Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:689/11.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:REVERSÃO;
GERÊNCIA EFECTIVA;
ACTOS DE GERÊNCIA;
CULPA;
PROVA
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
III – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SUB-SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente a oposição intentada por J....., citado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário da executada G....., Lda., referente ao processo 334420……, relativo a IRC e IVA de 2006 e 2007, coima e juros de mora, cujo pagamento voluntário terminou em 09-06-2010, veio apresentar recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:

«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que o oponente não praticou actos de gerência, sendo parte ilegítima.

II – Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente havia ou não exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e se foi por sua culpa que o património da sociedade se delapidou.

III – O oponente foi gerente da sociedade uma vez que a mesma se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes nomeados, sendo um deles, o ora oponente, não tendo logrado provar que nunca exerceu a gerência até porque assinou contratos e cheques, sendo que o seu nome, enquanto gerente, vinculava a sociedade devedora originária perante o banco, ou seja, perante terceiros, descontando como membro do órgão estatutário, isto é, como gerente pois só sendo gerente é que poderia efectuar os descontos para a Segurança Social naquela modalidade, pelo que a AT provou que o oponente era gerente desde 07/08/2001.

IV – Mas, para além do oponente, eram gerentes o seu pai e o seu cunhado, sendo que o seu pai faleceu em 13/05/2008, tendo tomado os destinos da devedora originária desde essa data, no intuito de cumprir os contratos realizados pelo seu pai.

V - Ora, neste circunspecto, o oponente é herdeiro de G……, seu pai, sendo que da herança, por si aceite, há-de sair e pagar, em 1.ª linha, as dividas, nos termos do art.º 2068.º do CC.

VI – Na verdade, tal como foi referido a sociedade não tinha bens e a insuficiência do património da sociedade reflectiu-se na esfera da devedora originária e, consequentemente, na dos herdeiros, podendo estes serem revertidos.

VII – Contudo, o oponente foi revertido por ter sido gerente e no período da sua gerência ter sido posto a pagamento a dívida exequenda, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. b) da LGT, isto é, em 2010, pelo que é parte legítima.

VIII - Por outro lado, também, não conseguiu provar que a insuficiência do património não foi por culpa sua, uma vez que a sua actuação não foi diligente, tendo desprotegido os credores.

IX – Mas, ainda que se admitisse que o oponente, actuou esporadicamente na sua condição de gerente, tal não seria suficiente para a eximir da responsabilidade porque “a jurisprudência tem vindo também a entender que a lei não exige, para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais das sociedades, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas por que se desenvolve a actividade da sociedade, bastando que pratiquem actos exteriorizadores da vontade e que vinculem a sociedade”. – vide Ac. do TCAN, de 06/07/2006, proferido no proc. n.º 00129/98

X – Em sede de oposição, é ao responsável subsidiário que incumbe o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.

XI – Por outro lado, o oponente não provou a inexistência da prática de actos de gerência tais como as fichas bancárias em que se ateste a impossibilidade do oponente ter acesso a dados de contas bancárias e legitimidade na sua movimentação, nem outros quaisquer documentos que comprovassem que não exerceu a gerência bem pelo contrário, pois ao assinar cheques significa que tem acesso às contas bancárias e, ao emiti-los vinculou a sociedade a sociedade, com a sua assinatura, perante terceiros.

XII - A actuação do oponente como gerente da sociedade, fez, assim, crer a terceiros que era responsável pelas obrigações que advinham em resultado do exercício da actividade da sociedade.

XIII - “Quanto à responsabilidade dos oponentes, não podendo esquecer que o regime é o do art.º 24.º da LGT, para ilidir a culpa o oponente teria que fazer uma prova positiva de que não existiu qualquer relação causal entre a sua actuação e a insuficiência patrimonial da empresa que geriu. E tal só será alcançado se o oponente alegar factos, por exemplo, respeitantes à situação financeira económica da empresa, à sua actuação concreta para alcançar os objectivos para que a sociedade se constituiu. Quais sejam esses factos em concreto, apenas cada gerente o poderá saber pois dependem das particularidades de cada sociedade, da actividade que desenvolvida, da conjuntura em que laboraram. Certo é que nada valem para aquele efeito as afirmações de foi um gerente rigoroso ou sóbrio, ou criterioso, ou diligente ou cumpridor”. – vide Ac. do TCAN de 07/12/2005, rec. 0086/01

XIV - Ora, o oponente não logrou fazer esta prova, não se podendo concluir que não tenha agido com culpa quanto ao facto de o património social se ter revelado inexistente quando a dívida exequenda foi instaurada.

XV - Na verdade, não pode a Fazenda corroborar com a posição assumida pelo Tribunal a quo quando considera que o oponente é parte ilegítima.

XVI - Neste desiderato, não pode ser considerado o oponente como parte ilegítima da execução fiscal, pelo que a douta sentença deverá ser substituída por uma outra que considera o oponente como parte legítima da execução fiscal.

XVII - Assim, a responsabilidade do oponente, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, “nada tem que ver com o facto constitutivo da obrigação tributária não cumprida, mas com deveres funcionais de administração, mais concretamente, pela inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção do credor tributário e que foi a causa da insuficiência do património social para a satisfação daquele crédito” – vide PAULO MARQUES, Responsabilidade tributária dos gestores e dos técnicos oficiais de contas, 2011, Coimbra Editora, pág. 176

XVIII - “A culpa afere-se em abstracto, pela diligência de um administrador ou gerente pressuposto medianamente diligente e respeitador das boas práticas comerciais (bonus pater familiae, na tradição jurídica), operando com a teoria da causalidade, seguindo um processo lógico de prognose póstuma, por forma a averiguar se a actuação daquele enquanto representante da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos fiscais” - vide Ac. do TCAS de 06/10/2009, proferido no proc. n.º 03267/09).

XIX - Nos termos do n.º 1 do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

“a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;

e

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.”

XX - O oponente, ao alegar que não teve intervenção nos destinos da sociedade, como era seu dever tendo legitimidade para tal, apenas indica que norteou a sua actuação, enquanto administrador da devedora originária, por condutas omissivas, ou seja, que se demitiu dos seus deveres, nomeadamente de vigilância.

XXI - O ora oponente, na sua actuação enquanto administrador da sociedade violou o dever diligência, tal como vimos a aludir, pelo que é parte legítima na presente oposição.

XXII - Pelo facto de não ter provado de que não era gerente de facto ou por quem era exercido esse cargo, através de acta e, por se ter afirmado e provado que o oponente era gerente à data da constituição da dívida exequenda, foi por sua culpa que a sociedade devedora originária não cumpriu com as suas obrigações.

XXIII - Ou seja, a culpa “…traduz-se sempre num juízo de censura em relação à actuação do agente: o lesante, pela sua capacidade, e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo”. - vide Ac. TCAS de 23/06/2009, proferido no Proc. n.º 02890/09

XXIV - Face ao exposto, demonstra-se a culpa do oponente, nomeadamente por omissão de deveres legais que lhe estavam cometidos por força da sua qualidade de gerente na devedora originária.

XXV - Efectivamente, é à gerência (enquanto órgão cujas funções são definidas por lei que força criá-lo para permitir à sociedade actuar no comércio jurídico) que incumbe (pode e deve) praticar todos os actos necessários para o cumprimento dos deveres impostos por lei à sociedade e os necessários ou convenientes para realizar o seu objecto social (art. 259º do CSC).

XXVI - Sendo a vontade da sociedade sempre formada e declarada pelos gerentes, quer tenha ou não havido prévia deliberação dos sócios.

XXVII - Determina o art. 64º do CSC um dever geral de diligência de carácter objectivo, indiferente às circunstâncias pessoais do gerente, não podendo este desculpar-se invocando desconhecimento, incapacidade ou incompetência para gerir empresas. – vide Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. III, pág. 149 e 150.

XXVIII - Ora, sendo a sociedade administrada e representada pelos gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade, nos termos do art.º 252.º n.º 1 do CSC.

XXIX - Tendo sido os gerentes designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, nos termos do art.º. 252.º n.º 2 do CSC.

XXX - Por outro lado, as funções de gerente subsiste enquanto não terminar por destituição ou renúncia, sem prejuízo de o contrato de sociedade ou o acto de designação poder fixar a duração delas, nos termos do art.º 256.º do CSC.

XXXI - Em que, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes e, se a sociedade tiver apenas dois, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro, nos termos do art.º 257.º n.º 1 e 5 do CSC.

XXXII - Assim sendo, o oponente poderia nunca tendo exercido a gerência de facto, renunciado à mesma, nos termos do art.º 258.º do CSC, em momento anterior a 2008, o que não fez.

XXXIII - O oponente era gerente da sociedade devedora originária, ou seja, pelo facto de ser gerente praticou os actos que foram necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios, nos termos do art.º 259.º do CSC.

XXXIV - E, os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, nos termos do art.º 260.º n.º 1 do CSC.

XXXV - Neste pendor, o oponente é parte legítima da presente execução.

XXXVI – Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados nos art.ºs 252.º, 259.º, 260.º, 261, 78.º todos do CSC bem como do art.º 24.º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:

«O Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. e segs., proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por J....., na qualidade de revertido, na execução instaurada contra “G…, Lda.”, por dívidas relativas a IRC e IVA de 2006 e 2007, por com ela não concordar.

A Recorrente nas suas conclusões do recurso arremata que não logrou o oponente ora recorrido, fazer prova do não exercício da gerência de facto, da ausência de culpa pela insuficiência do património originário da devedora para garantir a quantia exequenda, e que perante os meios probatórios, se impunha decisão diversa da recorrida.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Vejamos.

In casu, a questão a dilucidar prende-se com a questão da gerência de facto como requisito da responsabilidade subsidiária prevista do art. 24º da LGT e da ausência de culpa pela insuficiência do património.

O regime da responsabilidade subsidiária aplicável à situação dos autos, é exclusivamente o resultante do disposto no artigo 24.º da LGT, segundo o qual a responsabilidade subsidiária dos gerentes tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente.

Do texto do nº1 do supra referido artigo, resulta a não exigência da gerência nominal ou de direito, bastando que as pessoas desempenhando os cargos aí nominados, exerçam tais funções ainda que somente de facto.

Dito por outras palavras, a lei exige para a responsabilização ao abrigo do art. 24.º da LGT a gerência efetiva ou de facto, o efetivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito

Incumbe à AT o ónus da prova dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora, entre os quais se inclui o exercício efetivo da gerência.

A falta de prova dessa gerência deve ser valorada contra a AT, uma vez que não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função, nem mesmo a inscrição no Registo Comercial da nomeação de alguém como gerente, pois tal resulta apenas a presunção legal, conf. art. 11º do CRC de que é gerente de direito, não de que exerça efetivas funções de gerência.

Porém, provada que esteja a nomeação do oponente para a gerência de direito, o tribunal, com poderes para fixar a matéria de facto, pode utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. Portanto, para efeitos de julgamento da gerência de facto o tribunal não está impedido de fazer uso das presunções judiciais.

Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice. Neste, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa permitem afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Oponente, sendo certo, que está provado que este, detinha a respetiva gerência nominal ou de direito da executada originária.

Insurge-se a recorrente contra a sentença sob recurso, atacando a mesmo de erro de julgamento da matéria de facto, por erro na valoração da prova, ao não se ter dado como provado ter o ora recorrente exercido a gerência de facto da devedora originária durante o período a que respeitam as dívidas exequendas e, ao não considerar provada a responsabilidade do recorrente pelo não pagamento das dívidas exequendas.

A divergência situa-se, antes do mais, no âmbito da valoração prova, e esgrima-se na fronteira do erro de direito, já que enquanto a Mm.ª Juiz recorrida entendeu que a prova produzida suporta a conclusão da não efetiva gerência, a recorrente, por seu turno, considera que a factualidade demonstrada é suficiente para concluir pela sua responsabilização àquele título.

Cumpre pois aferir, em função das conclusões apresentadas pela recorrente, se como entendeu a decisão recorrida, o oponente é parte ilegítima para a execução a que estes autos respeitam, ou se ao invés, se deve concluir pelo oposto, como defende a mesma. E para assim concluir, arrima-se, no essencial, a recorrente, ao entendimento de que exerceu efetivamente a gerência da executada originária.

Não podemos concordar com o defendido pela Fazenda Pública.

Importa salientar, na esteira das considerações apresentada supra, que a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Ora, tendo a gerência efetiva de ser comprovada, sendo que a sua demonstração cabe à AT, é conclusivo, que o facto de resultar do teor de matrícula da sociedade devedora originária, emitida pela CRC, que este foi gerente, por si só, não é idóneo, nem sustenta com segurança o exercício efetivo da aludida gerência, quando desacompanhado de atos de gerência.

Com já atrás referimos, o ónus material da prova da gerência de facto do oponente pesa sobre a AT, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 342.° do Código Civil, resulta ter, a Recorrente, falhado a prova de que o oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, também exercia de facto aquela gerência praticando os atos próprios e típicos inerentes a esse exercício nos anos aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respetiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas e, com isso, deverá concluir-se, pela ilegitimidade do mesmo para a execução a implicar a procedência da oposição à execução fiscal.

Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.»


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Com dispensa de vistos, vem o processo à conferência.

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Questões a decidir

Saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento por ter considerado que o Recorrido não exerceu a gerência efectiva da devedora originária e, consequentemente, ter concluído pela sua ilegitimidade no processo de execução fiscal que contra si revertera.

II - Fundamentação

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. Foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 334420….., por dívidas de IRC de 2006 e 2007, cuja devedora originária era a sociedade "G….. Lda.", NIPC 505….. que tinha como objecto cofragens, construção civil e obras públicas;

2. No âmbito do processo referido no ponto anterior o Oponente foi chamado à execução na qualidade de revertido por dívidas da devedora originária de IVA e IRC de 2006 e 2007 com data limite de pagamento em 2010, e coima a ser cobrada no processo de execução nº 33442….. por IVA referente ao período 3º trimestre de 2008 (fl. 18)

3. As execuções foram instauradas com base nas certidões de dívidas referidas pelo Oponente, facto corroborado pela Administração Tributária e Aduaneira da sua contestação;

4. A devedora originária era uma sociedade de natureza familiar, constando na certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, como sócios G…., J….. e A….. , e como forma de obrigar pela assinatura de um gerente (fl. 23 e 24);

5. J….. é filho de G…. e A…. é seu genro (facto que não vem controvertido);

6. Em 13/05/2008 G……, faleceu (cf., assento de óbito);

7. A 15/12/2008 foi deliberado por unanimidade dissolver a sociedade devedora originária (fl. 29 e 30);

8. Em 28/10/2009 foi paga uma coima no valor de 250€ (fl. 33);

9. Em 28/10/2009 foi pago no âmbito do processo de execução 3344….. o valor de 2.888,60€ (fl. 34);

10. O Oponente outorgou em nome da devedora originária dois contratos de empreitada (documentos juntos com a contestação);

11. O Oponente emitiu três cheques em nome da devedora originária (documentos juntos com a contestação);

12. Os factos referidos no ponto 10 e 11 têm a data do ano de 2007 (fl. 126 e 127);

13. As dívidas dos anos de 2006 e 2007 foram apuradas com recurso a métodos indiciários (cf., relatórios da inspecção nos autos);

14. O relatório da inspeção referente ao ano de 2006 mereceu despacho do chefe de divisão em 3/03/2010 (fl. 169);

15. O relatório da inspeção referente ao ano de 2007 mereceu despacho do chefe de divisão em 30/08/2010 (fl. 169);

16. No âmbito da referida inspecção constatou-se que o devedor originário cumpriu nos exercícios de 2006 e 2007 as obrigações declarativas (cf. relatório da inspecção nos autos);

17. “Embora fossem três os sócios – gerentes, a gerência de facto era exercida pelo sócio G……. (pai e sogro dos outros dois sócios), sendo ele quem dava as ordens, actuando os outros sócios como meros funcionários dele”. “Acrescentou ainda que, uma vez que o referido sócio G..... faleceu em 13/05/2008, desconhece a existência de documentos que comprovem a efectiva gerência de facto pelo mesmo, uma vez que se baseava numa relação familiar de confiança, em que o Sr. G…., na qualidade de pai e de sogro era quem dirigia tudo (fl. 193 dos autos e Declaração da Sra. D. E….. na qualidade de procuradora do sócio – gerente da devedora originária);

18. O Sócio “G.....” adjudicava as obras, contratava as empreitadas, fazia os pagamentos, (depoimento de todas as testemunhas);

19. Era o Sr. “G.....” que lhe entregava os documentos para que fossem contabilizados (1ª testemunha);

20. Constavam verbas na contabilidade que não eram contabilizadas, não havia um controlo das despesas por parte do Sr. G..... que procurava posteriormente encontrar os documentos dessas despesas (depoimento do TOC);

21. O Oponente trabalhava nas obras, na área da cofragem, (levantamento de prédios), de acordo com a orientação do Sr. “G.....” (depoimento de todas as testemunhas);

22. O Oponente efectuava descontos para a Segurança Social como “Membro do Órgão Estatutário” (fl. 235);

23. Com a morte do Sr. “G.....” os outros dois sócios assumiram a gerência (depoimento do TOC. 1ª testemunha e 2ª testemunha).


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Os factos deram-se como provados tendo em conta os documentos não impugnados e o depoimento das testemunhas que mostraram ter conhecimento direto dos mesmos. A primeira testemunha responsável pela contabilidade que contactava directamente com o Sr. G..... referiu que era este que lhe dava os documentos para efectuar a mesma mas não lhe entregava toda a documentação. Esta testemunha referiu que nos anos em causa os outros gerentes estavam a par dos negócios da sociedade. O que contraria o referido pelo Oponente que imputam um e às outras responsabilidades pela deficiência da contabilidade. Por isso não relevamos o facto de que o Oponente tenha responsabilidade na gerência no período em causa. Referiu que com a morte do primeiro deixou de fazer a contabilidade “pagou as dívidas e dissolveu a sociedade”. Contudo, foi peremptório ao referir que quem geria a sociedade era o Sr. G..... e com a morte do mesmo passaram os outros sócios a gerir a mesma até à dissolução.

Por sua vez a segunda testemunha, com a profissão de carpinteiro, referiu que trabalhou e conjunto com o Oponente na obra e via o Sr. G..... como seu patrão, era ele que lhe pagava em dinheiro.

Por fim a terceira testemunha com a profissão na área em que a sociedade desenvolvia a sua actividade (era armador de ferro), conhecia o Oponente por trabalhar com ele directamente.

A Quarta testemunha que também me mereceu credibilidade por mostrar conhecimento dos factos, nomeadamente pelas referências que efectuou à actividade desenvolvida e modo como eram efectuados os contratos e a necessidade de contratar subempreitadas, levou o tribunal a dar como provados os factos supra indicados.

Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou.


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Nos termos do preceituado no nº1 do artigo 662º do C.P.C., altera-se a formulação do ponto 17) dos factos provados, o qual passará a ter a seguinte redacção:

“17) No decurso da acção inspectiva foi ouvida em declarações E.....na qualidade de procuradora do sócio – gerente da devedora originária J....., no qual referiu que: “Embora fossem três os sócios – gerentes, a gerência de facto era exercida pelo sócio G.... (pai e sogro dos outros dois sócios), sendo ele quem dava as ordens, actuando os outros sócios como meros funcionários dele”. “Acrescentou ainda que, uma vez que o referido sócio G..... faleceu em 13/05/2008, desconhece a existência de documentos que comprovem a efectiva gerência de facto pelo mesmo, uma vez que se baseava numa relação familiar de confiança, em que o Sr. G....., na qualidade de pai e de sogro era quem dirigia tudo.” – Cfr. Termo de Declarações de E..... na qualidade de procuradora do sócio – gerente da devedora originária, a fls. 200 a 202, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;”

Procede-se à alteração do ponto 19) dos factos provados nos termos que se seguem:

“19) Os documentos a contabilizar eram entregues pelo Sr. “G.....” ao TOC – Cfr. depoimento da 1ª testemunha inquirida, responsável pela contabilidade da devedora originária;”

Aditam-se ao probatório os seguintes factos:

24) Em 14 de Julho de 2008 o sócio-gerente J..... outorgou procuração, nessa qualidade, a favor de E…..– Cfr. Documento a fls. 203 a 206, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

25) Em 13 de Janeiro de 2011 foi ouvido em declarações, no Serviço de Finanças de Lisboa 11, J……., na qualidade de TOC de “G....., Ldª”, e questionado sobre quem exercia as funções de gerente/administrador (nome, NIF antes e depois do falecimento do sócio G.....) e sobre quem eram os responsáveis pela gestão financeira, designadamente aprovação de pagamento e as contratualizações com terceiros, declarou que, não obstante ser o Sr. G..... que assumia as decisões a tomar na sociedade e a gestão ser por si controlada, os sócios J……. sempre tiveram conhecimento e participavam nos negócios e administração da sociedade – Cfr. Termo de Declarações a fls. 227 e 228, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por ter considerado não se encontrarem reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, uma vez que a FP não logrou demonstrar e provar que o Recorrido tinha exercido a gerência efectiva da sociedade devedora originária.

Entende a Recorrente que deveria a sentença ter considerado que o Recorrido/Oponente exerceu a gerência efectiva da devedora originária em virtude de ter aposto a sua assinatura em 2 contratos, em 4 cheques bancários, bem como pela circunstância de ter efectuado descontos para a Segurança Social, na qualidade de membro de órgão estatutário, entre os anos de 2005 e 2007.

Afirma que o ónus da prova do exercício da gerência efectiva recai sobre o Recorrido.

Considerando que a Recorrente pretende a revogação in totum da sentença recorrida, entendemos que o ataque à mesma inclui o decidido relativamente às dívidas exequendas de coimas, não obstante a Recorrente não ter autonomizado a argumentação quanto a esse aspecto.

Vejamos.

Está em apreciação a sentença do TT de Lisboa que decidiu pela procedência da oposição quanto à ilegitimidade do Oponente quanto a todas as dívidas contidas na reversão.

Apreciando a ilegitimidade do revertido quanto às dívidas decorrentes de impostos e de coimas, a sentença concluiu pela ilegitimidade do Oponente uma vez que considerou não se encontrando reunidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária do Oponente, verifica-se a sua ilegitimidade e em consequência não lhe pode ser assacada a responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda.

Para chegar a tal conclusão, a sentença recorrida desconsiderou os argumentos avançados pela FP, nos seguintes termos:

“(…) Quanto a este último fundamento (o facto de ter efectuado descontos para a segurança social), não procede pois o Oponente não contesta que é sócio da sociedade e resulta do contrato que todos os sócios são gerentes. Não é por trabalhar nas obras com os outros operários que deixa de ser sócio da devedora originária.”

Mais refere a sentença recorrida que “quanto às referidas assinaturas entendemos que não merecem relevo suficiente para daí se extrair que nos períodos em causa (2006 e 2007) o Oponente exerceu a gerência da sociedade. Esta conclusão retira-se do contraponto que efectuamos com o depoimento das testemunhas que como referimos nos merecem credibilidade e resultaram nos factos dados como provados. No caso, entendemos que estes factos se revelam meramente casuais para deles inferir que o Oponente foi gerente da devedora originária.(…)”

Vejamos.

Antes de mais, cumpre precisar que em matéria relativa ao exercício efectivo da gerência de uma sociedade, como é, aliás, jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Tal como resulta da matéria de facto, o Oponente, ora Recorrido, trabalhava nas obras, na área da cofragem (levantamento de prédios), de acordo com a orientação do Sr. G......

Resultou, igualmente, provado que era o Sr. G..... que adjudicava as obras, contratava os empreiteiros e fazia os pagamentos.

E que o Recorrido outorgou dois contratos de empreitada em representação da devedora originária, tendo assinado 4 cheques nessa qualidade.

Considerando a matéria de facto provada, e referindo o depoimento das testemunhas inquiridas, a sentença recorrida concluiu que não tinha sido feita prova bastante no sentido de se considerar o Recorrido como gerente efectivo da devedora originária, tendo decidido pela procedência da Oposição, por ilegitimidade do Oponente.

De acordo com o artigo 24º, nº1 da LGT:
1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Ora, a reversão operada ao abrigo do apontado artigo 24º, nº1 da LGT pressupõe sempre - independentemente de se tratar da alínea a) ou b) – o exercício efectivo das funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, o que resulta claramente da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” ou, também, da alusão ao “período de exercício do seu cargo”.
Por conseguinte, fácil é concluir que, para efeitos de efectivação da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não basta, para a responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

A sentença recorrida desconsiderou os actos de gerência praticados pelo Recorrido, que entendeu serem pontuais, concluindo que não eram suficientes para prova da gerência efectiva.

A Recorrente entende que, contrariamente ao decidido, o oponente foi gerente da sociedade uma vez que a mesma se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes nomeados, sendo um deles, o ora oponente, não tendo logrado provar que nunca exerceu a gerência até porque assinou contratos e cheques, sendo que o seu nome, enquanto gerente, vinculava a sociedade devedora originária perante o banco, ou seja, perante terceiros, descontando como membro do órgão estatutário, isto é, como gerente pois só sendo gerente é que poderia efectuar os descontos para a Segurança Social naquela modalidade, pelo que a AT provou que o oponente era gerente desde 07/08/2001.

Do probatório fixado na sentença recorrida resulta que o Recorrido: i) outorgou, em nome da devedora originária, dois contratos de empreitada; ii) emitiu 3 cheques em nome da devedora originária; iii) efectuava descontos para a Segurança Social na qualidade de membro de órgão estatutário.

Ficou também provado que, no depoimento prestado perante a AT, o TOC da devedora originária referiu que o Recorrido sempre teve conhecimento e participava nos negócios e administração da sociedade.

E que o Recorrido outorgou procuração, na qualidade de sócio-gerente, a favor de E…., a quem conferiu poderes de representação da devedora originária.

Ora, contrariamente ao entendimento seguido pela sentença recorrida, entendemos que a sequência de actos de gerência referidos supra não deve ser desconsiderada, antes deve ser valorada como reveladora do exercício efectivo do cargo de gerente pelo ora Recorrido, já que praticou actos de gerência vinculativos da sociedade perante terceiros, a saber, a assinatura de contratos de empreitada e de cheques bancários, bem como a outorga de procuração a favor de terceiro, na qualidade de gerente da devedora originária.

A série de actos descritos no probatório reflectem o exercício continuado da actividade normalmente praticada pelos gerentes na prossecução do objecto social e consubstanciam, claramente, operações destinadas a assegurar o giro comercial da sociedade, ou seja, não estamos em presença de actos isolados, como entendeu a sentença recorrida.

Concluímos, pois, que, contrariamente ao decidido em primeira instância, ficou demonstrado o exercício efectivo de funções de gerência pelo Recorrido.


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Provada a gerência efectiva do Recorrido, cumpre, agora, apreciar a questão da culpa na insuficiência do património da devedora originária para satisfação dos créditos fiscais.

Refere a Recorrente que o Recorrido não conseguiu provar que a insuficiência do património não foi por culpa sua, uma vez que a sua actuação não foi diligente, tendo desprotegido os credores.

Fundando-se a reversão da execução no artigo 24º, nº.1, alínea b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente revertido, no caso o Recorrido, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, à excepção das dívidas respeitantes a coimas fiscais. Com efeito, a alínea b), do nº.1, do artigo 24º, da LGT, consagra uma presunção de culpa que onera o revertido.

A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto, tendo presente que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos. A responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade.

Ora, aqui chegados, há que concluir que o Oponente nada provou. Aliás, nem sequer alegou em conformidade, já que, na sua tese “o Oponente não tinha a gerência de facto e não foi por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para satisfação das dívidas fiscais”.

Assim, não se podendo retirar da factualidade provada que o Recorrente tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da devedora originária se ficou a dever, unicamente, a factores externos e que, no exercício da administração, o Recorrente usou da diligência de um "bonus pater familias".

Há, assim, que concluir que a insuficiência patrimonial da devedora originária é imputável, a título de culpa, à actuação do Recorrido/oponente, verificando-se, assim, todos os requisitos legais para a reversão contra si das dívidas de tributos em causa nos autos, considerando-se o recurso interposto pela Fazenda Pública procedente, nesta parte.

Já assim não será, porém, no que respeita às dívidas respeitantes a coimas, relativamente à prova da culpa, como bem decidiu a sentença recorrida.

Efectivamente, apoiando-se em jurisprudência do STA, que identifica, a sentença recorrida concluiu que o ónus da prova relativamente à culpa do gerente, relativamente às coimas fiscais, recai sobre a Fazenda Pública, sendo que refere não ter sido alegado nem provado que o Recorrido/oponente teve culpa para efeito do artigo 8º do RGIT e nº1 do artigo 74º da LGT.

Ora, e porque assim é, não tendo a Fazenda Pública demonstrado a culpa do Recorrido pela insuficiência do património societário no que diz respeito às dívidas de coimas, é de manter o decidido pelo tribunal “a quo”, neste segmento, o que significa que improcede o recurso, neste aspecto.


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III – Dispositivo

Termos em que, acordam os juízes da 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso e:

· Revogar a sentença recorrida no segmento correspondente às dívidas resultantes de impostos e julgar a oposição improcedente, nesta parte;

· Manter a sentença recorrida quanto ao demais, ou seja, no que diz respeito às dívidas de coimas.

Custas na proporção do decaimento.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Julho de 2019


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(Isabel Maria Fernandes)

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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Hélia Gameiro Silva)