Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:311/23.7BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RAC
NULIDADE DA CITAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efetuada a citação, eventuais irregularidades deste ato não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objeto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.

II- Eventuais invalidades do ato de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

H………..-P………………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal que, na reclamação judicial por si deduzida, ao abrigo do artigo 276º e ss, do CPPT, em consequência do ato de citação para o processo de execução fiscal nº …………….566, julgou verificado o erro na forma do processo e a inviabilidade da convolação, absolvendo, consequentemente, a Fazenda Pública da instância. Subjacente ao processo de execução fiscal está a cobrança coerciva de IRC de 2012, no montante de € 219.124,16, acrescido de custas processuais e encargos, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

Nas suas alegações, o recorrente formula as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que determinou a verificação do erro na forma do processo e, consequentemente, decidiu pela nulidade do processo da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º……………..566, para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2012, no montante de € 219.124,16 acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 795,34, totalizando a quantia de € 219.919,50, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira.

B. A Recorrente, desde logo, requer que o presente recurso tenha subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, n.º 1 do CPPT), com efeito suspensivo (artigos 278.º, n.º 3 e 6 e 286.º, n.º 2 do CPPT).

C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente.

D. De facto, entendeu a Sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o ato de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis.

E. Em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela verificação do erro na forma do processo, pela nulidade do mesmo e pela absolvição da Fazenda Pública da instância, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.

F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.

G. O objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.

H. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) – desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, em razão da natureza e das características da dívida.

I. A indicação de que a supressão de determinadas garantias decorre “da natureza e características da dívida” corresponde a uma fundamentação – manifestamente insuficiente – de um ato administrativo.

J. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do ato administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

K. No caso concreto, os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorreção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efetividade da decisão de recuperação do auxilio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.

L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.

M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.

N. No entendimento da Recorrente, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,

O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua atuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer os seus direitos.

P. O que a AT não pode fazer, na perspetiva da Recorrente, é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.

Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão, pois – tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida–, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.º, 169.º, 189.º, 190.º, 196.º, 200.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.

R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efetuada, o resultado e a materialização da decisão que que foi tomada.

S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT, não havendo qualquer erro na forma de processo.

T. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.

U. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.

V. Em face de tudo quanto vem de se expor, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida, e substituí-la por outra que determine o prosseguimento dos autos.»


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A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira contra-alegou, reiterando na íntegra a posição assumida na sentença e pugnando pela improcedência do recurso sem, no entanto, formular conclusões.

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Por decisão sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 06/03/24, foi decidido declarar o Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e atribuir essa competência ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido, nos termos do disposto no artigo 18º, nº1, do CPPT.

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Recebidos os autos neste TCA Sul, os mesmos foram com vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público, que emitiu parecer no sentido de negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência desta Subsecção do TCA-Sul para decisão.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal. De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento:

a) quanto ao decidido sobre a verificação, in casu, do erro na forma de processo;

b) quanto à convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao Órgão de Execução Fiscal.

Importa, ainda, decidir do efeito fixado ao presente recurso jurisdicional. No despacho de admissão do recurso proferido Tribunal a quo foi fixado o efeito meramente devolutivo; a Recorrente pretende a fixação do efeito suspensivo.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Tratando-se de despacho liminar, o Tribunal a quo não autonomizou a matéria de facto que tomou em consideração para decidir. Passamos, assim, a transcrever na íntegra o despacho recorrido. Assim:

«H…………… – P………………………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA), doravante Reclamante, contribuinte fiscal n.º …………………, com sede na Rua dos Murças, n.º 15, 2.º andar, Letra G, 9000-058 Funchal, citada no processo de execução fiscal n.º ………..……………..566 instaurado para cobrança coerciva do acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2012, no montante de €219.124,16, acrescido de custas processuais e encargos, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira, deduz reclamação ao abrigo dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Alega, em síntese, que, no período de tributação de 2012, a Reclamante operou no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira ao abrigo do regime de auxílios “Zona Franca da Madeira - Regime III”, beneficiando, assim, do regime previsto no art. 36.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Refere que a citação para o processo de execução fiscal n.º ……………….566 incorpora uma tomada de decisão da Administração Tributária no sentido de executar uma dívida de acordo com regras procedimentais aparentemente diversas das estabelecidas na lei.

Sustenta que o conteúdo da citação não corresponde aos termos habitualmente utilizados nas citações em processos de execução fiscal.

E que o processo executivo padece de dois vícios:

- um de natureza formal, de nulidade da citação decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos, razão pela qual apresentou junto da Administração Tributária um requerimento de arguição de nulidade da citação;

- e um vício material de ilegalidade da decisão do órgão da execução fiscal contida na citação, ao vedar a possibilidade de pagamento em prestações e a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal ou à reclamação graciosa.

Refere que a citação padece dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei pela derrogação que efectua das garantias conferidas no processo tributário.

No mais sustenta que não identifica qualquer norma comunitária que derrogue as normas de processo tributário e que o princípio da legalidade tributária não é compatível com a derrogação de normas legais por mera decisão administrativa.

Finalmente defende a subida imediata da Reclamação ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal e o efeito suspensivo da mesma.

Pugna pela procedência da Reclamação e pede para este Tribunal anular o acto reclamado.


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A Fazenda Pública apresentou resposta.

Suscita o erro na forma de processo e a convolação para a forma de processo adequada.

Defende a vinculação do Estado Português à decisão da Comissão Europeia [Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de Dezembro de 2020], atendendo aos princípios do primado do direito da União e do efeito directo.

No mais sustenta que o prazo de recuperação [8 meses] fixado na decisão da Comissão Europeia dos auxílios de estado concedidos no âmbito do Regime III da Zona Franca da Madeira é incompatível com o efeito suspensivo da apresentação de garantia no âmbito da apresentação de oposição e da aceitação do pagamento em prestações.

Pugna pela improcedência da Reclamação.


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Observado o contraditório, a Reclamante pronunciou-se defendendo a improcedência do erro na forma de processo.

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O Ministério Público teve vista dos autos e pronunciou-se pela verificação do erro na forma de processo.

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Valor da acção:

Fixo à acção o valor de €219.919,50 - cf. art. 97.º - A, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.


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II. Saneamento

O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade.


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O erro na forma de processo



É manifesto que a tutela jurídica pretendida pela Reclamante, aferida pelo pedido, consiste na anulação do acto de citação para o processo de execução fiscal n.º ……………..566 que corre termos no Serviço de Finanças do Funchal 1.

De forma expressa a Reclamante autonomiza nos arts. 53.º e 54.º da petição inicial os vícios que imputa ao acto de citação:

Um de natureza formal, decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos, nomeadamente do valor da dívida para efeitos de prestação de garantia e de suspensão da execução.

E outro, de natureza material, referente a uma alegada decisão do órgão de execução fiscal, incluída na própria citação, ao vedar: (i) a possibilidade de pagamento em prestações e, (ii) a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal ou à reclamação graciosa.

O que está em causa, em ambos os vícios configurados pela Reclamante, é uma violação de formalidades legais pelo acto de citação.

Com efeito, resulta do art. 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que o acto de citação para a execução fiscal deve conter determinadas formalidades.

E, na verdade, os fundamentos que a Reclamante invoca na causa de pedir reconduzem-se à alegada violação dessas formalidades, ou seja a irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da citação, cf. art. 191.º do Código de Processo Civil ex vi do art. 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por outro lado, o conhecimento de vícios ocorridos no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto na norma de competência prevista no art. 10.º, n.º 1, alínea f), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Assim, qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão de formalidades legais, seja por violação de formalidades legais, não é susceptível de reacção directa do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica pretendida pela Reclamante.

E a nulidade da citação deve ser arguida em primeira linha junto do órgão da execução fiscal, e, apenas dessa decisão, cabe reclamação para o Tribunal Tributário. Cf. Acórdão do STA de 24/02/2010, processo n.º 923/08, e Acórdão do STA de 05/07/2012, processo n.º 873, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Por outras palavras, a utilização do meio gracioso perante a Administração Fiscal deve ser previamente concretizada pela Reclamante e será sobre a decisão proferida nessa sequência que legalmente incidirá e eventualmente se justificará a sindicância judicial.

O que constitui igualmente um pressuposto processual inominado de cuja verificação depende o recurso ao processo de reclamação previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Concluindo, o acto praticado pelo órgão da execução fiscal foi o acto de citação e qualquer reacção jurídica a esse acto, pelo executado, quer quanto a aspectos formais desse mesmo acto, quer quanto ao seu conteúdo, não é directamente feita para o Tribunal Tributário, antes deve ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.

Em face do exposto ocorre o erro na forma de processo, o qual constitui uma nulidade processual principal decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão peticionada.

Coloca-se ainda a possibilidade de convolação da petição inicial por este Tribunal (em virtude do erro na forma de processo utilizado) em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, para que aí seja apreciada a pretensão da Reclamante, cf. art. 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e art. 97.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária.

Neste sentido, cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/03/2004, processo n.º 0929/03, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/03/2015, processo n.º 01271/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Contudo, uma vez que a Reclamante expressamente refere, cf. arts. 53.º da petição inicial e arts. 12.º e 13.º, ambos do articulado de resposta à matéria de excepção, que apresentou um requerimento de arguição da nulidade da citação na execução fiscal, a convolação da petição inicial em requerimento de arguição da nulidade da citação revela-se um acto inútil e, como tal, vedado por lei. Cf. art. 130.º do Código de Processo Civil.

Concluo, assim, que, no presente caso, o erro na forma do processo conduz à nulidade de todo o processo, o que constitui uma excepção dilatória que dá lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública, cf. art. 193.º, n.º 1, 198.º, n.º 1, 577.º, alínea b) e 576.º, n.º 1 e n.º 2, todos do Código de Processo Civil ex vi do art. 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.


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Por ter dado causa à acção as custas ficam a cargo da Reclamante, cf. art. art. 527.º, n.º 1 e n.º2, do Código de Processo Civil.

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III. Decisão

Face ao exposto, considero verificado o erro na forma de processo e, consequentemente, declaro a nulidade do mesmo e absolvo da instância a Fazenda Pública. (…)»


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Ao abrigo do artigo 662º do CPC, por se relevarem úteis para a boa decisão da causa, e se encontrarem provados documentalmente, aditam-se ao probatório o seguinte facto:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra a H……………-………………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. (ZONA FRANCA DA MADEIRA, o processo de execução fiscal n.º ………………….566, com vista à cobrança coerciva de dívida de IRC de 2012 /Recuperação de auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. O Serviço de Finanças enviou à aqui Reclamante a citação para os termos da execução fiscal, cujo teor é o seguinte (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual):

« Quadro no original»

3. Na sequência da citação para o processo de execução fiscal, a Requerente apresentou, em 20/10/2023, uma petição inicial de Reclamação de Ato de Órgão de Execução Fiscal na qual consta o seguinte:

“A presente reclamação tem por objeto a decisão proferida pela Exma. Sr.a Diretora de Finanças do Funchal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal nº………………..566, instaurado para cobrança coerciva de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativo ao período de tributação de 2012, no montante de € 219.124,16, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 795,34, totalizando a quantia de € 219.919,50”.

(cfr. cfr. p.i constante do SITAF);

4. Na petição inicial de reclamação contra a decisão do órgão de execução fiscal mencionada no ponto anterior é formulado o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de Direito se requer a este Tribunal se digne admitir a presente reclamação, com efeito suspensivo e subida imediata nos autos, e julgá-la procedente por provada, anulando o ato reclamado, com as demais consequências legais”.

(cfr. cfr. p.i constante do SITAF)


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- De Direito

Comecemos por decidir quanto ao efeito a fixar ao presente recurso jurisdicional.

Com efeito, no despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal a quo foi fixado o efeito meramente devolutivo, com o qual a Recorrente discorda. Para a Recorrente, o recurso deve ter efeito suspensivo face aos elevados prejuízos que resultam da atribuição do efeito meramente devolutivo.

Vejamos.

Como se afirma no Acórdão do STA de 02/204/2020 – proc. 0600/19.5BELLE, “Os recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afetada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510.Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».

Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?

Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3 e8025823d00565c63;

- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;

- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d 758025842c0051c950;).

Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.

Assim, é de deferir a pretensão da Recorrente, de alteração do efeito do recurso”.

No caso, a reclamação subiu imediatamente, tendo sido invocado o prejuízo irreparável (278º do CPPT).

Ora, seguindo o entendimento jurisprudencial acima exposto, devemos concluir que o efeito suspensivo decorrente da subida imediata da reclamação do ato do órgão de execução deve manter-se no recurso jurisdicional, pelo que, concluindo, revoga-se o despacho que conferiu o efeito meramente devolutivo ao presente recurso jurisdicional, fixando-se, ao invés, efeito suspensivo.


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Avançando.

Recurso jurisdicional em tudo idêntico àquele que nos cumpre apreciar foi decidido, nesta data, por este TCA, no processo 27/24.7 BEFUN. Assim, passaremos a seguir, transcrevendo, o discurso adotado no mencionado acórdão. Aí se escreveu:

“Como vimos já, ao deixarmos transcrita na íntegra a decisão recorrida, o TAF do Funchal, considerando que “o acto praticado pelo órgão da execução fiscal foi o acto de citação”, concluiu que o mesmo não é diretamente atacável junto do Tribunal Tributário, devendo antes qualquer questão atinente à citação “ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal”. Assim, considerou a sentença estarmos perante um “erro na forma de processo, o qual constitui uma nulidade processual decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão peticionada”.

Colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, para que aí seja apreciada a pretensão da Reclamante, o Mmo. Juiz considerou que tal convolação revelar-se-ia um acto inútil e, como tal, vedado por lei, “uma vez que a Reclamante expressamente refere, cf.arts. 53º e 71º do respectivo articulado, que apresentou e/ou vai apresentar um requerimento de aguição da nulidade no processo de execução fiscal”.

Discordando do assim decidido, a Recorrente alega, em síntese, que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, quanto à identificação e juízo do objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente. De facto, entendeu a sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o acto de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis. E em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela verificação do erro na forma do processo, pela nulidade do mesmo e pela absolvição da Fazenda Pública da instância, arguindo que o conhecimento de vícios imputáveis à citação do executado é da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea f) do CPPT.

A alegação feita neste recurso é semelhante à que consta de outros processos, nomeadamente, do Proc. nº 320/23.6 BEFUN cujo acórdão foi proferido em 14/03/2024, sendo a questão essencial a mesma, embora a Reclamante seja diferente.

Iremos seguir de perto o referido acórdão, mas sempre com as devidas adaptações ao caso concreto.

Alega a recorrente que o objeto da reclamação judicial em causa é, ao invés, a decisão administrativa em matéria fiscal, proferida pela Exma. Sr.ª Diretora de Finanças do Funchal, de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar de modo fragmentado o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de estado (de resto, sem habilitação legal) – desaplicando, em concreto, as regras que preveem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, em razão da natureza e das características da dívida. Pelo que não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação, mas antes do acto administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.

Vejamos então.

A Recorrente, face ao teor da citação emitida em 08/11/2023 (como consta do ponto 2 por nós aditado ao probatório; leia-se, aqui, 27/09/23, ponto 2 dos factos provados), reagiu, apresentando reclamação nos termos do art. 276º do CPPT, pedindo a anulação do acto de citação, mencionando expressamente na petição inicial “Entende assim a Reclamante que o presente processo executivo padecerá de dois vícios: um de natureza formal, de nulidade da referida citação decorrente da falta de inclusão de elementos legalmente exigidos (razão pela qual a Reclamante irá, dentro dos prazos legais para o efeito, apresentar requerimento de arguição de nulidade de citação, nos termos do disposto no artigo 191º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi alínea e), do art. 2º do CPPT), e um vício material, da ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal, incluída na própria citação, quando a AT vem expressamente vedar (i) a possibilidade de pagamento em prestações e (ii) a possibilidade de ser conferido efeito suspensivo à oposição à execução fiscal (que desde já se atencipa, vai ser proposta pela ora Reclamante, ou à reclamação graciosa que a Reclamante irá apresentar.”

Aqui chegados, importa desde já salientar que o erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193º e 196º do CPC) sendo que a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr. Ac. do STA de 21/11/2019 – proc. 0670/15.5BEAVR).

Da mesma forma, no processo judicial tributário, o erro na forma do processo configura uma nulidade processual de conhecimento oficioso, sendo sanada mediante convolação para a forma do processo correta, importando, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).

In casu, é manifesto que a tutela jurídica pretendida pela Reclamante, aferida pelo pedido, consiste na anulação do acto da citação, tal como decidiu o Tribunal a quo.

O art. 190º do CPPT consagra as formalidades das citações, sendo que de acordo com o nº 2 dessa disposição legal “A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa”.

O pedido da Reclamante de anulação do acto reclamado assenta em alegadas irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da mesma (art. 191.º do CPC ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT).

Salienta-se ainda que o conhecimento de vícios que possam ter ocorrido no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT.

Qualquer irregularidade cometida no acto de citação, seja por omissão ou por violação de formalidades legais, não é suscetível de reclamação directa do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica, devendo ao invés, ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.

Concluindo, a sentença ao ter decidido nos termos em que o fez, ou seja, no sentido da verificação do erro na forma de processo procedeu de forma acertada.

Aliás, é a própria Reclamante que nos artigos 53º e 54º (aqui, 53º e 54º da p.i) da reclamação alega ir apresentar, quanto ao alegado vício formal, requerimento de arguição da nulidade da citação, nos termos do art. 191º do CPC; e quanto ao alegado vício material ir propor oposição à execução fiscal, ou reclamação graciosa.

Já em sede de alegações de recurso (art. 31º; também aqui, 31) alega que para além da reclamação judicial, requereu a declaração de nulidade da citação realizada e deduziu oposição à execução fiscal.

Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo, quando colocada a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal - cfr. art. 98º, nº 4 do CPPT, e art. 97º, nº 3 da LGT - considerou tal convolação um acto inútil e como tal vedado por lei, cfr. art. 130º do CPC, pois a Reclamante já o tinha apresentado ou ia apresentar, como se veio a confirmar por declaração expressa da recorrente.

Importa, pois, confirmar a decisão recorrida.

Em face do que aqui se decide, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados pela Recorrente”. – fim de citação.

O acórdão transcrito é aqui inteiramente aplicável, como se disse.

Tenhamos ainda presente que sobre a questão que aqui nos ocupou, colocada em idênticos termos, também o STA já se pronunciou em moldes semelhantes à posição que aqui foi adotada.

Lê-se no sumário do acórdão do STA, de 06/03/24, proferido no processo nº 0309/23.5BEFUN, que:

“ (…)

III - Inexistindo qualquer decisão do órgão da execução fiscal quanto aos termos em que deve ser efectuada a citação, eventuais irregularidades deste acto não podem ser assacadas a uma putativa decisão, que não pode ser erigida em objecto de reclamação judicial deduzida ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT.

IV - Eventuais invalidades do acto de citação não podem ser invocadas como fundamento autónomo da reclamação judicial prevista nos arts. 276.º e segs. do CPPT, antes devendo ser suscitadas junto do órgão da execução fiscal, com reclamação judicial de eventual decisão desfavorável”.

Em tal aresto, o Supremo enfrentou a questão, que aqui também vem colocada, de a Recorrente discordar “do entendimento adoptado na sentença, de que não pode considerar-se que o acto reclamado seja outro que não a citação. Como deixámos dito, continua a sustentar que «[o] objecto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal».

Na verdade, na petição inicial a Executada identificou o acto reclamado como «a decisão proferida pela Ex.ma Sr.ª Directora de Finanças do Funchal de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução»

Mas, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, essa decisão administrativa não existe – ou, pelo menos, não há motivo para a autonomizar do acto de citação –, sendo que a alegação da ora Recorrente «não encontra o menor respaldo no processo de execução fiscal», na medida em que não foi proferida pelo órgão da execução fiscal decisão autónoma alguma, designadamente quanto à «aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda».

Ora, a este propósito, o STA considerou o seguinte:

“(…)

Lidas as alegações constantes da petição inicial, concluímos, com a sentença, que o acto que a Executada considera enfermar de algumas ilegalidades – designadamente, as referências, insuficientemente fundamentadas, à impossibilidade de prestação de garantia em ordem à suspensão da execução fiscal por dedução de oposição à execução fiscal e à impossibilidade de pagamento em prestações – não pode ser senão o acto de citação.

Ora, como também bem referiu a sentença, com referência à jurisprudência pertinente ( A sentença refere o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.º 1075/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/94a5eb6a7d13630180257a8700375a1a.

No mesmo sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 24 de Fevereiro de 2010, proferido no processo com o n.º 923/08, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6603a143389bd257802576dd00504304 e de 5 de Julho de 2012, proferido no processo com o n.º 873/11, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/4bb3a5d51765e00680257a3a00584450.), «da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição – 30 dias –, nos termos do n.º 2 do art. 191.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos arts. 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal» - fim de citação.

Nestes termos, confirmando o que já antes havíamos concluído, conclui-se que falece a razão à Recorrente.

Uma nota final para evidenciar que as pretensões da reclamante, ora Recorrente, quanto à possibilidade de pagar a dívida em prestações ou beneficiar da suspensão da execução com prestação/dispensa de garantia (conclusão H) devem ser requeridas ao órgão da execução fiscal, assegurando a lei (artigo 276º e ss do CPPT) o controlo judicial (posterior) da decisão que sobre tais pretensões recaia.

Assim, face a tudo quanto foi exposto, resta, pois, concluir pela improcedência das conclusões que vimos de analisar, negando-se provimento ao recurso.


*

III - DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de abril de 2024


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano