foi justamente o que sucedeu no caso vertente, não decorrendo dos autos qualquer oposição, nem do Ministério Público, nem da Arguida, ora Recorrente, a essa forma de decisão, sendo, aliás, de sublinhar que, na petição inicial, a ora Recorrente não arrolou quaisquer testemunhas, não se compreendendo, assim, a alegação de que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado no sentido de ouvir as testemunhas por si arroladas em audiência de julgamento [cfr. conclusões XVI., XLI. e XLIa. do recurso apresentado].
Acresce que, com o devido respeito, também não se alcança o teor da alegação da Recorrente, quando invoca que o Tribunal a quo abusou do instituto do nº 2 do artigo 64º do RGCO, quando foi a própria Recorrente que, no final da petição inicial, apôs o seguinte: “Nota: requer-se a decisão por mero despacho.” (cfr. fls. 21 dos autos [no SITAF]).
No que concerne à alegada falta de junção aos autos de documentos requeridos pela Recorrente, verifica-se, compulsados os autos, que a Recorrente apenas requereu que o Tribunal a quo ordenasse a junção aos autos dos vários processos de contra-ordenação, dos quais não conseguira obter certidões, nada mais tendo requerido.
No caso concreto, por entender que as questões suscitadas eram apenas de direito ou a provar através de documento, a Mm.ª Juíza a quo considerou-se habilitada a decidir por despacho, determinando, por despacho proferido nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 64º do RGCO, a notificação ao Ministério Público e à Arguida dessa intenção, à qual se poderiam opor, querendo, sendo certo que, no que ora importa, a Arguida nada disse.
Nesta conformidade, não se vislumbra que tenha ocorrido a alegada violação do artigo 64º do RGCO, nem que tenha sido afectado o direito de defesa da ora Recorrente, constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 10 da CRP, improcedendo, assim, este último segmento do recurso em análise.
Pelo exposto, na improcedência, in totum, das conclusões de recurso, não merece a sentença recorrida a censura que lhe vem desferida, pelo que, em consequência, é a mesma de manter na ordem jurídica, negando-se provimento ao recurso.
Sentido em que se decidirá seguidamente.».

*
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 7 de dezembro de 2023

Maria do Rosário Pais - Relatora
Vítor Salazar Unas – 1º Adjunto
Cláudia Almeida - 2ª Adjunta