Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5/14.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO;
VENCIMENTO;
CUSTAS;
RESPONSABILIDADE.
Sumário:I. A justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva e que esta é revelada fundamentalmente pelo seu lucro real (cfr. artigos 103.º, n.º1 e artigo do 104.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa).

II. Embora o regime regra seja o da tributação do rendimento real, esta regra admite excepções, como é o caso, por exemplo, do regime simplificado de tributação (criado com a reforma fiscal de 2000) que logra aplicabilidade supletivamente aos sujeitos passivos que cumpram determinados requisitos e que não optem pela tributação com base em contabilidade organizada.

III.O vencimento ou decaimento, total ou parcial, é aferido face à parte dispositiva da decisão e não aos seus fundamentos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

F.......... e a FAZENDA PÚBLICA dizendo-se inconformados com a sentença proferida pelo TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA na parte em que para cada uma deles a mesma lhes foi desfavorável, na impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos Juros Compensatórios (JC), do ano de 2008, vieram da mesma recorrer para este Tribunal Central Administrativo.

O recorrente (F..........) veio oferecer as suas alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

«1ª) O âmbito deste Recurso incide sobre os liquidados valores de 57.357,39€ sob o desígnio de Rendimento Global, bem como o de 17.020,79€ sob o título de Imposto liquidado constantes do Doc. 3 junto com a p.i. nas colunas respetivamente com os nºs 1 e 24 (in 3º § de fls. 31 da sentença).

2ª) Fica excluído do Recurso (obrigatoriamente por imposição legal) o valor de 1693,68€ de juros compensatórios (coluna 26 do mesmo Doc. 3) porque foi sentenciada a sua anulação, logo com procedência do peticionado.

3ª) Conforme manda o artigo 2º da Lei Geral Tributária e suas quatro alíneas (da a) a d) (Dec. Lei Nº 398/98 do dia 17 de Dezembro), aquela Lei (LGT) está no topo do ordenamento jurídico - tributário em termos da sua prioritária aplicação, só se passando para os outros diplomas ali escritos se a mesma padecer de omissão estatuidora para a situação “sub Júdice”.

4ª) Na situação sob recurso “in casu” entende-se ser-lhe aplicável o que está consagrado sob a al.b) do nº 1 do art. 87º e no art. 88º ambos da LGT.

5ª) As duas teses em confronto quanto ao apuramento do “quantum” do rendimento tributável são:

- A do recorrente que entende dever ser seguido, tal como para os anos de 2009 e de 2010, o da avaliação indireta.

- A da AT (Repr. Faz. Pública) com acolhimento na sentença sob análise que entende ser aplicável o regime simplificado.

6ª) Da real e provada análise comparativa dos 3 exercícios fiscalizados (2008, 2009 e 2010) resulta evidente que o tratamento oficioso dado pela AT ao recorrente em redor do ano de 2008 gerou-lhe um valor a pagar muito superior à soma dos outros 2 anos e daí a ilegal violação do consagrado no nº 1 do art. 103º e no nº 1 do art. 104º ambos da Constituição da República Portuguesa, quanto à justa repartição dos rendimentos e sua tributação o que é suficiente e adequado para gerar a elaboração de Acórdão que anule a sentença da 1ª Instância.

7ª) Nos exercícios dos anos de 2009 e de 2010, o resultado fiscal do recorrente não estava impedido de ser apurado conforme as regras do regime simplificado como emana do estatuído sob o nº 6 do art. 28º do CIRS aplicável nessa época.

8ª) De facto as condições e pressupostos que levaram a AT a aplicar o regime (regra) da contabilidade organizada para os anos de 2009 e de 2010 também se verificaram para o ano de 2008.

9ª) O princípio da capacidade contributiva do recorrente (“in” nº 1 do art. 4º da LGT) ficou objetiva e inequivocamente violado no sentenciado pois o valor fixado para tal exercício (2008) não atentou nos reais rendimentos do recorrente e violou os artigos 13º, 103º e 104º da Constituição República Portuguesa.

10ª) Pela aplicação prioritária do disposto na LGT (anterior conclusão 3ª) “in casu”, ou seja, com expressa exclusão da aplicação do art. 28º do CIRS, e porque o Impugnante recorrente tornou impossível que se fizesse a comprovação da correta determinação da sua matéria tributável (ali. b) do nº 1 do art. 87º da LGT), já que inexistiam os elementos da sua contabilidade (ali. a) do nº 1 do art. 88º da LGT) a AT estava e ficou obrigada a seguir na determinação da matéria coletável os critérios descritos sob as várias alíneas do nº 1 do art. 90º da LGT.

11ª) Por força do concluído no número anterior o “modus” quantificador certo e adequado para a determinação da matéria coletável é o da utilização dos métodos indiretos.

12ª) Ao se ter sentenciado como certa a utilização do regime simplificado (1º § de fls. 26) ocorre o vício do erro do julgamento devendo ser anulado o sentenciado no Tribunal “a quo” e lavrado acórdão que decida pela aplicação dos métodos indiretos em redor do IRS no exercício de 2008.

IV. Do Pedido

Termos em que em face das Alegações deixadas, se espera e requer que “in fine” seja lavrado Acórdão que dando provimento ao aqui ínsito decida pela anulação da decisão (sentença) lavrada na 1ª Instância (Tribunal “a quo”) com o consequente efeito de anulação da liquidação sob censura ínsita no Doc. 3 da petição inicial deixando de ser devida qualquer quantia pelo recorrente.

Ou se de outra forma se entender, seja o processo remetido à AT para que realize nova liquidação, para este exercício com utilização do aludido método indireto de fixação da matéria coletável.».

A recorrente (Fazenda Pública) terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I.Na douta Sentença ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou a impugnação parcialmente procedente, manteve na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS de 2008, anulou a liquidação de juros compensatórios do mesmo ano, por entender que a mesma não se encontra devidamente fundamentada, e condenou ambas as partes em custas, sem indicação da respetiva proporção;

II.Salvo o devido respeito por diferente entendimento, a Fazenda Pública entende que esta decisão não pode manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, porque nela se fez um errado julgamento da matéria de facto e da matéria de direito;

III.O presente recurso é, assim, apresentado contra a decisão de anulação da liquidação de juros compensatórios e, subsidiariamente, contra a decisão de condenação da Fazenda Pública em custas, sem indicação da respetiva proporção de vencimento;

IV.O impugnante não pode desconhecer que, na sequência da Declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008, que entregou, em 2010-09-17, resultou a liquidação de imposto no valor de € 78,81;

V.Para além da notificação da “demonstração da liquidação de juros”, o impugnante foi também notificado da “demonstração de acerto de contas” (Cfr. Doc. 5, anexo ao Recurso Hierárquico apresentado pelo impugnante), da qual resulta um valor de imposto (juros incluídos) a pagar, inferior ao liquidado adicionalmente, precisamente porque foi subtraído o valor de € 78,81, por si pago anteriormente;

VI.Se de facto são indicados “demonstração da liquidação de juros” dois valores base diferentes com referência à mesma liquidação de IRS e dois períodos de cálculo diferentes para os referidos juros compensatórios, isso deve-se ao facto de ter sido considerado o valor € 78,81, liquidado anteriormente, nos termos do disposto no artigo 31.º, n.º 2, do CIRS, in fine, na redação à data (Redação dada pelo artigo 46.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro);

VII.Apesar de serem indicados dois valores base diferentes, como base de cálculo daqueles juros compensatórios, não resulta desse facto nenhum prejuízo para o contribuinte, já que nenhum deles é superior ao valor apurado na sequência da ação inspetiva;

VIII.Sendo a dívida de imposto, apurada em sede inspetiva, de € 17 020,79, foi esse o valor que serviu de base ao cálculo dos juros compensatórios devidos até 2010-09-17, por ser esta a data de entrega da declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2008, por parte do impugnante;

IX.Ao valor de € 17 020,79 foi subtraído o valor € 78,81, valor este que o sujeito passivo pagou na sequência da liquidação efetuada com base naquela declaração de IRS, tendo- se apurado o valor de € 16 941,98, tendo sido este o valor que serviu de base ao cálculo dos juros compensatórios devidos a partir de 2010-09-18;

X.Não era, pois, necessário, levar ao conhecimento do impugnante, factos que este não podia desconhecer, não sendo exigível, por isso, outra fundamentação para a liquidação de juros compensatórios, para além daquela que constava das notificações remetidas ao contribuinte;

XI.A fundamentação da liquidação de juros compensatórios impugnada é legal e respeita o disposto nos artigos 35.º, da LGT, 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º, n.os 1 e 2, da LGT;

XII.A fundamentação da liquidação de juros compensatórios impugnada respeita, também, a jurisprudência do STA, da qual resulta o entendimento reiterado de que a fundamentação mínima exigível para os atos de liquidação de juros compensatórios consiste na indicação da quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas (Vide Acórdãos do STA, proferidos nos processos n.º 0928/11 e n.º 0805/15, em 29-02-2012 e 09-03-2016, respetivamente, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt);

XIII.Mesmo que o Meritíssimo Juiz do Tribunal entendesse que a liquidação de juros compensatórios aqui em apreço padece efetivamente de falta de fundamentação, pelas indicadas razões, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, embora sem conceder, deveria ter atendido aos princípios do aproveitamento do ato e da economia processual e não atribuir relevância anulatória a esse facto, já que a renovação do mesmo, apesar de fundamentado, haveria de conduzir a uma liquidação de montante exatamente igual ao da liquidação de juros compensatórios impugnada;

XIV.Ao decidir como decidiu sobre a liquidação de juros compensatórios, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, violando o disposto nos artigos 35.º, da LGT, 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º, n.os 1 e 2, da LGT, assim como aos princípios do aproveitamento do ato e da economia processual;

XV.Caso não venha este douto Tribunal de recurso a reconhecer a razão que assiste à Fazenda Pública no que se refere àquela liquidação de juros compensatórios, o que apenas se admite como mera hipótese de raciocínio, também sem conceder, impõe-se reconhecer que a condenação em custas de ambas as partes, sem indicação da respetiva proporção, constitui uma ilegalidade e não pode ser mantida na ordem jurídica;

XVI.Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, a decisão que julgue a ação condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for;

XVII.Na situação em apreço ambas as partes foram vencidas, embora em proporções diferentes - 90,95% para a impugnante, percentagem correspondente ao valor relativo à liquidação de imposto impugnada e 9,05% para a Fazenda Pública, percentagem correspondente ao valor relativo à liquidação de juros compensatórios impugnada;

XVIII.Na condenação em custas operada na Sentença ora sob recurso, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não podia condenar ambas as partes em custas sem indicação da respetiva proporção, pois ao fazê-lo condenou autor e réu em custas, em partes iguais, o que é manifestamente ilegal;

XIX.Ao condenar ambas as partes em custas sem indicação da respetiva proporção, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, violando com a sua decisão o disposto no artigo 527.º, n.os 1 e 2, do CPC;

XX.O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, ao decidir como decidiu na presente impugnação judicial, quer quanto à liquidação de juros compensatórios, quer quanto à condenação em custas, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, e por essa razão esses dois segmentos da sua Sentença, manterem-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença, na parte ora recorrida (anulação da liquidação de juros compensatórios e condenação das partes em custas sem indicação da percentagem de vencimento) revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, por não provada, com todas as devidas e legais consequências.»


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Decorrido o prazo, os recorridos não contra-alegaram.


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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, na sua vista, apenas emitiu parecer quanto ao recurso interposto pelo Impugnante, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Colhidos os vistos legais dos Exmos Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação são as de saber se a sentença recorrida:
Recurso interposto pelo Impugnante
(i) incorreu em erro de julgamento ao considerar que o acto de liquidação de IRS sindicado porque efetuado de acordo com as regras estabelecidas no regime simplificado de tributação previsto no artigo 28.º, do CIRS, é legal;
(ii) ao decidir como decidiu violou o principio constitucional ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Recurso interposto pela Fazenda Pública
(i) incorreu em erro de julgamento por ter sido decidido que a liquidação de juros compensatórios não padecia do vício de «falta de fundamentação formal»;
(ii) incorreu em erro de julgamento, na parte relativa à condenação em custas.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. O Impugnante encontrava-se colectado, no ano de 2008, e desde o ano de 2005, pela actividade de “Comércio de Veículos de Automóveis Ligeiros”, a que corresponde o CAE 045110 – cfr. ponto “II.3.1 – Enquadramento fiscal” do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 36 dos autos;
2. O Impugnante foi sujeito a procedimento inspectivo, a coberto das ordens de serviço n.º OI201101085 e OI201101086, visando a verificação do cumprimento das obrigações fiscais em sede de IRS e em sede de IVA relativamente ao exercício de 2008 e o cumprimento de todas as obrigações fiscais relativamente aos exercícios de 2009 e 2010 – cfr. ponto “II.2. – Motivo, Âmbito e Incidência Temporal” do Relatório de Inspecção Tributária a fls. 36 dos autos;
3. Em resultado do procedimento inspectivo referido no ponto anterior, foi emitido “Relatório de Inspecção Tributária”, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(…)










«imagens no original»
































































- cfr. documento 5 da petição inicial, fls. 35 a 45 dos autos;

4.Em sede de procedimento de Revisão da Matéria Colectável foi efectuado acordo entre o Impugnante e a Autoridade Tributária, alterando-se o rácio de rentabilidade fiscal dos anos de 2009 e 2010 para 4,5 %, tendo sido o lucro tributável para aqueles anos fixado em € 11.011,31 e € 16.032,17, respectivamente – cfr. documento n.º 6 da petição inicial, fls. 48 dos autos;
5.Em 5 de Dezembro de 2011 foi emitida, em nome do Impugnante e para o ano de 2008, a liquidação adicional de IRS n.º .........., no valor a pagar de € 18.714,47, onde se incluía o valor de juros compensatórios de € 1.693,68 – cfr. documento n.º 3 da petição inicial, fls. 33 dos autos;
6.Ao Impugnante foi enviada demonstração de liquidação dos juros compensatórios referidos no ponto anterior, na qual constava, designadamente, o seguinte:

«imagem no original»

– cfr. documento n.º 4 da petição inicial;
7.O Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida no ponto 5 anterior, a qual foi indeferida, em 20 de Maio de 2012, pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal – cfr. documento n.º 2 da petição inicial, e processo de reclamação graciosa n.º .........., constante do processo administrativo apenso aos autos;
8.O Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior, que por sua vez foi indeferido por despacho da Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares datado de 20 de Agosto de 2013 – cfr. documento n.º 1 da petição inicial, e processo de recurso hierárquico n.º .........., constante do processo administrativo apenso aos autos;


II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou:
A)
Que nos anos de 2006 e 2007, o Impugnante tenha tido um volume de vendas superior a € 149.739,37, nem que o valor líquido dos restantes rendimentos da categoria “B” de IRS tivesse sido superior a € 99.759,58.

Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.

II- C – FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais (cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
O facto dado como não provado resulta da inexistência de qualquer elemento documental nos autos que permitisse ao Tribunal forma convicção em contrário, sendo que o mesmo, em verdade, não se mostra sequer controvertido.»
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B. DO DIREITO

Demonstram os autos que o Impugnante foi alvo de uma acção de inspeção realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal, que deu origem às correcções que determinaram as liquidações aqui sindicadas (liquidações de IRS e juros compensatórios relativas, ao ano de 2008, no montante de 17.020,79€ e 1.693,68€, respetivamente).

Não se conformando com tais actos de liquidação veio o Impugnante apresentar impugnação judicial, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada visando a anulação dos mesmos.

A impugnação judicial foi julgada parcialmente procedente, tendo o Tribunal «a quo» determinado a manutenção da liquidação de imposto e anulado a liquidação de juros compensatórios.

Do recurso interposto pelo Impugnante

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida errou quando considerou que liquidação de IRS do ano de 2008, efectuada de acordo com as regras decorrentes do regime simplificado de tributação (artigo 28.º do Código do IRS) é legal.

Revertendo expressamente à sentença recorrida, comecemos por salientar que relativamente à diferença metodológica utilizada quanto ao apuramento da matéria colectável utilizada no ano de 2008 em relação aos anos de 2009 e 2010, expendeu-se o seguinte: « [d]eveu-se ao facto de no primeiro dos exercícios — 2008 -, inexistirem elementos que permitissem tributar o Impugnante com base no regime de contabilidade organizada (que teriam de ser apurados em relação aos anos de 2006 e 2007), que já existiam, por terem sido apurados no próprio procedimento inspectivo, em relação aos anos de 2009 e 2010.».

Decorre, de forma evidente das conclusões do recurso que o recorrente não manifesta qualquer oposição à matéria de facto fixada pelo Tribunal «a quo», repousando o seu inconformismo no facto das « [c]ondições e pressupostos que levaram a AT a aplicar o regime (regra) da contabilidade organizada para os anos de 2009 e de 2010 também se verificaram para o ano de 2008.» [Conclusão 8.ª] e que essa concreta diferença de procedimento por parte da Administração Tributária viola o princípio da capacidade contributiva.

Vejamos, então.

De acordo com o estatuído no n.º 6, do artigo 28.º, do CIRS (na redação aplicável à data do facto tributário), a sujeição ao regime simplificado apenas cessa se for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos, algum dos limites previstos no n.º 2, ou se num só exercício forem aqueles limites ultrapassados em 25%.

No caso vertente, o recorrente não provou que nos anos de 2006 e 2007, tenha obtido um volume de vendas superior a 149.739,37€, nem que o valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria, naqueles anos, foi superior a 99.759,58€, para que daí resultasse a obrigação de enquadramento no regime de contabilidade organizada. Nem de resto, provou também o recorrente que no ano de 2007, tenha ultrapassado algum daqueles limites em mais de 25%.

De todo o modo, a cessação da aplicação do regime simplificado ao recorrente, no ano de 2008, só poderia ocorrer se porventura ele tivesse apresentado uma declaração de alterações, até ao final do mês de março (artigo 28.º, n.º 4, alínea b) do CIRS), em que tivesse optado pela determinação dos rendimentos, daquele ano, com base na sua contabilidade, o que não aconteceu.

Efectivamente e como se assinalou, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.03.20210, proferido no processo n.º 056/10, « [t]endo o sujeito passivo tributado pelo regime simplificado apresentado em 7 Setembro de 2001 a sua opção pelo regime de contabilidade organizada - Declaração de Alterações -, por aplicação do disposto no nº 4 do artº 31º do CIRS, passou a ser tributado por esse regime nos anos seguintes, independentemente do volume de vendas e do período de permanência no anterior regime de tributação simplificado». (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ora, no caso vertente a diferente forma de determinação do rendimento tributável, entre o ano de 2008, por um lado, e os anos de 2009 e 2010, por outro, deve-se ao montante total das vendas efetuadas pelo recorrente, no ano de 2008, que totalizaram o valor de 286 786,91€.

É evidente, como de resto, bem adiantou o Tribunal «a quo»: «[n]ão pode o Impugnante solicitar que a determinação da matéria colectável do ano de 2008 seja efectuada com recurso a métodos indirectos pois nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada — cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 16 de Abril de 2013, processo n.° 05721/12, disponível em www.dgsi.pt.». 

A segunda questão a decidir prende-se com a alegada violação do princípio da capacidade contributiva decorrente da circunstância do valor fixado para o exercício de 2008, não ter atendado aos reais rendimentos do recorrente.

É, verdade que a justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva e que esta é revelada fundamentalmente pelo seu lucro real (cfr. artigos 103.º, n.º1 e n° 2 do artigo do 104.º da Constituição da República Portuguesa). Todavia, no caso não ocorre a apontada violação porquanto embora o regime regra seja o da tributação do rendimento real (Tributar o lucro real das empresas, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), esta regra admite excepções, como é o caso, por exemplo, do regime simplificado de tributação.

Com efeito, o regime simplificado de determinação dos rendimentos (criado com a reforma fiscal de 2000) é um método que se aplica supletivamente aos sujeitos passivos que cumpram determinados requisitos e que não optem pela tributação com base em contabilidade organizada. (Neste sentido, vide, muitos outros o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, proferido no processo n.º 0709/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, a sentença em crise nos presentes autos não merece a censura que lhe é dirigida, sendo antes de confirmar.

Do recurso interposto pela Fazenda Pública

O Meritíssimo Juiz do Tribunal «a quo» entendeu que apesar de constar da demonstração de liquidação de juros compensatórios enviada ao Impugnante (doravante recorrido), o período de tributação, a taxa aplicada, bem como os períodos de cálculo, não consta a explicação dos motivos por que foram usados dois valores base diferentes com referência à mesma liquidação de IRS e dois períodos de cálculo diferentes para os juros.

A recorrente Fazenda Pública discorda do decidido, argumentando que a indicação de dois valores base diferentes com referência à mesma liquidação de IRS e dois períodos de cálculo diferentes para os juros, deve-se ao facto de ter sido considerado o valor 78,81€, liquidado anteriormente, nos termos do disposto no artigo 31.º, n.º 2, do CIRS, in fine.

A questão decidenda está em determinar se se verifica a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios por falta de fundamentação.

Como é sabido, a fundamentação dos actos administrativos é um direito constitucionalmente garantido (cfr. artigo 268.° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa) que a lei ordinária tem vindo a acolher (cfr. artigo 77.° da LGT).

Tem a maioria da Jurisprudência entendido que o dever legal de fundamentação « (…) [t]em, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

A falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), verifica-se, pois, quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.)» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Significa isto que é essencial que o discurso expresso e externado pelo autor do acto dê a conhecer ao seu destinatário, pressuposto este como um destinatário normal ou razoável, todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que foram a sua motivação orgânica ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro.

Relativamente aos juros compensatórios, entendemos que as exigências de fundamentação podem ser reduzidas ao mínimo, mas que esse mínimo de fundamentação deve conter a referência ao imposto sobre que são liquidados os juros bem como a indicação da taxa aplicada e o período de tempo em que são devidos esses juros sem necessidade, no entanto, de referência à norma que possibilita a liquidação dos mesmos, pois só assim o sujeito passivo saberá como foi feita essa liquidação para se poder conformar ou não com a mesma.

Ora, na situação em apreço, entendemos que estão verificados as exigências para no que se reporta à fundamentação formal da acto sindicado, pois que, conforme resulta, da nota de demonstração de liquidação dos juros compensatórios nela consta o período de tributação (01.01.2008 a 31.01.2008), a taxa aplicada na liquidação dos juros (4%), os valores base que serviram de cálculo à liquidação (17.029,79€ e 16.961,98€), os períodos de cálculo (27.05.2009 -17.09.2010 e 18.09.2010 - 22.11.2011).

Ademais, importa fazer notar que se os valores/ elementos indicados não forem os que deveriam ter sido utilizados estar-se-á perante vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e não perante vício de forma por falta de fundamentação.

Por conseguinte, a sentença recorrida enferma, na parte em que julgou procedente a impugnação (relativamente à liquidação de juros compensatórios), do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa.

Defende também a recorrente que o Tribunal «a quo» ao condenar ambas as partes em custas sem indicação da respetiva proporção, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, razão por que, também esta decisão deve ser revogada e substituída por outra que reponha a legalidade e condene as partes em custas na proporção do respetivo vencimento.

De acordo com o artigo 527.º nº 1 do CPC, deve suportar as custas a parte que a elas houver dado causa e, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (nº 2 do mesmo preceito legal).

O vencimento ou decaimento, total ou parcial, é aferido face à parte dispositiva da decisão e não aos seus fundamentos (Manuel de Andrade, Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, Almedina, pág. 209). O autor e o réu são vencidos quanto à parte do pedido em que decaíram e são vencedores na restante parte (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. II, 3ª edição, pág. 209).

No segmento relativo à condenação em custas, consta na sentença recorrida: «Custas pelo Impugnante e pela Fazenda Pública.».

Ora, se, como vimos, a responsabilidade pelo pagamento das custas, resulta do confronto entre a pretensão deduzida e a pretensão alcançada, tendo a impugnação sido foi apenas julgada parcialmente procedente (anulada a liquidação de juros compensatórios e mantida a liquidação referente a imposto), sendo assim, o Impugnante ficou vencido na proporção de 90,95%, já que a liquidação adicional de IRS impugnada, no valor de 17.020,79€, foi mantida na ordem jurídica pelo Tribunal «a quo» e a Fazenda Pública ficou vencida na proporção de 9,05%, pois a liquidação de juros compensatórios, no valor de 1.693,68€, foi anulada por aquele Tribunal.

Procede, pois, o recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. A justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva e que esta é revelada fundamentalmente pelo seu lucro real (cfr. artigos 103.º, n.º1 e artigo do 104.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa).

II. Embora o regime regra seja o da tributação do rendimento real, esta regra admite excepções, como é o caso, por exemplo, do regime simplificado de tributação (criado com a reforma fiscal de 2000) que logra aplicabilidade supletivamente aos sujeitos passivos que cumpram determinados requisitos e que não optem pela tributação com base em contabilidade organizada.

III.O vencimento ou decaimento, total ou parcial, é aferido face à parte dispositiva da decisão e não aos seus fundamentos.

V.DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso interposto pelo Impugnante e conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogando a sentença recorrida na exacta medida em que foi objecto de recurso.


Custas a cargo do Recorrente (Impugnante).



Lisboa, 16 de dezembro de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]