Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2199/19.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/14/2020
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ASILO;
AUDIÊNCIA PRÉVIA; 
PONDERAÇÃO E COMPARAÇÃO.
Sumário:I - Se, no âmbito de procedimento de proteção internacional, houver lugar ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do respetivo pedido, o requerente deverá ser ouvido sobre a possibilidade do seu pedido ser inadmissível e ser transferido para outro Estado.
II - Essa audição prévia tem lugar no âmbito das declarações e do relatório previstos nos artigos 16º e 17º da Lei nº 27/2008, de 30 de junho, nomeadamente através da possibilidade de o interessado se pronunciar, ainda que num prazo máximo de 5 dias, sobre o seu caso e a intenção decisória do Estado português.
III - O 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) nº 604/2013 exige que previamente se apure juridicamente em que circunstâncias – excecionais - é que um Estado-Membro deverá apurar se existem motivos fácticos válidos para crer que há falhas sistémicas que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante em outro Estado-Membro.
IV - Isto é assim, porque há uma regra geral: "os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável” (nº 1 do artigo 3º do Regulamento). Daqui e do princípio fundamental da confiança mútua entre os Estados-Membros resulta a excecionalidade do 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) n.º 604/2013.
V - De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente, ou que constituam factos notórios, para demonstrar a existência do risco de um tratamento desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, ou que afetem certos grupos de pessoas.
VI - A grande pressão migratória que existiu em Itália não é sinónimo de deficiências sistémicas, nem de tratamento desumano ou degradante dos eventuais requerentes de asilo.
VII - Itália, um Estado democrático de Direito, notoriamente uma das economias mais ricas da rica U.E., não é aqui, com base nos factos alegados e nos factos notórios (artigo 5º do CPC), um Estado em que existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes que impliquem o risco de ser desrespeitado o direito dos requerentes a não serem sujeitos a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.
VIII - As circunstâncias excecionais em que um Estado-Membro deverá apurar se existem os motivos válidos para crer que há falhas sistémicas que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, a propósito de outro Estado-Membro, são as seguintes: existência (i) de factos notórios (como definidos no Código de Processo Civil) ou (ii) de alegação fáctica indiciária minimamente densificada (iii) no sentido de o outro Estado-Membro ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência, (iv) mesmo quando não comparada com Portugal.
Votação:MAIORIA, COM VOTO DE VENCIDO E DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

O cidadão que se identificou como A............, nacional do Senegal, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA ação administrativa impugnatória urgente contra

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte:

- Anulação da decisão da Diretora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 08.11.2019, que determinou, nos termos dos artigos 19º-A, nº1, alínea a) e 37º, nº 2, da Lei nº 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/14, de 5 de Maio, o pedido de proteção internacional inadmissível e determinou a sua transferência para a Itália, ao abrigo do Regulamento (UE) nº 604/2013 do PE e do Conselho de 26 de Junho.

Por sentença, o tribunal a quo decidiu

- “julgo procedente a presente ação e, em consequência, anula-se a decisão da Diretora Nacional Adjunta do SEF, de 08.11.2019, devendo o procedimento administrativo ser retomado após as declarações prestadas pelo Requerente para elaboração do relatório em falta e consequente notificação para o exercício do seu direito de pronúncia, nos termos do artigo 17º, nºs 1 e 2, da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.”

*

Inconformada, a entidade demandada interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo:

1. O cidadão senegalês A............ apresentou junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um pedido de proteção internacional ao Estado Português, no âmbito do qual se verificou, através do sistema Eurodac (sistema de comparação de impressões digitais criado pelo Regulamento (EU) 603/2013), que o requerente, ora Recorrido, havia já apresentado um pedido de proteção internacional a Itália.

2. Tendo em conta que o requerente apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado italiano que deu início à respetiva análise, está em causa a aplicação do art. 18, n 1, alínea d) do Regulamento Dublin.

3. Pelo que o procedimento de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo ora Recorrido, conforme o Regulamento Dublin III, já se encontra finalizado, não estando em causa a reconstituição do procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

4. A apreciação sobre a existência de falhas sistémicas num Estado-Membro da União Europeia participante do Sistema de Dublin não se basta com uma invocação genérica e abstrata de que existem falhas sistémicas.

5.No quadro do Sistema Europeu Comum de Asilo e na medida em que a Itália é um Estado Membro da União Europeia e participante do acervo de Schengen, sujeita aos princípios jurídicos do quadro axiológico da União Europeia, o princípio da confiança mútua impõe que se presuma que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália está em conformidade com as exigências da Cartas da Convenção de Genebra e da CEDH.

6.Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, o artigo 5, n 1,3 e 6, deste regulamento prevê que o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável realiza, em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência, uma entrevista individual com o requerente de asilo, devendo ser assegurado o acesso ao resumo dessa entrevista ao requerente ou ao conselheiro que o represente. Em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, esta entrevista pode ser dispensada quando o requerente já tiver prestado as informações necessárias para a determinação do Estado-Membro responsável e, nesse caso, o Estado-Membro em causa deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado-Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência".

7. A obrigatoriedade de comunicação ao requerente do projeto de decisão, tendo em vista ser-lhe dada a possibilidade de a ela reagir antes da decisão final, contraria o escopo do Regulamento Dublin III que, nas palavras da Advogada-Geral em conclusões ao processo referido, "introduziu disposições para tornar o processo geral mais célere e mais eficiente relativamente ao seu antecessor. São reduzidos prazos e introduzidos novos prazos. A existência de todos estes mecanismos sugere que os Estados-Membros podem agir eficazmente para impedir que o bom funcionamento do regime Dublin III seja bloqueado por recursos ou pedidos de revisão frívolos ou abusivos".

8. Como resulta da tramitação gizada pelo legislador, quer no ordenamento jurídico nacional quer no ordenamento jurídico da União Europeia, não existe qualquer dever de notificar o requerente do projeto de decisão para efeitos de pronúncia sobre o sentido decisório no âmbito do procedimento especial de Retomada a Cargo, estabelecido no Regulamento (UE) n.° 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

9. E nessa medida, o ato administrativo impugnado foi proferido no âmbito de um procedimento que respeitou todas as garantias do requerente, em obediência aos princípios, normas e trâmites legalmente previstos, não enfermando a decisão recorrida de qualquer vício, de forma ou de direito.

10. Não há quaisquer elementos nos presentes autos que permitam acionar a cláusula de salvaguarda prevista no segundo parágrafo do n.° 2 do art. 3 do Regulamento Dublin III, tendo em vista a desaplicação das demais normas do referido Regulamento que, aliás, visa precisamente que o tratamento de um pedido de proteção internacional se faça de forma unitária em todo o espaço europeu, tendo em vista a agilização e adaptação, em determinadas situações, da tramitação dos procedimentos.

11. Tal decisão esvaziaria de conteúdo as obrigações do Estado-Membro responsável, in casu a Itália, e comprometeria a realização do objetivo de determinar rapidamente o Estado-Membro competente para conhecer um pedido de asilo apresentado na União.

12. Dos elementos trazidos aos presentes autos e do Processo Administrativo, e como resulta da análise ao regime jurídico do Sistema de Dublin e do desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia, o que se pode concluir com certeza é que, perante a verificação de que o cidadão nacional do Senegal A............ havia apresentado um pedido de proteção internacional a Itália, o SEF deu inicio ao respetivo procedimento administrativo que culminou com a decisão da transferência do requerente para Itália, Estado responsável pela sua retomada a cargo, conforme art. 18.° n.° 1, alínea d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho e n.° 1 do art. 37 da Lei n.° 27/2008, situação que, forçosamente, implica a prolação da decisão de inadmissibilidade do pedido.

13. A Itália é o Estado responsável pelo pedido de proteção internacional do ora Recorrido, até estarem esgotadas todas as garantias de recurso, administrativo e jurisdicional, nos termos do Regulamento de Dublin.

14. Não pode deste modo, a Entidade Demandada, concordar com a douta sentença, por considerar que procedeu num incorreto enquadramento e interpretação dos factos e do direito.

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Na sua contra-alegação, o recorrido concluiu assim:

1. Veio a Entidade Demandada nos autos, à margem melhor identificados, inconformada com a Douta Sentença proferida interpor recurso jurisdicional de apelação, quanto à matéria de facto e de Direito.

2. No entanto, não assiste razão à Recorrente.

3. Porquanto, considera o A., aqui recorrido, que a Douta Sentença proferida procedeu a um enquadramento fáctico e interpretação do Direito aplicável corretamente;

4. Pelo que deve manter-se a Douta Sentença recorrida, apreciando-se assim o pedido formulado pelo Recorrido na Petição Inicial.

*

Cumpridos que estão neste tribunal de apelação os demais trâmites processuais, vem o recurso à conferência para o seu julgamento.

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Delimitação do objeto da apelação - questões a decidir

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal a quo, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso. Esta alegação apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de Direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Assim, tudo visto, cumpre a este tribunal de apelação resolver o seguinte:

-Erros de julgamento de direito quanto à violação do artigo 17º da Lei do Asilo e quanto à violação do artigo 3º/2 do Regulamento (UE) 604/2013 conjugado com o artigo 58º do Código do Procedimento Administrativo.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

O tribunal a quo fixou o seguinte quadro factual:

1.Em 14.10.2019, o Requerente apresentou junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), um pedido de proteção internacional, o qual foi registado sob o nº ............. Cfr. fls.1, 5-12 e 13 do PA.

2.Nesse mesmo dia foram recolhidas as impressões digitais do Requerente, nos termos e para os efeitos do nº3 do art.1º do Regulamento que define o sistema Eurodac, conjugado com o art.34º do Regulamento (UE) nº 604/2013 do PE e do Conselho de 26 de junho. Cfr. fls.2 do PA.

3.De acordo com os registos constantes na base de dados de impressões digitais Eurodac, verifica-se que o Requerente pediu proteção internacional em Itália em 26.08.2013 e na Suíça em 06.06.2014. Cfr. fls.3 e 4 do PA.

4.Em 14.10.2019 realizou-se, em inglês, a entrevista com o ora Requerente a fim de ser ouvido quanto aos fundamentos do pedido de proteção internacional apresentado. Cfr. fls.15-21 do PA.

5.Após consulta do sistema EURODAC, confirmou-se que viajou por vários países europeus e que, segundo as declarações do ora Requerente, saiu do Senegal em Novembro de 2012 para a Líbia e depois seguiu de barco para Itália, onde de imediato pediu asilo e permaneceu num campo até ir para a Suíça onde, após também ali ter formulado tal pedido, foi colocado num avião de regresso a Itália onde terá ficado até Outubro de 2019, altura em que viaja de avião para Portugal onde chega em 12.10.2019. Cfr. fls.15-21 do PA, cujo conteúdo se considera como integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

6.Depois de lidas as suas declarações, em língua inglesa e na qual se expressa, o Requerente por as achar conforme assinou o respetivo auto, tendo-lhe sido entregue um dos originais desse auto onde consta, entre o mais, o seguinte:

“II. Apresentação e objetivos

O entrevistador apresentou-se a si e ao intérprete.

Confirmou-se que o requerente e o intérprete se compreendem e a entrevista foi feita na língua Farsi escolhida pelo requerente e através da qual comunica claramente. Foi igualmente explicado que o intérprete não tem influência sobre a decisão do caso do requerente.

Foi explicado ao requerente que nos termos do Regulamento de Dublin, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, apenas um Estado-Membro é responsável, pelo que o seu pedido está sujeito a um procedimento especial de admissibilidade.

Este procedimento prevê que o pedido de proteção internacional possa ser considerado inadmissível quando se verifique, com base em dados objetivos, provas ou indícios que Portugal não é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Neste caso, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

Esta entrevista faz parte do procedimento de admissibilidade e visa determinar o seguinte:

- Presença de membros da família (cônjuge, filhos menores solteiros) em Portugal ou noutro Estado-Membro

- Presença de familiares (tios adultos ou avós) em Portugal ou noutro Estado Membro

- No caso de um menor não acompanhado e solteiro a presença do pai, mãe ou outro adulto responsável pelo requerente por força da Lei ou da prática do Estado Membro

- Presença de dependentes residentes noutro Estado-Membro ou dependência residentes noutro Estado Membro

- Existência de anterior(es) pedido(s) de proteção internacional noutro(s) Estado-Membro

- Emissão de documentos de residência ou vistos

- Entrada ilegal pela fronteira de um Estado Membro (por via terrestre, marítima ou aérea) a partir de um país terceiro

- Permanência por um período ininterrupto de pelo menos cinco meses no território de um Estado Membro

- Entrada num Estado Membro em que está dispensado de visto

O requerente foi informado que:

- Os intervenientes na presente entrevista estão vinculados ao dever de sigilo e confidencialidade,

- As informações que indicar não serão comunicadas às autoridades do país de origem ou da nacionalidade,

- Caso não entenda alguma das perguntas formuladas pelo entrevistador poderá solicitar a clarificação das mesmas,

- Caso não saiba a resposta para alguma das perguntas deverá comunicar este facto,

- Caso se sinta indisposto ou cansado poderá pedir para interromper a entrevista

O requerente foi ainda informado que:

- O folheto informativo que lhe foi entregue no momento do registo do seu pedido de proteção internacional contem informações importantes sobre o procedimento designadamente os critérios que determinam a responsabilidade, a obrigação de permanência em Portugal até à decisão final, as vias de recurso e que, caso faça um pedido de proteção internacional noutro Estado Membro ou seja detetado em situação ilegal, será transferido para Portugal.” Cfr. fls.15-21 do PA.

7.No decurso do procedimento para determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção, em 24.10.2019 foi solicitado pelo SEF às autoridades italianas a retoma a cargo do Requerente, ao abrigo do art. 18º, nº1, d) do Regulamento (EU) 604/2013, de 26 de junho do PE e do Conselho, através do competente formulário harmonizado. Cfr. fls.25 a 29 do PA.

8.Em 07.11.2019, as autoridades italianas aceitaram o pedido de retoma a cargo do Requerente ao abrigo do art.18 º, nº1, d) do Regulamento (UE) nº604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. Cfr. fls.32 do PA.

9.Em 08.11.2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a Informação nº2033/GAR/2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, designadamente, o seguinte:

“(...) Aos 24-10-2019, o GAR apresentou um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, ao abrigo do artigo 18º, Nº 1, d) do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin).

Aos 07-11-2019, as autoridades italianas aceitaram o pedido de retoma a cargo do cidadão ao abrigo do art.18º, nº1, d) do Regulamento (UE) nº604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho. Aceite a responsabilidade pelo Estado responsável deve o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras proferir uma decisão de inadmissibilidade do pedido. (...)

Pelo exposto, ... propõe-se que a Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 18º, Nº1, d) do Regulamento (CE) Nº 604/2013 do Conselho de 26 de junho.” Cfr. fls.33-35 do PA.

10. Em 08.11.2019, a Diretora Nacional Adjunta do SEF, em suplência, com base na Informação antecedente, considerou o pedido de proteção internacional apresentado pelo Requerente inadmissível e determinou a sua transferência para a Itália, ao abrigo do disposto no art. 38º da Lei nº 27/2008, de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº26/14 de 5 de maio. Cfr. fls.36 do PA.

11. Em 12.11.2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados - SEF notificou o Requerente da decisão que determinou que a Itália é o Estado responsável pela sua retoma a cargo e da sua consequente transferência para esse país. Cfr. fls.38 do PA.

12. Não foram realizadas pelo SEF quaisquer diligências instrutórias com vista a indagar a existência de falhas sistémicas em Itália.

*

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presente o exposto, passemos agora à análise dos fundamentos do presente recurso.

1.

Consta do Regulamento (UE) n.º 604/2013 (estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado-Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida) o seguinte:

Artigo 3º

Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional

1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III (1) designarem como responsável.

2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

Artigo 5º

Entrevista pessoal

1. A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, o Estado-Membro que procede à determinação realiza uma entrevista pessoal com o requerente. A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do artigo 4.o.

3. A entrevista pessoal deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.o 1.

6. O Estado-Membro que realiza a entrevista pessoal deve elaborar um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista. Esse resumo pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo. O Estado-Membro assegura que o requerente e/ou o seu advogado ou outro conselheiro que o represente tenha acesso ao resumo em tempo útil.

Capítulo III

Critérios de determinação do estado-membro responsável

Artigo 7º

Hierarquia dos critérios

1. Os critérios de determinação do Estado-Membro responsável aplicam-se pela ordem em que são enunciados no presente capítulo.

2. A determinação do Estado-Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado-Membro.

Artigo 13º

Entrada e/ou estadia

1. Caso se comprove, com base nos elementos de prova ou nos indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.o , n.o 3, do presente regulamento, incluindo os dados referidos no Regulamento (UE) n.o 603/2013, que o requerente de asilo atravessou ilegalmente a fronteira de um Estado-Membro por via terrestre, marítima ou aérea e que entrou nesse Estado-Membro a partir de um país terceiro, esse Estado-Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Essa responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira.

2. Quando um Estado-Membro não possa ser ou já não possa ser tido como responsável nos termos do n.o 1 do presente artigo e caso se comprove, com base nos elementos de prova ou indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.o, n.o 3, que o requerente – que entrou nos territórios dos Estados-Membros ilegalmente ou em circunstâncias que não é possível comprovar – permaneceu num Estado-Membro durante um período ininterrupto de pelo menos cinco meses antes de apresentar o seu pedido de proteção internacional, esse Estado-Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

Artigo 17º

Cláusulas discricionárias

1. Em derrogação do artigo 3.o, n.o 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.

Artigo 18º

Obrigações do Estado-Membro responsável

1. O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:

a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.o, 22.o e 29.o, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;

b) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;

c) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;

d) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.

Nos casos abrangidos pelo n.o 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado-Membro responsável assegura que a pessoa em causa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer de recurso efetivo nos termos do artigo 46.o da Diretiva 2013/32/UE.

Artigo 23º

Apresentação de um pedido de retomada a cargo em caso de apresentação de um novo pedido no Estado-Membro requerente

1. Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.o , n.o 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.o, n.o 5, e do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

2. O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 603/2013.

Artigo 25º

Resposta a um pedido de retomada a cargo

1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.

2. A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.o 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.

Vimos a lei europeia.

Passemos à lei nacional.

2.

O pedido de proteção internacional é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV da lei do asilo (artigo 19º-A/1-a) da Lei do Asilo).

Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo (artigo 37º/1, no capítulo IV).

Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente (artigo 37º/2).

3.

Ora, o MAI/SEF considerou que cumpriu o artigo 17º da Lei do Asilo e que o caso presente se integrava no artigo 18º/1-d) do cit. Regulamento, tendo Itália aceite a retoma a cargo ao abrigo de tal al. d) e do artigo 23º do cit. Regulamento.

Por sua vez, no essencial, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou o seguinte:

- “(…) No caso em apreço, ainda que o resumo escrito da entrevista pessoal a que o Autor foi submetido lhe tenha sido disponibilizado “em tempo útil” – concretamente, na data e na sequência da realização de tal entrevista – e que aquele tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre o mesmo, haveria, ainda assim, que dar cumprimento ao disposto nos números 1 e 2 do artigo 17º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na redação conferida pela Lei n.º 26/2014, de 5 de Maio (2), de modo a assegurar cabalmente o exercício do respetivo direito de audiência prévia.

Estando em causa a preterição de audiência prévia, formalidade essencial do procedimento administrativo em apreço tendente à prática de um ato administrativo (cf. artigo 148.º do CPA), a decisão final ora impugnada padece de um vício de forma, sendo, consequentemente, anulável, nos termos do nº 1 do artigo 163º deste Código, não sendo ao caso aplicável a aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, subjacente ao regime do nº 5 do artigo 163º do CPA, por não estar em causa nos autos um ato administrativo de conteúdo vinculado ou com uma margem de discricionariedade reduzida a zero.

(…) Ora, nos presentes autos, o processo administrativo não revela qualquer tomada de posição por parte da Administração – aqui corporizada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – quanto à adoção de diligências destinadas a verificar a eventual aplicabilidade do 2º parágrafo do nº2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013(3) e, neste sentido, a conformidade da transferência do Autor para Itália com o disposto no artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia(4) (cfr. facto 12 do probatório).

A ausência de tal tomada de posição poderia constituir um obstáculo ao controlo do exercício da discricionariedade administrativa subjacente ao princípio do inquisitório.

Sucede que, em face das circunstâncias do caso concreto, a omissão de qualquer diligência instrutória por parte do SEF revela-se, em si mesma, contrária aos princípios da proporcionalidade e da justiça, previstos no nº 2 do artigo 266.º da CRP e nos artigos 7º e 8º do CPA, à luz do respeito e da garantia dos direitos fundamentais, concretamente o artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, subjacente ao regime constante do 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013.

De facto, estando em causa, a transferência de um requerente de proteção internacional para um Estado que suscitou alarme social e político (em virtude da gestão da crise migratória de refugiados que o assolou) e tendo o Autor declarado, na entrevista pessoal a que foi submetido que não pretende regressar a Itália, porque “se for para lá agora posso morrer, na rua, não tenho sitio onde ficar. Não me deixam ficar no campo. Não posso viver lá”, a omissão de qualquer averiguação das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional por parte do Estado italiano revela-se atentatória dos princípios gerais da atividade administrativa anteriormente indicados.

Com efeito, o poder discricionário que resulta do princípio do inquisitório, previsto no artigo 58º do CPA foi, na situação sub judice, exercido em violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça, quando conjugados com o disposto no 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013.

Refira-se, ainda, que a questão em discussão tem sido objeto de análise por parte dos tribunais superiores, realçando-se aqui o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21.11.2019 (Proc. n.º 401/19.0BELSB).”.

4.

Sobre a alegada violação do cit. artigo 17º como audiência prévia

Estamos em sede de um trâmite da fase pré-decisória do procedimento administrativo, o previsto n nº 2 do artigo 17º da Lei do Asilo.

Adotamos, quanto a tal questão, a recente orientação do Supremo Tribunal Administrativo, aliás já sufragada por este tribunal de apelação, até com apelo à lógica do nosso Código do Procedimento Administrativo, em 2019:

I - Se no âmbito de «procedimento de proteção internacional» houver lugar ao «procedimento especial de determinação do Estado responsável» pela análise do respetivo pedido, o requerente deverá ser ouvido sobre a possibilidade do seu pedido ser inadmissível e ser transferido para outro Estado;

II - Essa audição tem lugar no âmbito das «declarações» e «relatório» previstos nos artigos 16º e 17º da Lei nº 27/2008, de 30 de junho. (Acórdão do STA de 02-04-2020, processo 0688/19).

Citemos este aresto do Supremo Tribunal Administrativo:

“2. A questão da conformação da «audiência de interessados» no caso de procedimento especial de «determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional» - regulado nos artigos 36º a 40º [capítulo IV] da «Lei do Asilo» - Lei nº 27/2008, de 30.06, na redação dada pela Lei nº 26/2014, de 05.05 - não é nova na jurisprudência deste STA, e não tem permanecido constante, antes revelando uma evolução na procura do melhor direito.

A situação destes autos, e de alguns dos arestos já proferidos, reporta-se a um pedido de «proteção internacional» dirigido ao Estado Português, cuja tramitação incluiu o procedimento especial e incidental de determinação do Estado responsável pela análise desse pedido, e que terminou com decisão do SEF que considerou o pedido inadmissível, após a aceitação da retoma pela Espanha - tudo ao abrigo dos artigos 19º-A, nº1 alínea a), e 37º, nº2, da «Lei do Asilo».

Acontece que, tanto nestes autos, como noutros similares, já decididos por este STA, a decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional, face à aceitação da «retoma» por outro Estado-membro, foi proferida sem prévia audiência do requerente sobre esse assunto.

Posta a «questão» da necessidade e conformação dessa audiência prévia, já se decidiu que ela se traduz numa formalidade essencial que deve ser aplicada no próprio âmbito do procedimento especial regulado no capítulo IV da «Lei do Asilo», no qual importará confrontar o requerente com o projeto de decisão de inadmissibilidade do seu pedido e sua transferência para o Estado aceitante da retoma - AC STA de 20.12.2018 [Rº 0275/18], e AC STA de 30.05.2019 [Rº 0970/18] - mas também já se decidiu que o seu cumprimento se situará, sempre, no âmbito dos próprios artigos 16º e 17º da «Lei do Asilo» - AC STA de 18.05.2017 [Rº 0306/17]; AC STA de 04.10.2018 [Rº 01727/17]; AC do STA de 28.03.2019 [Rº 01143/18; AC do STA de 03.10.2019 [02095/18.1BELSB]; e AC STA de 20.02.2020 [0780/19]. Em todas estas decisões, a não observância - em casos com os ditos contornos - do dever de audiência do interessado conduz à anulação da decisão de inadmissibilidade do pedido e transferência do requerente.

3. A «Lei do Asilo» regula, além do mais, as «condições e procedimentos de concessão de proteção internacional», em ordem à concessão do «estatuto de refugiado» e do «estatuto de proteção subsidiária» - transpondo para a ordem jurídica interna um conjunto de diretivas comunitárias enumeradas no seu artigo 1º.

Quanto ao procedimento, constatamos, como marcos estruturais, que ele inclui uma fase inicial, que culmina com a decisão da sua admissão ou inadmissão [artigos 10º, 19º-A, 20º e 27º, da «Lei do Asilo»], da competência do diretor nacional do SEF [artigos 20º e 27º, da «Lei do Asilo»], e, no caso de decisão positiva, uma fase de instrução [artigos 21º, 27º e 28º da «Lei do Asilo»], que culmina com a elaboração pelo SEF de uma «proposta fundamentada» de concessão ou recusa de proteção internacional, sobre a qual o requerente é ouvido e pode pronunciar-se [artigo 29º da «Lei do Asilo»]. A «decisão final», de concessão ou recusa, compete ao membro do Governo responsável pela Administração Interna [artigo 20º, nº5, da «Lei do Asilo»].

O procedimento especial, de determinação do Estado-membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, quando se imponha, enxerta-se na «fase inicial» do procedimento, suspende o respetivo prazo de decisão [artigo 39º da «Lei do Asilo»], e, uma vez aceite a retoma a cargo pelo Estado requerido, conduz à prolação de decisão de inadmissibilidade do pedido e transferência do interessado [artigos 37º, nº2, e 19º-A, nº1 alínea a), da «Lei do Asilo»].

Nessa fase inicial o procedimento comum prevê ainda a existência de relatório, após a prestação de declarações pelo requerente, do qual deverão constar «as informações essenciais relativas ao pedido», e sobre ele se pode pronunciar o requerente após ter sido notificado para o efeito [artigos 16º(5) e 17º(6) da «Lei do Asilo»].

Ressuma, pois, que o referido procedimento especial surge com natureza incidental e, a «aceitação da retoma» - expressa ou tácita - por parte do Estado requerido, constitui fundamento para a decisão do diretor nacional do SEF de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional.

E o procedimento administrativo fica-se por aí, prescindindo-se da análise das condições do deferimento do pedido de proteção internacional formulado, e competindo ao SEF assegurar a execução da transferência do requerente [artigos 19º-A nº2, e 38º, da «Lei do Asilo»].

4. Não há dúvida de que este procedimento - globalmente considerado - comporta duas oportunidades de satisfação do direito de audiência do requerido, uma na referida fase inicial [artigo 17º da «Lei do Asilo»] e outra no termo da instrução visando a decisão de mérito [artigo 29º, «Lei do Asilo»], mas nada prevê expressamente a tal respeito no âmbito específico do procedimento especial e incidental do capítulo IV [artigos 36º a 40º da «Lei do Asilo»].

A verdade é que este procedimento especial, apesar de ter como principais interlocutores dois Estados - o requerente da retoma e o requerido - conduz, ou pode conduzir, a uma decisão de sérias consequências para o requerente, pois que, uma vez aceite a retoma, o seu pedido é julgado inadmissível e ele - requerente - é transferido do Estado requerente para o Estado requerido.

Ou seja, pode gerar uma decisão «desfavorável» ao requerente, e à partida lesiva dos seus legítimos interesses, pois que se dirigiu pedido de proteção ao Estado Português lá terá as suas razões. Certo é que, nos termos da lei sob análise, ele poderá deparar-se com essa «decisão lesiva» e sobre a qual «não foi ouvido».

5. Verdade é, porém, que o silêncio da lei não é total a propósito deste assunto, já que verificamos que o nº1 do artigo 16º, que constitui disposição comum, diz ser assegurado ao requerente o direito de prestar declarações, o mesmo é dizer, de ser ouvido, antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional. E sendo certo que o nº3 do mesmo artigo prevê a prestação de declarações logo após o recebimento - pelo SEF - do pedido relativo à proteção internacional, certo é ainda que a imposição feita no nº1 do artigo não se esgota nesta prestação, já que, se assim fosse, não faria sentido a referência que nele é feita a «qualquer decisão».

E esta necessidade de ouvir o requerente antes da decisão de inadmissibilidade do pedido com fundamento na «aceitação da retoma pelo Estado requerido» encontra arrimo no «regulamento europeu», a que esse procedimento também está sujeito, ou seja, no «Regulamento [UE] nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.06», que estabelece «critérios e mecanismos» de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-membros por nacional de país terceiro ou por apátrida.

Efetivamente, no seu capítulo II - sobre «princípios gerais e garantias» -, e mais concretamente no artigo 5º, manda que o Estado-membro, que procede à determinação do Estado-membro responsável, realize uma entrevista pessoal com o requerente a fim de facilitar o processo de determinação do Estado responsável e, acrescenta, essa «entrevista pessoal» deve realizar-se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-membro responsável [artigo 5º, nºs 1 e 3, do Regulamento].

A acrescer a isto, importará sublinhar que, no plano interno, o princípio da audiência é havido como estruturante de cada procedimento administrativo [artigos 121º a 125º do CPA], se assume como uma dimensão qualificada do princípio da participação [artigo 12º do CPA], e surge na sequência e em cumprimento de diretriz constitucional [artigo 267º, nºs 1 e 5, da CRP], e no plano do direito da União Europeia, o respeito pelo direito de defesa constitui princípio geral e fundamental [artigos 41º, e 48º- 49º, CDFUE], que é aplicável sempre que a Administração se proponha adotar, relativamente a uma pessoa, um ato lesivo dos seus legítimos interesses. E, como vem explicitando a jurisprudência do «Tribunal de Justiça», esta obrigação incumbe às administrações dos Estados-membros sempre que tomem decisões que entram no âmbito de aplicação do direito da União, e mesmo que a legislação aplicável, da União, não preveja expressamente essa formalidade - ver os acórdãos do TJUE referidos no AC STA de 30.05.2019, in processo 0970/18.2BELSB.

6. Destarte, da análise deste quadro normativo ressalta que, embora no âmbito estrito do procedimento especial em causa [artigos 36º a 40º da «Lei do Asilo»] não se detete uma expressa previsão de um «direito de defesa/audiência conferido ao requerente», não é legítimo concluir daí, sem mais, que tal «direito» não lhe é concedido, ou que nele se encontra afastado. Efetivamente, quer da garantia consagrada - como disposição comum - no nº 1 do artigo 16º da «Lei do Asilo», quer do quadro das normas, e dos princípios - internos e da União Europeia -, a que fizemos referência, resulta a necessidade da sua observância «antes de ser proferida a decisão a que se refere o nº2, do artigo 37º», daquela lei, sob pena de infração das normas e princípios convocados.”

Ora, consultada a matéria de facto provada, incluindo o conteúdo das declarações que foram prestadas pelo aí requerente - no âmbito do artigo 16º da Lei do Asilo - e do relatório que foi elaborado pelos serviços do SEF - no âmbito do artigo 17º da Lei do Asilo -, impõe-se concluir que ele, embora confrontado com a possibilidade de vir a ser transferido para Itália, não teve oportunidade de se pronunciar sobre a mesma em 5 dias. Não lhe foi concedido tal prazo.

Foi, pois, violado o direito de audiência prévia nos termos em que ele está configurado no nº 2 do cit. artigo 17º, causa de anulabilidade do ato administrativo impugnado (cf. artigo 163º/1 do Código do Procedimento Administrativo).

5.

Sobre a alegada violação do princípio do inquisitório (cf. artigo 58º o Código do Procedimento Administrativo) relativamente ao cit. 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) n.º 604/2013 – défice instrutório

Já vimos o que disse o Tribunal Administrativo de Círculo. E as conclusões do recurso.

Estamos, ainda, em sede de instrução do procedimento administrativo. Trata-se agora de um alegado défice instrutório relacionado com o 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) n.º 604/2013.

Ora, caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável

(i) por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro,

(ii) que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável (cf. artigo 3º/2 do Regulamento europeu cit.).

Isso exige que previamente se apure juridicamente em que circunstâncias – excecionais, como veremos - é que um Estado-Membro deverá apurar se existem aqueles motivos válidos para crer que há falhas sistémicas que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, a propósito de outro Estado-Membro.

E isto é assim, porque há uma regra geral: "os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável” (nº 1 do artigo 3º do Regulamento). Daqui e do princípio fundamental da confiança mútua entre os Estados-Membros resulta a excecionalidade do 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) n.º 604/2013.

O Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, como já sucedia com o Regulamento (CE) n.º 343/2003, que estabelece os critérios e os mecanismos de determinação da responsabilidade da análise dos pedidos de proteção internacional apresentados nos Estados Membros, prossegue dois fins essenciais: por um lado, garantir um acesso efetivo aos procedimentos de determinação do estatuto de refugiado, sem comprometer a celeridade no tratamento dos pedidos de asilo e assegurando a certeza e segurança jurídicas ao nível da EU; e, por outro lado, impedir a utilização abusiva dos procedimentos de asilo, sob a forma de pedidos múltiplos apresentados pelo mesmo requerente em diversos Estados Membros, com o objetivo de neles prolongar a sua estadia, realidade comummente designada como asylum shopping.

Também de acordo com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente, ou que constituam factos notórios, para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, ou que afetem certos grupos de pessoas. Ainda assim, de acordo com a mesma Jurisprudência, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratamento desumano ou degradante se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa.

Assim, como já escrevemos em outros acs. deste tribunal:

- no procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, de acordo com os critérios previstos no capítulo III do Regulamento de Dublin e os artigos 3º e 17º, o que resulta da letra e do espírito desta lei europeia é que cada Estado-Administração não tem, sempre e oficiosamente, de analisar o que ocorre noutro Estado-membro da U.E. a propósito das condições legais e ou factuais da proteção internacional, salvo casos excecionais devidamente fundamentados ou notórios – cf. assim os Acs. do TJUE nº C-163/17, nº C-297/17, nº 318/17, nº C-319/17 e nº C-438/17-Magamadov, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-01-2020, proc. nº 02240/18, e o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 10-12-2019 proc. nº 1383/19...;

- O mesmo vale para os tribunais administrativos, por força da interpretação jurídica de tal Regulamento europeu e ainda do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, em especial, do nuclear artigo 5º do Código de Processo Civil. Ou seja, os Estados-Membros da U.E. não têm, sempre e oficiosamente, de analisar o que ocorre noutro Estado-membro a propósito das condições legais e ou factuais da proteção internacional, salvo casos excecionais devidamente fundamentados ou notórios e no respeito pelas regras processuais nacionais;

- Não constando dos autos qualquer facto notório ou uma alegação fáctica indiciária ou minimamente densificada de que, recente ou atualmente, em Itália, ocorre uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência no sentido do Regulamento, ou seja, como diz o TJUE, de que existem deficiências sistémicas ou generalizadas com um “nível particularmente elevado de gravidade” que permitam prever que o requerente correrá o risco sério de um “tratamento desumano ou degradante” no outro Estado-Membro, não podemos elencar, porque não existem, factos atuais ou recentes no sentido de Itália ter essa proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência. Itália, comparada ou não com Portugal por exemplo (aspeto estranhamente omitido em geral), não é um Estado da U.E. em que existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente, que implicam o risco de ser desrespeitado o direito absoluto de o requerente não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.

Cf. assim os Acs. deste Tribunal Central Administrativo Sul:

- de 07-02-2019, processo 1635/18,

- de 13-02-2020, processo 1733/19,

- de 13-02-2020, processo 1708/19 e

- de 27-02-2020, processo 1718/19.

Aliás, sobre esta matéria, consta do comunicado de imprensa n.º 33/19 do Tribunal de Justiça da União Europeia, Luxemburgo, 19 de março de 2019, o seguinte:

“A existência de insuficiências no sistema social do Estado-Membro em causa não permite, em si mesma, concluir pela existência de um risco de tais tratos (desumanos ou degradantes); com os seus acórdãos de hoje, o Tribunal de Justiça recorda que, no quadro do sistema europeu comum de asilo, que repousa no princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros, deve presumir-se que o tratamento dado por um Estado-Membro aos requerentes de proteção internacional e às pessoas a quem foi concedida proteção subsidiária está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra, bem como da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Contudo, não se pode excluir que este sistema se depare, na prática, com grandes dificuldades de funcionamento num determinado Estado-Membro, de modo que existe um sério risco de os requerentes de proteção internacional serem tratados, nesse Estado, de modo incompatível com os seus direitos fundamentais e, nomeadamente, com a proibição absoluta de tratos desumanos ou degradantes.

Assim, quando o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências, sistémicas ou generalizadas, ou que afetem certos grupos de pessoas.

Todavia, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratos desumanos ou degradantes se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa. Esse nível seria alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado-Membro tivesse como consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontrasse, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e alojar-se, e que pusesse em risco a sua saúde física ou mental ou a colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana; o Tribunal de Justiça conclui que o Direito da União não se opõe a que um requerente de proteção internacional seja transferido para o Estado-Membro responsável ou a que um pedido de concessão do estatuto de refugiado seja declarado não admissível pelo facto de já ter sido concedida ao requerente proteção subsidiária noutro Estado-Membro, a menos que se demonstre que o requerente que se encontraria, nesse outro Estado-Membro, numa situação de privação material extrema, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais.”

Além disso, a grande pressão migratória que existiu em Itália não é sinónimo de deficiências sistémicas, nem de tratamento desumano ou degradante dos eventuais requerentes de asilo.

Assim, não constando aqui, do p.a. ou do processo jurisdicional, qualquer facto notório ou qualquer alegação fáctica indiciária ou minimamente densificada de que, recentemente ou atualmente, em Itália, ocorre uma proteção internacional que tenha um nível grave ou grosseiro de insuficiência no sentido do Regulamento, ou seja, como diz o TJUE, de que existem deficiências sistémicas ou generalizadas com um “nível particularmente elevado de gravidade” que permitam prever que o requerente correrá o risco sério de um “tratamento desumano ou degradante” no outro Estado-Membro, o resultad processual correto é só um: não podemos elencar, porque não existem, factos alegados ou notórios - atuais ou recentes - no sentido de Itália ter proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência.

É que não basta a expressão de um receio ou de uma incerteza subjetiva, seja por parte do interessado, seja por parte do tribunal.

Itália, um Estado democrático de Direito, notoriamente uma das economias mais ricas da rica U.E., não é, com base nos factos alegados e nos factos notórios, um Estado em que existam deficiências sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes que impliquem o risco de ser desrespeitado o direito dos requerentes a não serem sujeitos a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.

Enfim, (i) nas circunstâncias de facto provadas descritas atrás e (ii) nas circunstâncias de facto que são notórias, sendo a Itália o país aqui responsável ao abrigo do artigo 13º/1 do Regulamento cit., tendo aliás a aceite a retoma a cargo, o Estado português atuou em conformidade com o Direito substantivo europeu e o Direito substantivo nacional, e proferiu decisão no sentido da inadmissibilidade do pedido do recorrente, nos termos do consabido art 19º-A/1-al. a) da Lei de Asilo portuguesa.

Entender o contrário nestas circunstâncias seria, a final, ignorar frontalmente (1º) a factualidade provada e (2º) seria, ainda, pouco racional e incongruente com a “comunidade” de países com Estado democrático de Direito sujeita ao cit. Regulamento europeu.

Portanto, as circunstâncias excecionais em que um Estado-Membro deverá apurar se existem aqueles motivos válidos para crer que há falhas sistémicas que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, a propósito de outro Estado-Membro são as seguintes: existência (i) de factos notórios (como definidos no Código de Processo Civil) ou (ii) de alegação fáctica indiciária minimamente densificada (iii) no sentido de o outro Estado-Membro ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência, (iv) mesmo quando não comparada com Portugal.

É que, devemos repetir que:

(1º) não houve qualquer alegação fáctica indiciária minimamente densificada, nem há qualquer facto provado no sentido de que, recente ou atualmente, em Itália, ocorre, quando comparada ou não com o nosso país, uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência;

É certo que (2º) não podemos elencar, porque não existem, quaisquer factos notórios atuais ou recentes que conduzam à conclusão de Itália ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência (cf. artigo 412º/1 do Código de Processo Civil).

Pelo que, neste caso concreto, sem factos clamando por atuação proativa ou oficiosa de Portugal, sem a cit. alegação fáctica indiciária minimamente densificada no sentido de Itália, apesar de ser um rico Estado democrático de Direito, ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência, mesmo quando não comparada com Portugal (aspeto estranhamente omitido em geral), devemos concluir que o tema especial do artigo 3º/2 cit. e do artigo 4º da CDFUE não era uma questão a suscitar oficiosamente pelo SEF.

É ainda de mencionar aqui, em defesa desta posição já adotada por este tribunal em 2019, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-01-2020, proc. nº 02240/18…:

“I - Apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação atualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos;

II - A imigração ilegal, que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida do imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de atividade exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social.”.

Em síntese, o demandado não violou o nº 2 do artigo 3º do cit. Regulamento.

Assim, concluímos que a sentença não julgou corretamente a propósito dos artigos 3º/2 do Regulamento e 58º do Código do Procedimento Administrativo; e que julgou corretamente a propósito do artigo 17º da Lei do Asilo.

*

III - DECISÃO

Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do artigo 1.º, nº 1, do EMJ (ex vi artigo 57.º do ETAF), os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso nos termos supra enunciados, confirmando a sentença apenas na parte relativa à violação do nº 2 do artigo 17º da Lei do Asilo, de modo que o SEF deve retomar o procedimento administrativo no momento a que se refere o cit. nº 2 do artigo 17º.

Sem custas.

Lisboa, 14-05-2020


PAULO H. PEREIRA GOUVEIA

Relator

CATARINA JARMELA

(com voto de vencida em anexo)

PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO

(com declaração de voto em anexo)

*


CATARINA JARMELA

(vencida conforme declaração que segue)


Voto vencida por considerar, por um lado, que do disposto no art. 17º, da Lei do Asilo, não decorre a exigência de, na fase de admissibilidade, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão,  e, por outro lado, que in casu foram respeitadas as regras a que está submetida a audiência prévia no procedimento de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de protecção internacional, conforme se passa a demonstrar.

Como a este propósito explica a signatária do presente voto de vencida (Catarina Jarmela), Audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, in Revista do CEJ, 1º Semestre de 2019, Número 1, págs. 292 a 300 e 306 a 311:

“(...)

2. Fase de admissibilidade do pedido de protecção internacional

(…)

Prevê o n.º 1 do art. 17º, da Lei 27/2008, que, após a apresentação do pedido de protecção internacional e a prestação de declarações, o SEF procede à elaboração de um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido, sendo que, de acordo com o n.º 4 desse mesmo normativo legal, a pronúncia do requerente sobre tal relatório pelo prazo de cinco dias (estatuída no n.º 2 desse art. 17º), destina-se a permitir que este confirme o conteúdo desse relatório ou indique os motivos pelos quais recusa confirmar o conteúdo do relatório, ficando averbados no processo tais motivos, o que não obsta à decisão do pedido.

Ora, visando a pronúncia sobre o referido relatório a confirmação do seu conteúdo pelo requerente ou a indicação dos motivos pelos quais recusa tal confirmação, o conteúdo desse relatório terá, necessariamente, de limitar-se às declarações que o requerente prestou, pois só relativamente às mesmas se pode exigir que o requerente confirme o seu teor ou indique os motivos pelos quais recusa tal confirmação.

Dito por outras palavras, da letra do art. 17º, da Lei 27/2008, resulta que o relatório se consubstanciará num resumo pormenorizado das circunstâncias que, de acordo com as declarações do requerente, fundamentam o pedido de protecção internacional e que a audição concedida ao requerente sobre tal relatório destina-se a assegurar que não existem erros - de tradução ou de compreensão - relativamente aos fundamentos em que assenta o pedido de protecção internacional, permitindo-se que o requerente apresente comentários e/ou clarificações, isto é, nesse art. 17º não está prevista a elaboração de um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos, dado que a pronúncia sobre um projecto de decisão é sempre algo de facultativo e nos termos em que o interessado bem entender, nunca se podendo exigir nesse contexto a confirmação do conteúdo desse projecto(7).

Acresce que tal conclusão é corroborada pelo elemento sistemático (nacional e europeu).

Com efeito, quando o legislador nacional pretendeu que o documento elaborado pelo SEF contivesse o sentido provável da decisão e os respectivos fundamentos disse-o de forma clara e expressa – cfr. art. 29º n.ºs 1 [“1 - Finda a instrução, o SEF elabora proposta fundamentada de concessão ou recusa de proteção internacional.” (sublinhados nossos)] e 2 [“O requerente é notificado do teor da proposta a que se refere o número interior, podendo pronunciar-se sobre a mesma no prazo de 10 dias.” (sublinhado nosso)], da Lei 27/2008(8).

Assim sendo, e tendo em conta que na “fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. art. 9º n.º 3, do Código Civil), só se pode concluir que, quando no art. 17º nº 1, da Lei 27/2008, foi prevista a elaboração de um “relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido”, o legislador não pretendeu a elaboração de um documento que contivesse o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos.

Além disso, e de acordo com o prescrito no art. 17º n.ºs 1, 3 e 4, da Directiva n.º 2013/32/UE [como acima se salientou, a Lei 27/2008 (na redacção da Lei 26/2014), procedeu à transposição desta Directiva n.º 2013/32/UE], os Estados-Membros devem assegurar a elaboração de um relatório exaustivo e factual do qual constem todos os elementos substantivos da entrevista pessoal ou a transcrição dessa entrevista, bem como, e antes de ser tomada uma decisão, que o requerente tem a oportunidade - no final da entrevista ou dentro do prazo fixado - de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório ou da transcrição, devendo-lhe ainda ser solicitado que confirme que o conteúdo do relatório ou da transcrição reflecte correctamente a entrevista, sendo que, caso recuse confirmar o conteúdo do relatório ou da transcrição, devem ser averbados os motivos da recusa no processo, a qual não impede a decisão do pedido.

Ora, atenta à similitude da redacção do art. 17º n.ºs 1, 2 e 4, da Lei 27/2008, relativamente ao citado art. 17º n.ºs 1, 3 e 4, da Directiva n.º 2013/32/UE, facilmente se conclui que aquele art. 17º destina-se a transpor este art. 17º, da Directiva n.º 2013/32/UE - do qual decorre de forma clara que do relatório a elaborar pela autoridade nacional devem constar todas as informações substanciais fornecidas pelo requerente na entrevista e não qualquer proposta fundamentada de decisão -, o que nos permite inferir que o art. 17º, da Lei 27/2008, ao aludir à necessidade de elaboração de um relatório tem em vista a elaboração de um resumo pormenorizado das circunstâncias que, de acordo com as declarações do requerente, fundamentam o pedido de protecção internacional e não qualquer proposta fundamentada de decisão.

Pelos motivos ora expostos afigura-se-nos que, de acordo com o regime previsto na Lei 27/2008, a audição do requerente de protecção internacional nesta fase de admissibilidade é assegurada pela prestação de declarações, nos termos supra explicitados, complementada pela notificação ao requerente do relatório que contenha os elementos substantivos dessas declarações, a fim de o mesmo poder fazer observações, prestar esclarecimentos e/ou confirmar o conteúdo desse relatório, não se encontrando prevista na Lei 27/2008 a exigência de, nesta fase de admissibilidade, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, sendo certo que a Directiva n.º 2013/32/UE permitia a adopção de disposição mais favorável (cfr. o seu considerando 14 e o respectivo art. 5º), isto é, permitia que a Lei 27/2008 previsse, na fase de admissibilidade, a obrigação de o SEF, antes da adopção da decisão, informar o requerente de protecção internacional do projecto de decisão, para efeitos de pronúncia, tendo o legislador nacional optado por não prever tal exigência nesta fase.

Cumpre a este propósito salientar que este entendimento mostra-se conforme com o direito da União Europeia.

Efectivamente, e de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (doravante TJUE), o direito de ser ouvido - o qual faz parte integrante do respeito pelos direitos de defesa, que constitui um princípio geral do direito da União Europeia aplicável sempre que a Administração se proponha adoptar, relativamente a uma pessoa, um acto lesivo dos seus interesses(9) - garante que o interessado deve ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão(10).

Assim, o direito de ser ouvido implica que ao requerente de protecção internacional seja garantida a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efectiva, no decurso do procedimento administrativo, o seu ponto de vista sobre o seu pedido de protecção internacional e os motivos que possam justificar que a autoridade se abstenha de tomar uma decisão desfavorável, ou seja, o direito de ser ouvido antes da adopção de uma decisão relativa a um pedido de protecção internacional deve permitir ao requerente expor o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a decisão, de modo a corroborar o seu pedido e permitir à Administração proceder com pleno conhecimento de causa à avaliação individual dos factos, a fim de determinar designadamente se o requerente receia com fundamento ser perseguido, pelos motivos referidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 3º, da Lei 27/2008, no seu país de origem ou se existe um risco real de o requerente sofrer ofensas graves, caso volte para esse país(11).

Ora, a prestação de declarações, nos termos previstos no art. 16º, e a elaboração e notificação do relatório dessas declarações, de acordo com o estatuído no art. 17º, ambos da Lei 27/2008 (os quais se destinam a transpor os arts. 12º n.º 1, al. b), 14º, 15º, 16º, 17º e 34º, da Directiva n.º 2013/32/UE), permitem assegurar o direito do requerente de protecção internacional de ser ouvido antes da tomada da decisão administrativa, atento o conteúdo dessa prestação de declarações, conforme supra explicitado [necessidade de ser dada ao requerente de protecção internacional a possibilidade de, da forma mais completa possível: pronunciar-se sobre a sua identificação, membros da sua família, história pessoal - incluindo dos membros da sua família -, nacionalidade(s), país(es) e local(ais) de residência anteriores, pedido(s) de protecção anterior(es) e, eventualmente, teor da decisão tomada, itinerários, documentos de viagem, motivos pelos quais solicita protecção internacional e possibilidade de protecção interna; explicar a eventual falta de elementos considerados pertinentes e/ou quaisquer incoerências ou contradições nas suas declarações; apresentar, sendo caso disso, justificação para o pedido não ter sido apresentado com a maior brevidade possível], e a possibilidade de apresentação de observações e/ou esclarecimentos ao relatório relativo a essas declarações.

Acresce que, conforme entendimento do TJUE, o direito de ser ouvido não pode ser interpretado no sentido de que a autoridade nacional tem a obrigação de, antes de adoptar a decisão, informar o interessado da decisão desfavorável que se propõe proferir e de lhe comunicar os argumentos com que pretende fundamentar tal decisão desfavorável, de maneira a permitir que o interessado apresente o seu ponto de vista a este respeito (12), nem a Directiva n.º 2013/32/UE prevê tal modalidade de contraditório.

Além disso, a posição ora adoptada no sentido de que na Lei 27/2008 a audição do requerente de protecção internacional, na fase de admissibilidade, é assegurada pela prestação de declarações (nos termos supra explicitados), complementada pela notificação ao requerente do relatório que contenha os elementos substantivos dessas declarações, a fim de o mesmo poder fazer observações e/ou prestar esclarecimentos, não se prevendo, nesta fase, a exigência de elaboração de um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e a sua notificação ao requerente, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, harmoniza-se com o disposto no art. 267º n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).

Com efeito, o direito de audiência prévia no procedimento administrativo só é considerado um direito fundamental nos processos de natureza sancionatória – cfr. arts. 32º n.º 10 e 269º n.º 3, ambos da CRP, nos quais se consagra o direito de audiência e defesa no âmbito do processo de contra-ordenação, do processo disciplinar e de quaisquer outros processos sancionatórios.

A participação procedimental prevista no art. 267º n.º 5, da CRP, é um princípio de organização e acção administrativa - e não um direito fundamental - concretizador da dimensão participativa do princípio democrático, pelo que o direito de audição no procedimento administrativo, não tendo assento constitucional - excepto quando estão em causa procedimentos sancionatórios, como acima referido -, necessita de concretização legislativa, sendo, aliás, compatível com uma pluralidade de concretizações(13).

Como a este propósito se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:

“Resulta, claramente, do referido preceito(14) que a Constituição não prevê a participação dos interessados, no procedimento administrativo, como uma garantia individual cuja concreta operacionalidade prático-jurídica, relativamente a determinado sujeito, derive, directa e imediatamente, da norma constitucional.

A Constituição limita-se a afirmar a existência da garantia como um instrumento jurídico-procedimental que o legislador especial deve prever, ou seja, como garantia dependente de intermediação e densificação legislativas.

(…)

O que vem de dizer-se não impede que, em certos casos, se reconheça ao direito de participação, sob a forma de direito de audição, uma natureza especial tal que demande que a sua violação seja sancionada com o estigma da nulidade própria da afectação do núcleo essencial dos direitos fundamentais (cf. art.º 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA).

Será o caso do direito de audiência e de defesa, nos procedimentos contra-ordenacionais e quaisquer processos sancionatórios (art.º 32.º, n.º 10, da CRP) e nos processos disciplinares (art.º 269.º, n.º 3, da CRP).

Mas, aqui, a configuração como verdadeiro direito subjectivo fundamental não se funda, directamente, no referido art.º 267.º, n.º 5, da Constituição, mas em outros preceitos constitucionais, prendendo-se, directamente, não com o interesse da comparticipação dos interessados na formação das decisões ou deliberações administrativas, no processamento da actividade administrativa, compaginante da melhor realização do interesse público e dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, mas com a fixação das condições, necessárias e indispensáveis, à garantia ou à realização “dos direitos fundamentais”, impondo-se, então, como um postulado da dignidade da pessoa humana ou por um direito fundamental material em que ela se concretize (cf. José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, pp. 197 e segs.).”.

Ora, a participação procedimental foi, desde logo, objecto de concretização legislativa na lei geral sobre o processamento da actividade administrativa - cfr. arts. 100º, 101º e 121º e ss., do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL 4/2015, de 7/1 (doravante CPA de 2015).

Como explica Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, 1996, pág. 532, “(…) o legislador pode conformar a participação dos interessados na preparação de decisões que lhes digam respeito com alguma latitude. No âmbito do CPA o princípio da participação concretiza-se preferencialmente na audiência dos interessados. Esta pode constituir um veículo de importantes direitos procedimentais, mas, em si mesma, não corresponde a um direito fundamental. Entre os direitos que a audiência dos interessados é destinada a assegurar, avulta o de estes serem ouvidos. Tanto a audiência dos interessados como o correspectivo direito de audição têm apenas assento legal”.

E conforme explicita Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 2016, 3ª Edição, págs. 296 a 298, “(…) já não parece, entretanto, que ao direito de audiência dos interessados, consagrado no artigo 121º do CPA como um direito de âmbito alargado a todos os procedimentos administrativos, deva ser reconhecida a natureza de direito fundamental, cuja preterição determine a nulidade do ato final. Este tem sido (…) o entendimento pacífico da jurisprudência.

É certo que o direito de audiência dos interessados é a mais significativa das concretizações do imperativo, que o artigo 267º, nº 5, da CRP impõe ao legislador ordinário, de regular o procedimento administrativo de modo a assegurar a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito. Afigura-se, no entanto, que o referido preceito diz, em primeira linha, respeito à estrutura organizatória da Administração, pelo que dele não decorre um direito à participação procedimental, e muito menos à audiência prévia, que seja imediatamente invocável pelos cidadãos interessados perante as autoridades administrativas e possa ser, por isso, judiciável. Na verdade, o direito de audiência é afirmado como um princípio geral do direito ordinário, que não deriva diretamente da CRP, mas apenas resulta da interpositio legislatoris, ou seja, da interpretação, por parte do legislador ordinário, dos dados e valores jurídico-constitucionais.

(…) O que não se afigura fundado é ver no genérico direito de audiência dos interessados, tal como ele resulta do artigo 121º do CPA, um direito fundamental formal ou procedimental. Só será, por isso, de entender que a preterição da audiência ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental material dos interessados nos procedimentos em que essa audiência deva ser considerada uma necessidade inelutável da proteção desse direito – como, aliás, se afigura que, em primeira linha, sucedeu, atendendo aos valores que nesse domínio estão em causa, precisamente no direito sancionatório, razão pela qual se foi, como foi referido, ao ponto de reconhecer, nesse domínio, o próprio direito de audiência e defesa como um direito fundamental a se, de natureza formal ou procedimental”.

A participação procedimental pode, no âmbito dos procedimentos administrativos especiais, ser objecto de uma concretização legislativa distinta da que foi feita no CPA de 2015, o que precisamente ocorre na fase de admissibilidade do pedido de protecção internacional, através dos arts. 16º e 17º, da Lei 27/2008, razão pela qual se considera que nesta fase de admissibilidade não há fundamento para a aplicação subsidiária do estatuído nos arts. 121º a 125º, ex vi art. 2º n.º 5, todos do CPA de 2015.

(…)

5. Procedimento de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de protecção internacional

(…)

A tramitação deste procedimento especial, o qual tem início a partir do momento em que o pedido de protecção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado-Membro (cfr. art. 20º n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013), encontra-se regulada em termos muito limitados nos citados arts. 36º a 40º, da Lei 27/2008, dado que os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida encontram-se estabelecidos no Regulamento (UE) n.º 604/2013.

A matéria relativa à audição prévia do interessado relativamente à decisão de transferência, proferida na sequência de uma decisão de aceitação de tomada ou retoma a cargo, encontra-se estabelecida no art. 5º, do referido Regulamento (UE) n.º 604/2013 [cfr. ainda art. 34º n.º 1, segundo parágrafo, da Directiva n.º 2013/32/UE, no qual se ressalva a aplicação deste art. 5.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013].

Neste art. 5º n.ºs 1, 3, 4 e 5 prevê-se a realização de uma entrevista pessoal, antes de ser adoptada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável, a fim de facilitar o processo de determinação desse Estado-Membro, em condições que garantam a respectiva confidencialidade e numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. No n.º 6 deste art. 5º estatui-se ainda a obrigação de elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, o qual pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo.

Quanto à realização desta entrevista pessoal deve-se ter também em atenção as seguintes exigências previstas na Directiva n.º 2013/32/EU(15):

- na entrevista pessoal o órgão de decisão deve assegurar que o requerente disponha da possibilidade de apresentar os elementos necessários da forma mais completa possível (cfr. o respectivo art. 16º);

- os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tem a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório (ou do formulário-tipo), no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado; para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório (ou do formulário-tipo), se necessário com a assistência de um intérprete; os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório (ou do formulário-tipo) reflecte correctamente a entrevista (cfr. o respectivo art. 17º n.º 3).

Assim sendo, e tendo ainda em conta nomeadamente o estatuído nos arts. 3º n.º 2, primeiro(16) e segundo parágrafos, e 8º a 17º, todos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, nessa entrevista pessoal deve ser dada a possibilidade ao requerente de protecção internacional de, da forma mais completa possível:

- se pronunciar sobre a sua identificação – maxime nome próprio e apelido, nacionalidade, actual e anterior, e data e local de nascimento -, membros da sua família, familiares e outos parentes, documentos de identidade e de viagem, títulos de residência ou vistos emitidos por um Estado-Membro, data de saída do país de origem, percurso efectuado desde o país de origem até Portugal, data de chegada a Portugal, se regressou ao seu país de origem, onde permaneceu nos últimos cinco meses anteriores ao pedido de protecção, data de apresentação de eventual(ais) pedido(s) de protecção internacional anterior(es), situação do processo e, eventualmente, teor da decisão tomada, se facultou as impressões digitais para registo e, em caso afirmativo, onde e seu estado de saúde;

- esclarecer as razões que militam contra a adopção de uma decisão de transferência para um determinado país, o qual deverá ser identificado pelo entrevistador(17), pois o requerente só pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a factualidade que justifica a eventual aplicação da excepção prevista no art. 3º n.º 2, segundo parágrafo(18), ou das cláusulas discricionárias, previstas no art. 17º, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, caso lhe seja dado a conhecer o concreto país para onde eventualmente pode ser transferido(19).

(…)

Face ao ora exposto afigura-se-nos que, de acordo com o regime previsto na Lei 27/2008, no Regulamento (UE) n.º 604/2013 e na Directiva n.º 2013/32/UE, a audição do requerente de protecção internacional neste procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional é assegurada pela realização de uma entrevista pessoal, nos termos acima explicitados, complementada pelo acesso do requerente ao relatório ou ao formulário-tipo que contenha as principais informações que facultou durante a entrevista, a fim de o mesmo poder fazer observações, prestar esclarecimentos e/ou confirmar o conteúdo desse relatório ou formulário-tipo, não se encontrando prevista nesses diplomas a exigência de, neste procedimento especial, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, sendo certo que a Directiva n.º 2013/32/UE permitia a adopção de disposição mais favorável (cfr. o seu considerando 14 e o respectivo art. 5º), isto é, permitia que a Lei 27/2008 previsse, neste procedimento especial, a obrigação de o SEF, antes da adopção da decisão de transferência, informar o requerente de protecção internacional do projecto de decisão, para efeitos de pronúncia, tendo o legislador nacional optado por não prever tal exigência(20).

Cumpre a este propósito salientar que este entendimento mostra-se conforme com o direito da União Europeia e harmoniza-se com o disposto no art. 267º n.º 5, da CRP, pelos motivos supra explanados no ponto 2 deste artigo, para onde se remete.

(…)

Para se determinar se o direito de audição do requerente de protecção internacional foi assegurado neste procedimento especial é essencial analisar, por um lado, a decisão tomada e os respectivos fundamentos, e, por outro lado, as concretas perguntas que foram feitas ao requerente aquando da realização da entrevista pessoal, se o mesmo foi convidado, durante essa entrevista, a acrescentar quaisquer outros comentários que considerasse pertinentes e ainda as eventuais observações e/ou esclarecimentos que tenha apresentado na sequência do acesso ao relatório ou formulário-tipo da entrevista.” (sublinhados nossos).

Retomando o caso vertente verifica-se que, nas declarações que prestou em 14.10.2019 - às quais se alude em 6., dos factos provados -, o autor pronunciou-se sobre as condições com que se deparou em Itália, concretamente nas respostas dadas às seguintes perguntas: “Qual o percurso efetuado desde o país de origem até chegar a Portugal?” e “Onde permaneceu nos últimos 5 meses anteriores ao pedido de proteção?”. Além disso, foi solicitado ao autor que indicasse as razões que militavam contra a sua transferência para Itália, tendo o mesmo respondido o seguinte: “Não quero voltar para lá, prefiro ficar cá, se for para lá agora posso morrer, na rua, não tenho sítio para ficar. Não me deixam ficar no campo. Não posso viver lá.”.

Dito por outras palavras, o autor foi confrontado com a possibilidade de vir a ser transferido para Itália e pronunciou-se sobre os motivos que militam contra essa transferência, razão pela qual se entende que foi assegurado o direito de audiência prévia, ou seja, deveria ser revogada a sentença recorrida na parte em que considerou que o acto impugnado violou o art. 17º n.º 2, da Lei do Asilo.

Concorda-se que o acto impugnado não violou o princípio do inquisitório, relativamente ao estatuído no art. 3º n.º 2, 2º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, tendo em conta:

- a jurisprudência do TJUE que resulta maxime do acórdão de 19.3.2019, proc. C-163/17;

- que das declarações que o autor prestou em 14.10.2019 resulta que o pedido de protecção internacional que formulou em Itália já foi objecto de decisão de indeferimento [não resultando claro se da mesma não foi interposto recurso contencioso ou se o mesmo chegou a ser interposto, tendo sido indeferido].

Com efeito, a retoma a cargo do autor pela Itália destinar-se-á, quando muito (na hipótese de não ter sido interposto recurso contencioso da decisão de indeferimento), a assegurar que aquele teve a oportunidade de se valer de recurso efectivo (cfr. art. 18º n.º 2, 3º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013), o que se antevê algo rápido, assim implicando que o autor não correrá o risco de sofrer tratamento desumano ou degradante se for transferido para Itália [além de que, embora o autor tenha relatado dificuldades enquanto viveu em Itália, a verdade é que aí permaneceu pelo menos durante 4 anos e sempre terá tido dinheiro designadamente para pagar por diversas vezes a advogado e para viajar de avião para Portugal (além de ter estado em vários locais em Itália – maxime Veneza, Crotone, Rosarno, Roma e Milão)].

Catarina Jarmela


*

PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO

(vencida parcialmente conforme declaração que segue)


            Concordamos com o sentido da decisão final contida no dispositivo do Acórdão, mas discordamos da fundamentação que a estriba.

Com efeito, o Acórdão exara, a final, “Nestes termos e ao abrigo do artigo 202.º da Constituição e do artigo 1.º, nº 1, do EMJ (ex vi artigo 57.º do ETAF), os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso nos termos supra enunciados, confirmando a sentença apenas na parte relativa à violação do nº 2 do artigo 17º da Lei do Asilo, de modo que o SEF deve retomar o procedimento administrativo no momento a que se refere o cit. nº 2 do artigo 17º.”

Ora, em primeiro lugar, esclareça-se que a nossa discordância refere-se, essencialmente, à improcedência da questão atinente à violação do art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (apenas Regulamento Dublin doravante).

No que tange à violação do direito de audiência prévia que foi implicitamente reconhecido na sentença recorrida- ainda que não explicitamente reconduzido ao dispositivo da mesma-, assentimos na ocorrência de tal afronta, ainda que por fundamentos diversos.

Por fim, no que concerne ao deficit instrutório, entendemos que tal questão encontra-se prejudicada pela solução que gizamos para as duas outras questões antecedentes.

Expliquemos melhor.

I) No que concerne à audiência prévia, está vertido na fundamentação do acórdão que agora se vota que “consultada a matéria de facto provada, incluindo o conteúdo das declarações que foram prestadas pelo aí requerente - no âmbito do artigo 16º da Lei do Asilo - e do relatório que foi elaborado pelos serviços do SEF - no âmbito do artigo 17º da Lei do Asilo -, impõe-se concluir que ele não foi confrontado com a possibilidade de vir a ser transferido para Itália e que não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar sobre a mesma em 5 dias.

Foi, pois, violado o direito de audiência prévia nos termos em que ele está configurado no nº 2 do cit. artigo 17º, causa de anulabilidade do ato administrativo impugnado (cf. artigo 163º/1 do Código do Procedimento Administrativo).”

Desde já se adianta não ser de acompanhar esta visão plasmada no acórdão, visto que, em nosso entendimento, o exercício do direito de audiência prévia previsto no art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho (doravante, Regulamento Dublin), não impõe a realização daquela formalidade intercalar específica, isto é, não obriga a que o relatório ou resumo da entrevista seja notificada ao requerente antes de ser emitida a decisão final deste procedimento especial, nos termos do art.º 17.º da Lei do Asilo, assim como não impõe que ao requerente deva ser notificado o projeto de decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional e subsequente transferência para o Estado responsável, por forma a que possa emitir a sua pronúncia.

Na verdade, sufragamos o entendimento de que, no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável ao abrigo do Regulamento Dublin, o direito de audiência prévia do requerente de asilo pode ser exercido durante a entrevista pessoal a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, ou no final da mesma entrevista, contanto que ao requerente seja prestado todo o manancial informativo descrito no art.º 4.º do aludido Regulamento, e lhe seja dada a oportunidade de apresentar cabalmente todos os seus argumentos, razões e factos, mormente no caso de uma provável transferência para outro Estado.

Como bem explica CATARINA JARMELA (Audiência prévia nos procedimentos de protecção internacional, in Julgar, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º semestre 2019, número 1, junho de 2019, pp. 307 a 311), “neste art. 5.º n.ºs 1, 3, 4 e 5 prevê-se a realização de uma entrevista pessoal, antes de ser adoptada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado-Membro responsável, a fim de facilitar o processo de determinação desse Estado-Membro, em condições que garantam a respectiva confidencialidade e numa língua que o requerente compreenda ou que possa razoavelmente presumir-se que compreenda, e na qual esteja em condições de comunicar. No n.º 6 deste art. 5.º estatui-se ainda a obrigação de elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, o qual pode ser feito sob a forma de um relatório ou através de um formulário-tipo.

Quanto à realização desta entrevista pessoal deve-se ter também em atenção as seguintes exigências previstas na Directiva n.º 2013/32/UE17:

- na entrevista pessoal o órgão de decisão deve assegurar que o requerente disponha da possibilidade de apresentar os elementos necessários da forma mais completa possível (cfr. o respectivo art. 16.º);

- os Estados-Membros devem assegurar que, antes de o órgão de decisão tomar uma decisão, o requerente tem a oportunidade de fazer observações e/ou prestar esclarecimentos oralmente e/ou por escrito relativamente a eventuais erros de tradução ou de compreensão constantes do relatório (ou do formulário-tipo), no final da entrevista pessoal ou dentro do prazo fixado; para esse efeito, os Estados-Membros devem assegurar que o requerente seja plenamente informado do conteúdo do relatório (ou do formulário--tipo), se necessário com a assistência de um intérprete; os Estados-Membros solicitam ao requerente que confirme que o conteúdo do relatório (ou do formulário-tipo) reflecte correctamente a entrevista (cfr. o respectivo art. 17.º n.º 3).

Assim sendo, e tendo ainda em conta nomeadamente o estatuído nos arts. 3,º n.º 2, primeiro18 e segundo parágrafos, e 8.º a 17,º, todos do Regulamento (UE) n,º 604/2013, nessa entrevista pessoal deve ser dada a possibilidade ao requerente de protecção internacional de, da forma mais completa possível:

- se pronunciar sobre a sua identificação- maxime nome próprio e apelido, nacionalidade, actual e anterior, e data e local de nascimento-, membros da sua família, familiares e outos parentes, documentos de identidade e de viagem, títulos de residência ou vistos emitidos por um Estado-Membro, data de saída do país de origem, percurso efectuado desde o país de origem até Portugal, data de chegada a Portugal, se regressou ao seu país de origem, onde permaneceu nos últimos cinco meses anteriores ao pedido de protecção, data de apresentação de eventual(ais) pedido(s) de protecção internacional anterior(es), situação do processo e, eventualmente, teor da decisão, tomada, se facultou as impressões digitais para registo e, em caso afirmativo, onde e seu estado de saúde;

- esclarecer as razões que militam contra a adopção de uma decisão de transferência para um determinado país, o qual deverá ser identificado pelo entrevistador, pois o requerente só pode dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a factualidade que justifica a eventual apIicação da excepção prevista no art. 3.º n.º 2, segundo parágrafo, ou das cláusulas discricionárias, previstas no art, 17.º, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, caso lhe seja dado a conhecer o concreto país para onde eventualmente pode ser transferido.

(…)

Por conseguinte, defende a articulista que “a audição do requerente de protecção internacional neste procedimento especial de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional é assegurada pela realização de uma entrevista pessoal, nos termos acima explicitados, complementada pelo acesso do requerente ao relatório ou ao formulário-tipo que contenha as principais informações que facultou durante a entrevista, a fim de o mesmo poder fazer observações, prestar esclarecimentos e/ou confirmar o conteúdo desse relatório ou formulário-tipo, não se encontrando prevista nesses diplomas a exigência de, neste procedimento especial, ser elaborado um documento que contenha o sentido provável da decisão e respectivos fundamentos e da sua notificação ao requerente de protecção internacional, a fim de se pronunciar sobre tal projecto de decisão, sendo certo que a Directiva n.º 2013/32/UE permitia a adopção de disposição mais favorável (cfr. o seu considerando 14 e o respectivo art. 5.º), isto é, permitia que a Lei 27/2008 previsse, neste procedimento especial, a obrigação de o SEF, antes da adopção da decisão de transferência, informar o requerente de protecção internacional do projecto de decisão, para efeitos de pronúncia, tendo o legislador nacional optado por não prever tal exigência.

Cumpre a este propósito salientar que este entendimento mostra-se conforme com o direito da União Europeia e harmoniza-se com o disposto no art. 267.º n.º 5, da CRP, pelos motivos supra explanados no ponto 2 deste artigo, para onde se remete.”

Sendo assim, “para se determinar se o direito de audição do requerente de protecção internacional foi assegurado neste procedimento especial é essencial analisar, por um lado, a decisão tomada e os respectivos fundamentos, e, por outro lado, as concretas perguntas que foram feitas ao requerente aquando da realização da entrevista pessoal, se o mesmo foi convidado, durante essa entrevista, a acrescentar quaisquer outros comentários que considerasse pertinentes e ainda as eventuais observações e/ou esclarecimentos que tenha apresentado na sequência do acesso ao relatório ou formulário-tipo da entrevista.

Caso se venha a apurar que nessas declarações, observações e/ou esclarecimentos o requerente de protecção internacional não teve a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre algum(uns) dos eIementos com base nos quais a Administração tomou a decisão, ter-se-á de concluir no sentido da violação do direito de audição.”

Acrescente-se que esta visão e interpretação do art.º 5.º, n.º 6 do Regulamento Dublin foi já acolhida por este Tribunal de Apelação, designadamente, nos Acórdãos proferidos em 30/01/2020 nos processos n.º 1322/19.2BELSB, 1419/19.9BELSB e 1088/19.6BELSB, em 27/02/2020 no processo n.º 1300/19.1BELSB e em 16/04/2020 no processo 1932/19.8BELSB.

Sendo assim, em em face do que se expendeu, não se descortina a necessidade imperativa de procedimentalizar, em fase individualizada e própria, o direito de audiência prévia no caso do procedimento para determinação do Estado responsável e nos termos em que está conformado tal direito no Regulamento Dublin, art.º 5.º, n.º 6.

Evidentemente que, com esta afirmação, não se pretende retirar o carácter de fundamentalidade ao exercício do direito de audiência prévia, diminuindo, porventura, a tónica garantística que deve ser concedida ao procedimento administrativo em causa.

O que antes- e apenas- pretende afirmar-se é que o exercício do direito de audiência prévia por banda do requerente de asilo pode suceder, no caso do disposto no art.º 5.º, n.º 6 do dito Regulamento, em sede da entrevista pessoal no caso desta preceder a prolação da decisão de inadmissibilidade e de transferência.

No entanto, o facto de ocorrer um “aligeiramento” do rigor da forma como pode ser realizado o direito de audiência não pode, de modo algum, acarretar um “aligeiramento” da substância do exercício daquele direito, ou seja, não pode ser afetado ou atingido o núcleo daquela garantia procedimental.

Sendo assim, entendendo-se que o direito de audiência prévia pode ser exercitado em sede da entrevista pessoal descrita no art.º 5.º, n.º 1 do Regulamento, deve igualmente entender-se que o direito de audiência prévia queda aniquilado no caso de o seu exercício por banda do requerente de proteção internacional ser, algum modo, desadequado, incompleto ou insuficiente. Na verdade, e em bom rigor, o que acontece é que o aludido “aligeiramento” da forma através da qual é exercido o direito de audiência reclama, por contraposição, um maior grau de exigência no controlo concreto do conteúdo do exercício de tal direito, bem como uma elevação da exigência do controlo jurisdicional exercido. Principalmente, no caso de o requerente não estar acompanhado de advogado, ou jurista que o aconselhe, como sucedeu no caso versado.

Como explicitou o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão proferido pela Grande Secção em 07/06/2016, caso C-63/15, “o artigo 5.°, n.os 1, 3 e 6, deste regulamento [Regulamento n.º 604/2013] prevê que o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável realiza, em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência, uma entrevista individual com o requerente de asilo, devendo ser assegurado o acesso ao resumo dessa entrevista ao requerente ou ao conselheiro que o represente. Em aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do referido regulamento, esta entrevista pode ser dispensada quando o requerente já tiver prestado as informações necessárias para a determinação do Estado‑Membro responsável e, nesse caso, o Estado‑Membro em causa deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado‑Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência”.

A propósito também do exercício do direito de audiência no âmbito dos procedimentos atinentes ao asilo é também de convocar o Acórdão prolatado pela mesma Alta Instância Europeia em 05/11/2014, caso C-166/13, em que o Tribunal afirma:

“(…) Em contrapartida, esse direito [o direito de audiência prévia] é parte integrante do respeito dos direitos de defesa, princípio geral do direito da União.

O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., nomeadamente, acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 87 e jurisprudência referida).

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a regra segundo a qual deve ser dada ao destinatário de uma decisão lesiva dos seus interesses a possibilidade de apresentar as suas observações antes de a mesma ser tomada destina‑se a permitir que a autoridade competente tenha utilmente em conta todos os elementos pertinentes. A fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, essa regra tem, designadamente, por objetivo permitir que esta pessoa possa corrigir um erro ou invoque determinados elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de a decisão ser tomada, não ser tomada ou ter determinado conteúdo (v., neste sentido, acórdão Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 49).

O referido direito implica igualmente que a Administração preste toda a atenção necessária às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto e fundamentando a sua decisão de forma circunstanciada (v. acórdãos Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.° 14, e Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 50), constituindo, assim, o dever de fundamentar uma decisão de forma suficientemente específica e concreta para permitir que o interessado possa compreender as razões da recusa oposta ao seu pedido o corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa (acórdão M., EU:C:2012:744, n.° 88).

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do referido direito impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade (v. acórdãos Sopropé, EU:C:2008:746, n.° 38; M., EU:C:2012:744, n.° 86; e G. e R., EU:C:2013:533, n.° 32).

A obrigação de respeitar os direitos de defesa dos destinatários de decisões que afetam sensivelmente os seus interesses incumbe, assim, em princípio, às Administrações dos Estados‑Membros, sempre que estas tomem medidas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (acórdão G. e R., EU:C:2013:533, n.° 35).”

Explanados estes considerandos, importa reverter ao caso sob escrutínio, por forma a indagar se o Recorrido exerceu, ou não, o respetivo direito à audiência prévia no decurso, ou no final, da entrevista pessoal realizada em 14/10/2019.

Compulsada o resumo realizado quanto às questões colocadas ao Recorrido e respetivas respostas, verifica-se que, aparentemente, foi dado nota ao Recorrido da possibilidade de aplicação do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, bem como de que tal Estado seria, possivelmente, a Itália. Na verdade, esta conclusão fundamenta-se no teor das declarações finais do Recorrido na entrevista, que disse, além do mais, “não quero voltar para lá, prefiro ficar cá, se for para lá agora posso morrer, na rua, não tenho sítio para ficar. Não me deixam ficar no campo. Não posso viver lá.”

            Todavia, mesmo que ao Recorrido tenha sido, aparentemente, fornecida a informação de que o Estado responsável pela apreciação do seu pedido de asilo seja a Itália, a verdade é que não lhe foi dada oportunidade de indicar de modo completo, cabal, circunstanciado e suficiente todas as razões e motivos relevantes que pudessem obstaculizar a uma possível ou provável transferência para aquele país.

            É que, examinado integralmente o teor da entrevista realizada ao Recorrido, verifica-se que este, além de ter afirmado não querer regressar a Itália, indicou- quanto ao período em que permaneceu em Itália- que “(...) vivia em Cretone, onde tinha pedido asilo em 2013. Vivia na rua, em casas de plástico, perto da estação de comboios. Era ajudado pela Cáritas, que nos dava comida. Depois disso fui ver se conseguia ficar no campo de San Ferdinando em Rosarno, na Calábria, onde tinha estado a viver em 2016. (…) Mas agora tinham limites, só podia entrar quem tivesse o cartão que eles davam. Eu não tinha, estive lá 2 dias, saltei a cerca e vim para cá (…)”. Todavia, nada mais lhe foi perguntado no que concerne às vicissitudes relatadas. E, no caso versado, impunha-se esclarecer de modo mais aprofundado as circunstâncias referenciadas pelo Recorrido, indiciadoras da sonegação de alojamento e alimentação por banda das autoridades italianas.

            Em concomitância, importa salientar que o direito europeu consagra, em matéria de asilo, a garantia a um procedimento justo, que inclui o direito a uma análise individualizada e atualizada do pedido de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013. Aliás, tal direito a um procedimento justo constitui uma garantia de efetivação do direito de asilo, encarado este como um direito fundamental internacional ao acolhimento, titulado por todos os que reúnam determinadas condições (neste sentido, ANDREIA SOFIA PINTO OLIVEIRA, A Recusa de Pedidos de Asilo por “Inadmissibilidade”; in Estudos em Comemoração do 10.º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, janeiro, 2004. Almedina, p.83;  ANA RITA GIL, A crise migratória de 2015 e os direitos humanos das pessoas carecidas de proteção internacional: o direito europeu posto à prova, In Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos (1 ed., Vol. I, pp. 955-983). Coimbra, 2016, Almedina; A Garantia de um Procedimento Justo no Direito Europeu de Asilo, In O Contencioso do Direito de Asilo e Proteção Subsidiária (pp. 165-197). (Coleção Formação Inicial). Lisboa, 2016, Centro de Estudos Judiciários).

            Ora, a ausência de procedimento justo e individualizado para efeitos de concessão de asilo, ou o impedimento de acesso ao mesmo, pode constituir infração ao art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ou ao art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, conduzindo à anulação da decisão de transferência de um requerente de asilo no domínio do Regulamento Dublin, como aliás foi já firmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09.

            Por seu turno, o Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, trilhou o mesmo percurso no Acórdão proferido pela Grande Secção em 21/12/2011, nos processos apensos C-411/10 e C-493/10, N.S. vs Secretary of State for the Home Department, interpretando os normativos referentes ao sistema Dublin (no caso, Dublin II) do seguinte modo:

“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
1) A decisão adoptada por um Estado‑Membro, com fundamento no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 343/2003 do Conselho, de 18 de Fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro, de examinar ou não um pedido de asilo pelo qual não é responsável, à luz dos critérios previstos no capítulo III deste regulamento, desencadeia a aplicação do direito da União para efeitos do artigo 6.° TUE e/ou do artigo 51.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
2) O direito da União opõe‑se à aplicação de uma presunção inilidível segundo a qual o Estado‑Membro designado como responsável pelo artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 343/2003 respeita os direitos fundamentais da União Europeia.

O artigo 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que incumbe aos Estados‑Membros, incluindo os órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o «Estado‑Membro responsável», na acepção do Regulamento n.° 343/2003, quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado‑Membro constituem razões sérias e verosímeis de que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção desta disposição.

Sem prejuízo da faculdade de examinar ele próprio o pedido referido no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003, a impossibilidade de transferência de um requerente para outro Estado‑Membro da União Europeia, quando esse Estado é identificado como Estado‑Membro responsável em conformidade com os critérios do capítulo III deste regulamento, exige que o Estado‑Membro que deveria efectuar esta transferência prossiga o exame dos critérios do referido capítulo, para verificar se um dos restantes critérios permite identificar outro Estado‑Membro como responsável pelo exame do pedido de asilo.

Contudo, o Estado‑Membro em que se encontra o requerente de asilo deve assegurar que a situação de violação dos direitos fundamentais deste requerente não seja agravada por um procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável excessivamente longo. Se necessário, deve examinar ele próprio o pedido, em conformidade com as modalidades previstas no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 343/2003.
3) Os artigos 1.°, 18.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não conduzem a uma resposta diferente.

(…)”.

            Acresce que, subsiste no Direito da União Europeia um princípio de non-refoulement, derivado do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que constitui uma barreira de absoluta intransponibilidade, e da qual resulta a proibição de transferência de qualquer pessoa para outro Estado se essa transferência acarreta o risco de tortura, ou de tratamento humano ou degradante.

            Este princípio tem sido afirmado desde há muito, tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia reiterado o sobredito valor principiológico no Acórdão proferido em 16/02/2017 no processo C-578/16 PPU, C.K. vs Republika Slovenija, e explicitado que deve admitir-se outras circunstâncias fundamentadoras de uma proibição de transferência de um requerente de asilo para o Estado responsável para além das falhas sistémicas que neste Estado possam existir:

            “(…)

Neste contexto, carece de fundamento o argumento da Comissão segundo o qual decorre do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que apenas a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável seria suscetível de afetar a obrigação de transferência de um requerente de asilo para esse Estado‑Membro.

Com efeito, nada na redação desta disposição indica que a intenção do legislador da União tenha sido a de regular outra circunstância que não seja a das falhas sistémicas que impedem a transferência do requerente de asilo para um Estado‑Membro determinado. Por conseguinte, a referida disposição não pode ser interpretada no sentido de que exclui que considerações associadas aos riscos reais e comprovados de tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta, possam, em situações excecionais como as descritas no presente acórdão, ter consequências na transferência de um requerente de asilo em especial.

Além disso, tal leitura do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III seria, por um lado, incompatível com o caráter geral do artigo 4.o da Carta, que proíbe os tratos desumanos ou degradantes sob todas as suas formas. Por outro lado, seria manifestamente incompatível com o caráter absoluto dessa proibição que os Estados‑Membros pudessem ignorar um risco real e comprovado de tratos desumanos ou degradantes que afetem um requerente de asilo sob pretexto de que esse risco não resulta de uma falha sistémica no Estado‑Membro responsável.

Do mesmo modo, a interpretação do artigo 4.o da Carta constante do presente acórdão não é infirmada pelo acórdão de 10 de dezembro de 2013, Abdullahi (C‑394/12, EU:C:2013:813, n.o 60), no qual o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no que se refere ao Regulamento Dublim II, que, em circunstâncias como as do processo que deu origem a esse acórdão, um requerente de asilo só pode pôr em causa a sua transferência se invocar a existência de falhas sistémicas no Estado‑Membro responsável. Com efeito, para além do Tribunal de Justiça ter declarado, como recordado no n.o 62 do presente acórdão, que, no que se refere aos direitos conferidos aos requerentes de asilo, o Regulamento Dublim III difere, em aspetos essenciais, do Regulamento Dublim II, há que recordar que o referido acórdão foi proferido num processo que envolvia um nacional que não invocou no Tribunal de Justiça nenhuma circunstância especial suscetível de indicar que a sua transferência seria, em si, contrária ao artigo 4.o da Carta. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça mais não fez do que recordar o seu anterior acórdão de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865), relativo à impossibilidade de proceder a qualquer transferência de requerentes de asilo para um Estado‑Membro cujo processo de asilo ou condições de acolhimento conhecem falhas sistémicas.

Por último, a referida interpretação respeita plenamente o princípio da confiança mútua uma vez que, longe de afetar a existência de uma presunção de respeito dos direitos fundamentais em cada Estado‑Membro, garante que as situações excecionais descritas no presente acórdão são devidamente tidas em conta pelos Estados‑Membros. De resto, se um Estado‑Membro procedesse à transferência de um requerente de asilo em tais situações, o trato desumano e degradante que daí resultaria não seria imputável, direta ou indiretamente, às autoridades do Estado‑Membro responsável, mas unicamente ao primeiro Estado‑Membro. (…).”

            Nesta senda, o risco de violação do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser avaliado de modo completo e individual, abarcando não só o risco de devolução direta ou de devolução em cadeia (ou indireta), como o próprio risco da transferência em si mesma, em concordância com a Jurisprudência cristalizada no Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão promanado em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, queixa n.º 30696/09, bem como no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia promanado em 16/02/2017 e citado imediatamente supra.        

            Esta visão é partilhada, entre nós, por A. SOFIA PINTO OLIVEIRA (Direito de Asilo, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume VII, coord. Paulo Otero e Pedro Gonçalves, abril, 2017, Almedina, pp. 5 a 131), que salienta, neste ensejo, o Acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 07/03/2000, TI vs Reino Unido, como tendo sido o primeiro em que aquela Instância afirmou que “a aplicação dos critérios de Dublin não dispensa os Estados de verificarem se a transferência dos requerentes pode ou não iniciar uma cadeia de transferências dos requerentes que venha no final a resultar numa violação dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que os Estados tinham o dever de  proteger.”

            Ressalte-se, a este propósito, que o sistema Dublin tem sido alvo de ferozes ataques, quer de índole política, quer de natureza jurídica, quer por introduzir desequilíbrios óbvios entre os Estados-Membros no que se refere à organização e gestão do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), quer por dar azo a procedimentos muitas vezes mais complexos e morosos do que aqueles que se destinam a indagar dos requisitos para a concessão de asilo, para além das constatadas divergências de interpretação e aplicação do sistema Dublin por banda dos Estados-Membros(21).

            Seja como for, a consideração do princípio de non refoulement e a respetiva importância para o sistema Dublin está já estabelecida pela Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, especificamente, nos Acórdãos promanados em 21/01/2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e em 04/11/2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12.

Referindo- se aos mencionados Acórdãos, PATRÍCIA CABRAL (Construção de uma Responsabilidade Europeia Além-Fronteiras, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, julho de 2015, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt., pp. 36 e 37) explica: “(…) No primeiro, o TEDH construiu o princípio segundo o qual perante a existência de falhas sistémicas que apresentem um risco de violação do artigo 3.º no Estado que seria responsável pela análise de um pedido de asilo, o Estado-Membro onde o requerente se encontra fica impedido de o transferir para esse país. (…) Por fim no julgamento Tarakhel o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem veio reforçar que esta proteção não se limita a situações de falhas sistémicas, sendo refutada a presunção de cumprimento do artigo 3.º da CEDH sempre que existam razões sérias para crer que a pessoa enfrentaria um risco de tratamento contrário a esta mesma norma.

Os Estados-Membros encontram-se efetivamente adstritos ao nível de proteção mais elevado concedido por decisões como Tarakhel e M.S.S., incorrendo em responsabilidade internacional sempre que tomarem uma posição restritiva que reduza os direitos fundamentais do requerente. Por parte dos tribunais nacionais, estes deverão sempre optar pela mais ampla proteção conferida pelos instrumentos supranacionais, como principais responsáveis pela aplicação do direito da União e sob pena de violar as suas obrigações internacionais, sujeitando-se aos mecanismos de responsabilidade implementados.

Ora da perspetiva do Tribunal de Justiça, o artigo 3.º da CEDH e o artigo 4.º da CDFUE são correspondentes, de tal forma que contêm um texto idêntico. Seguindo a interpretação exigida pelo artigo 6.º do TUE e pelos artigos 52.º e 53.º da CDFUE, o tribunal do Luxemburgo não pode descurar a interpretação que tem sido tomada e crescentemente consolidada por Estrasburgo e encontra-se igualmente obrigado a conferir a mais ampla das proteções concedidas pelo direito da União ou pela CEDH. A posição defendida em Tarakhel permite a extensão da suspensão de transferências a mais situações além daquelas em que sejam provadas falhas sistémicas, bastando a existência de um risco real para o requerente no caso concreto. Abre ainda caminho para que seja dada relevância a outros direitos fundamentais além da proibição de pena ou tratamentos desumanos ou degradantes, não sendo o artigo 3.º da CEDH o único invocável para efeitos de suspensão de transferência. (…)”

            Destarte, sopesando os subsídios doutrinais e jurisprudenciais espraiados, e examinando uma vez mais as declarações do Recorrido emitidas na entrevista pessoal, resulta forçosa a conclusão de que as declarações prestadas pelo Recorrido apresentam-se como insatisfatórias. Em boa verdade, o que sucedeu é que o Recorrente não possibilitou ao Recorrido, sequer, a apresentação do acervo de razões e factos potencialmente obstaculizantes à emissão da decisão de transferência, demitindo-se também da realização de qualquer diligência instrutória apta a confirmar ou infirmar o teor do declarado pelo Recorrido no que concerne às alegações de sonegação de alimentação e de alojamento.

            Neste contexto, valorizando a insuficiência e incompletude do exercício do direito de audiência prévia do Recorrido, impera concluir que tal direito foi, afinal, coartado pelo Recorrente, atendendo ao modo como auscultou o Recorrido e à absoluta passividade e indiferença com que encarou e tratou as breves declarações daquele.

            O que quer dizer que, por ter sido exercido de modo deficiente em virtude da concreta atuação do Recorrente, deve concluir-se pela violação do direito de audiência prévia do Recorrido, violação esta que inquina as decisões de inadmissibilidade e transferência de ilegalidade.

            II) No acórdão agora em apreço afirma-se, entre o mais, o seguinte:

            “(…)

Portanto, as circunstâncias excecionais em que um Estado-Membro deverá apurar se existem aqueles motivos válidos para crer que há falhas sistémicas que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, a propósito de outro Estado-Membro são as seguintes: existência (i) de factos notórios (como definidos no Código de Processo Civil) ou (ii) de alegação fáctica indiciária minimamente densificada (iii) no sentido de o outro Estado-Membro ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência, (iv) mesmo quando não comparada com Portugal.

É que, devemos repetir que:

(1º) não houve qualquer alegação fáctica indiciária minimamente densificada, nem há qualquer facto provado no sentido de que, recente ou atualmente, em Itália, ocorre, quando comparada ou não com o nosso país, uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência;

É certo que (2º) não podemos elencar, porque não existem, quaisquer factos notórios atuais ou recentes que conduzam à conclusão de Itália ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência (cf. artigo 412º/1 do Código de Processo Civil).

Pelo que, neste caso concreto, sem factos clamando por atuação proativa ou oficiosa de Portugal, sem a cit. alegação fáctica indiciária minimamente densificada no sentido de Itália, apesar de ser um rico Estado democrático de Direito, ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência, mesmo quando não comparada com Portugal, devemos concluir que o tema especial do artigo 3º/2 cit. e do artigo 4º da CDFUE não era uma questão a suscitar oficiosamente pelo SEF.

(…)”.

Perscrutado o raciocínio exposto, importa explicar as razões pelas quais, em nosso entendimento, tal raciocínio não é correto.

A primeira questão que se coloca é a que se refere à “existência (i) de factos notórios (como definidos no Código de Processo Civil) ou (ii) de alegação fáctica indiciária minimamente densificada”.

Importa notar que, na petição inicial, o Recorrido vem peticionar a anulação da decisão proferida pelo Recorrente, de inadmissibilidade do seu pedido de proteção internacional e transferência para Itália, bem como a sua substituição por outra que permita a análise do pedido de proteção internacional.

Para tanto, o Recorrido convoca a existência de deficiências graves no sistema de asilo italiano, quer quanto ao procedimento, quer quanto às condições de acolhimento (pontos 4.º, 5.º e 6.º da petição inicial), indica e cita algumas fontes públicas indicativas das aludidas falhas e, finalmente, invoca expressamente que tais falhas violam o princípio da não repulsão, nos termos e de acordo com o art.º 33.º da Convenção de Genebra, art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e art.ºs 1.º, 3.º, 18.º e 19.º, n.º 2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Ora, como se pode constatar, na sentença recorrida não foi analisada a questão efetivamente colocada pelo Recorrido e que é a da violação daqueles preceitos elencados. Ao invés, a sentença recorrida realizou um percurso desviante e, em bom rigor, afastado do verdadeiro objeto deste processo. Por seu turno, o presente acórdão perseguiu o mesmo trilho, sendo certo que, em nosso entender, não enfrenta a questão a que verdadeiramente se reconduz o presente litígio.

Realizado este esclarecimento, e regressando ao tema da necessidade/ónus de alegação, diga-se que tal ónus encontra-se, a nosso ver, satisfatoriamente cumprido. E por duas razões.

Primo, porque o Recorrido, ainda em sede do procedimento administrativo e durante a entrevista, indicou claramente que em Itália, e durante um largo período de tempo, não obteve alojamento, alimentação ou qualquer outro apoio da República Italiana.

Secundo, porque no domínio da presente ação, o Recorrido formulou muito adequadamente a existência de falhas sistémicas no sistema italiano de asilo, indicando, aliás, fontes informativas públicas.

Por conseguinte, não se pode acompanhar o acórdão na afirmação de que foi incumprido um ónus alegatório.

Adicionalmente, o acórdão perpassa a perceção de que os factos atinentes às falhas sistémicas devem ser notórios, nos termos previstos no Código de Processo Civil.

Também dissentimos quanto a esta visão. E por três razões.

A primeira, porque a aplicação do Direito da União Europeia- como é o caso do Regulamento Dublin ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia- submete-se a regras e metodologias próprias do Direito Europeu, que, sendo caso disso, afastam a aplicação do direito nacional em concretização do princípio da efetividade do direito da União Europeia. Um dos corolários deste pilar axiológico fundamental é, precisamente, a desnecessidade de invocação do direito europeu por banda das partes processuais, sucedendo que os tribunais dos Estados-membros encontram-se vinculados à aplicação do direito europeu, ainda que o mesmo não tenha sido explicitamente trazido para o litígio pelas correspetivas partes.

A segunda, porque em matéria de aplicação de direito europeu e internacional- como é claramente a matéria de asilo- a cúpula da hierarquia judicial é constituída pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo que a jurisprudência editada por estas altas Instâncias vincula todos os tribunais nacionais, nomeadamente, e no caso de português, o Supremo Tribunal Administrativo, bem como este Tribunal de Apelação.

A terceira razão, porque a questão da eventual violação dos art.ºs 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é, conforme manda a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, de conhecimento oficioso,  não só por banda das autoridades administrativas dos Estados-membros, mas principalmente por banda dos Tribunais, concordantemente com o previsto no art.º 27.º do Regulamente Dublin, interpretado em harmonia com o art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, como aliás prescreve o considerando 39) do Regulamento Dublin (ver acórdãos do TJUE de 28/07/2011, Brahim Samba Diouf vs Ministre du Travail, de L’Emploi et de L’Immigration, processo C-69/10; de 16/02/2017, C.K. and Others vs Republika Slovenija, processo C-578/16 PPU), assim como de harmonia com o art.º 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (ver acórdãos do TEDH de 11/01/2007, Salah Sheekh vs Holanda, Queixa n.º 1948/04; 17/07/2008, NA vs Reino Unido, Queixa n.º 25904/07; 22/09/2009, Abdolkhani e Karimnia vs Turquia, Queixa n.º 30471/08; e 23/03/2016, Fg vs Suécia, Queixa n.º 43611/11).

De todo o modo, relembre-se que a Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que o acórdão agora visado cita não refere a necessidade da existência de “factos notórios”, antes estabelecendo que, “por força do artigo 4.º da Carta, incumbe aos Estados-Membros, incluindo aos órgãos jurisdicionais nacionais, não transferir um requerente de asilo para o Estado-Membro responsável (…), quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse Estado-Membro constituem motivos sérios e comprovados para crer que o requerente corre um risco real de ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção desta disposição (…)(Acórdão proferido em 19/03/2019 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-163/17- Jawo vs República Federal da Alemanha).

As Altas Instâncias europeias já tiveram também o ensejo de densificar e concretizar algumas das situações em que os Estados-Membros não podem alegar desconhecimento das aludidas falhas sistémicas, designadamente, quando participam em reuniões, fóruns de debate, grupos de trabalho, principalmente no seio das instituições europeias, ou quando um número significativo de instituições internacionais, públicas ou privadas, disponibilizam informação e dados objetivos credíveis e unânimes quanto ao sistema de asilo em determinado Estado-Membro.

E, derradeiramente, a existência de sinais ou indícios de falhas sistémicas no sistema de acolhimento de refugiados por banda de um Estado-membro também não carece, em nosso entendimento, de ser alegada pelo requerente de asilo, até porque não é de supor- e muito menos assumir- que o requerente tenha conhecimento das notícias veiculadas pelos órgãos de informação internacionais, ou das informações constantes dos relatórios das organizações e instituições internacionais. A nosso ver, a exigência de alegação prende-se, somente, com as circunstâncias pessoais do requerente de asilo, especialmente as que se referem a condições de vulnerabilidade, mormente através da invocação das suas vivências pessoais ou de circunstâncias relevantes que tenha presenciado ou de que tenha conhecimento, e que possam ser valorizadas em sede de escrutínio da previsão normativa inserta no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, de 26/06/2013, do Parlamento e do Conselho Europeu. Assinale-se que, em acolhimento desta visão, foram já proferidos por este mesmo Tribunal os Acórdãos nos processos n.º 1705/19.8BELSB, em 13/02/2020, n.º 1119/19.0BELSB, em 19/12/2019, n.º 1157/19.2BELSB e 1059/19.2BELSB, ambos de 21/11/2019.

O nosso desacordo estende-se, finalmente, à afirmação perentória, inserta no acórdão em apreciação, de que “não podemos elencar, porque não existem, quaisquer factos notórios atuais ou recentes que conduzam à conclusão de Itália ter uma proteção internacional com um nível grave ou grosseiro de insuficiência”.

Ora, contrariamente ao que é pressuposto no iter do raciocínio exposto na fundamentação do acórdão, é nosso entendimento que subsistem claros, evidentes e demonstrados indícios da existência de falhas sistémicas no sistema de receção e acolhimento de refugiados do Estado Italiano, como, de resto, foi patenteado no Acórdão prolatado por este Tribunal de Apelação em 30/01/2020, no processo n.º 1322/19.2BELSB, e que subscrevemos na qualidade de Adjunto.

A grave deficiência do sistema de acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo, conducente à constatação de um mau funcionamento endémico e deliberado de todo aquele sistema de receção e acolhimento, ancora-se, aliás, quer na atual modelação do sistema legal italiano, quer na insuficiência manifesta de condições materiais, ditada pelo enorme subfinanciamento das instalações e programas destinados à receção e acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo, bem como dos requerentes de proteção internacional.

Estas asserções decorrem dos relatos, descrições, informações, conclusões e notícias veiculadas e difundidas por múltiplas ONG’s, bem como por instituições internacionais dedicadas ao acompanhamento, tratamento e análise dos aspetos legais e da implementação prática de todo o sistema internacional de asilo, das quais salientamos o European Council on Refugees and Exiles (doravante, ECRE), a Asylum Information Database (em diante, apenas AIDA), o Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante, o Danish Refugee Council, o Swiss Refugee Council, a European Database of Asylum Law (EDAL, em diante), a European Legal Network on Asylum (doravante, ELENA), a European Asylum Support Office (EASO, em diante) e a Associazione per gli Studi Guiridici Sull’ Immigrazione (somente ASGI, daqui em diante).

Efetivamente, todo o manancial informativo disponibilizado pelas sobreditas instituições internacionais, especialmente as elencadas expressamente, é claramente evidenciador de uma significativa degradação, desde 2018, das condições de recebimento e acolhimento dos requerentes de asilo, motivadas pela vigência do Decreto Lei n.º 113/2018, implementado pela Lei n.º 132/2018.

No relatório elaborado pela ASGI, intitulado Country Report: Italy e editado pela ECRE (consultável no sítio www.asylumineurope.org), atualizado em abril de 2019, é descrito todo o sistema legal italiano de asilo, incluindo procedimentos legais de acolhimento, receção, tratamento e decisão dos pedidos de asilo, a impugnação das decisões quanto a tais pedidos e as características dos mecanismos judiciais disponíveis para tanto, as condições de deportação e expulsão dos requerentes e beneficiários de asilo, bem como as condições materiais de todo o sistema, mormente, caracterização e descrição das instalações físicas de acolhimento e alojamento, satisfação de necessidades alimentares e de vestuário, cuidados médicos e apoio psicológico, assistência e aconselhamento legal, programas de integração, etc..

No que concerne às transferências para a República Italiana ao abrigo do Regulamento Dublin (Regulamento (EU) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013), o citado Relatório faz notar o desaparecimento de um sistema de acolhimento dedicado aos requerentes de asilo, e a adoção de um regime que quase parifica tais requerentes com os demais imigrantes, mormente no que concerne aos obstáculos legais e burocráticos colocados para atribuição de alojamento, possibilidade de formalizar o pedido de asilo, realização da entrevista, notificação das decisões, deportação e repatriamento, e mecanismos de tutela judicial. A descrição constata a existência de dificuldades na receção de muitos dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin, relatando a espera de dias, sem qualquer tipo de suporte, para serem recebidos pela polícia nos aeroportos de Roma e de Milão- para onde é enviada a grande maioria destes transferidos, especialmente nos casos de aceitação tácita de toma ou retoma a cargo. Relata também a existência de um número crescente de transferidos que se tornam sem-abrigo em Roma, em virtude de, por razões legais e burocráticas, não terem acesso imediato e automático ao sistema de receção e acolhimento. O Relatório referencia, também, que as condições das instalações de receção situam-se abaixo dos standards mínimos, especialmente para transferidos com determinadas características de vulnerabilidade, pessoas para as quais estas instalações não providenciam qualquer apoio. Finalmente, é anotado o risco acrescido de deportação, para o país de origem, que existe para os transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin, especialmente atentando nos efeitos não suspensivos da impugnação judicial das decisões de deportação(22).

O mesmo Relatório enuncia a circunstância de que, até fevereiro de 2018, pelo menos 10.000 pessoas foram excluídas do sistema de receção italiano, incluindo os requerentes de asilo e os beneficiários de proteção internacional, registando ainda o facto da apresentação formal do pedido de asilo ter lugar vários meses após a identificação e registo do requerente de asilo, o que implica que a pessoa em causa se depare com reais dificuldades de alojamento, o que acaba por levar à condição de sem-abrigo(23).

O aludido Relatório expressa claramente a redução do montante per capita do financiamento atribuído pelas entidades públicas às empresas ou entidades que realizam a gestão das instalações de acolhimento de estrangeiros, incluindo requerentes e beneficiários de asilo. Tal redução resultou do Decreto Lei 113/2018, e implicou uma descida do montante máximo do financiamento por pessoa de 35,00 Euros para 21,00 Euros. Aliás, nos termos deste Decreto, apenas estão garantidas necessidades básicas, como higiene pessoal, mensalidade para gastos e 5,00 euros em cartão telefónico, sendo que estas, de qualquer forma, não abrangem os requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional que não se encontram ainda alocados a nenhuma instalação de acolhimento. Como resultado do novo quadro legal e da significativa diminuição de financiamento, foram abolidos os serviços e projetos de integração e inclusão (v.g. treino de língua italiana, orientação para serviços locais, formação profissional, atividades de lazer), cessou o apoio psicológico e os serviços de apoio e aconselhamento jurídico foram substituídos por um serviço de informação, reduzido a 3 horas por semana para 50 pessoas (pp. 84 a 86 do Relatório).

É igualmente relatado que a cessação do acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo pode suceder por uma variedade de situações, nomeadamente, protestos contra a qualidade da comida servida nos centros de acolhimento, contra a falta e ausência de condições mínimas de higiene, para obtenção dos respetivos documentos de identificação, por sair do centro à noite ou até por se entender que o requerente possui “recursos suficientes” (o que já sucedeu por as entidades italianas entenderem que a viagem realizada por avião era indicativa de que o requerente teria meios de subsistência…). O Relatório assinala, portanto, a ampla utilização de causas de cessação do sistema de acolhimento, indicando que pelo menos 39.963 requerentes de asilo perderam o acesso às instalações e ao sistema de acolhimento nos anos de 2016 e 2017, e isto apenas contabilizando os casos em 58 das 100 Prefeituras (cfr. pp. 86 a 90 do Relatório).

No que toca aos tipos de instalações que integram o sistema de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo e de proteção internacional, o Relatório enumera 4 tipos: os centros de receção e primeiros socorros (CPSA), também conhecidos como Hotspots; os centros governamentais de primeira receção (CPR), os centros de acolhimento temporário (CAS) e o acolhimento privado de famílias e instituições religiosas (cfr. pp. 93 a 101 do Relatório).

Relativamente aos Hotspots, o Relatório indica a existência de 4 a operar no final de 2018, maioritariamente em locais de desembarque de estrangeiros e destinados a acomodação de curtíssima duração, muito embora na prática acomode as pessoas durante dias e até semanas. No final de 2018, tais centros albergavam 453 pessoas.

Relativamente aos centros de primeira receção (CPR), em finais de 2018, registavam-se 14 em funcionamento em sete regiões italianas, albergando 8.990 pessoas, das quais uma parte é constituída por transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin. Quanto a este tipo de instalação, pensada primitivamente para requerentes de asilo, é relatada a grave falha de condições de higiene- verdadeiramente ausentes em vários casos-, bem como a falta de privacidade, quer entre sexos, quer entre adultos e menores, quer entre famílias e outros adultos. É assinalado, também, a falta de prestação de cuidados médicos, mais significativa nuns centros do que outros, bem como a ausência de apoio psicológico e de qualquer tipo de serviços e atividades de integração e inclusão social.

Vários destes CPR localizam-se em sítios remotos e/ou isolados de centros urbanos, impossibilitando, de facto, quaisquer contactos sociais dos acolhidos com a população italiana residente e, bem assim, a implementação de qualquer projeto profissional ou de vida dos requerentes de asilo.

O Relatório realça a gravidade do nível de degradação geral destas instalações, registando mesmo observações de inadequação total ao alojamento e acolhimento, seja por estarem em causa tendas e barracões, sem eletricidade e aquecimento, praticamente sem instalações sanitárias, ou então, muitíssimo degradadas, e por vezes, sem condições de habitabilidade, por falta de colchões, de vestuário apropriado às condições climatéricas, praticamente sem espaços de refeição ou com condições sanitárias impróprias, e sempre com constatada sobrelotação.

O Relatório faz referências, ainda, à existência de prostituição, exploração, mercado negro, tráfico de droga, tudo com a complacência das forças de autoridade e segurança, que não tomam medidas. No caso do CPR Mineo, Catania, Sicília, é também assinalada a suspeita de ligação a rede mafiosa, em investigação.

Os centros de acolhimento temporário- CAS- destinam-se, em termos legais, a colmatar a falta ocasional de lugares nos CPR, oferecendo, somente, as condições mínimas de acolhimento. Não obstante o carácter subsidiário e de emergência deste tipo de instalação, a verdade é que, no final de 2018, contavam-se mais de 9.000 instalações deste tipo, acomodando 138.503 pessoas, em óbvio clima de sobrelotação. Este status quo é claramente demonstrativo de que a política de asilo italiana implica que os requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional sejam acolhidos durante todo o procedimento, e após, em alojamentos destinados a serem temporários e de emergência.

O Relatório menciona a circunstância de muitos dos transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin se encontrarem alojados neste tipo de instalação, enumerando, a propósito das condições materiais das instalações e dos serviços fornecidos, observações de cariz idêntico às fornecidas para os CPR, especialmente, no tocante à falta de condições de higiene e de instalações sanitárias, à pobreza e degradação das condições de alojamento, incluindo falta de eletricidade, aquecimento, vestuário, etc., bem como de assistência médica adequada, e de um staff devidamente preparado. O exercício de excessiva violência é igualmente notado neste Relatório, em que é relatado um episódio em que o gestor do CAS de Caserta, Campania, atingiu a tiro um requerente de asilo de 19 anos, proveniente da República da Gâmbia.

Ainda no que tange ao acolhimento e alojamento dos requerentes e beneficiários de asilo, o Relatório- relembrando que em fevereiro de 2018, cerca de 10.000 pessoas tinham sido excluídas do sistema de receção e acolhimento- descreve a existência de aglomerados de estrangeiros, dentre os quais, requerentes de asilo, estabelecidos em edifícios abandonados nos arredores das cidades, ou em campo aberto, sem quaisquer condições mínimas de sobrevivência, ou seja, sem água, gás ou eletricidade, rodeados de lixeiras e com infestações de ratos. A indigência é outra das situações indicadas no Relatório, como abrangendo muitos requerentes de asilo de transferidos ao abrigo do Regulamento Dublin.

O Relatório dedica alguma atenção às situações de detenção dos requerentes de asilo (cfr. pp. 115 a 133 do Relatório), especialmente após a entrada em vigor do Decreto Lei 113/2018, implementado pela Lei 132/2018, que possibilita a detenção dos requerentes de asilo com o propósito de examinar o respetivo pedido de asilo, uma vez que prevê a detenção com vista ao estabelecimento da identidade ou da nacionalidade do estrangeiro, requerente ou não de asilo. O Relatório anota que, em 2018, foram detidas 13.777 pessoas nos Hotspots e 4.092 pessoas nos CPR.

Durante o período de detenção e mesmo após expressar a vontade de requerer asilo, é possível o repatriamento da pessoa, uma vez que, atentos os obstáculos legais e burocráticos, a apresentação e formalização do pedido de asilo está dependente da atuação de terceiros. Tal circunstancialismo é também agravado pela generalizada ausência de informação e aconselhamento jurídico(24). De todo o modo, atualmente, o período de detenção máximo para os requerentes de asilo está fixado em 12 meses, o que tem levantado grandes objeções, dado que tem sido considerado, para além de violador do art.º 3.º da CEDH e do art.º 4.º da CDFUE, discriminatório em face de outras situações(25).

As observações registadas no Relatório referentemente às condições materiais dos Hotspots e CPR onde ocorrem as detenções de requerentes de asilo são similares às outras já enumeradas, ressaltando-se, em especial, a menção à insuficiência de colchões e à ocasional necessidade das pessoas dormirem ao relento por as instalações não acomodarem tal número de pessoas, à falta grave de condições de higiene e de limpeza, à presença de significativo número de segurança armada e, em geral, a existência de condições degradantes, muito abaixo dos standards mínimos exigíveis, condições essas, em diversos casos, críticas.

Ainda a propósito das condições materiais em que vivem os detidos, incluindo muitos requerentes de asilo, o Relatório narra os relatos provenientes do CPR de Bari, de violência excessiva exercida pelas forças de segurança sobre os detidos, v.g. espancamentos antes da expulsão, bem como do uso de sedativos nos detidos, colocados na comida, tendo sido constatado em 05/08/2018 que muitas das pessoas detidas apresentavam olhos brilhantes, lábios inchados e dificuldade em expressarem-se.

A ocorrência de protestos, entre os detidos, motivados pela falta de condições de higiene, de condições sanitárias e de qualidade da comida são frequentes.

Em momento pouco anterior ao Relatório que vem de se escrutinar e citar, concretamente, em 10 de abril de 2018, foi publicado o Relatório elaborado pelo Conselho da Europa- Comité Europeu para a Prevenção de Tortura e das Penas ou Tratamento Desumano ou Degradante- na sequência de uma visita realizada a Itália em junho de 2017, com o intuito de examinar a situação dos estrangeiros privados de liberdade, incluindo requerentes de asilo, mormente nos Hotspots e CPR(consultável no sítio www.ecre.org). Este Relatório regista já algumas observações quanto às condições de detenção dos requerentes de asilo que, posteriormente, foram acolhidas no Relatório elaborado pela ASGI para o ECRE. Referimo-nos à deficiência ou falta de condições sanitárias, de higiene e de acomodação, à duração das detenções, à falta de refeições e ao clima de violência verificado em algumas instalações.

No Relatório elaborado pela AIDA e publicado pelo ECRE sobre a condições de alojamento dos países europeus recebedores de requerentes de asilo e refugiados, atualizado até 30 de abril de 2019(26), é descrito o novo paradigma legal italiano que regula a situação dos requerentes de asilo e o tipo de instalações de receção e acolhimento de que Itália dispõe, sendo assinalado, entre outros aspetos, a crónica falta de capacidade do sistema de acolhimento italiano para receber os requerentes de asilo(27).

Adicionalmente, no Relatório elaborado pelos Danish Refugee Council e Swiss Refugee Council e publicado em 12 de dezembro de 2018 (consultável no sítio www.refugeecouncil.ch), intitulado Mutual Trust is Still Not Enough- The situation of persons with special reception needs transferred to Italy under de Dublin III Regulation, aquelas instituições concluem claramente pela inadequação do sistema italiano de receção de requerentes de asilo, anotando a existência de falhas graves no sistema de receção e acolhimento de requerentes de asilo transferidos aos abrigo do Regulamento Dublin, gravidade essa que assume maior significância no caso de pessoas com determinadas vulnerabilidades. Ademais, este Relatório clarifica o tipo de cuidados médicos disponíveis para os requerentes de asilo no sistema italiano, concluindo que os requerentes de asilo, por diversas razões, incluindo as legais e burocráticas, não têm, na prática, acesso a cuidados de saúde. Ou seja, este Relatório finda com a assunção da ausência ou, no mínimo, da insuficiência e inadequação dos cuidados de saúde propiciados aos requerentes de asilo em geral(28).

No seguimento da divulgação contínua de notícias e informações dando conta da enorme debilidade do sistema de receção e acolhimento de requerentes de asilo em Itália, a Holanda decidiu, em dezembro de 2018, suspender as ordens de transferência de famílias para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin (notícia publicada em 09/12/2018, no sítio www.nos.nl/artikel/2262783).

Em 28/09/2018, no sítio www.ecre.org, foi veiculada notícia (Italy: Latest immigration decree drops protection standards”) alertando para a diminuição substancial dos standards de proteção dos requerentes de asilo na República da Itália, em virtude das alterações legais em curso.

E em 14/12/2018, foi publicada também no sítio www.ecre.org, uma notícia com o título Italy: Vulnerable Dublin Returnees at Risk of destitution, em que se dava conta do que se segue:

“Os requerentes de asilo transferidos para Itália sob o Regulamento de Dublin enfrentam acesso arbitrário a acomodações, riscos de miséria e condições de receção abaixo do padrão, apesar da obrigação da Itália de fornecer garantias de tratamento adequado, de acordo com um relatório publicado esta semana.

O relatório, preparado pelos Conselhos Dinamarquês e Suíço para Refugiados, contém 13 estudos de caso sobre o retorno de Dublin de requerentes de asilo com diferentes vulnerabilidades, variando de famílias monoparentais a pessoas que sofrem de transtornos mentais e vítimas de violência. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos esclareceu em Tarakhel v. Suíça que os Estados-Membros deveriam obter garantias das autoridades italianas de que os requerentes de asilo com necessidades especiais seriam acomodados adequadamente antes de realizar uma transferência.

O relatório ilustra a arbitrariedade subjacente à receção dos retornados de Dublin pelas autoridades, o acesso oportuno ao alojamento e ao procedimento de asilo e a qualidade das condições de receção. Muitos requerentes de asilo tiveram que esperar várias horas ou até dias sem qualquer apoio em aeroportos como Roma Fuimicino e Milão Malpensa antes de serem recebidos pela polícia italiana. Alguns retornados de Dublin vêem negado o acesso ao sistema de receção italiano na chegada ou precisam esperar muito tempo antes de serem acomodados em instalações de receção de segunda linha (SPRAR). As condições precárias nos primeiros centros de receção e nos centros de receção temporária (CAS) são amplamente divulgadas, ficando muito abaixo dos padrões para pessoas com necessidades especiais.

O acesso ao procedimento de asilo é igualmente problemático. Os solicitantes de asilo retornados de acordo com o Regulamento de Dublin precisam entrar em contato com o Serviço de Imigração da Polícia (Questura) para obter uma nomeação para apresentar sua queixa. No entanto, o atraso para esse compromisso chega a vários meses na maioria dos casos.

Os riscos de destituição e exposição a condições inaceitáveis ​​de acolhimento após o retorno de outros países foram exacerbados pela entrada em vigor do Decreto-Lei 113/2018 , recentemente confirmado pela Lei 132/2018 , após o qual apenas os beneficiários de proteção internacional e crianças desacompanhadas são elegíveis para receção no SPRAR. Por conseguinte, a grande maioria dos requerentes de asilo só terá acesso aos primeiros centros de acolhimento e CAS, que oferecem apoio muito limitado.

A reforma levou alguns Estados-Membros a reexaminar a legalidade dos procedimentos de Dublin em relação à Itália, com alguns tribunais nacionais suspendendo as transferências individuais devido a um ambiente cada vez mais hostil da migração. O Serviço Holandês de Imigração e Naturalização (IND) está a rever a sua política de transferências de famílias com filhos para Dublin à Itália, à luz da reforma. As transferências de famílias foram suspensas, aguardando novas investigações sobre a situação dos requerentes de asilo no país.”

Já em janeiro de 2020, o mesmo sítio publicou nova notícia sobre Itália- Italy: Report on Effects of the “Security Decrees” on Migrants and Refugees in Sicily-, realçando a massiva redução de financiamento das instalações temporárias (CAS), o que agrava, ainda mais, as condições de receção e acolhimento de requerentes de asilo, conduzindo à sua exclusão deste sistema, mormente aos cuidados de saúde básicos e aos apoios sociais. Neste seguimento, em 16/01/2020, também no mesmo sítio, foi noticiada a morte de um cidadão tunisino de 34 anos, detido no centro de detenção de Caltanisetta, Sicília, alegadamente por falta de cuidados médicos. No mesmo ensejo, é narrado que a situação no interior do aludido centro de detenção tem sido caracterizada por uma ONG como deplorável, por não ter aquecimento, não possuir janelas, nem serem proporcionados serviços básicos, como cuidados médicos ou aconselhamento legal.

Em 23/01/2020- também no sítio www.ecre.org- foi divulgado que o Conselho Suíço de Refugiados publicou um relatório atualizado sobre a situação dos requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional na Itália, com foco especial nas dificuldades enfrentadas pelas pessoas transferidas sob o Regulamento Dublin III, uma vez que dada a sua posição geográfica, a Itália é o principal destino das transferências da Suíça nos termos do regulamento de Dublin, recebendo 35% de todas as transferências (o comunicado intitula-se Italy: Updated Report on the Reception System with a Focus on the Situation for Dublin Returnees).

Nesse comunicado, anunciava-se que “o chamado decreto Salvini restringiu o acesso aos centros de receção de segunda linha (SIPROIMI) na Itália a pessoas com proteção internacional e menores desacompanhados, deixando os retornados de Dublin incluindo pessoas vulneráveis ​​nos centros de receção de primeira linha. A maioria desses centros foi originalmente estabelecida como centros de emergência (CAS) e a qualidade dos serviços, de acordo com o relatório: "deterioraram-se significativamente". E que “não existe um procedimento padronizado em nível nacional para que os retornados de Dublin retornem ao sistema de receção, as pessoas frequentemente enfrentam dificuldades burocráticas para aceder aos procedimentos legais e de receção, muitas vezes se encontrando irregulares e sem-teto. Além disso, o enfraquecimento de apoio social, de alojamento, emprego e integração contribui para condições geralmente desafiadoras para refugiados e requerentes de asilo na Itália.

Finalmente, é dada especial atenção às condições das pessoas vulneráveis. O relatório denuncia as deficiências sistêmicas no reconhecimento das vítimas do tráfico de pessoas e o impacto da recente reforma nos requerentes de asilo vulneráveis ​​(incluindo famílias), que não têm mais direito a acomodações de segunda linha.”

Por estas razões, o Conselho Suíço de Refugiados recomenda aos Estados que não transfiram pessoas vulneráveis ​​para a Itália ao abrigo do Regulamento Dublin. Em qualquer outro caso- segere-se-, as autoridades responsáveis ​​devem realizar uma avaliação individual detalhada, inclusivé solicitando às autoridades italianas informações precisas sobre a instalação de receção alocada à pessoa.

No que concerne à atuação das instâncias judiciais europeias e dos Estados-Membros- e não exaurindo a enumeração- é relevante assinalar que, após a Jurisprudência estabelecida no Acórdão Tarakhel pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Acórdão de 04/11/2014, Tarakhel v. Suíça), diversos Estados-Membros passaram a solicitar garantias pessoais e individuais à República italiana em momento prévio à emissão de decisões de transferência de requerentes de asilo para aquele país ao abrigo do Regulamento Dublin. Tal solicitação foi cessando, no caso de alguns Estados, em 2015, 2016 e 2017, após a prestação de uma garantia genérica, em 2015, por banda das autoridades italianas.

Recorde-se que, no Acórdão Tarakhel, o TEDH estabeleceu claramente que as falhas ou deficiências sistémicas de um sistema de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo (no caso versado no Acórdão estavam em causa transferências para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin)  constitui somente uma das vias para a demonstração do risco de tratamento desumano ou degradante após a transferência para o Estado-Membro responsável, isto à luz das circunstâncias individuais do requerente. Na senda desta Jurisprudência- que, entre o mais, entendeu ocorrer risco de violação do art.º 3.º da CEDH caso os recorrentes fossem transferidos para Itália sem quaisquer garantias específicas de proteção-, diversos países passaram a exigir garantias à República Italiana para efeitos de transferência de requerentes de asilo ao abrigo do Regulamento Dublin, sendo certo que enquanto alguns Estados apenas exigiam garantia genérica, outros exigiam garantias particulares e, enquanto uns Estados apenas exigiam tais garantias para pessoas com vulnerabilidades, outros estendiam a exigência dessas garantias praticamente a todos os casos de transferência (29). Efetivamente, a Alemanha, Bélgica, França, Finlândia, Países-Baixos, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido registam múltiplos casos em que, ou foi obstada a transferência para a Itália, ou foram solicitadas garantias de que o requerente de asilo não correria risco de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do art.º 3.º da CEDH e do art.º 4.º da CDFUE, em virtude da sua transferência para Itália ao abrigo do Regulamento de Dublin. É de assinalar, contudo, que boa parte dos países mencionados recorria a tal exigência apenas nos casos de requerentes de asilo com vulnerabilidades específicas.

Seja como for, a situação quanto à solicitação de garantias alterou-se após o envio a todas as Unidades Dublin dos diversos países, em junho de 2015, de uma Circular do Ministro do Interior Italiano, sobre a capacidade das instalações integradoras do sistema italiano de receção e acolhimento de requerentes e beneficiários de asilo, bem como sobre as condições e melhoramentos neste sistema. Ainda assim, o Tribunal Administrativo de Haia, em sentença proferida em 27/07/2015, entendeu não existirem razões para crer na existência de melhorias significativas no sistema italiano, o que conduziu à anulação de uma ordem de transferência para Itália emitida pelos Países-Baixos.

Já mais recentemente, e acompanhando a degradação das condições de receção e acolhimento dos requerentes e beneficiários de asilo em Itália, diversos Tribunais de diversos Estados têm obstado à transferência de requerentes de asilo para aquele país ao abrigo do Regulamento Dublin. Contam-se, entre outras, as decisões do Tribunal Administrativo de Toulouse (França) em 09/11/2018, do Tribunal Administrativo do Luxemburgo em 10/07/2018, do Tribunal Administrativo de Rennes (França) em 09/01/2018, da Câmara de Recurso para os Refugiados (Dinamarca) em 30/11/2017, so Tribunal Administrativo de Braunschweig (Alemanha) em 12/10/2016, do Tribunal Administrativo de Haia (Países-Baixos) em 18/07/2016, e do Tribunal Administrativo de Nantes (França) em 24/07/2015.

Com a alteração do quadro legal respeitante aos pedidos e procedimentos, motivada pelo Decreto Lei 113/2018 e pela Lei 132/2018, as deficientes e insuficientes condições de receção e acolhimento dos requerentes de asilo recrudesceram, atingindo um status quo descrito como “crítico”, “deplorável” e “inadequado” por diversas instituições e organizações internacionais durantes os anos de 2018, 2019 e 2020.

Ora, convocando a Jurisprudência firmada pelo TJUE no Acórdão prolatado em 19/03/2019, no processo C-163/17, concretamente, os considerandos elencados nos parágrafos 91, 92 e 93, é nosso entendimento que as deficiências e falhas relatadas e narradas pelas diversas instituições e organizações internacionais quanto à receção e acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos à luz do Regulamento Dublin, não são pontuais ou ocasionais, mas sim reiteradas e contínuas. Por conseguinte, tais deficiências e falhas devem ser qualificadas como sistemáticas.

Adicionalmente, e tendo em conta as descrições contidas nos relatórios identificados supra quanto à realidade do sistema de receção e acolhimento dos requerentes de asilo em Itália, é nossa convicção de que as aludidas falhas sistémicas assumem um limiar de gravidade particularmente elevado, nos termos exigidos pela citada jurisprudência do TJUE. Com efeito, e como é consabido, os requerentes de asilo encontram-se, na sua maioria, completamente dependentes do apoio público. Sendo assim, assoma como evidente que as deficiências e falhas sistémicas identificadas acarretam o risco real e sério dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos ao abrigo do Regulamento de Dublin, de se verem “numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atente contra a sua saúde física ou mental ou a coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana”. Na verdade, o regime legal italiano para a concessão de asilo, bem como as condições materiais das instalações que integram o sistema italiano de receção e acolhimento dos requerentes de asilo, acrescido dos indicadores numéricos respeitantes aos requerentes de asilo desalojados e deportados, conduzem à convicção de que os transferidos à luz do Regulamento Dublin correm real risco de sofrer tratamento desumano e degradante, nos termos previstos e descritos no art.º 3.º da CEDH e no art.º 4.º da CDFUE.

Destarte, ponderando todo o exposto, entendemos que o caso agora em discussão subsume-se, claramente, na previsão do art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, devendo, por isso, ser anulada a decisão proferida pelo Recorrido, que ordenou a transferência do Recorrente para Itália.         

Sendo assim, ante todo exposto, somos forçados a concluir que, perante a existência de falhas sistémicas no sistema italiano de receção e acolhimento dos requerentes de asilo, incluindo os transferidos à luz do Regulamento Dublin, subsiste um risco sério e real do Recorrente sofrer tratamento desumano e degradante na aceção do consagrado no art.º 3.º da CEDH e no art.º 4.º da CDFUE. Pelo que, de acordo com o disposto no art.º 3.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 604/2013, não deveria ser ordenada a transferência do Recorrente para Itália.

            III) Face a todo o expendido até ao momento, é nossa conclusão de que a questão do défice instrutório, inovatoriamente convocada pela sentença recorrida, apresenta-se despicienda, queda prejudicada, e, de certo modo, revela-se impertinente, pois que arrasta de modo forçado a aplicação do direito nacional para uma matéria regulada pelo direito europeu e internacional, e já tratada nos aspetos aqui focados.

Destarte, e porque o Recorrido não se rebelou contra o dispositivo contido na sentença recorrida, apesar do mesmo distanciar-se do que efetivamente foi peticionado, negaria provimento ao presente recurso e manteria a sentença recorrida, embora com diversa fundamentação.

Pelo que, votamos favoravelmente o acórdão agora proferido.

Lisboa, 14 de maio de 2020,

Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro



______________________

(1) Artigos 7º a 15º.

(2) Relatório

1 - Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.

4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.
(3) Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

(4) Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.
(5) Artigo 16.º Declarações
1 - Antes de proferida qualquer decisão sobre o pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações na língua da sua preferência ou noutro idioma que possa compreender e através do qual comunique claramente, em condições que garantam a devida confidencialidade e que lhe permitam expor as circunstâncias que fundamentam a respetiva
pretensão.
2 - A prestação de declarações assume carácter individual, exceto se a presença dos membros da família for considerada necessária para uma apreciação adequada da situação.
3 - Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de proteção internacional, o SEF notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de dois a cinco dias.
4 - (Revogado.)
5 - A prestação de declarações só pode ser dispensada:
a) Se já existirem condições para decidir favoravelmente sobre o estatuto de refugiado com base nos elementos de prova disponíveis;
b) Se o requerente for considerado inapto ou incapaz para o efeito devido a circunstâncias duradouras, alheias à sua vontade;
c) (Revogada.)
6 - Quando não houver lugar à prestação de declarações nos termos do número anterior, o SEF providencia para que o requerente ou a pessoa a cargo comuniquem, por qualquer meio, outras informações.
(6) Artigo 17º Relatório
1 - Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 - O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 - O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.

4 - Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão sobre o pedido.
(7) Neste sentido se parecem pronunciar Carla Amado Gomes e outros, “O contencioso administrativo em matéria de direito de asilo e de protecção subsidiária”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. LVIX, 2018, pág. 60 [“O SEF elaborará então um relatório da audiência, que notifica ao requerente para este sobre ele se pronunciar (…) (artigo 17.º). Após esta oportunidade de complementar o relatório elaborado pelo SEF, o requerente deve aguardar a decisão de admissibilidade, que terá por base toda a informação disponível.” (sublinhados nossos)], e este é o entendimento expresso pelo Conselho Português para os Refugiados, no “Relatório AIDA Country Report Portugal, 2017”, [em linha], consultado em 24.6.2019, disponível em https://www.asylumineurope.org/sites/default/files/report-download/aida_pt_2017update.pdf. Entendimento distinto foi acolhido nos Acs. do STA de 18.5.2017, proc. n.º 306/17, 4.10.2018, proc. n.º 1727/17.3 BELSB, 20.12.2018, proc. n.º 275/18.9 BELSB, e 28.3.2019, proc. n.º 1143/18.0 BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
(8) A Lei 27/2008 (na redacção da Lei 26/2014), e conforme acima referido, procedeu à transposição da Directiva n.º 2013/32/UE, e este seu art. 29º n.ºs 1 e 2 traduz-se numa norma mais favorável - face às disposições que constam dos arts. 14º n.º 1, 16º e 17º, dessa Directiva n.º 2013/32/UE -, o que é permitido pelo considerando 14 e pelo art. 5º, dessa Directiva.

(9) O direito de ser ouvido vale, assim, independentemente da sua expressa consagração normativa, pois é parte integrante do respeito pelos direitos de defesa, princípio geral do direito da União Europeia. Actualmente tal direito encontra-se previsto nos arts. 41º (o qual não se dirige aos Estados-Membros, mas unicamente às instituições, órgãos e organismos da União Europeia), 47º e 48º (o qual apenas protege a presunção de inocência e os direitos de defesa de que deve beneficiar o arguido), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
(10) Neste sentido, Acs. do TJUE de 18.12.2008, proc. C-349/07, 21.12.2011, proc. C-482/10, 22.11.2012, proc. C-277/11, 18.7.2013, procs. apensos C-584/10, C-593/10 e C-595/10, 10.9.2013, proc. C-383/13, 22.10.2013, proc. C-276/12, 8.5.2014, proc. C-604/12, 3.7.2014, procs. apensos C-129/13 e C-130/13, 17.7.2014, procs. apensos C-141/12 e C-372/12, 5.11.2014, proc. C-166/13, 11.12.2014, proc. C-249/13, 17.12.2015, proc. C-419/14, 9.2.2017, proc. C-560/14, 26.7.2017, proc. C-348/16, e 9.11.2017, proc. C-298/16, disponíveis em curia.europa.eu.
(11) Neste sentido, Ac. do TJUE de 9.2.2017, proc. C-560/14, disponível em curia.europa.eu.
(12) Neste sentido, Acs. do TJUE de 22.11.2012, proc. C-277/11, e 11.12.2014, proc. C-249/13, disponíveis em curia.europa.eu.

(13) Neste sentido, Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, 1996, págs. 309, 315, 372, 373, 387 a 390, 511 e 512.
(14) Art. 267º n.º 5.

(15) A este propósito prescreve-se no considerando 54, desta Directiva, o seguinte: “A presente diretiva deverá ser aplicável aos requerentes abrangidos pelo Regulamento (UE) n.º 604/2013 em complemento e sem prejuízo do disposto nesse regulamento”. Além disso, determina-se no considerando 12, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, que “A Directiva 2013/32/UE do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, (…) deverá ser aplicável em complemento e sem prejuízo das disposições relativas às garantias processuais regidas pelo presente regulamento dentro dos limites de aplicação dessa diretiva”].
(16) Onde se encontra previsto o critério relativo ao primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado que será aplicado caso nenhum dos critérios estabelecidos nos arts. 8º e ss. seja aplicável (os quais se aplicam pela ordem em que são enunciados - cfr. art. 7º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013).
(17) Identificação que, em princípio, será possível de efectuar face às informações fornecidas pelo requerente na entrevista, conjugadas com os dados retirados do sistema Eurodac (regido pelo Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013).
(18) Cumprindo ter em conta que, de acordo com o entendimento do TJUE, mesmo que não haja falhas sistémicas a transferência não deve ser feita se existir um risco real e comprovado de o requerente sofrer um tratamento desumano ou degradante - cfr. Ac. de 16.2.2017, proc. C-578/16, disponível em curia.europa.eu.
(19) Neste sentido, Ac. do STA de 30.5.2019, proc. n.º 970/18.2 BELSB, disponível em www.dgsi.pt.
(20) Entendimento distinto foi acolhido nos Acs. do STA de 18.5.2017, proc. n.º 306/17, 4.10.2018, proc. n.º 1727/17.3 BELSB, e 20.12.2018, proc. n.º 275/18.9 BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt.
(21) Nesta matéria, e para maior desenvolvimento, veja-se SARA RIBEIRO MENDES, A Cláusula de Soberania do Regulamento Dublin III à Luz do Princípio da Confiança Mútua entre os Estados-Membros da União Europeia, Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Mestre, dezembro de 2016, Faculdade de Direito da Universidade Nova, consultável no Repositório da Universidade Nova, em www.run.unl.pt..

(22) Concretamente, sobre estes aspetos, o Relatório consagra, a páginas 55 a 58, e além do mais, o seguinte:
Following the Tarakhel v. Switzerland ruling,207 in practice the guarantees requested were ensured mainly to families and vulnerable cases through a list of dedicated places in the SPRAR system (see Types of Accommodation), communicated since June 2015 to other countries’ Dublin Units.208 However, following the 2018 reform of the reception system, Dublin returnees who are asylum seekers no longer have access to second-line reception; SPRAR now renamed SIPROIMI. Accordingly, places in second-line reception for vulnerable Dublin returnees are no longer reserved as asylum seekers do not have access to this type of accommodation.
In a Circular sent to other countries’ Dublin Units in the form of an email on 8 January 2019, the Italian Dublin Unit expressly confirmed this new regime and stated the following:
“Consequently, all applicants under the Dublin procedure will be accommodated in other Centres referred to in Legislative Decree No. 142/2015.
In consideration of the efforts made by the Italian Government in order to strongly reduce the migration flows, these Centres are adequate to host all possible beneficiaries, so as to guarantee the protection of the fundamental rights, particularly the family unity and the protection of minors.”209
(…)
The letter seems to imply that places are no longer reserved in second-line reception even for vulnerable Dublin returnees who are beneficiaries of international protection.
As regards the implementation of incoming transfers, only in cases where it expressly recognises its responsibility under the Dublin Regulation does Italy indicate the most convenient airport where Dublin returnees should be sent in order to easily reach the competent Questura, meaning the Questura of the area where the asylum procedure had been started or assigned. In other cases, where Italy becomes responsible by tacit acceptance of incoming requests, persons transferred to Italy from another Member State usually arrive at the main Italian airports such as Rome Fiumicino Airport and Milan Malpensa Airport. At the airport, the Border Police provides to the person returned under the Dublin Regulation an invitation letter (verbale di invito) indicating the competent Questura where he or she has to go.
On 12 December 2018 the Danish Refugee Council and Swiss Refugee Council published a report with their monitoring of the situation of 13 vulnerable Dublin returnees in Italy in 2017-2018.211 The report illustrates the arbitrariness underlying Dublin returnees’ reception by the authorities, timely access to accommodation and to the asylum procedure, and quality of reception conditions. Many asylum seekers have had to wait for several hours or even days without any support at airports such as Rome Fuimicino Airport and Milan Malpensa Airport before being received by the police. 
Some Dublin returnees were denied access to the Italian reception system upon arrival altogether or had to wait a long time before they were accommodated in SPRAR facilities.212 In its latest report of February 2018, MSF documented an increase of Dublin returnees among the homeless persons in Rome, Lazio who have no immediate and automatic access to the reception system.
It should be noted that if returnees had been placed in reception facilities and they had moved away, they could encounter problems on their return to Italy for their new accommodation request. Due to their first departure, in fact, and according to the rules provided for the Withdrawal of Reception Conditions, the Prefecture could deny them access to the reception system.
Substandard conditions in first reception centres and CAS were widely reported, falling far below standards for persons with special needs. The two organisations also found that oftentimes the receiving authorities were unaware of the specific vulnerability of the Dublin returnees. In one incident at Caserma Caraverzani, Udine, Friuli-Venezia Giulia, an Afghan asylum seeker returned from Austria to Italy committed suicide in August 2018. The person was under treatment by the local mental health service in Austria. It seems that no information was provided about his health status before or after the Dublin transfer.
Re-accessing the asylum procedure
Access to the asylum procedure is equally problematic. Asylum seekers returned under the Dublin Regulation have to approach the Questura to obtain an appointment to lodge their claim. However, the delay for such an appointment reaches several months in most cases. The competent Questura
is often located very far from the airport and asylum seekers only have a few days to appear there; reported cases refer to persons arriving in Milan, Lombardy and invited to appear before the Questura of Catania, Sicily. In addition, people are neither accompanied to the competent Questura nor informed of the most suitable means of transport thereto, thereby adding further obstacles to reaching the Questura within the required time. In some cases, however, people are provided with tickets from the Prefecture desk at Milan Malpensa Airport.
Dublin returnees face different situations depending on whether or not they had applied for asylum in Italy before moving on to another European country, and whether or not the Territorial Commission had taken a decision on the application.
v In “take charge” cases where the person had not applied for asylum during his or her initial transit or stay in Italy before moving on to another country, he or she should be allowed to lodge an application under the regular procedure. However, the person could be considered an irregular migrant and be notified an expulsion order. In September 2018 a Libyan national arriving from Germany at Milan Malpensa Airport after Italy had accepted its responsibility was not allowed to seek asylum and received an expulsion order. An ASGI lawyer is representing the individual before the Magistrates’ Court (giudice di pace) of Varese that has not yet decided whether the removal order should be suspended or not. As reported to ASGI, other Dublin returnees were also denied the possibility to apply for asylum in at Milan Malpensa Airport in 2018.
v In “take back” cases where the person had already lodged an asylum application and had not appeared for the personal interview, the Territorial Commission may have suspended the procedure on the basis that the person is unreachable (irreperibile). He or she may request a new interview with the Territorial Commission if a termination decision has not already been taken after the expiry of 12 months from the suspension of the procedure. If the procedure has been terminated, however, the new application will be considered a Subsequent Application and will be subject to the stringent regulations set out by the Procedure Decree following the 2018 reform.
v In “take back” cases where the person’s asylum application in Italy has already been rejected by the Territorial Commission, if the applicant has been notified of the decision and lodged no appeal, he or she may be issued an expulsion order and be placed in a CPR. According to the new notification procedure applied since the end of October 2018 (see Regular Procedure: General), the same could happen even in case the applicant had been not been directly notified of the decision, since in case the applicant is deemed unreachable (irreperibile), the Territorial Commission notifies the decision by sending it to the competent Questura and notification is deemed to be complete within 20 days of the transmission of the decision to the Questura.
Courts from other countries have not taken a uniform approach to the compliance of transfers to Italy with fundamental rights, including following the amendments to the reception system by Decree Law 113/2018. Inconsistent court decisions have been noted in Germany and the Netherlands. In Switzerland, courts have not changed their previous position on the legality of transfers to Italy. In the United Kingdom, however, the Upper Tribunal annulled a transfer to Italy on 4 December 2018 concerning one asylum seeker and one beneficiary of international protection finding that the threshold for ill-treatment prohibited by Article 3 ECHR may be met in cases involving demonstrably vulnerable asylum seekers and beneficiaries of international protection.”
[1] Pode ler-se no dito Relatório, pp. 82 a 84:
                “1.1. Reception and obstacles to access to the procedure
According to the practice recorded in 2016, 2017 and 2018, even though by law asylum seekers are entitled to material reception conditions immediately after claiming asylum and undergoing initial registration (fotosegnalamento), they may access accommodation centres only after their claim has been lodged (verbalizzazione). This implies that, since the verbalizzazione can take place even months after the presentation of the asylum application, asylum seekers can face obstacles in finding alternative temporary accommodation solutions. Due to this issue, some asylum seekers lacking economic resources are obliged to either resort to friends or to emergency facilities, or to sleeping rough.
As reported by MSF in February 2018, at least 10,000 persons were excluded from the reception system, among whom asylum seekers and beneficiaries of international protection. Informal settlements with limited or no access to essential services are spread across the entire national territory, namely Ventimiglia, Turin, Como, Bolzano, Udine, Gorizia, Pordenone, Rome, Bari and Sicily.
Recent examples of asylum seekers facing obstacles to accessing accommodation include the following:
Friuli-Venezia Giulia: Asylum seekers in Pordenone faced severe obstacles to access asylum procedure and accommodation system in 2018. From November 2017, four asylum seekers, one Afghan citizen and three Pakistanis, had to wait 10 months to access the asylum procedure being refused and bounced from Venice Questura to the Pordenone Questura and back, with neither Questura undertaking responsibility. In September 2018, after several legal warnings the asylum seekers got access to the procedure and lodged their applications at Questura of Venice, but they are still waiting to get a place in the reception system. Three of them lodged an appeal to the Administrative Tribunal of Court against the “administrative silence” of the Prefecture of Venice after they had been convicted for unlawful occupation of the abandoned building they were living in. At the end of February 2019, the Administrative Court of Veneto accepted the appeal and ordered the Prefecture of Venice to activate the requested accommodation within 30 days. They are still waiting for a placement at the time of writing. Still in 2018, in Trieste, people waiting to lodge their asylum application and to be accommodated were fined by the police for squatting.
Lazio: On the occasion of the eviction of the building occupied by Eritrean refugees, which took place in Rome on 19 August 2017, UNHCR denounced the fact that hundreds of people fleeing war and persecution in transit in the city of Rome were forced to sleep on the streets in the absence of adequate reception. Due to the chronic lack of places in reception, makeshift settlements are increasingly set up in abandoned buildings far from the city centre, where hundreds of people live under squalid conditions.
Tuscany: In September 2018, a group of 20 to 30 asylum seekers from Pakistan had to wait for about three months to have access to reception facilities in Florence. After the fotosegnalamento, the Questura deferred all responsibility to the Prefecture which has been slow in arranging reception despite the intervention of Medici per i diritti umani (MEDU) and ASGI. As of 10 January 2019, over 80 people excluded from the reception system, some of them holders of humanitarian protection status and removed from facilities after the entry into force of the legislative decree 113/2018, were sleeping in the Parco delle Cascine in Florence.
Trentino-Alto Adige: In September 2018, almost 80 people were sleeping on the street awaiting to lodge their asylum application and to be accommodated in Trento, as their appointment for verbalizzazione at the Questura was for January 2019.”

(24) Com efeito, a páginas 116 do Relatório consta o seguinte:
“Persons applying for asylum in CPR are subject to the Accelerated Procedure. In practice, however, the possibility of accessing the asylum procedure inside the CPR appears to be difficult due to the lack or appropriate legal information and assistance, and to administrative obstacles. In fact, according to the Reception Decree, people are informed about the possibility to seek international protection by the managing body of the centre.
As reported to the Guarantor for the rights of detained persons during his visit to the CPR of Turin, carried out on 1 March 2018, detainees who intend to apply for asylum must address their request to one of the operators of the managing body. The latter then communicates to the Immigration Office that one of the detainees has requested an appointment, without providing any indication of the intention expressed by the interested party. Detainees wait for the appointment on average between two to three days but, due to the lack of documents certifying the intention to seek asylum, they could also be repatriated during this period.”
E a páginas 119:
“According to ASGI, the new detention ground represents a violation of the prohibition on detention of asylum seekers for the sole purpose of examining their application under see Article 8(1) of the recast Reception Conditions Directive. People fleeing their countries often do not have identitication documents and cannot contact the authorities of the countries of origin as this could be interpreted as re-availing themselves of the protection of that country.”
(25) Relatório, páginas 124 e 125:
                “The Reception Decree does not provide a legal framework for the operations carried out in the CPSA now converted into hotspots. Both in the past and recently in the CPSA, in the absence of a legislative framework and in the name of unspecified identification needs, asylum seekers have been unlawfully deprived of their liberty and held for weeks in conditions detrimental to their personal dignity. The legalvacuum, the lack of places in the reception system and the bureaucratic chaos have legitimised in these places detention of asylum seekers without adopting any formal decision or judicial validation.
In the case of Khlaifia v. Italy, the European Court of Human Rights (ECtHR) has strongly condemned Italy for the detention of some Tunisians in Lampedusa CPSA in 2011, noting the breach, to them, of various rights protected by ECHR. In particular, the Court found that the detention was unlawful, and that the conditions in which the Tunisians were accommodated – in a situation of overcrowding, poor hygienic conditions, prohibition of contacts with the outside world and continuous surveillance by law enforcement, lack of information on their legal status and the duration and the reasons for detention – constituted a violation of Article 3 ECHR, the prohibition of inhuman and degrading treatment, and of Article 5 ECHR, in addition to the violation of Article 13 ECHR due to the lack of an effective remedy against these violation.593 The Grand Chamber judgment of 15 December 2016 confirmed the violation of such fundamental rights.594 Recently, at its meeting held between 12 and 14 March 2019, the Committee of Ministers of the Council of Europe, rejected the request made by the Italian Government to close the supervision processes initiated following the Khlaifia ruling. The Committee asked Italy to send further information on the measures adopted by 31 May 2019.
Although the new Article 6(3-bis) of the Reception Decree foresees the possibility of detention for identification purposes in specific places, such places are not specified and they will not be identified by law. In a Circular issued on 27 December 2018, the Ministry of Interior specified that it will be the responsibility of the Prefects in whose territories such structures are found to identify special facilities where this form of detention could be performed.
According to ASGI, detention in facilities other than CPR and prisons violates Article 10 of the recast Reception Conditions Directive, which does not allow any detention in other locations and also because in these places, the guarantees provided by this provision are not in place. According to ASGI, the amended Reception Decree also violates Article 13 of the Italian Constitution, since the law does not indicate the exceptional circumstances and the conditions of necessity and urgency allowing, according to constitutional law, for the implementation of detention. Moreover, the law makes only a generic reference to places of detention, which will be not identified by law but by the prefectures, thus violating the “riserva di legge” laid down in the Article 13 of the Constitution, according to which the modalities of personal freedom restrictions can be laid down only in legislation and not in other instruments such as circulars.”

(26)“Housing out of reach? The reception of refugees and asylum seekers in Europe”, ECRE, AIDA, disponível no sítio www.asylumineurope.org.
(27)Páginas 13, 22, 37 e 38 do Relatório citado na nota anterior.
(28)A páginas 12 e 13 do Relatório é dito:
“Since Decree No. 113/2018 on Security and Migration (also called the ‘Salvini Decree’) entered into force on 5 October 201851 asylum seekers, except for unaccompanied minors, no longer have access to SPRAR cen­tres. As a result, the name SPRAR was changed to System of Protection for Holders of International Protec­tion and Unaccompanied Minors.
Asylum seekers are now to be accommodated in the collective centres (CARA, CDA or CAS) until a final de­cision on their asylum application has been made. Except for unaccompanied minors, only those granted international protection54 (and their family members) can be accommodated in SPRAR centres. In its press release, the UNHCR voiced concerns about the negative impact of the measures introduced by the Decree on the Italian reception and asylum system.
On 25 October 2018 the Italian Ministry of Interior confirmed the practical consequences of the Salvini De­cree in a letter addressed to all SPRAR centres. The letter specifies that asylum seekers already offered ac­commodation in a SPRAR centre before 5 October 2018 remain entitled to accommodation in a SPRAR cen­tre, but henceforth no asylum seekers, except for unaccompanied minors, are allowed to enter and stay in a SPRAR centre. The letter from the Ministry of Interior explicitly mentions that also vulnerable asylum seekers are henceforth excluded from SPRAR centres.
That poor or inadequate reception conditions for asylum seekers can constitute inhuman or degrading treat­ment in violation of Article 3 ECHR has been stated by the ECtHR in its M.S.S. judgment68 and its Tarakhel judgment, where the Court made it clear that the assessment of ill-treatment must take into account all circumstances of a case, such as the duration of the treatment, its physical or mental effects and, in some instances, a person’s sex, age and state of health.
To ensure that asylum seekers, in particular those considered vulnerable and with special reception needs, are provided access to adequate reception conditions and health care, the access to and quality of reception conditions are regulated at the European level by the Reception Conditions Directive (recast) in particular. The Italian SPRAR system, prior to the Salvini Decree, was meant to provide adequate reception conditions to asylum seekers considered vulnerable, and following the Tarakhel judgment the Italian authorities have guaranteed that families with minor children will be accommodated in a SPRAR centre after being trans­ferred to Italy under the Dublin III Regulation.
However, by monitoring 13 vulnerable individuals or families transferred to Italy under the Dublin III Regu­lation, the DRC and OSAR have reaffirmed the findings of the first DRMP report from February 2017 which documented six families, none of which were provided with adequate accommodation, assistance and care upon arrival to Italy.
Thus, contrary to relevant international, European or national law, none of the 13 vulnerable individuals or families whose experiences have been described in this report had access to adequate accommodation upon arrival to Italy, which was also the case for the six families mentioned in the first DRMP report. It ap­pears to be a matter of chance whether a vulnerable Dublin returnee even has access to reception condi­tions upon arrival, as the Italian authorities neither meet the reception needs of asylum seekers in general nor the special reception needs of vulnerable asylum seekers despite their legal obligation to do so.
In H. and Others v. Switzerland, the ECtHR noted that although the six documented cases in the first DRMP report were not insignificant, the number of documented cases was not so high as to suggest that the as­surances of the Italian authorities following the Tarakhel judgment are per se unreliable. However, having documented an additional 13 cases of vulnerable Dublin returnees transferred to Italy, the DRC and OSAR find that it is clear, that there is a real risk of vulnerable Dublin returnees not being provided with adequate reception conditions upon arrival in Italy, exposing them to a risk of ill-treatment contrary to Article 3 of the ECHR and Article 4 of the EU Charter of fundamental rights.
Furthermore, as illustrated by the case studies and contrary to Italian law, vulnerable asylum seekers risk being denied or losing access to the Italian reception system without due consideration of their vulnerable situation or the principle of proportionality, which can significantly hinder their effective access to the asy­lum procedure.
Considering the inadequate reception conditions at present provided at Italian First-Line reception centres, where all asylum seekers, except for unaccompanied minors, are accommodated as of 5 October 2018, the DRC and OSAR are concerned that the conditions in the Italian reception system are likely to deteriorate. This implies among other things that asylum seekers, including Dublin returnees, will only have access to emergency health care.
(…)
With the experiences of the monitored Dublin returnees in mind, the DRC and OSAR call for a strengthened cooperation between Member States to protect the fundamental rights of persons transferred under the Dublin III Regulation. To this end, the DRC and OSAR find that clearer guidelines must be made concerning the obligations of the transferring Member State prior to a Dublin transfer, in order to ensure that the spe­cial needs of vulnerable asylum seekers are adequately addressed following the transfer.”

Access to the Italian health care system, except for emergency treatment, is conditional on a person first obtaining a residence card in order to be issued a European Health Insurance Card, which will be valid for the same period as the residence card. Asylum seekers are only entitled to emergency treatment until their asylum application has been officially registered by the Questura. As the Salvini Decree determines that asylum seekers will no longer be issued with a residence card, asylum seekers will henceforth only have access to the health care services provided at their accommodation centre. The First-Line collective centres, where all newly registered asylum seeker will be accommodated, offer only limited access to emergency health care, whereby the Salvini Decree further restricts asylum seekers’ access to specialized health care.
Other changes introduced by the Salvini Decree include the abolition of the ‘humanitarian residence permit’, the form of protection that was previously the most used in Italy. To replace the humanitarian residence permit, the Salvini Decree introduced new residence permits for ‘exceptional cases’.”
E a páginas 32 e 33 do mesmo Relatório:
“(…)
Thus, it remains arbitrary how vulnerable Dublin returnees are received by the Italian authorities. Most of the monitored vulnerable Dublin returnees had to sleep on the streets upon arrival in Italy and gained ac­cess to reception centres or other shelters only as a result of their participation in the DRMP, as the DRMP’s interviewers often intervened on their behalf. Upon gaining access to reception conditions, these were often far from adequate to meet their special reception needs, in some cases due to the lack of access to special­ized health care.
As documented by cases 4, 10, and 13, there is a real risk of vulnerable asylum seekers being denied access to reception conditions after arriving in Italy as Dublin returnees. Case 4 described a single mother and her children being informed by the Italian authorities that they had lost the right to accommodation because they had previously left Italy after applying for asylum, whereas case 10 described an 18-year-old victim of human trafficking who had to wait nearly four months before he could access the reception system. Case 13 described a man suffering from HIV and a mental disorder who has been transferred to Italy twice, both times unable to find accommodation and without access to the necessary specialized health care.
The case studies also show that even if Dublin returnees are accommodated after arriving in Italy, they risk losing their right to accommodation later on. Although for different reasons, cases 3, 6, 9, 10 and 12 either lost their right to accommodation, or were able to remain the reception system only because the DRMP’s interviewers intervened, or as in case 10, because a legal practitioner from the transferring Member State had continued to follow the case and successfully argued against the withdrawal of the applicant’s reception conditions.
Legal analysis
That poor or inadequate reception
(29) Para melhores desenvolvimentos, veja-se a Nota Informativa elaborada em outubro de 2015 pela ELENA e publicada pela ECRE no sítio www.ecre.org, sobre Transferências Dublin Post-Tarakhel: Atualização sobre case law e prática europeia.