Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02064/10.0BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 01/13/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Rosário Pais |
| Descritores: | VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO |
| Sumário: | I - Tendo havido junção ao processo de documentos, com relevo probatório, impunha-se a notificação das partes para alegarem – cfr. artigo 120.º do CPPT. II - A omissão da notificação das partes para alegações escritas, naquelas circunstâncias, porque suscetível de influir no exame e decisão da causa, constitui nulidade processual determinante da anulação dos pertinentes termos do processo (artigos 201.º do CPC e 98.º n.º 3 do CPPT).* * Sumário elaborado pela relatora |
| Recorrente: | C. |
| Recorrido 1: | Fazenda Pública |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: * 1. RELATÓRIO 1.1. C., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 21/05/2014, pela qual foi negado provimento à impugnação por si deduzida contra o “indeferimento do recurso hierárquico das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2004 e 2005, no montante de €26.972,84 e €21.092,86, respectivamente”. 1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A) A douta sentença sob recurso erra ao considerar que o recorrente se desinteressou da inquirição da testemunha arrolada na sua petição inicial B) A douta sentença padece de déficit instrutório no que respeita à averiguação dos factos relevantes à decisão do pedido, nomeadamente no que respeita à imputada apropriação por parte do recorrente e à afectação dos depósitos bancários à actividade da sociedade bem como à real titularidade dos depósitos não obstante a titularidade nominal na esfera do recorrente e de outras pessoas físicas C) A douta sentença é nula por não especificar suficientes fundamentos de facto que justifiquem a decisão (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC) D) A douta sentença é igualmente nula por omissão da notificação do recorrente para apresentar alegações escritas nos termos do artigo 120.º do CPPT E) Nula é também a douta sentença sob recurso por omissão da notificação do Parecer do Ministério Público F) A douta sentença sob recurso incorre em julgamento em matéria de direito ao decidir que os montantes em causa constituem rendimentos na esfera do recorrente enquadráveis na categoria E, enquanto adiantamentos por conta de lucros, com aplicação da presunção estabelecida no n.º 4.º do art.º 6.º do CIRS G) E tal erro centra-se, desde logo, na não verificação do facto-base da presunção traduzido na existência de “lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial”, já que os valores dos depósitos bancários em causa não foram objecto de lançamentos na contabilidade da sociedade G. em qualquer conta corrente do impugnante. H) Foram em substância utilizados métodos indirectos na determinação dos rendimentos imputados ao recorrente que estão na base das liquidações impugnadas, sem que tenham sido seguido o procedimento legalmente definido I) A douta sentença incorre em erro de julgamento ao não julgar procedente a impugnação com fundamento nesse vício procedimental J) A douta sentença erra igualmente ao não julgar procedente a impugnação com fundamento na alegada ilegal utilização para efeitos estritamente tributários da informação colhida em processo crime. K) A ter-se por legalmente suportado o entendimento de que a Administração Tributária pode, sem mais, utilizar a informação colhida em processo-crime, as correspondentes normas têm de ter-se por inconstitucionais por violação do princípio da separação de poderes. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente declaração de nulidade da douta sentença ou, caso assim se não entenda, com a sua revogação e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.». 1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.4. O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer concluindo que o recurso não merece provimento. ** Dispensados os vistos prévios nos termos do artigo 657º, nº 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.** 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório e se deve ser anulada por défice instrutório. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «1. Em 15.10.2008 foi elaborado o relatório de inspecção interna com referência ao impugnante, na sequência de acção de inspecção efectuada à sociedade "G.”, Lda., com o NIF (…), da qual é sócio gerente o ora impugnante; 2. Os Serviços de Inspecção Tributaria (SIT) da Direcção de Finanças do Porto apuraram a existência de valores depositados nas contas bancarias n/s (…), do Montepio Geral e (…), da CGD co-tituladas pelos sócios gerentes da G.; 3. Provenientes da diferença recebida pela alienação de fracções comercializadas pela sociedade G., entre o montante constante das respectivas escrituras públicas de compra e venda e o preço real; 4. Preço esse, superior ao declarado nas referidas escrituras conforme quadros do relatório de inspecção, no PA, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido; 5. Tendo originado as liquidações adicionais n/s 20081485897 e 20081485949, no montante de €26.972,84 e €21.092,86, respectivamente; 6. No âmbito do inquérito n.º …./05.6, dos Serviços do MP de VNGaia foi efectuado o levantamento do sigilo bancário das referidas contas, tendo os respectivos extractos sido remetidos à DF do Porto (relatório de inspecção). * Factos não provados:Com interesse para a decisão da causa não houve. * MOTIVAÇÃO.O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1, da LGT). A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 516.º do CPC). O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório. A prova de que a sociedade em causa vendeu as fracções por preço superior ao declarado resulta do próprio teor da p.i. onde tal não é contestado. Alias, as partes estão praticamente de acordo quanto aos factos, divergindo apenas na sua interpretação jurídica. Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.». 3.2. DE DIREITO 3.2.1. Da nulidade por violação do princípio do contraditório 3.2.1.1. Por falta de notificação das partes para alegações nos termos do artigo 120.º do CPPT Sobre esta questão, é já firme e constante a jurisprudência dos nossos Tribunais, mormente deste TCAN, donde que, por economia de meio e por inteiramente a subscrevermos, passamos a transcrever, na parte aqui relevante o acórdão de 11-01-2018, rec. 01721/09.8BEBRG, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/3bdf6450ae9eb20f8025824f005a2857?OpenDocument: «As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais” - cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag.176. Segundo o artigo 114º do CPPT, “não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias, as quais são produzidas no respectivo tribunal”. Por seu turno, prescreve o artigo 120º do CPPT que “finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias”. Apresentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, será dada vista dos autos ao Ministério Público (artigo 121º, nº 1 do CPPT). Dos autos resulta que, após notificação à impugnante da contestação e da junção do processo administrativo, foi proferido despacho judicial a considerar desnecessária a produção de prova testemunhal. De seguida, e sem qualquer notificação prévia às partes para produção de alegações escritas, foi ordenada a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público e, após, foi proferida a sentença recorrida. Portanto, após prolação do despacho a dispensar a produção de prova e posterior emissão de parecer pelo Ministério Público, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu a sentença que agora se encontra sob recurso, sem que tenha notificado as partes (Impugnante e E…., S.A) para produzirem alegações escritas nos termos previstos no artigo 120º do CPPT. E a questão que então se coloca é a de saber se ao omitir tal notificação, o tribunal recorrido praticou a nulidade processual que vem invocada pela recorrente. Ora, a resposta a esta questão foi já dada pela nossa jurisprudência, nomeadamente no recente acórdão do STA (Pleno) de 8 de Maio de 2013, Processo 01230/12, cujo entendimento sufragamos e, por isso, nos limitamos a transcrever: “(…) tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. É que, por um lado, e ao invés do entendimento apontado no acórdão recorrido, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado e como, igualmente, se diz no acórdão fundamento, «O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º». Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respectivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)”. E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa. Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». Aliás, o mesmo autor também acrescenta que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT). Na esteira deste entendimento, é, pois, de concluir que no caso dos autos, ao não se notificar a recorrente para alegações escritas (cf. artigo 120º do CPPT), ocorreu uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida nos termos do artigo 201º do CPC, o que implica a anulação dos termos processuais subsequentes (cf. artigo 98º, nº 3, do CPPT).» Transpondo todo o exposto para o caso concreto, estaremos perante a eliminação de toda uma fase do processo. Ora, no processo judicial tributário é de considerar que as alegações referidas no artigo 120.º (ex vi artigo 211.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) têm como objectivo quer a discussão da matéria de facto, quer de direito. E será sempre de sublinhar que no caso, agora em apreço, para especificação da matéria de facto julgada, na sentença sob recurso, relevaram-se documentos juntos pela exequente, como referido supra, pelo que não poderá deixar de se concluir que a omissão ocorrida foi efectivamente susceptível de influir no exame e na decisão da causa. Seria imperioso conceder às partes a possibilidade de alegar sobre esta matéria, não só pela relevância factual que podiam ter os elementos em questão, como tiveram, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podiam retirar – cfr. neste sentido, o citado Acórdão do STA.». Tal como na situação retratada no transcrito aresto, também na situação vertente, após a apresentação da contestação foi requerida a junção aos autos do processo administrativo, bem como do processo de reclamação graciosa e do processo de recurso hieráquico. Convidado o impugnante a «indicar a matéria à qual pretende inquirir a testemunha arrolada por forma a possibilitar ao Tribunal aferir a pertinência da realização da diligência» e nada tendo este dito ou requerido, a Meritíssima Juiz a quo determinou que «em face da ausência de resposta do impugnante não se produzirá prova testemunhal» e, após a notificação deste despacho às partes, ordenou a abertura de vista dos autos ao Ministério Público, que emitiu o seu parecer, sendo então proferida a sentença ora recorrida. Na senda da jurisprudência supra transcrita, temos para nós como certo que os elementos probatórios constantes do PA e considerados na sentença, são relevantes para justificar o exercício do contraditório por banda do Recorrente, mostrando-se, pois, postergado tal direito. A omissão de tal fase processual e da possibilidade do exercício do contraditório é susceptível de influir no exame e decisão da causa, pelo que deve ser julgada verificada a nulidade processual em causa, anulando-se todos os atos que dela dependem, incluindo a sentença. Isto posto, fica prejudicado o conhecimento da alegada nulidade por falta de notificação do parecer do Ministério Público e do invocado défice instrutório. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida, conforme supra exposto. Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC). Porto, 13 de janeiro de 2022 Maria do Rosário Pais Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina da Nova |