Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3217/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:SISA.
AJUSTE DE REVENDA.
PROVA DO FACTO CONTRÁRIO.
Sumário:Feita a prova dos pressupostos do ajuste de revenda, cabe à contribuinte demonstrar, através de factos concretos, que a cessão da posição contratual de promitente compradora, em favor de terceiro, se deveu à perda do interesse no negócio definitivo.

A prova da perda do interesse no negócio definitivo pode ser feita através da demonstração de dificuldades financeiras, num quadro de incumprimento do plano de prestações gizado no contrato-promessa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
M......, melhor identificada nos autos, intentou impugnação judicial contra a liquidação de imposto de sisa respeitante ao ano de 2001, e correspondente liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 20.405,75.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 239 (numeração do SITAF), datada de 16 de junho de 2020, julgou a impugnação procedente e anulou as liquidações de sisa e juros compensatórios impugnadas. Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 271 e ss., (numeração do SITAF).

Inconformada com a decisão, vem a Fazenda Pública apresentar recurso, alegando nos termos seguintes:

«I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a SISA relativa à transmissão da posição contratual como promitente compradora, com ajuste de revenda nos termos do artigo 2°, § 2 do CIMSISSD, relativamente à fração autónoma sita na Av. ……../ Rua……….., Urbanização Twin Towers, que veio a ser inscrito na matriz sob o artigo matricial n°…….., fração BI, da freguesia de Campolide, concelho de Lisboa.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante.

III. A douta sentença recorrida entende ainda que a administração fiscal não efetuou a prova da verificação dos factos, não tendo fundamentado a decisão a exposição sucinta das razões de facto e de direito. Sustenta ainda que a invocação na contestação de que a escritura veio a ser celebrada em 22-04-2002 constitui fundamentação a posteriori, referindo-se ainda a um print do detalhe histórico como uma mera impressão sem certificação de origem. Em suma, o vício que a douta sentença recorrida atribui ao ato impugnado é o de fundamentação insuficiente.

IV. A Fazenda Pública não pode de modo algum concordar com a douta sentença recorrida por considerar verificado o vício da falta de fundamentação para determinar a anulação do ato tributário.

V. Importa salientar que o ato de liquidação teve em consideração a escritura de compra e venda celebrada em 22-04-2002, entre a promitente vendedora e a terceira adquirente da posição contratual, como fica evidenciado na liquidação de juros compensatórios, tendo como data de início, a data ada celebração da referida escritura pública, admitindo-se apenas a existência de um lapso de 30 dias na contagem dos juros a partir daquela data, que poderia motivar uma anulação parcial da liquidação de juros, mas nunca a anulação total do ato impugnado.

VI. Fica assim contrariada a conclusão da douta sentença recorrida de que “a inspeção tributária não dispunha - à data da liquidação - dos fundamentos de facto para presumir a tradição jurídica e sujeitar a tributação”.

VII. Sem conceder, ainda que se admita que a fundamentação pudesse eventualmente ser insuficiente, caberia ainda ponderar a aplicação da doutrina do aproveitamento do ato tributário.

VIII. Tanto mais que, tendo em vista o cumprimento atempado das suas obrigações fiscais, o sujeito passivo não poderia ter deixado de efetuar diligências para saber se a escritura fora realizada. Neste sentido, veja-se o acórdão do STA de 18-06-2014, processo n° 0958/13.

IX. A douta sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a impugnação por alegada falta de fundamentação quando é evidente que a liquidação teve em conta os factos apontados como constitutivos do direito, nomeadamente a celebração de contrato de cedência de posição contratual tendo o contrato prometido sido celebrado entre o primitivo promitente comprador e o terceiro adquirente da posição contratual.

X. Não pode igualmente a Fazenda Pública concordar com a falta de valor probatório dos extratos informáticos, cujo valor probatório resulta do disposto no artigo 34°, n° 1, alínea b) do CPPT, sendo certo que, em caso de dúvida poderia o tribunal diligenciar no sentido de ser junto o correspondente documento, que também não foi suscitada pela impugnante.

XI. Adicionalmente a douta sentença recorrida considera que a impugnante logrou fazer prova da inexistência de ajuste de revenda, por não se ter provado a obtenção de um ganho através da cedência e a impugnante ter demonstrado uma situação de dificuldade em cumprir o contrato prometido, explicativo do desinteresse.

XII. A douta sentença recorrida deu como provado que a impugnante enfrentou dificuldades financeiras, tendo cedido a sua posição e recebido apenas o valor das prestações que havia pago como sinal, não recebendo pela cedência qualquer quantia adicional, considerado por isso que não teria existido ajuste de revenda.

XIII. Contudo, o facto de a impugnante não ter obtido mais valias não significa que não teve vantagens económicas com a cedência, ainda que essa vantagem se tenha traduzido nomeadamente no facto de não ter perdido o valor do sinal pago. Não podemos confundir a incidência da Sisa com a incidência do IRS (mais valias). Mesmo não havendo no caso concreto enriquecimento nem por isso deixa de haver lugar a pagamento de Sisa.

XIV. É inquestionável que existiu um benefício económico traduzido na possibilidade que garantiu, de adquirir as supra referidas frações pelo preço acordado. Não é, pois, correta a afirmação da impugnante de que não teria havido benefício económico. É certo que pode não ter havido enriquecimento, mas como se viu isso é irrelevante para efeitos de sujeição a SISA.

XV. Comparando: Alguém que tivesse celebrado escritura pública de compra e venda com mútuo e estivesse a pagar mensalmente prestações ao banco, e, não podendo pagar por dificuldades financeiras, igualmente poderia revender a fração objeto de mútuo, não havendo aqui, crê-se, dúvidas algumas quanto à sujeição a SISA. Situação idêntica, embora sem transmissão efetiva do direito de propriedade se passa com a cessão da posição contratual, sujeita a sisa por equiparação à transmissão da posse, tal como as outras alíneas do referido artigo 2°.

XVI. Se posteriormente à celebração do contrato promessa os seus interesses ou a sua situação financeira se alteraram, nem por isso deixam de ser válidos os motivos, quer legais, quer doutrinais, que levaram à tributação. É de salientar que o impugnante não desiste do negócio, nem procura obter o distrate nos termos do artigo 406° do Código Civil. Pelo contrário, transmite a sua posição contratual, ou seja, à semelhança de um proprietário exerce o poder supremo sobre a coisa: dispor dela.

XVII. Importa ainda referir que a demonstração de não ter recebido mais do que o valor do sinal pago não é suficiente para afastar a tributação em SISA e nem sequer em sede de IMT.

XVIII. A impugnante invoca a norma que consta no CIMT, que permite o afastamento da incidência quando o sujeito passivo demonstre não ter recebido mais do que o valor do sinal pago. Contudo, importa não esquecer que a referida norma tem um pressuposto: tal facto ser declarado no prazo de 30 dias, sob pena de a cedência de posição ficar sujeita a IMT.

XIX. Em suma, a referida norma do CIMT que a impugnante invoca e que a douta sentença parece dar aplicação prática, não tem aqui qualquer cabimento. No caso concreto, a impugnante não desistiu do negócio nem celebrou o seu distrate, tendo cedido a sua posição contratual, sendo indiscutível que a cedência de posição foi onerosa.

XX. Importa salientar que o elemento determinante é a existência de uma cedência onerosa, ou seja, mediante uma contraprestação.

XXI. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida mostra-se proferida em erro de julgamento de facto e de direito, violando o disposto no 77° da LGT e do artigo 2°, § 2 do CIMSISSD.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente. (…).»

X

A Impugnante, na qualidade de recorrida, não apresentou contra-alegações.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pelo provimento do recurso.

X

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:

1. Em 29.06.1999, a Impugnante celebrou com a “S......, SA.”, “Contrato Promessa de Compra e Venda”, prometendo comprar a fração autónoma que “vier a corresponder à habitação tipo T2, letra A, sita no 4º piso, do edifício III do empreendimento imobiliário” conhecida como Urbanização Twin Towers, em Lisboa, pelo preço total de Esc. 38.000.000$00, sendo pago na data da assinatura, a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de 5.700.000$00 e, até às datas de 29.09 e 29.12.1999, 29.03, 29.06, 29.09 e 29.12.2000, 29.03, 29.06, 29.09 e 29.12.2001, tranches no valor de 1.520.000$00 cada, a título de reforço de sinal, e, com a celebração da escritura, o remanescente, no montante de 17.100.000$00, estando prevista a conclusão de construção até 31.12.2001– cfr. fls. 13 v. a 14 v. do processo administrativo

tributário apenso aos autos;

2. À data da celebração do contrato promessa de compra e venda, as Twin Towers estavam em fase inicial de construção, designadamente escavações, contenção periférica e de estrutura – cfr. depoimento da testemunha H...... e fls. 14 do processo administrativo tributário apenso;

3. Durante o ano de 2000, a Impugnante enfrentou dificuldades financeiras, a nível pessoal e da empresa que detinha e geria, a P….., Lda., nomeadamente ao nível do acesso ao financiamento bancário – depoimento da testemunha H......;

4. Em virtude das dificuldades financeiras referidas no número anterior, a Impugnante atrasou o pagamento dos valores devidos em 29.09 e em 29.12.2000, havendo pago, a título de juros de mora, os valores de 31.012$00 e de 5.121$00, respetivamente – cfr. documentos de fls. 104 a 107 dos autos, em suporte papel;

5. Em função das dificuldades financeiras referidas nos números anteriores, a Impugnante temeu não poder cumprir o plano de pagamentos e perder o valor já pago, perdendo o interesse em adquirir o imóvel que prometera comprar, ainda em construção, havendo a promitente vendedora proposto que cedesse a posição contratual a outro interessado que se dispôs a contactar - cfr. depoimento da testemunha H......;

6. Em 16.01.2001, a Impugnante outorgou acordo de “Cessão da Posição Contratual”, cedendo a sua posição no contrato promessa mencionado no número 1, a M....., com a concordância da S....., S. A. - cfr. fls. 15 a 16 do processo administrativo apenso aos autos;

7. A Impugnante não recuperou os valores pagos a título de juros moratórios à promitente vendedora – cfr. depoimento da testemunha H......;

8. Sob a Ordem de Serviço nº 84474, datada de 23-04-2003, foi efetuado procedimento inspetivo incidente sobre o exercício de 2001, enquadrada no código PNAIT 31116, sector de construção civil, concluindo-se que a Impugnante “celebrou com a(s) empresa(s) S….., S.A. contrato(s) promessa de compra e venda, cujo objecto era a compra e venda de fracção(ões) autónoma(s) na(s) urbanização(ões) Twin Towers, localizada(s) em Rua………., 351, Lisboa. // No entanto, viria a ceder a sua posição a M....., conforme contrato(s) de cessão de posição contratual celebrado(s) em 16-01-2001 // Assim, e por força do § 2 do art. 2º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações aprovado pelo Dec. Lei nº 41969 de 24/11/1958, deveria ter solicitado o pagamento da Sisa devida, no serviço de Finanças referido no art.º 46º, e no prazo referido no art.º 115º, nº 4, todos do mesmo Código, o que não fez no devido tempo, nem até à presente data” constando como valor sujeito a sisa € 189.543,20, a taxa de 0,1 e o valor de imposto devido de € 18.954,32 – cfr. fls. 11 a 13 do processo administrativo em apenso aos autos;

9. Em resposta à receção do projeto de relatório de inspeção, a Impugnante enviou exposição ao Diretor de Finanças de Lisboa, alegando, entre o mais:

“houve perda de interesse (…) falei com o construtor e logo que houvesse outra parte interessada ser-me-ia devolvido o dinheiro que havia dado (…) não houve tradição do imóvel (…) não ajustei a revenda com um terceiro, deixei sim de ter interesse na aquisição do imóvel. Recebi o que havia dado como sinal.” – cfr. documento junto a fls. 33 dos autos, em suporte papel;

10. Relativamente ao alegado pela Impugnante no exercício do direito de audiência prévia, consta do relatório final de inspeção tributária a seguinte análise: “Alega em resumo que por perda de interesse falou com o construtor (promitente vendedor) e logo que houvesse outro interessado, ser-lhe-ia devolvido o dinheiro pago. Que não houve tradição do imóvel, não cedeu a posição e não ajustou a revenda com terceiro. // Não assiste no entanto razão ao SP. // Entende-se no presente caso a tradição ficcionada pelo § 2º do art.º 2º do Código, tradição esta que não implica actos de posse em termos civilísticos. // Cedeu a sua posição contratual a terceiro, conforme contrato de 16/01/2003 (…) Há ajuste de revenda, para efeitos do § 2º do art.º 2º do Código, quando o promitente comprador cede a sua posição contratual a terceiro (…)” - – cfr. fls. 11 a 13 do processo administrativo apenso aos autos;

11. Na sequência da ação inspetiva, foram emitidas as liquidações de sisa, na importância de € 18.954,32, e de juros compensatórios, no valor de € 1.451,43, impugnadas nos presentes autos - cfr. fls. 27 a 34 do processo administrativo apenso aos autos;

12. Em 5.12.2006, a petição inicial da presente impugnação foi remetida a este Tribunal, através de correio eletrónico – cfr. fls. 3 dos autos, em suporte papel.


*

Matéria de facto não provada: // Com relevância para a decisão da causa, não resulta provado que a Impugnante haja recebido, pela cedência da posição contratual no contrato promessa de compra e venda, valor superior aos pagamentos que já havia efetuado a título de sinal e princípio de pagamento. // Inexistem outros factos com relevância para a decisão da causa que importe destacar como não provados.

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Motivação da decisão sobre a matéria de facto: // A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, os quais não foram impugnados, bem como nas posições assumidas pelas partes no procedimento administrativo e no presente processo, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório. //No que se refere aos números 2, 3,5 e 7 dos factos dados como provados, resulta ainda da análise crítica do depoimento da testemunha H......, técnico de contas da Impugnante e da empresa que detinha, entre 1996/7 e 2006/7. O facto de a testemunha ter prestado serviços à Impugnante não impediu a atribuição de credibilidade ao respetivo depoimento, de forma crítica e de acordo com as regras da experiência comum, uma vez que depôs com segurança, naturalidade, coerência, de forma circunstanciada e revelando conhecimento direto de factos relevantes para a decisão a proferir, designadamente as dificuldades financeiras sentidas pela Impugnante em finais de 2000, em termos pessoais e profissionais. A testemunha explicitou um contexto de necessidade de a Impugnante recuperar o investimento feito na aquisição prometida e evitar mais endividamento, à data difícil de obter, o que poderia implicar a perda dos valores pagos até ao momento, tendo descrito, de forma credível, ter aconselhado a Impugnante a ceder a sua posição a uma parte interessada obtida por intermédio da promitente vendedora, sujeitando-se a uma cedência sem obtenção de qualquer vantagem e mesmo sem recuperação do valor pago a título de juros de mora, numa lógica de minimização de perdas.

Cumpre relevar que o depoimento é coerente com a prova documental constante dos autos: o desinteresse da Impugnante no imóvel que prometera comprar mostra-se plausível em face das dificuldades em fazer face aos pagamentos parciais que motivaram o pagamento de juros de mora, comprovado documentalmente. Por outro lado, o acordo de cedência celebrado é tripartido e não contempla o pagamento de qualquer valor acrescido pela cedência, limitando-se a cessionária a assumir os direitos e deveres da primitiva promitente compradora perante a construtora, designadamente a responsabilidade pelo remanescente do plano de pagamentos, a título de sinal e de reforço de sinal, calendarizado no contrato promessa, plano que, em função da data da celebração do acordo de cedência, estava apenas parcialmente cumprido.

Em suma, a convicção do Tribunal sobre a matéria de facto, provada e não provada, assenta não só na análise de cada um dos meios de prova concretamente indicado, mas, sobretudo, no seu cômputo global.


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

13. As liquidações referidas em 11. tiveram por referência o facto ocorrido em 22.04.2002 – fls. 27 do p.a.

14. Em 22.04.2002, foi celebrada a escritura de compra e venda objecto da cessão de posição contratual referida em 6. – fls. 36 do p.a.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.

2.2.2. A sentença julgou procedente a presente impugnação. Para tanto, estruturou a argumentação seguinte.
«É certo que a Fazenda Pública invoca, na informação para que remete a contestação, que a escritura pública veio a ser celebrada pela terceira cessionária a quem a Impugnante cedeu a sua posição contratual, juntando ao processo administrativo tributário um print de “detalhe de histórico de prédio urbano” que menciona “EP 2002-04-22”. Porém, trata-se de uma mera impressão sem certificação de origem. Além disso, ostenta a data de 5.06.2007 (cfr. canto superior direito), muito posterior à elaboração do relatório de inspeção tributária e posterior até à da entrada da impugnação em juízo, pelo que tal não pode ser relevado como fundamentação da liquidação impugnada. // Por outro lado ainda, mesmo que a Administração Fiscal fundamentasse a liquidação com a verificação dos dois factos base da presunção de tradição jurídica, a Jurisprudência tem entendido que, se é possível à Administração Fiscal inferir o ajuste de revenda a partir da cedência da posição do promitente-comprador no contrato promessa, seguida da celebração do contrato definitivo por parte do cessionário, nada obsta a que o primitivo promitente comprador faça prova de que este efetivamente inexistiu, obstando ao funcionamento da presunção de tradição e afastando a  correspetiva tributação – cfr. os acórdãos de 21.04.2010, proc. 0924/09, de 02.05.2012, proc. 0895/11 e de 21.04.2010, proc. 0924/09, disponíveis em www.dgsi.pt. // Aplicando esta doutrina aos factos apurados, da matéria de facto assente não se  apura mais do que a assunção pela cessionária dos pagamentos ainda por cumprir na calendarização prevista no contrato promessa, nada evidenciando a obtenção de um ganho por parte da Impugnante. // Mais se provou que a Impugnante teve de suportar o pagamento de juros de mora, devidos pelo atraso no cumprimento do plano de prestações relativamente às datas de 29.09 e de 29.12.2000, sujeitando-se a ceder a posição sem reaver esse valor dada a posição de fragilidade negocial em que se encontrava, num contexto de dificuldades em honrar o plano de pagamentos acordado e consequente desinteresse pela aquisição do imóvel, independentemente da existência de um (meramente eventual e indemonstrado) intuito inicial de obtenção de ganho económico. // Assim, não resulta demonstrada nos autos nem a negociação, pela Impugnante, de um verdadeiro ajuste de revenda, nem a obtenção de uma vantagem resultante do acordo de cedência, sendo esta a realidade económica que o legislador quis sujeitar a tributação e que constitui a ratio da norma que ficciona a tradição. // Concluindo, a fundamentação contemporânea do ato de liquidação é insuficiente, sendo totalmente omissa quanto à ulterior outorga de escritura de compra e venda entre a promitente vendedora e a cessionária, não demonstrando a Administração Fiscal a ocorrência dos factos base da presunção de tradição por ajuste de revenda, como exigido pela norma de incidência que fundamenta a liquidação».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca, em síntese, que «o ato de liquidação teve em consideração a escritura de compra e venda celebrada em 22-04-2002, entre a promitente vendedora e a terceira adquirente da posição contratual, como fica evidenciado na liquidação de juros compensatórios, tendo como data de início, a data da celebração da referida escritura pública, admitindo-se apenas a existência de um lapso de 30 dias na contagem dos juros a partir daquela data, que poderia motivar uma anulação parcial da liquidação de juros, mas nunca a anulação total do ato impugnado. // Fica assim contrariada a conclusão da douta sentença recorrida de que “a inspeção tributária não dispunha - à data da liquidação - dos fundamentos de facto para presumir a tradição jurídica e sujeitar a tributação”.

Apreciação.

Estatui o artigo 1.º do CSISA que são sujeitas a sisa e a imposto sobre sucessões e doações «as transmissões perpétuas ou temporárias dos bens, qualquer que seja o título por que se operam». Dispõe, por seu turno, o artigo 2.º do CSISA a sisa i«ncide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis Entre as  transmissões de propriedade imobiliária constam as «promessas de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente-comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo os bens». Entende-se verificada a tradição também quando «o promitente-comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo vendedor for depois outorgada a escritura de venda».

Constitui jurisprudência fiscal assente na matéria a seguinte:
a) «Em face desta norma, sempre que o promitente adquirente de um imóvel cedesse a sua posição contratual a um terceiro antes da celebração da escritura de compra e venda, ficcionava a Lei a tradição do prédio do promitente vendedor para o agora cedente. O promitente adquirente que cedeu a posição contratual a terceiro ficava sujeito a imposto como se tivesse adquirido a propriedade do prédio. // Essa sujeição só ocorria, porém, na data da celebração da escritura de compra e venda entre o promitente alienante e o terceiro, dado que esta transmissão era um elemento essencial da ficção de tradição do prédio do promitente alienante para o promitente adquirente originário. // [A razão subjacente à presente tributação era] uma razão de prevenção da fraude e da evasão fiscais, pelo que essas normas se destinavam apenas a evitar que no mercado se efetuassem verdadeiras transacções de imóveis não tituladas por contratos, só para evitar a sujeição a imposto»[1].
b) «O que o § 2.º do artigo 2.º do CIMSISSD estabelece é que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir legalmente que existiu uma prévia tradição jurídica do bem para aquele que realizou o ajuste, sendo a partir daí que a lei ficciona a ocorrência da transmissão (económica) do imóvel sujeita a imposto. //
c) Para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda, sendo indiferente, para a referida ilisão, a prova da falta de posse material e efectiva do bem, pois o preceito não abrange estas situações de tradição efectiva, que caem, antes, no âmbito de incidência do § 1.º, n.º 2 do artigo 2.º do CIMSISSD. //
d) O facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, à cessão da posição contratual de promitente adquirente de um bem imobiliário para um terceiro, sendo este quem outorga no contrato-prometido, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a AT conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, § 2º do CIMSISSD. //
e) Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram à cedência da posição contratual, evidenciação que tem de ser feita pela cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esses motivos.» [Ac. do STA, de 21.04.2010, P.0924/09][2].
f) «Deste modo, quando se constata que o promitente-comprador originário cedeu a sua posição a terceiro, que veio a celebrar a escritura de compra e venda com o promitente vendedor, pode e deve considerar-se ter havido ajuste de revenda, sendo irrelevante que não tivesse a posse efectiva do bem prometido vender. Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto de sisa»[3].
g) «Estando assente a cessão da posição contratual e a realização da venda do imóvel entre o promitente vendedor e o terceiro, há uma presunção de tradição entre o promitente vendedor e o cedente, presunção essa que decorre da redacção do artº 2º, parágrafo 2º do CIMSISSD; // A presunção estabelecida no § 2 do art. 2 do CIMSISSD é uma presunção juris tantum, na medida em que consagrada nas normas de incidência tributária, admitindo no entanto, prova em contrário (artº 73º da Lei Geral Tributária)».[4]
h) «Nas situações de promessas de compra e venda estatuídas no § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD, entende-se verificada a tradição e, consequentemente a sujeição a imposto, se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro, vindo a escritura a ser outorgada apenas entre o promitente vendedor e este terceiro. // Verificados esses pressupostos de facto, cuja demonstração dos factos índice compete à Administração Tributária enquanto factos constitutivos do direito à liquidação, a lei faz acionar a presunção de que houve tradição do prédio para o promitente comprador. // Na falta de prova por parte do promitente comprador de inexistência de ajuste de revenda, não se pode considerar ilidida a presunção legal de tradição jurídica do bem, ocorrendo, nessa medida, o facto gerador da obrigação de imposto, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do imóvel».[5]
i) «Com vista a ilidir a presunção de ocorrência de ajuste de revenda não basta ao contribuinte invocar o desinteresse no negócio, importa alegar e demonstrar, através de factos concretos, que a intervenção do promitente-comprador no negócio jurídico de cedência teve outro intuito e outra justificação, que não a apropriação das mais-valias obtidas com o acabamento do imóvel, prometido adquirir»[6].

No caso em exame, do probatório resultam os elementos seguintes:
a) Em 29.06.1999, a Impugnante celebrou com a “S......, SA.”, “Contrato Promessa de Compra e Venda”, prometendo comprar a fração autónoma que “vier a corresponder à habitação tipo T2, letra A, sita no 4º piso, do edifício III do empreendimento imobiliário” conhecida como Urbanização Twin Towers, em Lisboa, pelo preço total de Esc. 38.000.000$00, sendo pago na data da assinatura, a título de sinal e princípio de pagamento, o valor de 5.700.000$00 e, até às datas de 29.09 e 29.12.1999, 29.03, 29.06, 29.09 e 29.12.2000, 29.03, 29.06, 29.09 e 29.12.2001, tranches no valor de 1.520.000$00 cada, a título de reforço de sinal, e, com a celebração da escritura, o remanescente, no montante de 17.100.000$00, estando prevista a conclusão de construção até 31.12.2001 – n.º 1.
b) Em 16.01.2001, a Impugnante outorgou acordo de “Cessão da Posição Contratual”, cedendo a sua posição no contrato promessa mencionado no número 1, a M....., com a concordância da S....., S. A. – n.º 6.
c) Na data da celebração do contrato referido em b) a impugnante havia pago 14.820.000$00, no quadro do contrato promessa referido em a) – n.º 1.
d) As liquidações em apreço têm por base os factos relativos à cedência da posição de promitente-comprador e a existência de ajuste de revenda, nos termos do artigo 1.º/§2.º do CSISA.
e) Durante o ano de 2000, a Impugnante enfrentou dificuldades financeiras, a nível pessoal e da empresa que detinha e geria, a P…….., Lda., nomeadamente ao nível do acesso ao financiamento bancário n.º 3.
f) Em virtude das dificuldades financeiras referidas no número anterior, a Impugnante atrasou o pagamento dos valores devidos em 29.09 e em 29.12.2000, havendo pago, a título de juros de mora, os valores de 31.012$00 e de 5.121$00, respetivamente n.º 4.
g) Em função das dificuldades financeiras referidas nos números anteriores, a Impugnante temeu não poder cumprir o plano de pagamentos e perder o valor já pago, perdendo o interesse em adquirir o imóvel que prometera comprar, ainda em construção, havendo a promitente vendedora proposto que cedesse a posição contratual a outro interessado que se dispôs a contratar n.º 5.
h) A Impugnante não recuperou os valores pagos a título de juros moratórios à promitente vendedora – n.º 7.
i) Dos autos resultam demonstrados quer a outorga do acordo de cessão da posição de promitente comprador em favor de terceira, quer a celebração da escritura de compra e venda definitiva por parte de terceira.
j) O argumento da fundamentação a posteriori do acto tributário não se oferece procedente. Por um lado, decorre do RIT a invocação do preenchimento dos pressupostos da ocorrência do ajuste de revenda, previsto no artigo 1.º/§2.º do CSISA. Por outro lado, a recorrida não impugna a ocorrência dos referidos pressupostos. Ou seja, a impugnante não contesta a existência de ajuste de revenda com a terceira, cessionária, alega apenas a perda de interesse económico na outorga do negócio prometido.
k) Na situação descrita nos autos, de dificuldades financeiras da impugnante, num quadro de incumprimento do plano de prestações gizado no contrato-promessa, a exigência da manutenção da posição de promitente-compradora implicaria impor à impugnante uma onerosidade excessiva na outorga do contrato definitivo, em vez da cedência da posição de promitente-compradora a terceiro, como sucedeu no caso. O que comprova a ocorrência da perda de interesse no negócio definitivo, com a consequente ilisão da presunção do ajuste de revenda.

Do exposto resulta que a liquidação do imposto de sisa enferma de erro nos pressupostos de facto, e deve ser anulada. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)


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[1] José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e Selo, Almedina, 2011, pp. 265/266.
[2] No mesmo sentido, V. Ac. do TCA Norte, de 18.05.2006, P. 00189/04, e Ac. do TCA Sul, de 17.05.2011, P. 04150/11, in www.dgsi.pt

[3] Acórdão do STA, 03.11.2010, P. 0499/10.

[4] Acórdão do STA, P. 01003/12.8BESNT 0530/15, de 07-11-2018

[5]Acórdão do TCAS, de 13-12-2019, P. 7168/13.4BCLSB

[6] Acórdão do TCAS, de 11-04-2019, P. 1543/09.6BELRS.