Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00920/23.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC;
DECLARAÇÃO EM FALHAS; PRESSUPOSTOS;
DÉFICE INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I – A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (artigo 272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não).

II - A declaração em falhas corresponde a um ato meramente declarativo em execução fiscal, que se limita a atestar situações pré-existentes.

III – Constatando-se que, na sequência de pedido de penhora de saldos de conta bancária realizado em 2016, a entidade bancária respondeu não poder satisfazer o solicitado por aquela apresentar saldo zero ou negativo, mas que se encontrava cativo determinado montante à ordem do PEF, é possível que esta cativação resulte de anterior penhora de saldo da mesma conta e, assim, que a inexistência de bens penhoráveis resulte demonstrada em data anterior à da declaração em falhas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA» e «BB», devidamente identificados nos autos, vêm recorrer da sentença proferida em 25.09.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada improcedente a reclamação contra o ato de indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº ...60.

1.2. Os Recorrentes terminaram as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1.
A sentença recorrida julgou improcedente a presente reclamação judicial mantendo o despacho reclamado na ordem jurídica, e, em consequência decidiu pela não verificação da prescrição da dívida exequenda, absolvendo a Fazendo do pedido.
2.
Por não se conformarem com a decisão a quo apresentam os reclamantes o presente recurso, impugnando pela verificação dos pressupostos materiais de que dependa a emissão do despacho em falhas reportando-se ao ano de 2014, e não, ao ano de 2016, conforme resulta da tramitação junta pela AT.
3.
Considerando-se assim, verifica-se o retomar da contagem do prazo prescricional do tributo do IRS de 8 anos, pelo que, no ano de 2022 considerar-se-iam prescrito o direito da AT peticionar o pagamento da quantia exequenda.
4.
Ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, consideram os reclamantes que mal andou a AT, ao proferir apenas despacho de declaração em falhas na data de 31/12/2016, conforme demonstram os documentos juntos aos autos, nomeadamente a tramitação processual.
5.
Conforme sustentam os executados reclamantes nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, foram efetuados mais de 50 pedidos de penhora de bens – designadamente imóveis e outros valores e rendimentos (crê-se a todas instituições bancárias, nomeadamente ao Banco 1...).
6.
O resultado, nos anos acima 2011 a 2014, foi manifestamente insuficiente para pagamento da divida exequenda (no valor de € 148 230,80 e juros acrescidos), ou seja, os valores penhorados totalizaram a quantia de € 1 850,31 (€428,66 – em 2012; €17,46 – em 2012; € 434, 19 – em 2012; € 970,00 – em 2014).
7.
Aliás, ficou bem explicito a insuficiência através da inserção na própria tramitação, sob código P600 – Pagamento coercivo insuficiente, em diferentes momentos do processo – a saber: 09/02/2012 e 18/09/2012 e mais tarde em 24/10/2016.
8.
Mais, resulta provado que entre 19 de Agosto de 2014 e 25 de Junho de 2016 nenhuma diligência foi promovida pela AT – não há qualquer registo de tramitação nem promoção de qualquer diligência.
9.
O processo executivo esteve parado entre aquelas datas, por mais de vinte meses, quase dois anos sem promoção de qualquer diligência de penhora, não imputável aos reclamantes.
10.
Tal inércia, é em nosso modesto entendimento, imputável à AT e consiste no comportamento que o legislador quis evitar ao consagrar o regime do artigo 272º, ao protelar no tempo a situação de quem se encontra numa situação de incapacidade por inexistência de bens penhoráveis suscetíveis de assegurar a divida exequenda.
11.
Entendem os reclamantes que, mal andou a AT ao não promover em 2014, com a venda do quinhão hereditário, e sem mais respostas positivas a penhoras, lavrar o auto de diligências, por onde se iria verificar a situação prevista no artigo 272 e em consequência declarar em falhas,
12.
Levando assim ao retomar da contagem dos prazos de prescrição.
13.
Duvidas não restam que preenchem os requisitos para emissão da declaração em falhas, nomeadamente inexistência de bens penhoráveis – citação há mais de 45 dias, pedido de penhoras com resposta negativas, ainda no ano de 2014.
14.
Sendo manifesta a insuficiência de bens dos executados para garantir o valor da dívida, pelo que, logo em 2014 estava o órgão da AT a emitir a declaração em falhas.
15.
Assim, estava o órgão de execução fiscal, logo que se mostrou evidenciado a falta de bens penhoráveis dos executados, obrigado a contemplar no auto de diligência a data em que se verifica a situação de insuficiência patrimonial, devendo por isso, o despacho de declaração em falhas reportar-se à data em que se mostre verificada no processo executivo a referida falta de bens penhoráveis e sua insuficiência.
16.
De salientar que, a emissão do despacho de declaração em falhas é obrigatória, a sua omissão constitui uma conduta ilegal, e o indeferimento da prática do ato devido pela Administração implica uma recusa ilegal.
17.
Em consequência, o efeito retroativo do despacho de declaração em falhas decorre do dever legal, estatuído no artigo 172.º, n.º 1 e 2 do CPTA.
18.
A emissão do despacho de declaração em falhas (bem como a data que se reportam os respetivos efeitos) constitui um elemento relevantíssimo em matéria de garantias dos contribuintes, uma vez que determina o início da contagem de novo prazo de prescrição da obrigação tributária (cfr. Artigo 274.º do CPPT), pelo que a emissão de tal ato não pode ficar cometida a esfera de livre discricionariedade do órgão de execução fiscal, como se a este coubesse um juízo de oportunidade acerca do momento da emissão do mesmo. Aceitar-se, como se refere na sentença recorrida, que o despacho de declaração em falhas apenas poderá reportar os seus efeitos a data de 2014 e não de 2016, equivale a atribuir ao órgão exequente um inadmissível poder arbitrário de decidir o mesmo e oportunidade para elaboração do auto de diligência e do consequente despacho de declaração em falhas.
19.
Ora, somos da opinião que iniciada a contagem do novo prazo prescricional no ano de 2014, a penhora posterior de tal montante no banco Banco 1..., não é suscetível de pôr em causa a verificação dos requisitos do artigo 272.º, alínea a) do CPPT, nomeadamente, a inexistência e insuficiência suficientes para garantir a quantia exequenda.
20.
Pretende-se assim com o presente recurso, por se discordar da decisão a quo, balizar a atividade da AT no sentido de integrar no cumprimento da lei através da verificação dos pressuposto[s] do artigo 272.º do CPPT como forma de atestar a situação pré-existente de insuficiência de bens penhoráveis.
21.
Vide acórdãos que sufragam a tese defendida pelo reclamantes/executados Acórdão proferido no âmbito do processo 251/22.7BEFUN datado de 30/03/2023, cuja Relatora é a Dra. Catarina Almeida e Sousa, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e, ainda, o Acórdão proferido no âmbito do processo 00235/23.8BEPRT datado de 22/06/2023, cuja Relatora é a Dra. Irene Isabel Gomes das Neves, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte.
22.
Conclui-se assim, que no ano de 2014 estaria a AT em condições de promover o auto de diligências, emitir despacho em falhas dando-se início à contagem de novo prazo prescricional de 8 anos.
23.
Pelo que no ano de 2022, ainda que com as suspensões das leis temporárias da COVID-19, verificar-se-ia a prescrição da dívida exequenda, pelo que não restava outra decisão, senão a procedência da pretensão dos reclamantes, verificando o órgão da AT a prescrição, conforme o requerido em fevereiro do corrente ano.
Nestes termos e nos melhores de direito permitidos, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e, consequentemente anular o ato reclamado no segmento em que indeferiu a verificação da prescrição, ordenando-se a fixação dos efeitos da declaração em falhas à data em que efetivamente se verificaram os pressupostos para a sua emissão, reportada ao ano de 2014 e não no ano de 2016.
Assim se decidindo farão V. Exas. a mais sã e inteira Justiça.».

1.3. A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

1.4. A DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer considerando que «As conclusões das alegações de recurso integram matéria de direito se discutirem apenas a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica», daí que «este Tribunal Central Administrativo Norte é materialmente incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente outrossim o Supremo Tribunal Administrativo, a quem os autos devem ser remetidos
1.5. Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a exceção invocada pela DMMP, apenas os Recorrentes tomaram posição, referindo pretender que «(…) o Tribunal superior – TCA, se pronuncie sobre a matéria factual dada como provada, por ser a constante dos documentos juntos aos autos, (…)», «(…) que o Tribunal aprecie a inércia da AT, que se traduziu na falta de qualquer diligência no período acima referido.». Mais esclarecem que «A sentença “a quo” em nosso modesto entendimento, mal andou ao não considerar provado aquele facto, resultante dos documentos juntos pela AT e tal omissão, resultou na decisão desfavorável ao contribuinte.»
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos para a declaração em falhas e, por isso, para a prescrição da dívida exequenda.
Previamente, porém, importa apreciar a exceção de incompetência hierárquica suscitada pela DMMP.
*
3. Da questão prévia
Nos termos do disposto nos artigos 26º, alínea b), e 38º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de fevereiro, e no artigo 280º, nº 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma exceção à competência generalizada dos Tribunais Centrais Administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» (artigo 38º, alínea a), do ETAF). Note-se, porém, que por força da redação da dada pela Lei nº 118/2019, de 17/09, a previsão do artigo 280º, nº 1 do CPPT, passou a abranger apenas decisões de mérito.
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, em primeiro lugar, temos que estar face a uma decisão de mérito e, depois, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face delas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Percorridas as alegações do presente recurso, é possível constatar que existe controvérsia quanto às ilações de facto a retirar da factualidade assente em 1ª instância, especificamente quanto a saber se da tramitação do processo de execução fiscal resultam verificados os pressupostos de facto para a declaração em falhas reportada ao ano de 2014, como pretendem os Recorrentes, em vez do ano de 2016, como considerado pela AT e pelo Tribunal a quo.
Resta, pois, concluir pela competência hierárquica deste TCAN para apreciar o presente recurso e improcedência da exceção suscitada.

4. FUNDAMENTAÇÃO
4.1. DE FACTO
4.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:
1) Contra os ora reclamantes “«AA» e «BB»” foi instaurado e autuado, em 28-05-2011, o PEF n.º ...60, para cobrança da dívida de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2008, no montante de global de € 327.746,34, cuja data-limite para pagamento terminou no dia 27-04-2011, correndo tal execução termos no SF ... – cfr. resulta de 74 e 75, numeração do SITAF;
2) No âmbito da execução fiscal mencionada na alínea antecedente foi o ora reclamante «AA» citado pessoalmente em 02-06-2011 – cfr. resulta de fls. 76, numeração do SITAF;
3) A ora reclamante «BB» foi citada, através de carta registada com aviso de recepção, recebida em 09-06-2011, pelo co-executado «AA» – cfr. resulta de fls. 77 a 80, numeração do SITAF;
4) Em 11-08-2011, foi apresentada pela executada «BB», reclamação graciosa contra a liquidação n.º ...33, no montante de € 327.746,34, que está na origem do PEF mencionado em 1)cfr. resulta do ofício constante de fls. 168 conjugada com fls. 170 a 175, numeração do SITAF;
5) A reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente viria a ser parcialmente deferida, anulando-se o montante de € 179.515,54 e permanecendo em dívida a quantia de € 148.230,80, dando-se conhecimento desse facto à requerente em 29-02-2012 – cfr. resulta do ofício de fls. 168 conjugado com artigo 3.º do requerimento de fls. 94 a 97, numeração do SITAF;
6) Em 26-03-2012 a executada «BB» apresentou recurso hierárquico contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, o qual viria a ser indeferido, sendo a recorrente notificada desse indeferimento em 31-03-2014 – cfr. resulta do ofício de fls. 168, conjugada com fls. 176 a 182 e com o assumido nos artigos 4.º e 5.º do requerimento de fls. 94 a 97, numeração do SITAF;
7) Em 20-06-2012 foi penhorado o saldo da conta bancária titulada pelos executados na instituição bancária “Banco 2..., S.A.”, no montante de € 428,66 – cfr. resulta de fls. 50, numeração do SITAF, conjugado e assumido na conclusão 10.ª da petição inicial da presente reclamação judicial;
8) Em 18-09-2012 foi penhorada à executada «BB» a quantia de € 434,19 – cfr. resulta de fls. 136, numeração do SITAF [tramitação electrónica do PEF sob os códigos CPRT (2012-09-18) e A800 (2012-10-10)] conjugado e assumido na 11.ª conclusão da petição inicial da presente reclamação judicial;
9) Em 09-05-2013, no âmbito do PEF mencionado em 1), foi penhorado aos reclamantes 1/6 do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ..27 [freguesia e concelho ...], o qual viria a ser vendido, em 22-04-2014, a «CC», pelo preço de € 970,00 – cfr. resulta da Informação de fls. 64 (ponto III), conjugada com fls. 49 e 51 a 55, todas da numeração do SITAF;
10) Em 30-06-2014, na sequência da notificação do indeferimento do recurso hierárquico, a executada «BB» veio deduzir impugnação judicial, tendo a mesma dado entrada neste Tribunal onde corre termos sob o n.º 1593/14.0BEPRT – cfr. resulta do ofício de fls. 168 conjugado com fls. 183 a 190 e artigo 6.º do requerimento de fls. 94 a 97, numeração do SITAF e consulta ao processo n.º 1593/14.0BEPRT na plataforma electrónica SITAF;
11) Em 25-06-2016, através do pedido de penhora n.º ...32, foi solicitado à Banco 1... a penhora de contas bancárias tituladas pelo reclamante «AA» até perfazer o montante de € 192.911,87 – cfr. resulta de fls. 81 e 82, numeração do SITAF;
12) Por ofício recebido no SF ... em 17-10-2016, veio à Banco 1... informar da existência na conta n.º ..............62-2, o montante de € 958,96, que se encontrava cativo à ordem do mencionado processo executivo - cfr. resulta de fls. 82, numeração do SITAF;
13) Na sequência da informação que antecede foi, em 19-10-2016, por fax, solicitado pelo SF ... à Banco 1... a imediata transferência do montante penhorado de € 958,96 – cfr. resulta de fls. 83 e 84, numeração do SITAF;
14) Por ofício entrado no SF ... em 28-10-2016 foi comunicado pela Banco 1... que remeteram «o montante de 958,96€, cativo à ordem deste processo, através de DUC com a referência ......................69.» - cfr. resulta de fls. 85, numeração do SITAF;
15) Em 30-12-2016 foi lavrado “Auto de Diligências” dele constando o seguinte teor:
«A declaração em falhas é um acto obrigatório, desde que reunidos os pressupostos legais, conforme decorre do artigo 272.º do CPPT.
Pelo mail de 27/01/2012, da DSGCT – Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, foi divulgada a nova metodologia da declaração em falhas, assente em novas validações e funcionalidades no SEFWEB. Também, por mail de 11/04/2012, daquela DSGCT, foram os serviços informados de que mensalmente se iria proceder a uma rotina central automática, tendo em vista a declaração em falhas de todos os processos de execução fiscal (PEF) que, após validação automática efectuada por todos os sistemas operativos da execução fiscal, cumpram um conjunto de requisitos. Esses requisitos sancionados por despacho do Subdirector Geral da Justiça Tributária e Aduaneira, abrangem as seguintes situações:
(i) Inexistência objectiva de bens penhoráveis – citação há mais de 45 dias;
(ii) Pedidos de penhora com resposta negativa;
(iii) Penhora de veículos via SIPA/SIPE com apreensão requerida, via aplicação, às entidades policiais, sem sucesso há mais de 30 dias;
(iv) Penhora manual de veículos, sem diligências subsequentes, há mais de 180 dias;
(v) Pedido de penhora pendente de resposta sobre bens não sujeitos a registo, sem sucesso;
(vi) Liquidação oficiosa de tributo – declaração oficiosa de cessação de actividade
(vii) Processo executivo se encontre, pelo menos, na fase F690 (Preparação para Reversão) e se mostrem reunidos, relativamente a todos os Responsáveis Subsidiários, os requisitos da declaração em falhas
(viii) O processo executivo já tenha passado pelas fases F690 ou F695 e caso ainda tenha uma reversão activa, se mostrem reunidos, relativamente a todos os Responsáveis Subsidiários, os requisitos da Declaração em Falhas
Analisada a situação do devedor (executado, seus sucessores e responsáveis solidários e subsidiários) e processo de execução fiscal, verifica-se, estarem reunidos os pressupostos ou requisitos acima referenciados, o que pressupõe, sem margem de risco ou erro, a inexistência de bens ou direitos penhoráveis rastreados pelos sistemas informáticos operativos da execução fiscal ou em que, a sua existência não é susceptível, face aos parâmetros Superiormente definidos e implementados de penhora e consequente redução a meios de pagamento passíveis de serem aplicados nos presentes autos.
Assim, afigura-se estarem reunidos os pressupostos para que seja declarada em falhas a dívida exequenda e acrescido.» - cfr. resulta de fls. 89, numeração do SITAF;
16) Nesse mesmo dia 30-12-2016 foi proferido Despacho pelo Chefe do SF de ... com o seguinte conteúdo:
«Nos termos do artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), declara-se em falhas a dívida exequenda e acrescidos referentes ao processo de execução fiscal acima identificado, uma vez que face ao auto de diligências supra, não constam bens penhoráveis (vencimentos, pensões, rendas, depósitos bancários, créditos, imóveis, acções e outros valores mobiliários, veículos, seguros e outros produtos financeiros, certificados de aforro, rendas, planos de poupança, etc) do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários ou em que a sua existência não foi susceptível de penhora em face dos parâmetros definidos no SIPE – Sistema Informático de Penhoras Automáticas.
Esta declaração em falhas é efectuada tendo por base os requisitos definidos no projecto de automatização e sistematização da declaração em falhas desenvolvido pela DSGCT e insere-se no objectivo nacional duma gestão transparente e eficaz do sistema da justiça tributária, tendo em conta a escassez dos recursos disponíveis e da necessidade de concentração e focalização de esforços na tramitação dos processos de dívidas efectivamente cobráveis.
Em conformidade com o artigo 274.º do CPPT, a execução por dívida declarada em falhas prosseguirá, sem necessidade de nova citação e a todo o tempo, salvo prescrição, logo que haja conhecimento de que o executado, seus sucessores ou outros responsáveis possuem bens penhoráveis ou, no caso previsto na alínea b) do artigo 272.º, logo que se identifique o executado ou o prédio.» - cfr. resulta de fls. 90, numeração do SITAF;
17) Em 24-02-2023 deu entrada no SF ..., via e-balcão, um pedido de apreciação da dívida em cobrança coerciva no PEF n.º ...60 – cfr. resulta da Informação de fls. 64 (ponto VI) conjugada com fls. 92 a 97, todas da numeração do SITAF;
18) O pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda mencionado no ponto anterior foi indeferido por despacho de 12-04-2023, por não estarem reunidas as condições legais para o seu reconhecimento – cfr. resulta de fls. 103 a 105, numeração do SITAF;
19) Por ofício datado de 13-04-2023, expedido sob registo postal com aviso de recepção, foi o executado «AA» notificado em 18-04-2023, do despacho mencionado na alínea antecedente – cfr. resulta de fls. 106 a 108 da numeração do SITAF;
20) Em 28-04-2023 foi remetida ao SF ..., por correio electrónico, a petição inicial da presente reclamação judicial – cfr. resulta de fls. 1 a 34, 57 e 58, numeração do SITAF.
***
Com interesse para a decisão da causa nada mais resulta provado.
***
O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos elementos documentais juntos aos presentes autos, bem como na posição assumida pelas partes.».

4.1.2. Alteração da matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil e porque tal se revela necessário para a adequada apreciação deste recurso, passamos a complementar o facto provado sob o ponto 12, que passa a ter a seguinte redação:
12) Por ofício recebido no SF ... em 17-10-2016, veio à Banco 1... informar o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. resulta de fls. 82, numeração do SITAF.

4.2. DE DIREITO
Os Recorrentes não se conformam com a decisão do Tribunal a quo, por entenderem, em síntese resumida, que em 2014 já estavam verificados os pressupostos de facto para a declaração em falhas e, por consequência, que se mostra completado o prazo de prescrição das dívidas exequendas.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio no que, concretamente, respeita à declaração em falhas:
«(…)
Tal efeito duradouro da interrupção, por citação dos reclamantes, apenas viria a cessar, no caso em apreço, em 30-12-2016, com a declaração em falhas da dívida exequenda [vide ponto 16) da factualidade apurada], iniciando-se, a partir desse facto, a contagem de novo prazo de prescrição de 8 anos.
Com efeito, vem sendo entendido pacificamente na doutrina e na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que a declaração em falhas, ainda que consista num arquivamento provisório do processo executivo, tem repercussões ao nível da prescrição, fazendo cessar o efeito duradouro atribuído pelo artigo 327.º, n.º 1, do CC, designadamente à causa de interrupção da citação, por equivaler, para estes efeitos [ainda que não sendo], à decisão que põe termo ao processo [neste sentido, vide os Arestos do STA de 05-04-2017, de 31-01-2018 e de 08-01-2020, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 0304/17, 021/18 e 0717/19.6BEAVR, todos disponíveis em www.dgsi.pt e JORGE LOPES DE SOUSA, In Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª Edição, 2010, pp. 62 (também nota de rodapé 18) e 81].
No entanto, como esse prazo de 8 anos apenas se iniciou em 31-12-2016 [dia imediatamente seguinte ao da prolação do despacho de declaração em falhas] apenas se esgotaria a partir de 31-12-2024, caso não existissem, entretanto, quaisquer causas de suspensão do prazo prescricional [e aqui já não se fala de outras causas de interrupção, uma vez que, como referido, à luz do artigo 49.º, n.º 3 da LGT, esta só pode ter lugar uma única vez, com a causa que se verificar em primeiro lugar (no caso, a citação pessoal dos reclamantes)].
O que, sem necessidade de maiores indagações, nomeadamente, de causas suspensivas, nos levaria a concluir que a dívida exequenda não está prescrita.
Defendem, no entanto, os reclamantes que a declaração em falhas devia ter acontecido em Abril de 2014 e não como sucedeu em 30-12-2016.
O regime legal da declaração em falhas vem previsto nos artigos 272.º e seguintes do CPPT.
Dispõe o artigo 272.º do CPPT que, «Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique um dos seguintes casos:
a) Demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários;
b) Ser desconhecido o executado e não ser possível identificar o prédio, quando a dívida exequenda for de tributo sobre a propriedade imobiliária;
c) Encontrar-se ausente em parte incerta o devedor do crédito penhorado e não ter o executado outros bens penhoráveis.».
No caso em apreço, a AT declarou em falhas a dívida exequenda e acrescido, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, alínea a) do CPPT, em virtude de, em 30-06-2016, se ter constatado a falta de bens penhoráveis do executado, através do competente auto de diligências nessa data lavrado.
Como já dissemos, os reclamantes defendem que esse despacho de declaração em falhas devia ser reportado a Abril de 2014, porquanto é nessa altura que se constata que não existem mais bens susceptíveis de penhora.
Do probatório coligido para os presentes autos resulta que a AT, no âmbito da execução fiscal em causa, foi, ao longo do tempo, procurando fazer diligências tendentes à penhora de bens dos devedores para assegurar a dívida exequenda e acrescido.
Dessas várias diligências resultou demonstrado, nomeadamente, a concretização da penhora de 1/6 de um prédio rústico e da sua venda em 22-04-2014, pelo preço de € 970,00 [última diligência coerciva apontada pelos ora reclamantes como tendo sido concretizada], mas, também, a penhora de saldo de conta bancária detida pelo executado na instituição financeira “Banco 1...”, na sequência de pedido efectuado em 25-06-2016 e respondido em 17-10-2016, afirmando-se a cativação do montante de € 958,96 que viria a ser transferido para o órgão da execução fiscal em 28-10-2016 [cfr. resulta dos pontos 11) a 14) da factualidade apurada].
Daqui sobressai que, ao contrário do defendido pelos ora reclamantes, a última diligência processual de natureza coercitiva não foi concretizada em Abril de 2014 com a venda de 1/6 de um prédio rústico previamente penhorado, mas sim pela concretização em Outubro de 2016 da penhora de saldo de conta bancária, pelo que até esta última data não se pode equacionar a declaração em falhas.
Ora, o órgão da execução fiscal, em momento posterior ao da penhora do saldo bancário, procurou diligenciar no sentido de averiguar a existência de bens dos executados susceptíveis de penhora, tendo chegado à conclusão, em 30-12-2016, que não eram conhecidos outros bens susceptíveis de penhora, razão pela qual lavrou o competente auto de diligências a que alude o artigo 272.º do CPPT e, logo nesse mesmo dia, proferiu despacho de declaração em falhas.
Não vislumbramos, pois, qualquer actuação do órgão da execução fiscal que nos mereça censura, pelo que bem andou, de forma diligente, quando em 30-12-2016, determinou a declaração em falhas, não se almejando razão alguma para reportar esse despacho a Abril de 2014, pelas razões ora apontadas.».
O artigo 272º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que:
«Será declarada em falhas pelo órgão da execução fiscal a dívida exequenda e acrescido quando, em face de auto de diligência, se verifique um dos seguintes casos:
a) Demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários;
b) Ser desconhecido o executado e não ser possível identificar o prédio, quando a dívida exequenda for de tributo sobre a propriedade imobiliária;
c) Encontrar-se ausente em parte incerta o devedor do crédito penhorado e não ter o executado outros bens penhoráveis.».
Daí que, acompanhando o acórdão do TCA-Sul de 30.03.2023, proferido no processo nº 251/22.7 BEFUN, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/719f32f2475da44d802589860047ef1e?OpenDocument, também afirmamos que «I - A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não), (…).».
A “declaração em falhas” corresponde a um ato meramente declarativo em execução fiscal, que se limita a atestar situações pré-existentes [cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Sobre a natureza jurídica dos atos praticados em execução fiscal, 2019, p. 51, e-book Centro de estudos Judiciários, sobre a execução fiscal (www.cej.mj.pt). e Tomás Cantista Tavares, Prescrição da Prestação Tributária: Execução Fiscal, Suspensão e “Declaração em Falhas”, pág. 849, (https://portal.oa.pt/media/132108/tomas-cantista-tavares.pdf)].
No caso, pese embora não esteja impugnada a matéria de facto, é possível constar que, em 25.06.2016, foi efetuado um pedido de penhora de saldo de conta bancária à Banco 1... (ponto 11 dos factos provados), tendo esta entidade respondido não ser possível satisfazer o pretendido porquanto a conta bancária titulada pelo executado apresentava o saldo de “zero ou negativo”. Mais informou a Banco 1... que existia o montante de 958,96, já cativo à ordem do processo executivo (ponto 12 dos factos provados).
Visto o histórico da tramitação do processo de execução fiscal junto com a contestação, é possível constar que o OEF realizou mais de duas dezenas de pedidos de penhoras de “outros valores ou rendimentos” e de “créditos”, tendo obtido diversas respostas, embora não se saiba de quem.
Ora, uma dessas respostas pode sido da Banco 1... pois, como já referimos, ao pedido de penhora efetuado em 25.06.2016, respondeu não poder satisfazer o solicitado, não obstante se encontrar já cativo o mencionado montante – o que só pode ter acontecido na sequência de um anterior pedido de penhora.
Daqui podemos inferir que, relativamente àquela entidade bancária, a situação de inexistência de outros valores penhoráveis (para além do que foi cativado) possivelmente já estaria informada e confirmada antes de 17.10.2016 (data de recebimento da resposta da Banco 1..., cfr. ponto 12 dos factos provados).
Os autos não permitem, contudo, apurar se e em que concreta data foi, anteriormente, informado pela Banco 1... o montante do saldo existente e penhorado, o que pode ter ocorrido quer antes quer depois de 30.04.2014 – momento em que os Recorrentes entendem verificar-se os pressupostos para a declaração em falhas.
E tal informação é relevante na medida em que, só a partir desse conhecimento, estava o OEF em condições de considerar demonstrada a falta de bens penhoráveis dos executados.
Deste modo, importa anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que se apure a data em que a Banco 1... informou, pela primeira vez, o montante do saldo bancário, entretanto cativado, bem como quaisquer outros factos que o Tribunal a quo repute relevantes, com a consequente ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão, se a tanto nada mais obstar.

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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (artigo 272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não).
II - A declaração em falhas corresponde a um ato meramente declarativo em execução fiscal, que se limita a atestar situações pré-existentes.
III – Constatando-se que, na sequência de pedido de penhora de saldos de conta bancária realizado em 2016, a entidade bancária respondeu não poder satisfazer o solicitado por aquela apresentar saldo zero ou negativo, mas que se encontrava cativo determinado montante à ordem do PEF, é possível que esta cativação resulte de anterior penhora de saldo da mesma conta e, assim, que a inexistência de bens penhoráveis resulte demonstrada em data anterior à da declaração em falhas.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos para aquisição de prova, ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão, se a tanto nada mais obstar.

Custas a cargo da Recorrida, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 20 de dezembro de 2023

Maria do Rosário Pais
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio
Cláudia Almeida