Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:251/22.7 BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/30/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PRESCRIÇÃO
DECLARAÇÃO EM FALHAS
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não), a ponto de distarem seis anos de diferença entre uma declaração e outra, em contextos que aparentam ser iguais (mas que - admite-se - podem não ser) e relativos à mesma Executada.

II - Mal se entende que seja o próprio credor, contra quem corre o prazo de prescrição, aquele que tem o poder de, sem justificação aparente, declarar em falhas processos (com datas de citação próximas) com seis anos de diferença, com isso “controlando”, em termos que lhe são favoráveis, o retomar do prazo de prescrição da dívidas.

III - Subjacente ao instituto da prescrição estão razões de certeza e segurança das relações jurídicas e tais objetivos, sob pena se saírem incontornavelmente frustrados, não se compadecem com atuações mais ou menos voluntariosas (ou, em todo o caso, que não são objetivamente evidentes e apreensíveis) por parte do credor.

IV – No caso, mostra-se imperioso saber se a executada teve, ou não, conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos, pois, caso se confirme essa falta de conhecimento, pode nesta sede discutir a validade desse despacho.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

C……………………………, com os demais sinais nos autos, invocando o disposto nos artigos 276º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1, proferido em 22/09/22, que não reconheceu a prescrição das dívidas em cobrança nos processos executivos nºs …………………152 e apensos (………………846, …………………..809, ……………..350, ……………….584, ………………….282, ………………..010, …………………..176, ………………209, ……………….765, …………………..083, ………………….445, ……………………..118, ………………..343, ……………….028, ………………….080 e ………………... 069), …………………..839, …………………500 e ……………..573, instaurados contra a devedora originária S ………………, Sociedade Unipessoal, Lda.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, por sentença de 17/11/22, julgou a presente reclamação judicial parcialmente procedente, declarando prescritas as dívidas subjacentes ao processo de execução fiscal nºs ………………..152 e apensos, e não prescritas as dívidas em cobrança nos processos executivos, nºs ……………….839, ……………….500 e ………………….573.

Inconformada com a decisão, na parte em que mesma lhe foi desfavorável, apelou a reclamante para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:

«Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs …………………152 e apensos (………………846, …………………..809, ……………..350, ……………….584, ………………….282, ………………..010, …………………..176, ………………209, ……………….765, …………………..083, ………………….445, ……………………..118, ………………..343, ……………….028, ………………….080 e ………………... 069), …………………..839, …………………500 e ……………..573

No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de Direito na douta decisão recorrida, ao não julgar prescritas as dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs ……………839, ……………500 e …………..573, uma vez que:

a) a Fazenda Pública não impugnou nem contestou especificamente quaisquer factos ou documentos juntos aos autos;

b) foi dado como provado pelo douto Tribunal a quo que os processos de execução fiscal n.ºs n.ºs …………………152 e apensos (………………846, …………………..809, ……………..350, ……………….584, ………………….282, ………………..010, …………………..176, ………………209, ……………….765, …………………..083, ………………….445, ……………………..118, ………………..343, ……………….028, ………………….080 e ………………... 069), foram declarados em falhas pela Administração Fiscal em 29/01/2014 (Facto Assente n.º 4);

c) em 29/01/2014, foi expressamente assumido e reconhecido pela Administração Fiscal, nos termos do artigo 272.º do CPPT, que a Recorrente não detinha quaisquer bens penhoráveis e que o órgão de execução fiscal tinha “falhado” a cobrança da dívida exequenda;

d) tendo a Administração Fiscal reconhecido e declarado em falhas, em 29/01/2014, os processos de execução fiscal n.ºs …………….152 e apensos, a Administração Fiscal não podia, pura e simplesmente, não ter declarado em falhas, na mesma data, os processos de execução fiscal n.ºs ……………839, …………500 e ……………573, que tinham sido citados em 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010 (Facto assente n.º 5), e estavam pendentes naquela data;

e) a declaração em falhas constitui, nos termos da lei, doutrina e jurisprudência, uma decisão que põe termo ao processo e faz cessar o efeito duradouro resultante da citação dos processos de execução fiscal, despoletando o início da contagem do prazo de prescrição;

f) a declaração em falhas é uma das causas de extinção das execuções fiscais, de acordo com o artigo 176.º do CPPT e as disposições legais previstas na Secção X do título IV do CPPT, iniciada no artigo 259.º do CPPT;

g) o efeito duradouro resultante das citações dos processos de execução fiscal n.ºs ……………..839, ……………….500 e …………..573 expirou inequivocamente em 29/01/2014;

h) em 29/01/2014, iniciou-se o novo prazo de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs ……………….839, ………….500 e …………..573, que viria a terminar em 29/01/2022;

i) as dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs …………………839, ………………500 e ………………573 já estavam prescritas à data em que foi requerida a prescrição das mesmas, em 30/08/2022 (Facto Assente n.º 9);

j) os contribuintes não podem ficar “ad eternum” à espera que a Administração Fiscal declare em falhas os seus processos de execução fiscal, sob pena de violação dos seus direitos, liberdades e garantias;

k) os contribuintes não podem ficar eternamente à espera que a Administração Fiscal declare em falhas os seus processos de execução fiscal, ou que declare em falhas certos processos de execução fiscal e, por lapso, se esqueça de declarar em falhas outros processos de execução fiscal existentes na mesma data;

l) os contribuintes não podem ficar dependentes de erros ou lapsos cometidos pelos órgãos de execução fiscal;

m) segundo a doutrina fiscal sobre esta matéria: “se a AT indicar uma data errada (ou nenhuma data) para a declaração em falhas (ou para a comprovação de inexistência de património) e, por isso, não declarar a prescrição – então o contribuinte, caso discorde do ato administrativo na execução fiscal tem de intentar reclamação judicial nos termos do art. 276.º do CPPT, a solicitar fundamentadamente (entregando prova concreta) que o Juiz fixe a data exata da constatação da inexistência de património (a data final das reais démarches executivas e, se necessário, com a constatação de démarches meramente dilatórias) para subsequentemente declarar a prescrição.”;

n) o Tribunal a quo não podia, sem mais, não julgar prescritas as dívidas objecto dos processos de execução fiscal n.ºs …………………..839, ……………..500 e …………….573 com base na mera alegação que esses processos apenas foram declarados em falhas em 10/01/2020;

o) a prescrição é, nos termos do disposto no artigo 175.º do CPPT, de conhecimento oficioso pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito;

p) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta do Direito aqui aplicável, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, ao reconhecimento da prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs …………….839, …………..500 e ………………573.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser anulada, na parte em que não julgou prescritas as dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs ……………..839, …………..500 e …………..573 e, consequentemente, ser julgada totalmente procedente, por provada, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA


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Não há registo de contra-alegações.

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Por decisão sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 27/02/23, foi decidido declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e atribuir essa competência ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido, nos termos do disposto no artigo 18º, nº1do CPPT.

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Recebidos os autos neste TCA-Sul, os mesmos foram com vista ao Digno Procurador-Geral Adjunto, o qual renovou o parecer do MP já proferido no STA, promovendo que os autos baixem à 1ª instância “ para efeitos de ampliação da matéria de facto e apreciação da questão da prescrição”.

No STA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público proferiu o seguinte parecer:

“(…)

A questão que se coloca consiste em saber se o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento ao ter desatendido o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda, o que passa por saber se tendo o órgão de execução fiscal reconhecido em 29/01/2014 a inexistência de bens suscetíveis de penhora pertença do executado (e aqui Recorrente) no âmbito de outro processo e declarado esse processo em falhas, nos termos do artigo 272º do CPPT, não deve esse momento servir igualmente de termo inicial do prazo de prescrição no âmbito dos outros processos de execução fiscal que se encontravam igualmente pendentes, independentemente do momento da declaração em falhas emitida nesses processos pelo órgão de execução fiscal.

Decorre da sentença recorrida que o tribunal "a quo" não equacionou a questão da prescrição nestes precisos termos. Com efeito, o tribunal "a quo" analisou a questão da prescrição da dívida exequenda tendo em consideração, em primeiro lugar, os duplos efeitos da citação do devedor/executado, ou seja, a inutilização do tempo decorrido até ao momento da citação e a suspensão do prazo de prescrição enquanto estiver pendente a ação executiva; E em segundo lugar os efeitos da declaração em falhas, a partir da qual se entendeu que o prazo de prescrição se reiniciou. E em cujo entendimento se seguiu de perto a jurisprudência deste tribunal.

A questão que o Recorrente coloca resulta do facto de estarmos perante processos de execução fiscal distintos que aparentemente tiveram uma tramitação autónoma (pese embora não se descortine da sentença o motivo pelo qual a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 276° e seguintes abrange todos os processos e designadamente se os mesmos foram ou não apensados pelo órgão de execução fiscal).

Resulta assim que no Serviço de Finanças do Funchal-1 corriam diversos processos apensos ao processo n° …………………152, nos quais o aqui Recorrente foi, em 30/09/2010, chamado a responder pela dívida exequenda na qualidade de responsável subsidiário, e nos quais foi emitida declaração em falhas em 29/01/2014, tendo o tribunal "a quo" concluído neste caso pela verificação da prescrição, uma vez que desde essa data não ocorreu qualquer outro facto interruptivo ou suspensivo da prescrição.

Por sua vez foram instaurados no mesmo Serviço de Finanças os processos n°s …………….839, ………………500 e ……………..573, por dívidas de IRS e IMI, da responsabilidade do aqui Recorrente, e em que o mesmo foi citado em 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010, respetivamente (ponto 5) do probatório1), e nos quais foi emitida declaração em falhas em 10/01/2020.

Resulta, assim, que estamos perante processos de execução fiscal que seguiram uma tramitação autónoma, seja pelo facto do chamamento do Recorrente à execução ser de natureza distinta (no primeiro caso), seja pelo facto de terem sido instaurados em momentos distintos e não terem sido posteriormente apensados (no caso dos três em que figura como executado originário).

Ora, em face da distinta tramitação dos processos é normal que a verificação da declaração em falhas ocorra em momentos distintos, designadamente em razão das diligências encetadas pelo órgão de execução fiscal com vista à cobrança do crédito exequendo em cada um dos processos (como é o caso de terem sido realizadas penhoras de bens distintos).

Sucede que no caso concreto dos autos não resulta da sentença recorrida qualquer elemento que permita esclarecer a disparidade dos momentos daquela declaração em falhas, uma vez que a citação no primeiro processo é contemporânea das citações nos outros processos (a maioria ocorreu no ano de 2010), e o intervalo daquela declaração é de cerca de seis (6) anos.

Consideramos igualmente que a declaração em falhas do processo de execução fiscal ao abrigo do disposto no artigo 272° do CPPT, ainda que configure um encerramento provisório do processo, não pode deixar de constituir um facto que faz cessar os efeitos duradouros do facto interruptivo da citação e originar o reinício do prazo de prescrição da dívida exequenda, em consonância com a jurisprudência firmada nos acórdãos deste tribunal de 05/04/2017 e de 31/01/2018, proferidos nos processos n°s 0304/17 e 021/18 , atenta a falta de impulso da ação executiva por parte do exequente e não se aplicar neste caso o instituto da deserção da instância. Sendo certo que nesta situação deixa de haver fundamento para que a pendência da ação executiva origine os efeitos suspensivos sobre o prazo de prescrição da dívida.

Todavia não acompanhamos o entendimento pugnado pelo Recorrente e defendido na doutrina por Tomás Cantista Tavares , no sentido de que o executado «para a tutela judicial da declaração da prescrição, não tem de obter uma prévia e autónoma decisão, administrativa ou judicial, de declaração em falhas do processo de execução fiscal. Se ela não existir, mas constar do processo a verificação de inexistência de bens do executado (e dos terceiros responsáveis), o contribuinte pode solicitar judicialmente a prescrição, mesmo sem a declaração administrativa em falhas, bastando mostrar as provas de certificação de inexistência de bens (do devedor e terceiros), no processo de execução fiscal» .

Com efeito, ainda que se nos afigure que o executado possa suscitar junto do órgão de execução fiscal a declaração em falhas do processo e impugnar qualquer decisão sobre o assunto, só com a prática desse acto é que há lugar ao encerramento provisório do processo e à definição da situação do mesmo, e só este acto objectivo é que pode constituir fundamento bastante para fazer cessar os efeitos duradouros do acto de citação, sob pena de se cair numa situação de indefinição que resultaria da eventual demonstração no processo de inexistência de bens penhoráveis.

De todas as formas, no caso concreto não resulta da sentença recorrida que em qualquer um dos três processos de execução fiscal cuja prescrição da dívida exequenda vem suscitada no presente recurso, conste qualquer informação que dê conta da inexistência de bens por parte do executado em momento anterior à declaração em falhas do processo em 10/01/2020.

Afigurando-se-nos, igualmente, que não é válida a asserção de que a declaração em falhas ocorrida em 29/01/2014 no processo em que se verificou a reversão deve servir para os demais processos, pois podem ter ocorrido diligências válidas nestes outros processos com vista à cobrança da dívida exequenda.

Contudo mostra-se pertinente a dúvida sobre o motivo pelo qual tendo o órgão de execução fiscal reconhecido num processo essa situação (execução fiscal n.° …………………152), não reconheceu essa situação nos outros processos que se encontravam pendentes no mesmo Serviço de Finanças, dúvida essa que não se mostra esclarecida pelos elementos de facto fixados na sentença recorrida.

Não resulta igualmente da sentença recorrida se o executado e aqui Recorrente teve ou não conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos, pelo que, salvo melhor opinião, caso se confirme essa falta de conhecimento, pode nesta sede discutir a validade desse despacho, ou seja, no sentido de que em face dos elementos constantes da execução fiscal esse despacho devia ter sido proferido em momento anterior, por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272° do CPPT, e só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal tal não ocorreu.

Em face do exposto, entendemos que para o conhecimento adequado da questão da prescrição da dívida exequenda em cobrança nos três processos em causa neste recurso mostra-se indispensável a ampliação da matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos e sobre o resultado das diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido.

Entendemos, assim, que ao abrigo do disposto no artigo 682°, n°3, do CPC, se impõe a baixa dos autos, para efeitos de ampliação da matéria de facto e apreciação da questão da prescrição à luz dos referidos considerandos”. – fim de citação.


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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados contra S ……………………, Lda., os processos de execução fiscal n.º …………….152 e apensos (cfr. processo de execução fiscal e decisão de apensação a fls. 36 do respetivo processo de execução fiscal, em suporte virtual);

2. Por despacho de 26/08/2010 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal contra a aqui Reclamante (cfr. fls. 70 e ss. do processo de execução fiscal supra identificado, em suporte virtual);

3. A Reclamante foi citada no âmbito de tais processos de execução fiscal em 30/08/2010 (cfr. o aviso de receção no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 76 e 77, em suporte virtual);

4. A Diretora de Finanças proferiu despacho de declaração em falhas dos processos de execução fiscal anteriormente identificados (cfr. ponto 1) com data de 29/01/2014 (cfr. o despacho no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 155, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 181 e 182, em suporte virtual);

5. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados contra a Reclamante, como devedora originária, os processos de execução fiscal n.ºs ……………839, …………….500 e ……………573, com citações a 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010 (cfr. informação oficial de fls. 161 e ss. do processo de execução fiscal n.º …………….152 e apensos, em suporte virtual);

6. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ……………839 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respectivo processo de execução fiscal – fls. 52, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 40, em suporte virtual);

7. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ………………500 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respectivo processo de execução fiscal – fls. 15, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 13, em suporte virtual);

8. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ……………….573 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respectivo processo de execução fiscal – fls. 12, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 4, em suporte virtual);

9. No dia 30/08/2022, a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 o reconhecimento oficioso da prescrição das dívidas objeto de todos os processos de execução fiscal supra identificados (cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.);

10. Notificada do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1 que indeferiu o requerimento por si apresentado, veio a Reclamante, em 07/10/2022, apresentar a presente reclamação (cfr. documento n.º 2 junto com a p.i. e teor da p.i. de reclamação);

11. Em função da legislação aprovada no contexto da pandemia Covid-19, os prazos de prescrição estiveram suspensos entre 09/03/2020 e 03/06/2020 (86 dias), e entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (73 dias) (cfr. facto notório, nos termos do n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).


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Factos não provados:

Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.


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Motivação:

A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).

Relevou-se também o teor da informação oficial constante do processo de execução fiscal n.º2810200701098152 e apensos, quando referida (cfr. n.º2 do art.º115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). »


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- De Direito

A sentença objeto de recurso julgou parcialmente procedente a RAC apresentada contra o despacho de indeferimento do SF do Funchal-1 que indeferiu o peticionado reconhecimento da prescrição de diversos processos de execução fiscal.

Em concreto, o TAF do Funchal considerou que o processo executivo nº …………………152 e apensos (………………846, …………………..809, ……………..350, ……………….584, ………………….282, ………………..010, …………………..176, ………………209, ……………….765, …………………..083, ………………….445, ……………………..118, ………………..343, ……………….028, ………………….080 e ………………... 069), estava prescrito e, por conseguinte, assim o declarou, extinguindo o mesmo.

Já assim não ocorreu relativamente aos demais processos de execução fiscal, os quais correm termos com os nºs ………………839, ……………….500 e ……………573. Quanto a estes, o TAF recorrido considerou não ter decorrido o prazo de prescrição. É, naturalmente, contra este segmento da sentença que a Recorrente se insurge.

Vejamos, entas do mais e em síntese, o discurso argumentativo alinhado na sentença, naquilo que para aqui mais releva. Aí se escreveu:

“(…)

Não está em discussão o prazo de prescrição das mesmas – 8 anos nos termos do n.º 1 do art.º48.º da Lei Geral Tributária -, ou sequer o efeito interruptivo de tal prazo advindo da citação da Reclamante – cfr. n.º 1 do art.º 49.º da Lei Geral Tributária.

Dispõe então o n.º 1 do art.º 48.º da Lei Geral Tributária que o prazo de oito anos se conta, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

Não discutindo a Reclamante a existência da citação e respetivo efeito interruptivo, temos que na respetiva data se interrompeu o prazo de prescrição.

E tendo havido lugar à citação, tal facto não só interrompeu o prazo de prescrição, como o “congelou”, enquanto não findarem os respetivos processos de execução fiscal.

(…)

Temos assim que a citação acarreta um efeito instantâneo de interrupção do prazo de prescrição, a que se soma um efeito duradouro, não retomando o prazo de prescrição a sua contagem (isto é, não se iniciando a contagem de um novo prazo de prescrição) enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. n.º 1 dos art.ºs 326.º e 327.º do Código Civil).

(…)

Afirma o Recorrente que a interpretação adoptada pela sentença recorrida «[s]eria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre» mas, a nosso ver, não é assim. Desde logo, a AT não tem interesse algum em protelar a cobrança das dívidas, antes pelo contrário, sendo que, em regra, a execução fiscal deverá estar concluída no prazo de um ano [cfr. art. 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Mas, ainda que, por absurdo, esse protelamento acontecesse, sempre o executado poderia reagir contra ele, designadamente, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT) solicitando a intervenção do juiz para pôr cobro a qualquer ilegalidade cometida, por acção ou por omissão, pelo órgão da execução fiscal [cfr. arts. 95.º,n.º 1, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT e art. 276.º do CPPT]”.

Estabilizado o regime prescricional aplicável in casu, há então que apurar quais as eventuais consequências da declaração em falhas na contagem do prazo prescricional.

E sobre isso diremos que a declaração em falhas é de considerar como uma ficção da decisão que põe termo ao processo, equivalendo-se-lhe, despoletando então o início da contagem de um novo prazo de prescrição (cfr. n.º 1 do art.º 327.º do Código Civil; no mesmo sentido, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08/01/2020, 09/06/2021 e 16/02/2022, tirados, respetivamente, nos processos n.º 0717/19.6BEAVR, 0953/16.7BEBRG e 01208/21.0BEBRG, arestos todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).

(…)

Solução diferente recaindo, todavia, sobre as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.º ……………….839, ………………..500 e ………………..573.

Com efeito, e resultando da matéria de facto provada que a citação da Reclamante teve lugar, em tais processos, nas datas de 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010, o efeito interruptivo e duradouro da interrupção, manteve-se, nestes casos, até ser proferida a respetiva declaração em falhas, a qual teve lugar na data de 10/01/2020, pelo que, só nessa data, se iniciou a contagem de um novo prazo de prescrição, logo sendo de concluir não se mostrarem as respetivas dívidas prescritas nem à data do requerimento, nem agora”.

Como se vê das conclusões da alegação de recurso, a Recorrente discorda do assim decidido, considerando que também os apontados três processos estão prescritos.

Tenhamos presente que não é ponto de discórdia nem o prazo de prescrição, de oito anos, nem os efeitos para a prescrição da citação do devedor, nem tão-pouco a relevância da declaração em falhas no retomar da contagem do prazo prescricional. Todos estes aspetos, analisados pela sentença, não suscitam a oposição da Recorrente.

O que de facto sustenta a discordância da Recorrente com a sentença é a total desconsideração por parte do Tribunal, relativamente aos processos nºs …………………839, …………………..500 e ………………..573, da data de 29/01/14, como sendo (também) a data relevante em que estes três processos deviam ter sido declarados em falhas (e não, como aconteceu, em 10/01/20). Explicando melhor, dir-se-ia que a perplexidade da Recorrente se pode resumir numa interrogação: se o órgão de execução fiscal reconheceu, em 29/01/14, a inexistência de bens suscetíveis de penhora pertença da Recorrente, no âmbito do processo nº ………………..152 e apensos, declarando-o em falhas, nos termos do artigo 272º do CPPT, como não eleger essa data também como o termo inicial do prazo de prescrição no âmbito dos outros processos de execução fiscal que se encontravam igualmente pendentes, independentemente da declaração em falhas proferida nestes processos só ter ocorrido em 2020?

A questão assim posta que – diga-se – aparenta pertinência foi, pura e simplesmente, ignorada pelo Tribunal a quo que se limitou a analisar o decurso do prazo prescricional, considerando a data da citação e a declaração em falhas nos apontados três processos, em 10/01/20.

Note-se que, em 29/01/14, momento em que foi declarado em falhas o processo nº ……………………152 e apensos, o respetivo SF atestou que a Recorrente não tinha bens suscetíveis de penhora e, nessa medida, a dúvida que fica é a de saber por que razão o não fez nos demais processos, tanto mais que o chamamento à execução em todos eles (através da citação) se verificou em datas próximas. Com efeito, no processo nº ………………152 e apensos a Recorrente foi citada em agosto de 2010 e nos processos nºs …………………….839, …………….500 e …………..573 as citações ocorreram em setembro de 2009, junho e novembro de 2010, respetivamente.

Embora este Tribunal não acompanhe diversas considerações feitas pela Recorrente ao longo das suas alegações de recurso, nomeadamente quanto às consequências da falta de impugnação especificada de factos ou documentos por parte da Fazenda Pública e, bem assim, quanto ao alcance da declaração em falhas (que consiste, sim, num arquivamento provisório do processo e que não impede que o mesmo prossiga nas específicas situações previstas no referido artigo 274º do CPPT), a verdade é que – repete-se – as dúvidas e interrogações da Recorrente sobre a concreta atuação do SF, no caso em apreciação, assumem (ou podem assumir, melhor dito) pertinência.

De facto, tendo presente os relevantes efeitos da declaração em falhas na contagem do prazo prescricional, percebe-se a importância da diferença em fixar aquela data em 2014 ou em 2020, pois seis anos de diferença (entre uma e outra declaração) podem interferir decisivamente no decurso do prazo de prescrição. No caso, não se percebe, nem há elementos para tal, se a inexistência de bens atestada em 2014 se manteve inalterada até 2020. E se sim, qual a razão para a declaração em falhas nos processos nºs …………..839, …………….500 e ………….573 só ter ocorrido seis anos mais tarde. E se não, se surgiram entretanto bens suscetíveis de penhora, então qual a razão para o processo nº ……………..152 e apensos não ter prosseguido, uma vez que só estava provisoriamente arquivado?

Uma coisa surge clara no entendimento deste Tribunal. A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não), a ponto de distarem seis anos de diferença entre uma declaração e outra, em contextos que aparentam ser iguais (mas que - admite-se - podem não ser) e relativos à mesma Executada.

De facto, admitindo a hipótese de estarmos perante quadros factuais idênticos e sem alterações quanto à inexistência de bens penhoráveis da executada, mal se entende que seja o próprio credor, contra quem corre o prazo de prescrição, aquele que tem o poder de, sem justificação aparente, declarar em falhas processos (com datas de citação próximas) com seis anos de diferença, com isso “controlando”, em termos que lhe são favoráveis, o retomar do prazo de prescrição da dívidas. É que, subjacente ao instituto da prescrição estão razões de certeza e segurança das relações jurídicas e tais objetivos, sob pena se saírem incontornavelmente frustrados, não se compadecem com atuações mais ou menos voluntariosas (ou, em todo o caso, que não são objetivamente evidentes e apreensíveis) por parte do credor. A não ser assim, estaria aberta a porta para a subversão do objetivo visado com a lei, seja relativamente à fixação de um prazo prescricional, seja quanto à figura (e ao alcance) da declaração em falhas.

Por conseguinte, assume a maior pertinência a posição supra transcrita do EMMP junto do STA e seguida pelo EMMP no TCA, no sentido de que há um circunstancialismo (como o que ficou apontado) que deve ser esclarecido a montante de uma decisão fundada e esclarecida sobre a prescrição das dívidas em cobrança nos processos nºs ……………..839, ………………500 e …………….573.

Nesta linha de entendimento é imperioso saber se a executada, ora Recorrente “teve ou não conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos”, pois, caso se confirme “essa falta de conhecimento, pode nesta sede discutir a validade desse despacho, ou seja, no sentido de que em face dos elementos constantes da execução fiscal esse despacho devia ter sido proferido em momento anterior, por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272° do CPPT, e só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal tal não ocorreu”.

Aqui chegados, o desfecho que se adivinha não é difícil, porquanto é evidente que os autos não reúnem os elementos necessários ao adequado conhecimento da prescrição da dívida exequenda. Desde logo, e para além de saber se a Executada teve conhecimento da declaração em falhas anteriormente ao indeferimento do reconhecimento da prescrição, mostra-se indispensável “a ampliação da matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos e sobre o resultado das diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido”.

Entendemos, pois, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2 do CPC, que se impõe a baixa dos autos para efeitos de ampliação da matéria de facto e reapreciação da questão da prescrição, à luz daquilo que ficou dito supra. Isto mesmo aqui se determinará.


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III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para instrução e ampliação da matéria de facto, conforme supra apontado, após o que deverá ser proferida nova decisão em conformidade com o circunstancialismo apurado.


Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa,30/03/23


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano