Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06512/13
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPUGNAÇAO JUDICIAL
PROVA PERICIAL
Sumário:I. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, a impugnação judicial interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém, esse efeito se este processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data da autuação do processo.
II. Tal preceito foi revogado pelo artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ressalvando-se unicamente os casos em que em 31 de Dezembro de 2006 se tivesse já completado um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (artigo 91.º da referida Lei).
III. No contencioso tributário vigora, o princípio do inquisitório, em vista da descoberta da verdade material ( cfr. artigos 99º da LGT e 13º do CPPT).
IV. A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (cfr. artigo 388.º do CPC).
V. Justifica-se a realização da prova pericial, com vista apurar o valor de mercado de acções não cotadas, na medida em que a aplicação dos diversos métodos de avaliação de empresas (métodos baseados numa óptica patrimonial/rendimento, métodos baseados nos cash flows e métodos dinâmicos) exigem conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO

... - SOCIEDADE DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., (doravante designada Impugnante ou Recorrente) recorreu para este Tribunal Administrativo Central da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 27 de Dezembro de 2012 que julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 1997, no montante de €1.104.115,90.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) O Tribunal recorrido aceitou inicialmente a realização da perícia. O Ministério Público pugnou pela sua realização. A Fazenda Pública não se opôs. Estiveram nomeados árbitros. Posteriormente, com a mudança do Juiz titular o Tribunal recorrido revogou a decisão inicial, com fundamento que “o despacho que ordenou a perícia não estava fundamentado de direito e de facto”. Ora, a falta de fundamentação só releva quando a decisão do Juiz verse sobre pedido controvertido ou dúvida suscitada – art. 158/1 do CPC e Ac. STJ de 8/Jul/87, in BMJ 369, p.481. O que não era o caso já que a realização da perícia era pacífica.

B) A perícia era também essencial para apurar o valor da transação que originou a divida exequenda, uma vez que “na falta de um valor de mercado referencial das ações (como é o caso dos autos) o critério a utilizar sempre teria que atender, pelo menos ao valor da empresa, aferido a partir da sua situação económica e financeira – Ac. 01016/06 do STA, 2ª seção, de 31/1/07.

C) A sentença recorrida merece ainda reparo pela forma como selecionou e deu como provada a matéria de facto. Desde logo, porque não dá qualquer relevo aos documentos juntos no decurso do processo judicial, restringindo a sua análise ao relatório da inspeção tributária. Depois porque dá como provados factos com referência ao processo executivo 3263 2002 01500147 que não constava dos autos na data em que foi proferida a sentença. Ainda porque na parte expositiva remete para pontos do relatório da inspeção tributária – B1 do relatório da inspeção - que não constam da matéria dada como provada.

D) O Tribunal recorrido também omite o depoimento das testemunhas. E na única alusão que faz à prova testemunhal – p. 27, parágrafo 4, 3 e 4ª linha - atribui-lhes declarações que não conferem com a gravação áudio.

E) A sentença recorrida merece também censura, pela forma superficial como avalia e conclui pela existência de relações especiais.

F) Ora, no caso dos autos, não estão reunidos os pressupostos que permitam a correção do lucro tributável com fundamento na existência de relações especiais, entre a impugnante e os intervenientes envolvidos na permuta de ativos realizada a 31 de Março de 1995.

G) De facto, os intervenientes na permuta de ativos, ações por imóveis, só muito episodicamente integraram a estrutura societária da impugnante, cinco deles foram sócios menos e vinte e quatro horas. O outro foi sócio menos de três meses. Nenhum deles interveio em qualquer deliberação ou pertenceu a qualquer órgão da sociedade.

H) Além do mais, cinco dos intervenientes tiveram uma participação no capital, manifestamente residual, 2,5%. E, o outro uma posição societária claramente minoritária 12,6%.

I) Acresce que os intervenientes nesses negócios não estabeleceram condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.

J) O negócio acolhido pelo Tribunal recorrido, como termo de comparação para comprovar a “ simulação “ e com ela a correção do lucro tributável declarado, não é idóneo, para o efeito.
i) Desde logo porque ocorreu num quadro fáctico de conflito societário em que os envolvidos não só questionavam o governo da sociedade, como inclusivamente obstaculizavam a ação dos seus órgãos. E, como se pode apurar pelas atas esses acionistas intervieram de forma ativa nos órgãos e deliberações da sociedade, ao longo de vários anos.
ii) Ao contrário os negócios tidos por “simulados “ ocorreram num cenário de abertura da herança, pacífico, sem que os permutantes das ações tivessem alguma vez participado nos órgãos ou nas deliberações da sociedade. Conforme se pode apurar pelas atas.
iii) Acresce que o negócio comparado e os demais se realizaram em tempos diferentes e, a sua natureza, condições e termos são claramente distintas.
iv) O negócio comparado efetuou-se em 27 de Abril de 1995, enquanto os demais se efetuaram dois anos depois, em 31 de Março de 1997.
v) O negócio comparado era uma venda pura e simples de ações, com o preço pago em dinheiro. Os demais foram permutas de ações por imóveis, sem que o preço fosse pago em dinheiro.
vi) O preço no negócio comparado foi pago ao longo de dois anos, nos demais foi satisfeito integralmente de uma só vez, com a entrega das ações e dos imóveis.

K) A natureza, o tempo, as condições de efetivação, a qualidade de acionista dos intervenientes, o ambiente de conflito societário que o determinou, confirmam: - o negócio usado como termo de comparação não tem características que o permitam considerar como realizado em condições de sã concorrência, entre pessoas independentes.

L) A qualidade e condição dos transmitentes das ações, nas permutas de ativos realizadas em 31 de Março de 1997 não determinou que o lucro tributável apurado fosse diferente do que se apuraria, descontextualizas, a sua qualidade e condição.

M) Isso resulta, não só da fragilidade da sua posição societária e da ausência de real influência na vida da sociedade, mas também da natureza do negócio.

N) Mesmo a fazer fé – o que nada justifica –  que as ações permutadas tinham o valor  “ gordo “,  a verdade é que pela sua natureza o negócio “ permuta de ativos “, nas condições em que se efetuou, não gerou ganhos, uma vez que o valor da realização é igual ao da contraprestação.

O) Entendendo, a Administração Tributária que os imóveis transmitidos tinham um valor superior às ações recebidas em troca deveria ter centrado a sua ação inspetiva na avaliação dos imóveis. O que manifestamente não fez.

P) Na definição do valor unitário por ação o Tribunal recorrido ignorou por completo a situação económico - financeira da empresa, fazendo tábua rasa dos balancetes.

Q) Ora, como é orientação da Jurisprudência Nacional “.. na falta de uma valor de mercado referencial das ações, o critério a utilizar sempre teria que atender, pelo menos, ao valor da empresa, aferido a partir da sua situação económico financeira…” – acórdão 01016/06 do STA, 2ª Secção, de 31/1/07.

R) Assim sendo, ao contrário do que concluiu a sentença recorrida não se verificam os requisitos de que depende a aplicação dos artigos 42 e 57 do CIRC e 77 da LGT.

S) O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a questão da caducidade da liquidação com fundamento em que ela não foi invocada em tempo. Para o efeito assimilou o regime da relação processual tributária, ao regime da relação processual civil. Ora, o contencioso tributário não é um puro contencioso entre partes. Daí que a Fazenda Pública tenha algumas vantagens processuais. Não havendo nenhuma norma no processo Tributário que imponha um tempo para suscitar a questão da caducidade, não pode o intérprete decidir criando direito. No caso a caducidade foi invocada a tempo de permitir a contradita da outra parte, no caso a Fazenda Pública. Pelo que se deve considerar que foi invocada em tempo.

T) Além do mais, verifica-se a “caducidade do direito de liquidação “, uma vez que o ato de liquidação foi realizado – 7 de Fev 2002 –  decorridos mais de quatro anos, sobre a constituição da obrigação tributária de IRC, ocorrida a 31 de Dez de 1997 – artigos 8/9 CIRC, 45 e 46 da LGT.

U) O Tribunal recorrido decidiu a questão da prescrição partindo do pressuposto que nos autos a divida exequenda estava garantida. Ora, na data da prolação da sentença não existia essa prova nos autos.

V) O Tribunal recorrido na contagem do prazo de prescrição não considerou, o prazo decorrido a partir do 1 de Janeiro de 2007. E devia tê-lo feito, por força do disposto no art. 83 –B, da lei 53-A/2006.

W) Se tivesse considerado a totalidade do prazo prescricional, constataria que desde a verificação do facto tributário – 31 Dez de 1997 - decorreram de treze anos, seis meses, e onze dias. Pelo que a obrigação tributária se extinguiu por efeito de prescrição.

Termos em que com fundamento nas invocadas:
i) caducidade do direito de liquidação;
ii) prescrição da obrigação tributária;
iii) não verificação dos pressupostos do qual depende aplicação do artigo 57 do CIRC, a sentença recorrida deve ser revogada na íntegra e, em sua substituição ser proferido acórdão que reconheça os direitos invocados pela recorrente.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.  

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Os Juízes Desembargadores adjuntos tiveram vista.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões apreciar e decidir consistem em saber:
(i) se a sentença incorre em nulidade por omissão de pronuncia;
(ii) se a obrigação tributária respeitante à dívida de IRC se encontra ou não prescrita;
(iii) se a sentença padece de erro de julgamento ao dispensar a produção de prova pericial requerida;
(iv) saber se foi legal, ou não, a correcção da matéria colectável efectuada pela Administração Tributária, relativa a IRC do exercício de 1997.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS

Na sentença de 1.ª Instância fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos: 

«A) A impugnante exerce a actividade na área económica de investimentos imobiliários (cfr. fls. 54 do Processo Administrativo).

B) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção externa, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efectuadas correcções à matéria colectável, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal ao exercício de 1997, no montante de 442.409.652$00 (2.206.730,04€), correspondente às seguintes correcções (cfr. relatório de inspecção, a fls. 53 e a fls. 55 do Processo Administrativo):
a. – Correcção à matéria tributável de IRC, no montante de 409.154 682$00 (mais-valias fiscais) - página 18 do relatório da fiscalização;
 b. - Correcção à matéria tributável de IRC, no montante de 7.150 000$00 (perdão de dívidas) -página 18 do relatório da fiscalização;
c. Correcção à matéria tributável de IRC, no montante de 26.104 970$00 (variações patrimoniais positivas) - página 19 do relatório da fiscalização.

C) As correcções mencionadas na alínea anterior foram efectuadas com o seguinte fundamento, que aqui se transcreve na parte com interesse para a decisão:

“B.2. - TRANSMISSÕES DE ACÇÕES ENTRE ACCIONISTAS E EMPRESAS

Desde o exercício de 1995, assistiu-se a um progressivo abandono da empresa por parte de alguns dos accionistas através da transmissão das suas participações no capital, tanto à empresa ... como à própria empresa ....

A primeira transmissão a ser negociada, por contrato de promessa de compra e venda, foi com M..., em 27 de Abril de 1995, na qual foi negociada a transmissão de 7.254 acções da ... à empresa ..., 18.135 acções da ... à ..., assim como 1.860 obrigações emitidas por esta e ainda os suprimentos prestados à mesma no valor de 2.046.000$. (anexos 11 a 15).

Estes valores foram transaccionados pelos montantes de 2.142$30 por cada acção da ..., 14.334$90 por cada acção da ..., e 1.000$ por cada obrigação, tendo recebido o valor integral dos suprimentos, totalizando o montante de 146.741.975$. A transmissão foi concluída, com o integral pagamento dos valores acordados, em 27 de Fevereiro de 1997, com a assinatura do contrato definitivo.

Foram estabelecidos, também em 1995, mais propriamente em 28 de Novembro, dois contratos de compra e venda de acções, por aquisição cruzada, entre as empresas e o accionista R..., o qual desempenhou funções de Técnico de Contas e de Director Financeiro nessas empresas, até essa data. (anexos 16 a 21).

As condições acordadas estabeleciam a transmissão de 8.873 acções da ... ao preço unitário de 2.000$, e 3.549 acções da ... ao preço unitário de 13.383$, totalizando o valor de 65.242.267$. Ficou acordado igualmente que as empresas pagariam o valor em divida através de dois pagamentos iniciais, de 6.000. 000$ no momento da assinatura do contrato, e 4.000.000$ até 1 de Janeiro de 1996, ficando a parte restante a ser paga em 60 prestações mensais no valor total de 920.705$ cada.            

Em Julho de 1996 foi estabelecido com o accionista G... contrato de compra e venda de acções das empresas ... e .... Mais uma vez, por aquisição cruzada, foram adquiridas pelas empresas, 23.335 acções da ... ao valor unitário de 3.000$ e 9.334 acções da ... ao valor unitário de 10.883$, bem como foram reembolsados os suprimentos por ele prestados à empresa ... no valor de 3.949.000$, totalizando o montante de 175.535.922$. Este montante foi pago através de um pagamento inicial de 50.000.000$ efectuado em 5 de Julho de 1996, e o restante em 48 prestações mensais de capital e juros, com a possibilidade de pagamentos diferenciados ao longo do tempo, sem no entanto poderem ser inferiores a determinados montantes previstos no contrato. (anexos 22 a 30)

Em 27 de Dezembro de 1996 faleceu a accionista M... tendo as suas acções, ao que nos parece, passado para a posse do seu filho M.... Este negociou, em 31 de Março de 1997 com a ... a transmissão de 31.687 acções da ... pelo valor unitário de 1.000$ e de 12.675 acções da ... pelo valor unitário de 1.000$, totalizando o va1or de 44.362.000$, renunciando ainda aos suprimentos, em tempo efectuados à empresa, no montante de 3.575.000$. (anexos 31 a 37).

Para liquidação do montante em divida, a empresa ..., efectuou a dação em pagamento do imóvel constituído por fracção autónoma designada pela letra A que corresponde ao r/c, loja com galeria e cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n. 12, 12 - A, e 12 - B, freguesia de ... em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo 2135 com valor patrimonial de 84.240.000$00. (anexos 38 a 44). Nesta mesma data foi estabelecido, por acordo escrito entre M... e a ..., arrendatária da referida fracção, que a ... renunciava ao seu direito de preferência na aquisição da fracção já identificada, que se mantinha o contrato de arrendamento e que a renda mensal passaria a ser de 1.250.000$. De referir que a renda anteriormente paga pela ... à ..., foi até Dezembro de 1996 de 460.000$, tendo passado em Janeiro de 1997 a ser de 803.000$. (anexos 45 a 48).

Em 31 de Março de 1997 faleceu a accionista M..., tendo as suas acções, passado para a posse do seu marido J..., que no mesmo dia as transmitiu gratuitamente aos seus filhos, M..., C..., J..., M... e F..., tendo estes negociado, também em 31 de Março de 1997, com a ... a transmissão de 31.687 acções da ... pelo valor unitário de 1.000$ e de 12.675 acções da ... pelo valor unitário de 1.000$, totalizando o valor de 44.362.000$, renunciando ainda aos suprimentos, em tempo efectuados à empresa, no montante de 3.575.000$. (anexos 49 a 56). Para liquidação do montante em divida, a empresa ..., cedeu a posição contratual, no contrato de locação financeira celebrado entre ela e a I..., relativo à fracção autónoma designada pela letra Q, correspondente à loja n. 16, do complexo comercial de ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. 25 de Abril, n. 25 e 25 - A, Rua ..., n" 13 a 15 e Rua dos ..., n. 19, freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo 7588 com valor patrimonial de 40.824.464$00. (anexos 57 a 63). De notar que o contrato de locação financeira estava a terminar, faltando efectuar o último pagamento, quando a empresa cedeu a sua posição contratual.

Nesta mesma data foi estabelecido, por acordo escrito entre os vendedores das acções e a ..., arrendatária da referida fracção, que a ... renunciava ao seu direito de preferência na aquisição da fracção já identificada, que se mantinha o contrato de arrendamento e que a renda mensal passaria a ser de 1.250.000$.

A renda anteriormente paga pela ... à ..., foi até Dezembro de 1996 de 460.000$, tendo passado em Janeiro de 1997 a ser de 803.000$. (anexos 64 a 67).

J..., accionista fundador e anterior membro do Conselho de Administração, estabeleceu, em 19 de Maio de 1997, contrato de compra e venda de acções com a ... que se traduziu na venda a esta de 4.900 acções da ... ao preço unitário de 300$, totalizando o montante de 1.470.000$. Ficou estabelecido que o montante a pagar seria liquidado em 70 prestações mensais de 21.000$. Acontece que a cláusula 4.4 do contrato estabelece que em caso de falecimento do outorgante vendedor, não só o contrato se manteria válido, mas também as prestações vincendas passariam para o montante de 187.880$.

Tendo por base o valor das prestações constantes desta alínea, verifica-se que a valorização das acções da ... seria de 2.684$ por acção (anexos 68 e 69).

A..., accionista fundador, estabeleceu, em 16 de Maio de 1997, contrato de compra e venda de acções com a ... que se traduziu na venda a esta de 6.045 acções da ... ao preço unitário de 300$, totalizando o montante de 1.813.500$. Ficou estabelecido que o montante a pagar seria liquidado em 121 prestações mensais de 15.000$. Acontece que a cláusula 4.4 do contrato estabelece que em caso de falecimento do outorgante vendedor, não só o contrato se manteria válido, mas também as prestações vincendas passariam para o montante de 134.180$.

Tendo por base o valor das prestações constantes desta alínea, verifica-se que a valorização das acções da ... seria de 2.685$82 por acção (anexos 70 e 71).

J..., accionista fundador e anterior presidente do Conselho de Administração, estabeleceu, em 25 de Junho de 1998, contrato de compra e venda de acções com a ... que se traduziu na venda a esta de 6.000 acções da ... ao preço unitário de 300$, totalizando o montante de 1.800.000$. Ficou estabelecido que o montante a pagar seria liquidado em 70 prestações mensais de 25.714$. Acontece que a cláusula 4.4 do contrato estabelece que em caso de falecimento do outorgante vendedor, situação ocorrida em Janeiro de 1999, não só o contrato se manteria válido, mas também as prestações vincendas passariam para o montante de 230.000$. Tendo por base o valor das prestações constantes desta alínea, verifica-se que a valorização das acções da ... seria de 2.683$ por acção. (anexos 72 e 73).

Para melhor entendimento das transmissões efectuadas procedeu-se à elaboração de um mapa resumo (anexo 74).

B.3. - RELAÇÕES ESPECIAIS - Art.º 57º do CIRC

Do estudo efectuado aos contratos celebrados pelas empresas e os accionistas, no período decorrido entre 1995 e 1998, verifica-se que foram estabelecidas condições e montantes de transmissão bastante diferenciadas entre eles. Esta constatação foi razão suficiente para uma análise mais aprofundada das circunstâncias em que foram celebrados os contratos.

Tendo como suporte, as actas da assembleia geral da empresa, verificamos que os accionistas, M..., R..., e G..., vinham tendo posições de contestação às orientações mantidas pelo conselho de administração, e pelos restantes accionistas, tendo-se verificado várias abstenções e votos contra nas deliberações das Assembleias Gerais. Nomeadamente no aumento de capital verificado em 1992, na aprovação das contas dos exercícios de 1992, 1994 e 1995, nas eleições dos órgãos sociais feitas em 1992 e 1995, assim como a apresentação de uma proposta de proibição de o Conselho de Administração prestar garantias a terceiros em nome da ... utilizando o seu património, conforme se pode verificar pela análise das actas da Assembleia Geral n. 13, 14, 17 e 18 (anexos 75 a 87). Estando a accionista M... insatisfeita com as orientações seguidas pelo Conselho de Administração, tentou vender as suas acções a terceiros (não pertencentes ao conjunto de accionistas). Chegou mesmo a ser demonstrado interesse na aquisição destas acções por parte do Sr. M.... Face a este interesse manifestado por M..., o Conselho de Administração decidiu então comprar as acções de M... de acordo com o negócio atrás descrito. Pela contestação verificada entre estes accionistas e o Conselho de Administração, assim como a perspectiva de negócio acima referida entre Mª ..., poder-se-á concluir que os preços estabelecidos para a aquisição das participações sociais nestes contratos estarão próximos do seu valor real, contrariamente aos preços estabelecidos para os restantes accionistas, como a seguir se tentará provar.

Pela leitura da acta n° 19 (anexo 88 a 90) da Assembleia Geral reunida em 30 de Dezembro de 1996, interrompida e adiada para 16 de Janeiro de 1997,constata­-se que existiu um confronto de interesses entre o Sr. P..., representante, no conselho de administração da empresa, das accionistas M..., e os Sr.s J... e L..., respectivamente presidente e vogal do conselho de administração, tendo estes apresentado mesmo pedido de renúncia aos cargos no conselho de administração. Nesta mesma reunião, o accionista J..., sogro de P..., disponibilizou -se para elaborar uma proposta de viabilização das empresas com vista à sua consolidação no mercado, propondo igualmente que o conselho de administração se mantivesse em funções, proposta que foi aprovada.

No dia 24 de Março de 1997 reuniu-se o conselho de administração, conforme acta n° 47 (anexos 91 e 92), com todos os seus membros, incluindo o Sr. P..., a fim de analisar e deliberar sobre a celebração de contratos com as famílias C... e C... com vista à aquisição das acções que detinham no capital das empresas ... e .... Foi deliberado por unanimidade que fossem celebrados os contratos, e aprovadas as respectivas minutas, necessários aquelas transacções uma vez que existiam bens livres para essa aquisição. Tendo ficado estabelecido nesta reunião todas as condições dos respectivos contratos e que foram apresentadas anteriormente. No dia seguinte, 25 de Março de 1997, o Sr. P... renunciou às suas funções no conselho de administração.

Foram então celebrados os contratos entre as famílias referidas e a empresa, no dia 31 de Março de 1997, cinco dias após a renúncia de P....

Nestes contratos, verifica-se que não foram pagas quaisquer quantias em dinheiro, e que foi feita a renúncia aos suprimentos prestados, situações distintas do que se verificou nos anteriores contratos.

Verifica-se também que o peso accionista das duas famílias, à data da celebração dos contratos, não considerando as acções em posse das empresas ... e ..., representava 31,74% do capital social das empresas ... e ..., aproximadamente  um terço do capital. Tendo em consideração, a possibilidade do estabelecimento de valores inferiores aos de mercado para a troca entre as acções e os imóveis, ambas as partes contratantes obteriam vantagens fiscais. Os vendedores das acções teriam como vantagens, a ausência de mais valias na venda das acções, e incidência de imposto municipal de Sisa sobre um valor inferior ao de mercado - no imóvel adquirido. A empresa compradora das acções teria a vantagem de registar contabilisticamente um valor reduzido de mais valias na venda dos imóveis, resultando desses registos um lucro tributável inferior ao real, obtendo ainda como contrapartida um investimento financeiro subavaliado. Também os novos valores da renda estabelecidos com a ..., 1.250.000$ mensais, assim como a continuação do contrato de arrendamento e as condições de indemnização e direito de preferência em caso de trespasse, apontam para um valor dos imóveis significativamente superior ao constante dos contratos.

Os pagamentos mensais do valor das rendas permitiriam, aos donos dos imóveis num prazo de três anos, a recuperação do valor do investimento. Prazo muito curto comparativamente à vida útil dos próprios imóveis.

Quanto aos contratos assinados por J..., A... e J..., em 19 de Maio de 1997, 16 de Maio de 1997 e 25 de Junho de 1998, respectivamente, deve atender-se ao facto de o primeiro ter sido vogal do conselho de administração no triénio de 1995 a 1997, o último ter sido no mesmo período, presidente do conselho de administração, e desde 1989 a 1994, vogal do conselho de administração. Salienta-se ainda, que:

- Estes três accionistas, passaram, desde a data da celebração dos contratos, a auferir rendimentos de pensões, pagos pela .... (anexos 93 a 101);

- Nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 a empresa ... apenas pagou rendimentos de pensões a estes antigos funcionários e accionistas.

Se aos valores de pensões pagos pela ... a estes antigos accionistas, acrescermos o valor das prestações acordadas (não aplicando a cláusula 4.4), obtêm-se valores próximos das prestações acordadas em caso de aplicação da cláusula 4.4. (morte do contratante vendedor). Destas operações resulta um beneficio fiscal directo para a empresa ..., que se traduz num beneficio para todo o "grupo", ao permitir que esta registe como custos da sua actividade os valores pagos a título de pensões que mais não são do que pagamentos relativos à aquisição de investimentos financeiros efectuados pela empresa ..., pertencente ao mesmo "grupo" de empresas da .... De todos os elementos acima apresentados verifica-se que as transacções efectuadas nos anos de 1997 e 1998, à excepção da que envolveu M..., concluída em 1997 mas em obediência a contrato-promessa assinado em 1995, envolveram relações especiais entre os accionista e as empresas.

Conforme dispõe o nº1 do art.57° do Código de IRC (CIRC), serão efectuadas as necessárias correcções para determinação do lucro tributável, sempre que por  força das relações especiais entre o sujeito passivo e outra entidade, seja apurado um lucro diferente do que se apuraria na ausência dessas relações.

Posto isto, e verificando-se a existência de situações susceptíveis de correcção nos termos do nº 1 do art. 57° do CIRC, serão propostas as correcções consideradas necessárias ao apuramento do lucro tributável, em conformidade com o estabelecido no referido diploma.

c _ QUANTIFICAÇÃO DOS VALORES DAS CORRECÇÕES

Atendendo à necessidade de determinação do lucro tributável, para os exercícios inspeccionados, nos termos do art. ° 57° do CIRC, serão agora apresentadas as condições, nomeadamente os valores de transmissão das acções, que seriam estabelecidas na ausência das relações especiais acima referidas.

Atendendo às circunstâncias em que foi celebrado o contrato com M..., contestação ao conselho de administração e a possibilidade de venda das acções a uma entidade externa à empresa, considera-se que os valores estabelecidos entre as empresas e esta accionista estarão próximos do valor real das mesmas. Assim as correcções propostas nos pontos seguintes, relativamente aos contratos celebrados em condições especiais, terão por base os valores pelos quais foram transaccionadas as acções com esta accionista.

Os valores estabelecidos entre as empresas e M... foram os seguintes:

=> Acções representativas do capital social da

... de 250.000.000$, com valor nominal de 1.000$ → 2.142$30

=> Acções representativas do capital social da ... de 100.000.000$, com valor nominal de 1.000$   → 14.334$90

=> Obrigações emitidas pela ... com valor nominal de 1.000$ →  1.000$00

=> Suprimentos prestados à ....

C. 1. - I.R.C. - EXERCÍCIO DE 1997

c.1.1-. MAIS VALIAS

Desta forma, a contabilização do apuramento das mais valias, referentes aos imóveis cedidos para pagamento a M... e à família ... (filhos da accionista Maria Helena ...), constantes dos documentos anexos 102 e 103, será corrigida pelo documento anexo 104, procedendo-se então ao correcto apuramento das mais valias conforme mapa anexo 105. Note-se que foram valorizadas as acções de ... a 2.142$30, e as de ... a 14.334$90.

Temos portanto, uma correcção ao lucro tributável, proveniente de mais valias fiscais não reinvestidas, no montante de Es. 409.154.682$00.

C.l.2. - RENÚNCIA A SUPRIMENTOS - PERDÃO DE DÍVIDAS

Como se verifica nos anexos 102 e 103, as transacções efectuadas com M... e Família ..., incluíam renúncia a suprimentos nos montantes de Es. 3.575.000$00 cada. Foram contabilizadas estas renúncias na conta 522, (Acções Próprias - Descontos e Prémios), no entanto, e de acordo com a Directriz Contabilística n. 8, (anexo 106) esta situação configura um perdão de dívidas o qual deveria ter sido contabilizado na conta 798 (Outros Proveitos e Ganhos Extraordinários - Concordatas e Perdões de Dívidas), como referido no anexo 104.

Assim, será corrigido o lucro tributável em Es. 7.150.000$00.

C.l.3. - VARIAÇÕES PATRIMONIAIS POSITIVAS

Como já referido no anterior ponto B, as relações existentes entre os intervenientes nos contratos de compra e venda de acções, celebrados no decurso deste ano, eram especiais. Concretamente, nos celebrados em Maio, (anexos 68 a 71) entre a ... e J... e A..., fundadores e anterior membro dos órgãos sociais da empresa, foi estabelecida uma cláusula de ressalva, em caso de falecimento, que passaria o valor de aquisição das acções de Es. 300$00, para 2.684$00 e Es. 2.686$00, respectivamente. Resulta daqui, que devido às relações especiais existentes à data, as acções foram adquiridas por preço inferior ao que seria estabelecido, caso os accionistas não passassem a receber, nessa data, rendimentos de pensões pagos pela .... Nestes contratos verifica-se a existência de variações patrimoniais positivas as quais concorrem para a formação do lucro tributável, conforme cálculo efectuado no anexo 107.

Assim, será acrescido ao lucro tributável o montante de Es. 26.104.970$00” (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 65 a 76 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

D) Na sequência das correcções efectuadas, referidas na alínea B) do probatório supra, foi emitida a liquidação de IRC n.º 8310001364, referente ao exercício de 1997, no montante de 1.104.115,90 €, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou a 27/03/2002 (cfr. documento de fls. 21 dos autos).

E) Em 31/03/1997 foram celebrados contratos de “Compra e Venda de Acções” entre a Impugnante e o “Dr. M...” e a Impugnante e a Família ..., cuja cláusula 4.3. o seguinte: “É também incluída no preço desta transacção a renúncia do 2º outorgante aos suprimentos por ele prestados à sociedade compradora, no valor de Esc. 3.575.000$00 (três milhões e quinhentos e setenta e cinco mil escudos), relativamente aos quais dá integral quitação” (cfr. fls. 184 e ss do Processo Administrativo).

F) A Impugnação foi apresentada junto do serviço de finanças competente em 21/06/2002 (cfr. carimbo aposto no topo superior esquerdo de fls. 2 dos autos).

G) O processo de Impugnação Judicial esteve parado entre 06/06/2006 a 07/02/2008, por facto não imputável à Impugnante (cfr. fls. 67 e ss dos autos).

H) Foi instaurado, no serviço de finanças de Lisboa 5, o processo de execução fiscal nº..., para pagamento coercivo da dívida referente à liquidação mencionada na alínea D), no âmbito do qual foi pago o montante de 32.488,20€ (cfr. fls. 785 dos autos)».

Consta ainda da sentença recorrida que: «Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso» e que: «Não se provaram quaisquer outros factos passiveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.».


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B.DE DIREITO

DA NULIDADE DA SENTENÇA por omissão de pronúncia

A primeira questão resultante da delimitação do objecto do recurso incide (em virtude da precedência lógica o conhecimento das nulidades da sentença, atento o disposto no artigo 606.º do CPC, «ex vi» do artigo 663.º, n.º2, do mesmo Código, aqui aplicáveis subsidiariamente por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT), como já vimos, sobre a alegada existência de nulidade da sentença, por violação do nº 1, alínea d) do artigo 615.º do CPC.

Fundamenta a recorrente tal nulidade no facto da sentença recorrida não se pronunciar sobre a suscitada -caducidade do direito à liquidação- [Conclusão T].

Vejamos se lhe assiste razão.

Prevista no artigo 125.º do CPPT e na alínea d) do artigo 615.º nº 1 do CPC, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o constante do artigo 608.º nº 2 do CPC segundo o qual «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)». 

Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do artigo 608.° do CPC, ex vi do artigo 2.° alínea e) do CPPT.

Com efeito, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões  ou argumentos  que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista  incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretas que haja sido chamado a resolver no quadro do litigio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Á luz do que fica dito, é fácil de ver que a sentença sob recurso não enferma da nulidade que lhe é imputada. 

Na verdade, da leitura da petição inicial verifica-se, que a recorrente invocou, como fundamentos da sua pretensão, o vício de violação de lei por ofensa do artigo 19º e 20.º do CIMSISSD, artigo 43.º do CIRC e artigo 42.º do CIRS e ainda que o valor unitário de mercado de acções não cotadas, em 31.03.1997, não é normal que seja o mesmo praticado em 27.04.1995.

A questão da caducidade do direito à liquidação foi suscitada em alegações pré-sentenciais.

Ora, como diz o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.09.2003, proferido no processo n.º 895/13 « [a] questão da caducidade do direito à liquidação do imposto, constitui, « um vício de violação de lei susceptível de levar à anulação do acto de liquidação quando invocado no prazo legal para a dedução de impugnação judicial previsto no art. 102º do CPPT. Tal vício não foi, porém, invocado nesse prazo – pois que não foi articulado na petição inicial – nem se mostra alegado ou indiciado que a impugnante não teve nem podia ter tido conhecimento dos factos que sustentam tal vício na data da apresentação da petição.

Por outro lado, como é jurisprudência uniforme deste STA (Cfr., entre outros, os acórdãos nº 503/03, nº 564/02, nº1178/04, proferidos pelo Pleno respectivamente em 18/6/2003, 7/7/2004 e 18/5/2005, e os acórdãos nº 361/05, nº 913/05, nº 458/08, nº 264/09, nº 761/09, nº 1018/11 e 251/12, proferidos pela Secção, respectivamente em 2/11/2005, 25/1/2006, 29/10/2008, 13/5/2009, 25/11/2009, 25/1/2012 e 26/9/2012.), a questão da caducidade do direito à liquidação não é do conhecimento oficioso, e, por conseguinte, teria de ser suscitada pelo impugnante em sede de petição inicial. E, não o tendo sido, era vedado ao tribunal conhecer de tal questão. Deste modo, e uma vez que a omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal não se pronuncie sobre questão de que devesse conhecer, não pode proceder a arguida nulidade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Não havendo motivos para inverter a orientação adoptada no citado acórdão, que aqui se reitera, não ocorre, por isso, a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

DA PRESCRIÇÃO

Neste domínio, diz a recorrente que «O Tribunal recorrido na contagem do prazo de prescrição não considerou, o prazo decorrido a partir do 1 de Janeiro de 2007. E devia tê-lo feito, por força do disposto no art. 83 –B, da lei 53-A/2006.; Se tivesse considerado a totalidade do prazo prescricional, constataria que desde a verificação do facto tributário – 31 Dez de 1997 - decorreram de treze anos, seis meses, e onze dias. Pelo que a obrigação tributária se extinguiu por efeito de prescrição.» [Conclusões V) e W)].

É esta, pois, a questão que o Tribunal deve agora resolver.

Como se sabe, a prescrição da obrigação tributária, quando esta não seja oficiosamente conhecida (como deve ser, nos termos do artigo 175.º do CPPT) deve ser invocada na execução fiscal, onde o executado pode arguí-la, ou mediante requerimento endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável, nos termos do disposto no artigo 276.º do CPPT, ou, se estiver em tempo, mediante oposição à execução fiscal (cf. artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea d), do CPPT).

No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar do eventual provimento da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível. Verificando-se a prescrição, a lide impugnatória não tem qualquer utilidade. (cfr. Acórdãos do STA de 9.2.2005, 12.06.2007 e 16.1.2008, proferidos respectivamente nos processos n.ºs 939/04; 291/07 e 451/07; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.279 e seg.).

Chegados aqui, importa saber se a dívida está prescrita e se, por conseguinte, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento nesta parte.

Estando em causa imposto relativo ao ano de 1997, foi entendido pela sentença recorrida e não foi posto em causa pela recorrente, que era aplicável o prazo de oito anos previsto no artigo 48.º, nº 1 da LGT com início da contagem em 1 de Janeiro de 1999 (atento o disposto no artigo 297.º do CC - disposição legal que regula a sucessão no tempo de leis que fixam diferentes prazos de prescrição, como estipula o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, diploma que aprovou a LGT-).

O que significa que a obrigação tributária extinguir-se-ia, em princípio e na ausência de factos interruptivos e ou suspensivos da prescrição, no dia 31 de Dezembro 2006, como decorre das regras estabelecidas no artigo 279.º, alínea c), do Código Civil.

Nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 49.º da LGT (na redacção vigente à data dos factos e anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro), a interposição de reclamação interrompia a prescrição, cessando, contudo, aquele efeito se o processo estivesse parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se, deste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

Temos assim que, em relação à dívida tributária em causa no presente recurso (IRC de 1997), cujo prazo de prescrição se começa a contar a partir de 1 de Janeiro de 1999, ocorreu em 21 de Junho de 2002 uma primeira interrupção da prescrição por força da apresentação da impugnação judicial da liquidação [cfr. alínea F) do probatório].

Estavam decorridos a essa data 3 anos 6 meses e 21 dias.

A interrupção da prescrição tem como efeito instantâneo a inutilização, para a prescrição, de todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil). E tem como efeito duradouro, em alguns casos, que o novo prazo de prescrição não volta a correr enquanto pender o processo onde foi praticado o acto a que a lei atribui efeito interruptivo (cfr. artigo 327.º do mesmo Código).

No caso vertente, o processo de impugnação ficou parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte de 6 de Junho de 2006 a 7 de Fevereiro de 2008 [cfr. alínea F) do probatório].

Por força do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, (na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12), a impugnação judicial interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém, esse efeito se este processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data da autuação do processo.

É certo que esse preceito foi revogado pelo artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, mas essa revogação, embora aplicável aos prazos de prescrição em curso, nos termos do artigo 91.º da mesma lei não se aplica se à data em que esta entrou em vigor (1 de Janeiro de 2007 – cf. o seu artigo 163.º) tinha já decorrido período superior a um ano de paragem do processo por motivo não imputável ao sujeito passivo (neste sentido entre muitos vide: acórdão do STA de 08.05.2013, proferido no processo n.º 0629/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E assim sendo, cumpre indagar se em 31 de Dezembro de 2006 a impugnação judicial tinha parado por um ano por motivo não imputável à recorrente. Ora, no caso, o prazo de um ano de paragem da impugnação completou-se em 6 de Junho de 2007, ou seja, já após a entrada em vigor Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, por isso, não voltou a correr o prazo da prescrição deste que se interrompeu com a instauração da impugnação.

Por tudo o quanto vai exposto, é de concluir que a dívida de IRC referente ao exercício de 1997 não se encontra prescrita, por conseguinte, o recurso improcede nesta parte.

Prosseguindo.

De acordo com as conclusões das alegações apresentadas a terceira questão a decidir prende-se com a posição tomada nos autos pela Meritíssima Juiz a propósito da requerida produção de prova pericial.

Vejamos, então.

Resulta dos autos, que num primeiro momento, a Meritíssima Juiz diferiu a produção de prova pericial (diz o artigo 338º do CC: «tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objecto de inspecção judicial.» com o objecto proposto pela Recorrente (fls. 311).

Num segundo momento, após a atribuição do processo a outra Magistrada, foi proferido despacho do qual consta designadamente a seguinte fundamentação: «[a]nalisando os quesitos, a questão prende-se essencialmente, com a simulação ou não dos contratos. Nesse caso, a prova que foi arrolada pela Impugnante é o meio adequado para o esclarecimento do Tribunal do desenrolar das operações.» (fls. 320/321).

Na óptica da recorrente: [A] perícia era também essencial para apurar o valor da transação que originou a dívida exequenda, uma vez que “na falta de um valor de mercado referencial das ações (como é o caso dos autos) o critério a utilizar sempre teria que atender, pelo menos ao valor da empresa, aferido a partir da sua situação económica e financeira – Ac. 01016/06 do STA, 2ª seção, de 31/1/07.».

Justifica-se, por isso, que se comece pela apreciação do recurso do despacho interlocutório que dispensou a produção pericial, na medida em que  a sua eventual ilegalidade é susceptível de afectar/alterar a decisão de mérito proferida na sentença recorrida, na medida em que a admissão dessa prova pode, eventualmente, permitir à recorrente impugnante provar a factualidade por si alegada quanto  ao valor unitário de mercado de acções não cotadas na bolsa.

 Vejamos, então.

Podemos considerar, sem esforço, que o direito à prova constitui um direito estruturante da legislação processual civil e tributária.

Como bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.05.2013, proferido no processo n.º 984/12 «(…)  [o] processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral Tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. Por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova requeridas que se mostrem pertinentes, nomeadamente a prova testemunhal e pericial, em conformidade com o disposto nos artigos 114º, 115º, 116º e 118º do CPPT.

Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam – posto que em processo tributário de oposição são, em regra, admitidos todos os meios gerais de prova (art. 211º do CPPT) – pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

O regime jurídico da prova pericial no âmbito do processo judicial tributário vem consagrado no artigo 116º. do CPPT, nos termos do qual «1-Poderá haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados.2- A realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respectivamente, na petição inicial e na contestação.».

À prova pericial prevista no normativo parcialmente transcrito aplica-se o disposto nos artigos 467.º a 489.º (anteriores artigos 568.º a 591.º) do CPC (cfr. nº4 do artigo 116.º do CPPT).

Em termos conceptuais e jurídicos a perícia é um meio de prova. A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.2010, proferido no processo n.º 949/05.4TBOVR-AL1-8, na parte que ora nos interessa: «O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.

O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E, entendemos nós que é às partes que compete, segundo o critério que melhor entendem, eleger os meios de prova mais adequados à defesa das suas pretensões e que o tribunal deve ser particularmente cauteloso na rejeição de meios de prova.

Ora, no nosso caso, por importar saber o valor de acções não cotadas em bolsa, de acordo com a jurisprudência credenciada «[n]a falta de um valor de mercado referencial das acções (não cotadas na bolsa), o critério a utilizar sempre teria que atender, pelo menos, ao valor da empresa, aferido a partir da sua situação económico-financeira (…)». (Acórdão do STA de 31.01.2007, proferido no processo n.º 1016/06, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Por isso, tendo presente as considerações desenvolvidas supra, a produção de prova pericial requerida (em especial o quesito 5º), afigura-se com pertinência, para apurar, o valor de acções não cotadas, pois que, os diversos métodos de avaliação de empresas, (sabendo-se que podem dividir-se em três grandes grupos: métodos baseados numa óptica patrimonial/rendimento, métodos baseados nos cash flows e métodos dinâmicos), exigem conhecimentos especiais, técnicos e científicos.

Daqui retira-se, não pode, pois, por um lado indeferir-se a prova pericial e por outro, concluir-se que «[a] prova produzida pela Impugnante não afasta a conclusão a que chegou a AT.».  

E, como tal, a sentença recorrida incorre no erro de julgamento que lhe foi diagnosticado, como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Exactamente como se afirma no acórdão de 22.05.2013, (oportunamente citado): « [e]mbora a falta de produção de prova requerida e da sua ponderação e valoração no julgamento da matéria de facto não integre uma nulidade processual, sendo, antes, susceptível de consubstanciar um erro de julgamento - na medida da deficiência do juízo valorativo que a dispensou ou do erro cometido pelo julgador quanto à inexistência de elementos de prova ou das sua irrelevância para a decisão da causa – há que reconhecer que a sentença padece do referido erro de julgamento.».

Por isso, face ao que já explicámos, resulta a necessidade de ampliar a matéria de facto, devendo os autos baixar ao tribunal “a quo” para que aí seja realizada a produção de prova pericial, seguindo-se os demais termos legais necessários e prolação de nova sentença.

Significa isto que, o recurso merece provimento, e por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

IV. CONCLUSÕES

I. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 49.º da LGT, na redacção anterior à Lei 53-A/2006, de 29/12, a impugnação judicial interrompe o prazo de prescrição, cessando, porém, esse efeito se este processo estiver parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, somando-se neste caso o tempo que decorrer após esse período ao que decorreu até à data da autuação do processo.

II. Tal preceito foi revogado pelo artigo 90.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ressalvando-se unicamente os casos em que em 31 de Dezembro de 2006 se tivesse já completado um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (artigo 91.º da referida Lei).

III. No contencioso tributário vigora, o princípio do inquisitório, em vista da descoberta da verdade material ( cfr. artigos 99º da LGT e 13º do CPPT).

IV. A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (cfr. artigo 388.º do CPC).

V. Justifica-se a realização da prova pericial, com vista apurar o valor de mercado de acções não cotadas, na medida em que a aplicação dos diversos métodos de avaliação de empresas (métodos baseados numa óptica patrimonial/rendimento, métodos baseados nos cash flows e métodos dinâmicos) exigem conhecimentos especiais, técnicos, científicos ou de outra natureza.

V. DECISÃO

Nos termos supra expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que a matéria de facto seja ampliada nos termos acima determinados, com a oportuna prolação de sentença.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]