Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01665/05.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:FALÊNCIA
INSOLVÊNCIA
RENDIMENTOS
IRC
QUESTÃO NOVA
Sumário:1. A declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC
2. Dado como provado que, pela falida, foi apresentada mod 22 de IRC de 2005, a liquidação de IRC de 2005 resultou da apresentação de tal declaração.
3. Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Massa Falida de C..., S.A.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

Massa falida de “C..., SA” veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro por ter julgado improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) de 2004.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:


I. A presente impugnação funda-se nos termos do disposto no art.º 99.º, alíneas a), c) e d) do CPPT, quer por força da errónea qualificação dos factos tributários, já que a pretendida liquidação ocorre após na persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, nem o seu liquidatário obrigado a entregas declarativas. Assim,
II. Verifica-se que a liquidação ora operada e em função da sentença ora recorrida assenta num vício originário que faz desabar os fundamentos e pretensões da mesma, isto é, a inexistência de lucro tributável,
III. já que o art.° 17.° n.° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas), razão pela qual o que releva como pressuposto básico da tributação do rendimento da pessoa colectiva é a real natureza da actividade exercida pelo sujeito passivo de IRC, incidindo este imposto sobre os lucros das sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
IV. Neste contexto, o pressuposto ou razão da existência de tal tributação, é a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, sendo da conjugação desse facto que a lei faz depender o surgimento da relação jurídica do imposto;
V. é que o lucro, na definição legal contida no art.º 3.º, n.º 2 do CIRC consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo de valor patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional.
VI. A massa falida prova facilmente que, nos períodos de exercício subsequentes à declaração da falência, não têm qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC razão pela qual, inexistindo rendimento tributável - leia-se, lucro ou facto tributário -, a liquidação, ainda que oficiosa, não pode manter-se na ordem jurídica;
VII. Deste modo, qualquer exigência de declaração fiscal ou posterior liquidação oficiosa de tributos por parte da máquina fiscal não podem subsistir já que, demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se demonstra não ser real, sob pena de violação do princípio contido no artigo 104.°, n.º 2 da CRPortuguesa.
VIII. Concluindo, no âmbito do Processo de Falência e sua liquidação, salvo melhor opinião, NÃO HÁ ACTOS SUBMETIDOS A IRC que possam ser tributáveis e cujo ónus da prova incumbia à Administração Fiscal, pelo que a liquidação de IRC ora impugnada, por se reportar a data posterior à declaração de falência, é legalmente inadmissível e fundamentalmente errónea.
IX. Assim, sempre se dirá que, a Massa Falida e o Liquidatário Judicial não estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas. Assim;
X. Sufraga a sentença ora recorrida o entendimento da Administração Fiscal de que o Liquidatário Judicial / massa falida procedesse à entrega de declaração de IRC, originando, pela sua falta, a liquidação oficiosa que se impugna. Porém,
XI. o Liquidatário Judicial NÃO É REPRESENTANTE da sociedade falida nos termos e para os efeitos consignados no art.º 109.º do CIRC.
XII. Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de falência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE – cfr. art.º 141.º, alínea e) do CSComerciais -, embora se mantenha a personalidade jurídica e
XIII. em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Falida apresentasse actividade sujeita a tributação !
XIV. Da mesma forma, as contas da agora Massa Falida NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributária,
XV. Assim, a liquidação ora recorrida, são actos ABSURDOS e ILEGAIS como infra se demonstra; a actividade tributária agora dirigida contra a recorrente constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O princípio do PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.ºs 55.º, 56.º e 59.º, n.ºs 1 a 3 da LGTributária. É que,
XVI. Os deveres e obrigações do liquidatário social do CSComerciais – cfr. Artigos 147.º a 150.º e 152.º a 161.º do CSComerciais - não se confundem com a figura do Liquidatário Judicial - cfr. Artigos 52.º a 65.º do CIRE e Lei n.º 32/2004;
XVII. nos termos do disposto na conjugação do disposto nos art.ºs 1.º e 46.º, n.º 1 do CIRE e em situação análogo à do CPEREF, a Massa Insolvente/Falida administrada pelo AI/LJ deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no CIRE/CPEREF para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente TUDO QUANTO SURJA, EM TERMOS DE BENS E DIREITOS, NA PENDÊNCIA DO PROCESSO, seja a título do produto da actividade da empresa falida se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido.
XVIII. Deveras, revelador da razão que assiste à recorrente é que, desconhecendo-se com o que fundamentos ou a que título, foi entregue uma declaração de Modelo 22, relativa a IRC do ano de 2005, pelo legal representante da sociedade falida. Assim sendo,
XIX. Com a declaração de falência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária;
XX. Dito de outra forma, o escopo do Liquidatário Judicial é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.;
XXI. a responsabilidade pelo eventual incumprimento de declarações fiscais ou outras deve ser assacada ao devedor principal (falida) e, se for o caso, ao R.O.C. ou T.O.C. em cuja actuação se subsume o incumprimento das declarações fiscais ou outras infracções, por incumprimento dos deveres de fiscalização e regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos;
XXII. Sendo que, após a declaração de falência, os únicos responsáveis pelos cumprimentos das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C. que, deixam de existir, na prática, na massa falida, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.
XXIII. Por seu lado, a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial;
XXIV. É este o princípio que releva claramente do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do CIRE. Assim sendo,
XXV. Tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade;
XXVI. Significando: revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de falência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da falência;
XXVII. Finalmente e no que concerne ao procedimento executivo para cobrança dos valores objecto da presente liquidação impugnada, a declaração de falência obsta a tal procedimento, razão pela qual a actividade fiscal, neste entendimento cautelar e nos termos do citado art.º 88.º, n.º 1 do C.I.R.E., deverá ser SUSPENSA.

XXVIII. Nestes termos, pugna-se pelo exarar de decisão que, avalizando os argumentos ora expostos, já que a pretendida liquidação ocorre após na persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, determine a :
a. A invalidade do acto de liquidação, por inexistência de lucro tributável imputável à Massa Falida após a declaração de falência, porquanto, com a declaração de falência, opera-se a “morte” da sociedade;
b. Subsidiariamente, a ilegitimidade do Liquidatário Judicial, já que a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial, nos termos do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do CIRE;
c. Procedendo assim integralmente a presente impugnação;
XXIX. Assim se realizando JUSTIÇA !”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Após a subida a este TCAN, os autos foram com vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto que emitiu Parecer, a fls. 116 e ss, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais juntos das Exmas. Juízes-Adjuntas vem o processo à Conferência para julgamento.


I.I Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT) é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto ao julgamento de direito.


II. Fundamentação

II.1. Dos Factos

No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

Com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo apenso, apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão a proferir:

1. A sociedade, C…, S.A., foi declarada falida, por sentença proferida em 19.5.2001, transitada em julgado em 19.7.2001, no processo nº 122/2001, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda.

2. O representante legal da sociedade falida apresentou declaração de rendimentos de IRC, relativa ao ano de 2005, modelo 22.

3. Em 08.08.2005 procedeu-se à liquidação em sede de IRC, a qual recebeu o nº 2005 2310374710, sendo o montante do imposto a pagar de € 1.416,25.

Factos não Provados:
Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos relacionados com o processo de falência, baseou-se na análise dos documentos constantes da certidão remetida pelo Tribunal Judicial de Águeda. “
II.2. O Direito

Vem a Recorrente insurgir-se contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, por aquela ter considerado que, apesar da declaração de falência da impugnante, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo vinculada às obrigações fiscais, sendo a sua responsabilidade do liquidatário ou do administrador da insolvência, não determinando tal declaração de falência e a entrada da sociedade em período de liquidação, por si só, a cessação em Imposto sobre o Rendimento. Tendo o liquidatário cumprido tal obrigação e tendo a liquidação do imposto sido efectuada de com acordo com a referida declaração, nada haveria a apontar à liquidação impugnada.

II.2.1 A recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida, por considerar que a Massa falida não está sujeita a IRC, nem o seu liquidatário obrigado a entregas declarativas. O IRC tem como pressuposto básico a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, pois o lucro, na definição do artigo 3º, nº2 do CIRC consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional. A massa falida no período de exercício subsequente à declaração de falência não tem qualquer actividade e consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC, pelo que a liquidação de IRC, agora impugnada, por se reportar a data posterior à declaração de falência é ilegalmente admissível e fundamentalmente errónea. (Conclusões I a IX, XIII)

Para decidir o segmento, agora recorrido, a sentença ponderou que a sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continuaria ou não a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, mantendo-se, assim, vinculada a obrigações fiscais, nomeadamente declarativas e concluiu que, de acordo com os artigos 160, nº 2 e 146º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade dissolvida só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias alterações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas. Que nos termos do CIRC e de acordo com os respectivos artigos 2º, alínea a), 3º, alínea a) e 7º, nº 5, alínea a) (na redacção em vigor) se impõe que as sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português, são tributadas pelo respectivo lucro até à cessação da actividade, cessação que, relativamente às sociedades em liquidação, só ocorre na data de encerramento da liquidação. Decisivo para efeitos de IRC não é a ausência de prossecução do objecto social, mas sim a cessação de actividade, que só ocorrerá nas situações previstas no nº 5 do artigo 7º do CIRC. E assim, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo vinculada a obrigações fiscais e obrigações declarativas, sendo a sua responsabilidade do liquidatário ou do administrador da insolvência, conforme expressamente é referido no nº 7 do artigo 94º do CIRC (na redacção à data).

Apreciemos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é pacífica quando considera que “….Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável.
Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.
Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC.
Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03. (…)”- in aresto STA de 08.11.2017, 0876/15.

E a ser assim, só subsistirá de sujeição a IRC aqueles negócios que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios da falida posteriores à declaração de falência, ou até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa falida depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.
No presente caso, resulta da matéria dada como provada, nomeadamente no ponto 2 da mesma, que, pelo representante legal da falida foi apresentada declaração de rendimentos IRC, relativa ao ano de 2005, modelo 22. Tal facto não foi impugnado no presente recurso.
A ser assim, prejudicado fica o conhecimento de que tipo de negócio esteve subjacente à liquidação, uma vez que a liquidação, como se afirma na sentença, foi efectuada de acordo com a referida declaração mod 22 entregue pela falida.
Aliás a impugnante parece mesmo incorrer num erro de raciocínio ao alegar que se trata de uma liquidação oficiosa e que não existiu qualquer actividade por banda da falida, aqui Recorrente, que fundamentasse a liquidação de IRC do ano de 2004, porquanto tendo a liquidação por base a declaração mod 22 apresentada pela impugnante, aqui recorrente, a liquidação nunca poderia ser qualificada de “oficiosa”, mas sim de uma liquidação “normal”, pois resultou da declaração entregue pela Recorrente. Mesmo quanto a0 alegado pela Recorrente relativamente à inexistência de actividade, fazendo um esforço de interpretação de com tal alegação a Recorrente pretendia imputar erro de julgamento de facto à decisão recorrida, o certo é que não foi respeitado o ínsito no artigo 685º B do CPC, que dispunha:
“1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. (…)”.(sublinhado nosso).
Ora, a impugnação do julgamento de facto foi totalmente genérica, não tendo sido respeitado o estipulado no normativo, agora citado, motivo pela qual também não poderia proceder o alegado pela Recorrente.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso, quanto ao presente segmento.

II.2.2 A Recorrente insurge-se ainda contra a sentença, alegando que o liquidatário judicial não é representante da sociedade falida nos termos e para os efeitos do artigo 109º do CIRC, que os deveres e obrigações do liquidatário social do CSC0merciais não se confundem com a figura do liquidatário judicial e que nos termos do disposto no CIRE e em situação análoga à do CPEREF, a massa insolvente/falida administrada pelo liquidatário judicial deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no CIRE/ CPEREF para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente tudo quanto surja, em termos e bens e direitos na pendência do processo, seja a título do produto da actividade da empresa falida se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido. A liquidação é um acto absurdo e ilegal, violando o princípio do procedimento tributário, princípio da decisão princípio da colaboração e da boa fé, previstos na LGT.
Alega ainda que desconhece com que fundamentos ou a que título foi entregue uma declaração Mod 22 relativa a IRC do ano de 2005, pelo legal representante da sociedade falida. Que a responsabilidade pelo eventual incumprimento das declarações fiscais é do TOC que deixa de existir com a declaração de falência, não deixando a empresa para efeitos tributários de ser representada neste processo pelo seu legal representante e não pelo liquidatário judicial. No que concerne ao procedimento executivo para cobrança dos valores objecto da presente liquidação impugnada, a declaração de falência obsta a tal procedimento, razão pela qual a actividade fiscal deverá ser suspensa (Conclusões XI a XXVII).
Desde já se sublinhe que a Recorrente, apenas em sede de recurso, trouxe aos autos as presentes questões, porquanto o que por ela foi alegado, na petição inicial, foram as questões anteriormente apreciadas.
E assim, as questões suscitadas na p.i. foram configuradas, enquadradas, e consequentemente, apreciadas e decididas pelo Tribunal recorrido.
Ora, como resulta da norma do artigo 627º, nº 1 do CPC, anterior 676º, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais e como tal, o tribunal de recurso está impedido de apreciar questões novas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Volume II, 2007, pág. 786.

Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – neste preciso sentido vejam-se Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81.

Também a jurisprudência é pacífica nesse sentido. Vejam-se, entre outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.03.2013, proc nº 0836/12; de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.)
Razão pela qual, neste segmento não se conhece do presente recurso.

Em face do exposto soçobram todas as alegações de recurso, sendo de lhe negar provimento.

III. DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Fernanda Esteves