Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:18/08.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO;
GERÊNCIA DE FACTO/13.º CPT;
ÓNUS DA PROVA/ATOS ISOLADOS.
Sumário:I. Quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, tendo o mesmo de especificar, obrigatoriamente, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que impunham decisão diversa da adotada pela decisão recorrida.
II. Inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.
III. Do teor da escritura de “Reforço de capital e alteração parcial do pacto” da sociedade devedora originária, apenas se infere a gerência de direito;
IV. Da assinatura de atos pontuais pela Oponente, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 30 de junho de 2017, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, constante de fls. 129 a 138 verso dos autos do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pela Recorrida, I..., no âmbito do processo de execução fiscal nº 34332001... e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Cascais 2, contra a sociedade “CAFÉ S..., LDA”, e contra si revertida, para a cobrança coerciva de dívidas de contribuições à Segurança Social referentes aos anos de 1995 a 1998, no montante total de €10.454,67.

A Recorrente, a fls. 153 a 164 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 30-06-2017, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 34332001..., por ter considerado a Oponente parte ilegítima na execução, em virtude de não se ter provado que a mesma exerceu efectivamente a gerência da sociedade “CAFÉ S..., LDA”, no período de pagamento das dívidas em cobrança naqueles autos executivos.

II - Estando em causa reversão operada nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do anterior CPT, sabemos, por um lado, que é o exercício efectivo da gerência que permite vislumbrar que determinado agente actuou como órgão decisivo da sociedade devedora originária e, por outro, que o respectivo ónus da prova compete à Administração Fiscal, cfr. acórdão TCA SUL de 31/10/2013, proc. n.º 06732/13.

III - Contrariamente ao que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo, perscrutado todo o acervo documental junto aos autos, do mesmo emergem elementos probatórios reveladores de que a Oponente praticou actos que consubstanciam o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária no período em apreço.

IV - Na realidade, o que é determinante para apurar do exercício da gerência é averiguar se os actos praticados se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, ou seja, se são praticados actos através dos quais a sociedade fica juridicamente vinculada perante terceiros.

V - O mesmo é dizer que a Oponente, ao proceder à assinatura de documentos inerentes à sociedade devedora originária, encontra-se a praticar um acto que exterioriza a vontade desta, vinculando-a e representando-a perante terceiros, o que, por si só, consubstancia o exercício efectivo da gerência, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

VI - Nos presentes autos, resultou provado que a Oponente procedeu à assinatura da declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2003 da sociedade devedora originária e que apôs a sua assinatura na declaração de inscrição no registo em sede de IRC e de reinício de actividade em sede de IVA da sociedade originária executada.

VII - Contrariamente ao que foi decidido pelo Douto Tribunal a quo, também deveria ter resultado provado que a Oponente representou e exteriorizou a vontade da sociedade devedora originária através da apresentação do requerimento de regularização de dívidas daquela sociedade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, bem como deveria ter constado da matéria factual provada a responsabilidade da Oponente pela assinatura das declarações periódicas de IVA relativas à sociedade devedora originária.

VIII - Através da análise de tais documentos, cujo teor e veracidade nunca foram impugnados, não se pode concluir que a Oponente apenas detinha uma mera designação formal para o cargo e que nada sabia e não intervinha em nome da sociedade devedora originária, antes pelo contrário, desempenhava um importante papel e que a sua vontade era determinante para os destinos da sociedade devedora originária, o que se coaduna, integralmente, com o exercício da gerência de facto.

IX - Note-se, de igual modo, que ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito se presume como tendo exercido, efectivamente, essas funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade desse exercício por parte da Oponente possa ter acontecido, cfr. acórdão do STA de 10-12-2008, proc. n.º 861/08.

X - Dos presentes autos também resultou provado que, na escritura de “Reforço de capital e alteração parcial do pacto” da sociedade devedora originária, se fez constar, expressamente, que a sociedade se obrigava mediante a assinatura da Oponente, cfr. parágrafo 3 dos factos provados e, portanto, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 35.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade, cfr. no Acórdão do TCA Sul de 06/10/2009, processo 03336/09 e acórdão do TCA Sul 09-10-2007, processo n.º 01953/07.

XI - E não se refira, tal como faz a Sentença recorrida, que “…a qualificação de determinada pessoa como gerente de uma sociedade comercial não se basta com a prática de actos isolados”, uma vez que verdadeiramente preponderante para verificação do exercício efectivo do cargo é que o sujeito tome decisões, vincule e exteriorize a vontade da sociedade devedora originária, através da prática de actos ou negócios jurídicos.

XII - “Tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto. O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade».” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 11/03/2003, processo 7384/02)”, cfr. acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proferido no âmbito do processo n.º 3468/00.

XIII - Também não se estipule, como faz a Sentença recorrida, que “…o accionamento do mecanismo da reversão da execução fiscal não foi precedido de qualquer alegação e prova realizada pelos serviços da administração tributária no próprio processo de execução fiscal – de que a Oponente exerceu a gerência de facto, em termos que determinassem a sua legitimidade para o processo de execução fiscal a título de responsável subsidiário (cfr. fundamentação do despacho de reversão, transcrita no parágrafo 12. do elenco de factos provados”.

XIV - Porquanto a Lei não exige que do despacho de reversão ou do acto de citação resulte qualquer alusão concreta aos actos de gestão ou às diligências levadas a cabo pelo órgão de execução fiscal que permitam aferir da verificação dos pressupostos de que depende a reversão do processo de execução fiscal; e não exige porque tais estes vícios de falta de prova dos pressupostos da reversão devem ser destacáveis ou autonomizáveis relativamente à alegada falta de fundamentação da reversão, cfr. a este respeito, o entendimento vertido no Douto Acórdão do TCA Sul, de 05-06-2012, proferido no âmbito do recurso n.º 05431/12.

XV - Na realidade, a Oponente possui uma intervenção pessoal e activa na vinculação da sociedade devedora originária, o que significa que a viabilidade funcional desta apenas era concretizada com a intervenção daquela, o que se subsume, integralmente à noção de gerência de facto e o facto de ter resultado provado que a mesma ter assinou documentos no interesse e por conta da sociedade devedora originária, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de gerência.

XVI - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, desconsiderando os elementos probatórios carreados para os autos, tendo desconsiderando os elementos probatórios carreados para os autos e violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS
EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE
RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA
RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”
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A Recorrida apresentou as contra-alegações constantes de fls. 166 a 169 dos autos, tendo concluído da seguinte forma:

“1-Verifica-se que as alegações apresentadas pelo Digno Representante da Fazenda Pública não colocam em causa a sentença recorrida;


2-Que a ora oponente/recorrida I…, nunca praticou actos próprios que consubstanciassem um exercício efectivo da gerência de facto na sociedade originalmente devedora;


3-Como ficou provado, quem exerceu de facto e de direito a gerência da sociedade originalmente devedora “CAFÉ S..., LDA”, foram os sócios gerentes: L…, A… e A…;


4-A sentença recorrida é de facto uma decisão de mérito, bem fundamentada em toda a sua plenitude, quer factual, jurídica, doutrinária e jurisprudencial;


5-Que, não foi por culpa da oponente/recorrida, que o património da sociedade originalmente devedora ficou insuficiente para que a mesma pudesse satisfazer os créditos fiscais.


Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser concedido provimento ao recurso apresentado pelo Digno Representante da Fazenda Pública, e, em consequência, a sentença recorrida não deverá ser revogada, mantendo- se nos termos em que foi proferida, ou seja, que a oposição à execução fiscal seja considerada procedente, por provada e extinto o respectivo processo de execução fiscal nº 34332001..., com as demais e devidas consequências legais.


Assim, se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 176 e 177 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 130 verso a 135 dos presentes autos):

“1. Nos termos da apresentação n.º 11, de 25 de Setembro de 1984, da matrícula da sociedade comercial Café de S…, Limitada, eram sócios desta sociedade J..., A..., A... e L... – cfr. documento de fls. 39 a 67 do PEF, que se dá por reproduzido;
2. De acordo com a inscrição referida no parágrafo anterior:
«Gerência: a gerência da sociedade pertence (…) a todos os sócios, os quais poderão delegar todos ou parte dos poderes de gerência noutro sócio ou mesmo em pessoa estranha à sociedade, mas neste caso com o conhecimento da própria sociedade.

Forma de obrigar a sociedade: para que a sociedade se considere obrigada em todos os seus actos e contratos ou para a sua representação em juízo ou fora dele, activa e passivamente, são necessárias duas assinaturas, uma das quais obrigatoriamente a do gerente J... ou de seus procuradores» – cfr. documento de fls. 39 a 67 do PEF, que se dá por reproduzido (sublinhados no original);

3. Em 26 de Outubro de 1990, foi celebrada escritura de «Reforço de capital e alteração parcial do pacto» da sociedade por quotas Café de S..., Lda., da qual resulta designadamente o seguinte:
«Fiz aos outorgantes em voz alta e na presença simultânea de todos, a leitura e a explicação do conteúdo da presente escritura, consignando-se ainda que foi pela unanimidade dos sócios deliberado nomear gerente da sociedade a sócia I... e alterar ainda parcialmente o pacto social quanto ao parágrafo primeiro do artigo quinto pela forma seguinte:
Artigo 5.º:
Parágrafo primeiro: para que a sociedade se considere obrigada em todos os seus actos e contratos ou para a sua representação em juízo ou fora dele, activa ou passivamente, são necessárias duas assinaturas, uma das quais obrigatoriamente a da gerente L... ou da gerente I...» – cfr. documento de fls. 31 a 37 do PEF, que se dá por reproduzido;
4. A deliberação de nomeação de gerentes e de alteração do artigo 5.º do pacto social da sociedade Café de S..., Lda., nunca foi objecto de inscrição no registo comercial – cfr. depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos;
5. Em 31 de Janeiro de 1997, foi apresentado no Serviço de Finanças de Cascais 2 o «Requerimento de regularização de dívidas a que se refere o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto», em cujo campo «assinatura do devedor ou de quem dispõe de competência para o obrigar» figuram manuscritos os nomes «L...» e «I...» – cfr. documento de fls. 194 a 198 do PEF, que se dá por reproduzido;

6. Em 19 de Março de 1997, deu entrada nos serviços da Administração tributária a declaração anual de rendimentos, em sede de IRC, modelo 22, referente ao exercício de 1993 da sociedade CAFÉ S..., LDA., em cujo campo «Assinatura do representante legal» consta a assinatura da Oponente – cfr. documento de fls. 199 do PEF, que se dá por reproduzido;

7. Em 4 de Fevereiro de 1997, foi apresentada no Serviço de Finanças de Cascais 2 a Declaração de inscrição no registo em sede de IRC e de reinício de actividade em sede de IVA da sociedade comercial CAFÉ S..., LDA., em cujo campo «Assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal» consta a assinatura da Oponente – cfr. documento de fls. 200 a 202 do PEF, que se dá por reproduzido;
8. Em 5 de Julho de 2001, foi emitida a certidão de dívida com o n.º 3229/2001, referente a contribuições para a Segurança Social dos meses de Junho de 1995 a Novembro de 1997, e de Fevereiro e de Abril a Junho de 1998, bem como aos respectivos juros de mora calculados até Maio de 2001, no valor global de $ 3.606.546,00, que tem como devedora a sociedade comercial CAFÉ S..., LDA. – cfr. documento de fls. 10 a 12 do PEF, que se dá por reproduzido;
9. Em 6 de Julho de 2001, o Serviço de Finanças de Cascais 2 instaurou o processo de execução fiscal n.º 34332001... contra a sociedade comercial Café S…, Lda., para cobrança coerciva das dívidas identificadas no parágrafo anterior – cfr. autuação de fls. 8 do PEF, que se dá por reproduzida;
10. Por correio registado de 13 de Julho de 2001, o Serviço de Finanças de Cascais 2 enviou um «aviso-citação» com o n.º 14682 à sociedade comercial Café S…, Lda., no qual a informava da instauração do processo de execução fiscal referido no parágrafo anterior – cfr. ofício de fls. 14 do PEF, que se dá por reproduzido;
11. O «aviso-citação» referido no parágrafo anterior foi devolvido ao Serviço de Finanças de Cascais 2 – cfr. documento de fls. 18 do PEF, que se dá por reproduzido;
12. Em 6 de Março de 2007, o Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 2 proferiu um despacho com o seguinte teor:

«Em 2007.01.23 foi elaborado „Despacho para Audição (Reversão) contra I... (…), por se constatar que a firma Café

S…, Lda. (…) é devedora nos presentes autos de contribuições ao Centro Reg. Seg. Social de Lisboa e Vale do Tejo, de vários anos, cuja quantia exequenda monta a € 10.454,67 (Dez mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) não possui bens suficientes para solver a quantia exequenda e acrescido, bem assim como foi gerente da mesma, no período em que terminou o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas integrantes do presente processo, o contribuinte acima identificado.
Tal despacho foi, para efeitos de eventual exercício do direito de audição plasmado no n.º 4 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária, notificado ao responsável identificado, ao qual foi concedido, para o efeito, o prazo de 10 dias.
Verifica-se do processado que aquele responsável não recebeu as duas notificações que lhe foram enviadas para o domicílio fiscal constante do registo informático dos serviços, pelo que, nos termos do n.º 5 do art. 39.º do CPPT, considera-se notificado (fls. 81 a 83 e 87 a 89).
Os artigos 13.º do CPT e o 24.º da Lei Geral Tributária delimitam as situações passíveis de enquadrar a responsabilidade subsidiária dos corpos sociais das sociedades, cooperativas e empresas públicas.
Tal responsabilidade é do tipo ex-lege, isto é, caracteriza uma fiança legal, e os seus pressupostos assentam no exercício de funções de administração, direcção ou gerência, de facto ou de direito, e na presunção de existência de culpa funcional.
Demonstrada a gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado, de inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade.
E exteriorizando o gerente, o director ou o administrador a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cfr. artigos 248.º, 249.º e 250.º do Código Comercial e artigos 191.º, 192.º, 193.º, 252.º, 259.º, 260.º, 261.º, 390.º, 405.º, 408.º, 470.º, 474.º e 478.º, todos do Código das Sociedades Comerciais), é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.

Nestes moldes, ao abrigo do preceituado pelo Artigo 13.º do CPT e 24.º da Lei Geral Tributária, e nos exactos termos do Artigo 246.º do Código de Processo Tributário, reverto a execução contra I... (…), o qual passa a responder, individualmente, pelo valor de € 10.454,67 (dez mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos), quantia exequenda.

Se o responsável proceder ao pagamento da dívida no prazo concedido para a Oposição, não lhe será exigido juros de mora, nem as custas da execução, valendo a citação como notificação.
Deverá ficar ciente de que, caso o pagamento não seja efectuado dentro do prazo da Oposição, ou se decair em Oposição deduzida, suportará, além das custas a que derem causa, as que forem devidas pela sociedade originalmente devedora» – cfr. documento de fls. 116 e 117 do PEF, que se dá por reproduzido;

13. Por correio registado com aviso de recepção de 6 de Março de 2007, o Serviço de Finanças de Cascais 2 enviou à Oponente uma comunicação na qual a informava da reversão contra ela do processo de execução fiscal n.º 34332001... para cobrança coerciva da quantia de € 10.454,67 – cfr. documento de fls. 119 do PEF, que se dá por reproduzido;

14. A carta referida no parágrafo anterior foi devolvida ao remetente com a menção de «não reclamado» – cfr. documento de fls. 120-122 do PEF, que se dá por reproduzido;
15. Em 9 de Março de 2007, a Sub-Região de Saúde de Lisboa da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo emitiu um «atestado médico de incapacidade multiuso», do qual resulta que a Oponente «apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de Setembro lhe conferem uma incapacidade permanente global de 80% (oitenta por cento) desde 2006» – cfr. documento de fls. 9 dos autos (suporte físico), que se dá por reproduzido;
16. Em 4 de Julho de 2007, o Serviço de Finanças de Cascais 2 emitiu a seguinte certidão de citação:

«TEOR DA CERTIDÃO DE CITAÇÃO

Certifico que citei hoje, pelas 11 horas e 47 minutos, I..., (…), executado(a) por reversão nos termos do art. 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na qualidade de responsável subsidiário pela dívida exequenda da empresa/sociedade infra indicada, de todo o conteúdo do mandado que antecede, que lhe li, tendo-lhe entregue neste acto a respectiva nota de citação. E de como a recebeu e declarou ficar ciente, vai assinar.
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
CAFÉ S..., LDA.
(…)
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA *
N.º processo: 34332001...
Proveniência(s) CRSS da região de Lisboa e Vale do Tejo
Total da Quantia Exequenda (Eur): 10.454,67 Eur
Total de Acrescidos (Eur): 0,00 Eur

Total (Eur): 10.454,67 Eur

* Conforme anexo.
1) Este valor não é definitivo, na medida em que os juros de mora continuam a vencer-se por cada mês de calendário ou fracção e as custas são liquidadas em função da fase processual. Sobre as coimas e multas não incidem juros de mora» – cfr. documento de fls. 138 do PEF, que se dá por reproduzido;
17. Em 20 de Outubro de 2009, o Serviço de Finanças de Cascais 2 emitiu uma certidão, da qual resulta designadamente o seguinte:

«Certifica (…) que após ter compulsado os elementos existentes neste Serviço de Finanças, designadamente a Ordem Geral e sistema informático de gestão e controlo dos processos de Execução Fiscal, verifiquei que, em 2001-07-17, foi enviada para a morada do devedor original – Café S…, Lda (…) citação postal registada do processo executivo n.º 34332001..., nos termos do art. 191.º, n.º 2, do CPPT, através do registo n.º RR24468…PT. No entanto, a citação postal foi devolvida a este Serviço de Finanças sem indicação de nova morada do executado, pelo que foi extraído mandado de penhora em 2001-09-14, nos termos do art. 193.º do CPPT, mas não foram encontrados bens penhoráveis em nome do devedor originário. Em 2006-09-07, após deslocação à morada da sede do Café S…, Lda., foi lavrado um auto diligências com indicação de que a executada já não tinha a sua sede naquela morada» – cfr. documento de fls. 77 dos autos (suporte físico), que se dá por reproduzido;

18. A Oponente nunca constou nas declarações de remunerações pagas pela sociedade comercial CAFÉ S..., LDA., e o Instituto da Segurança Social, I.P., não tem qualquer registo de descontos para a segurança social feitos por esta sociedade em nome da Oponente – cfr. documento de fls. 70 a 72 dos autos (suporte físico), que se dá por reproduzido e depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos;
19. A Oponente nunca trabalhou para a sociedade comercial CAFÉ S..., LDA. – cfr. depoimento das testemunhas L..., P...e F..., inquiridas nos autos;
20. Desde data que não foi possível apurar, mas seguramente anterior a 1978, até à data em que se reformou, a Oponente foi funcionária dos CTT – Correios de Portugal – cfr. depoimento das testemunhas L..., P...e F..., inquiridas nos autos;
21. Desde 1988 até a data em que a sociedade comercial Café de S..., Lda. deixou de funcionar, em Novembro de 1998, agiram em representação da sociedade, L... e A..., contactando e celebrando negócios com fornecedores e clientes, fazendo pagamentos, assinando cheques e obtendo recebimentos destinados àquela sociedade comercial – cfr. depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos;

22. Desde 1988 até 1996, agiu igualmente em representação da sociedade, A..., contactando e celebrando negócios com fornecedores e clientes, fazendo pagamentos, assinando cheques e obtendo recebimentos destinados àquela sociedade comercial – cfr. depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos;

23. Desde a sua nomeação como gerente até à data em que a sociedade comercial Café de S..., Lda. deixou de funcionar, a Oponente não deu ordens aos empregados, não procedeu a quaisquer pagamentos ou recebimentos, nem assinou cheques em nome e representação dessa sociedade comercial – cfr. depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos.”


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“1. A Oponente assinou, preencheu e entregou as declarações periódicas de rendimentos em sede de IVA da sociedade comercial CAFÉ S..., LDA., no período de 1992 a 1996 – cfr. artigo 4.º da contestação, não confirmado pelo teor dos documentos de fls. 205 a 242 do PEF;

2. A Oponente assinou, conjuntamente com L..., o «Requerimento de regularização de dívidas a que se refere o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto», apresentado em 1 de Janeiro de 1997, em representação da sociedade comercial Café de S..., Lda., a que se refere o parágrafo 5. do elenco dos factos provados e cuja cópia consta a fls. 194 a 198 do PEF – cfr. artigo 4.º da contestação, contrariado pelo depoimento da testemunha L..., inquirida nos autos.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão quanto aos parágrafos 1. a 3. e 5. a 17. do elenco da matéria de facto provada foi formada com base no exame crítico dos documentos constantes dos autos e do PEF, não impugnados, bem como com fundamento nas posições assumidas pelas partes nos seus articulados e informações oficiais, tudo conforme discriminado nos vários parágrafos do probatório.

A decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo 1. do elenco de factos não provados resulta do teor dos documentos de fls. 205 a 242 do PEF, os quais, embora constituam cópias de declarações periódicas de rendimentos em sede de IVA, não são legíveis e, em consequência, não permitem identificar o sujeito passivo e o período temporal a que respeitam, nem tão-pouco o subscritor das referidas declarações.

A convicção do tribunal quanto ao facto identificado no parágrafo 18. do elenco da matéria assente resultou do exame crítico dos documentos juntos aos autos complementada com os depoimentos das testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos, conforme referido nesses parágrafos do probatório.

No que respeita à restante matéria de facto – os parágrafos 4., 19. a 23. do elenco da matéria assente e o parágrafo 2. do elenco de factos não provados –, a convicção do Tribunal assentou no depoimento das testemunhas inquiridas no âmbito dos presentes autos.

O Tribunal valorou particularmente o depoimento da testemunha L..., cujo depoimento foi isento e credível, tendo explicado sem quaisquer hesitações que, após a morte do seu pai, J..., em 1988, quem exercia efectivamente a gerência da sociedade era ela, e os sócios-gerentes A... e A.... Bem como que, embora a Oponente, sua mãe, tivesse sido designada gerente da sociedade comercial aquando da morte do seu pai, essa designação foi meramente formal, nunca foi levada ao registo comercial e a Oponente nada sabia e em nada intervinha na vida da aludida sociedade.

Foi igualmente valorado o depoimento das testemunhas P...e F..., que depuseram de forma clara e congruente, revelando ter conhecimento directo quanto aos factos sobre os quais depuseram, sendo de assinalar com relevância a resposta dada à matéria vertida nos parágrafos 19. e 20. do elenco da matéria de facto provada.

Em concreto, a decisão sobre a matéria de facto quanto ao parágrafo 2. do elenco de factos não provados é consequência do testemunho prestado por L... que, confrontada com o documento de fls. 194 a 198 do PEF, informou que dele não consta a assinatura da Oponente e que, na verdade, foi ela que manuscreveu o nome da Oponente naquele «requerimento de regularização de dívidas» apresentado perante a Administração tributária.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a presente oposição deduzida contra o processo de execução fiscal nº 34332001... e apensos, para a cobrança coerciva de contribuições à Segurança Social, referentes aos anos de 1995 a 1998, no montante total de €10.454,67.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto arguido pela Recorrente no sentido da Recorrida ter sido gerente de facto da sociedade devedora originária e, com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, conclui pela ilegitimidade daquela para contra si prosseguir a execução a que se opôs.


A Recorrente sustenta que resultou provado que a Oponente procedeu à assinatura da declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1993 e que apôs a sua assinatura na declaração de inscrição no registo em sede de IRC e de reinício de atividade em sede de IVA da sociedade originária executada, sendo que ao proceder à assinatura de documentos inerentes à sociedade devedora originária, encontra-se a praticar um ato que exterioriza a vontade desta, vinculando-a e representando-a perante terceiros, o que, de per si, consubstancia o exercício efetivo da gerência, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 260.º do CSC.


Mais aduz que o Tribunal a quo, deveria ter ponderado e firmado como provado que a Oponente representou e exteriorizou a vontade da sociedade devedora originária através da apresentação do requerimento de regularização de dívidas daquela sociedade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto, mais devendo constar da matéria factual provada a responsabilidade da Oponente pela assinatura das declarações periódicas de IVA relativas à sociedade devedora originária.


Concluindo, para o efeito, que mediante a análise de tais documentos, cujo teor e veracidade nunca foram impugnados, não se pode concluir que a Recorrida apenas detinha uma mera designação formal para o cargo e que nada sabia e não intervinha em nome da sociedade devedora originária, antes pelo contrário, desempenhava um importante papel e que a sua vontade era determinante para os destinos da sociedade devedora originária, o que se coaduna, integralmente, com o exercício da gerência de facto.


Sufraga, a final, que o exercício da gerência de facto se retira, outrossim, do teor da escritura de “Reforço de capital e alteração parcial do pacto” da qual resulta que a sociedade devedora originária se obrigava mediante a assinatura da Oponente.


Vejamos, então, se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao concluir que a Recorrida é parte ilegítima.


Para o efeito importa convocar o quadro jurídico aplicável ao caso sub judice.


Cumpre, desde já, evidenciar que quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.


Encontramo-nos, assim, perante uma ilegitimidade substantiva, assente na falta de responsabilidade do citado pelo pagamento da dívida exequenda, logo leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial, razão pela qual rege a lei vigente no momento em que se verificam os pressupostos de tal responsabilidade, conforme entendimento jurisprudencial unânime.


No caso vertente, sendo aplicável, como visto, a lei vigente à data da prática dos factos tributários e encontrando-nos face a reversão de dívidas de contribuições para a Segurança Social respeitantes aos anos de 1995 a 1998, é aplicável o regime constante do Código de Processo Tributário, concretamente, do artigo 13.º do CPT.


Convoquemos, então, a letra do citado preceito legal, sob a epígrafe de Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada”, o qual dispunha no seu nº1:


“Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação de créditos fiscais”. (cfr. artigo 13.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de maio).


Do teor do citado preceito legal resulta que não existe uma presunção inilidível da culpa pela insuficiência do património social para a satisfação dos créditos fiscais (como sucedia na vigência do CPCI), instituiu-se apenas a presunção de culpa - agora ilidível - de que a insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais derivava da atuação culposa dessa gerência ou administração.


Dimana, porém, do teor do citado artigo 13.º do CPT, ser imprescindível verificar-se a administração de facto da sociedade devedora originária. Sendo que inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.


Neste particular, convoque-se o teor do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em acórdão datado de 28 de fevereiro de 2007, no processo n.º 1132/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo sumário, ora, se transcreve:


“I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.


II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.


III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.


IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.


V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”


Não é, pois, sustentável que caiba ao responsável subsidiário o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.


Conforme expressamente se doutrina no Aresto citado e a cuja fundamentação jurídica se adere:


“ (…) no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.


Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.


A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.” (sublinhado e destaque nosso).


Ora, delimitado o regime legal e analisando-o à luz do recorte probatório dos autos, cumpre, desde já, adiantar que nenhuma censura merece o entendimento do Tribunal a quo.


Apreciando.


A Recorrente entende, como visto, que existe erro de julgamento de facto, uma vez que, por um lado, deveriam constar na matéria de facto provada realidades com acervos documentais nos autos, e por outro lado, porque do recorte probatório dos autos se retira a assinatura de diversos documentos, donde, a conclusão que se impunha retirar era a de que a Recorrida exerceu, efetivamente, a gerência de facto.


Porém, sem razão, senão vejamos.


De relevar, ab initio, que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, cumprindo os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.


Preceitua o aludido normativo que:


“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1).


Mais importa ter presente no concernente à produção de prova testemunhal, que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (2).


In casu, conforme se extrai com clareza do teor das conclusões das alegações de recurso, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, limitando-se a evidenciar que deveria resultar provado que “a Oponente representou e exteriorizou a vontade da sociedade devedora originária através da apresentação do requerimento de regularização de dívidas daquela sociedade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto” e bem assim que “deveria ter constado da matéria factual provada a responsabilidade da Oponente pela assinatura das declarações periódicas de IVA relativas à sociedade devedora originária”.


De relevar, desde já, que o supra aludido nunca poderia constar na matéria de facto, por configurarem conclusões e não factos. De todo o modo, sempre a Recorrente estaria vinculada a concretizar, com exatidão, quais os meios probatórios que justificariam tal assunção.


Ademais, as asserções fácticas referentes à assinatura do requerimento de adesão à Lei 124/96 e bem assim das declarações periódicas de IVA constam na factualidade não provada. Na verdade, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que o Tribunal a quo motivou de forma clara, suficiente e cabal porque motivo entendia que deveria constar como factualidade não provada a assinatura das declarações de IVA e bem assim a assinatura do requerimento de adesão ao Decreto Lei 124/96, fundando-se, desde logo, na prova testemunhal a qual a Recorrente nem tão-pouco chama à colação, nada indicando ou ponderando no sentido de descredibilizar os depoimentos das testemunhas que justificavam o seu entendimento.


Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (3).


E por assim ser não pode deixar de estar votado ao insucesso o aludido erro de julgamento de facto.


Acresce, outrossim, que não se afigura que o Tribunal a quo tenha valorado de forma incorreta a realidade fáctica constante no acervo probatório. Bem pelo contrário, tendo o Tribunal a quo efetuado um correto exame crítico da prova produzida (documental e testemunhal, tanto provada, como não provada), permitindo-nos concluir pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte da Oponente no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário.


Atentemos, então, nas razões que nos permitem concluir pelo acerto da decisão recorrida.


Para o efeito, importa, desde logo, relevar que a Recorrida ao longo de toda a p.i. nega, de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo a AT carreado para os autos elementos de prova que permitam extrair, de forma inequívoca e segura, que a mesma exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária.


É certo que a Recorrente sustenta que a Recorrida procedeu à assinatura da declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1993 da sociedade devedora originária e que apôs a sua assinatura na declaração de inscrição no registo em sede de IRC e de reinício de atividade em sede de IVA, pelo que tais atos permitem retirar a vinculação societária e a prática de atos de gestão.


Mas a verdade é que, ainda que conste no acervo fáctico dos autos, concretamente, nos pontos 6 e 7 que “Em 19 de Março de 1997, deu entrada nos serviços da Administração tributária a declaração anual de rendimentos, em sede de IRC, modelo 22, referente ao exercício de 1993 da sociedade CAFÉ S..., LDA., em cujo campo «Assinatura do representante legal» consta a assinatura da Oponente” e “Em 4 de Fevereiro de 1997, foi apresentada no Serviço de Finanças de Cascais 2 a Declaração de inscrição no registo em sede de IRC e de reinício de actividade em sede de IVA da sociedade comercial CAFÉ S..., LDA., em cujo campo «Assinatura do sujeito passivo ou do seu representante legal» consta a assinatura da Oponente”, o certo é que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, tais realidades fácticas não permitem, de per si, inferir a gerência de facto, desde logo, por se traduzirem em atos isolados.


Neste particular, atente-se no doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo no processo nº 01210/07.5, de 30 de abril de 2014, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:


“[N]ão se olvida que no dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos 2 um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68. Todavia, afigura-se-nos que esse (único) facto provado, e embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrido, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão. Como se decidiu no acórdão deste TCAN de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO, www.dgsi.pt, “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…”.


Logo, da assinatura de atos pontuais pela Recorrida, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que a mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade e muito menos durante os anos de 1995, 1996 e 1998.


De facto, que para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder (Sobre o traço distintivo entre gerente de direito e gerente de facto, vide, designadamente, Acórdão proferido pelo TCA Norte, no processo01417/05.0BEVIS, de 16 de abril de 2015).


É certo, outrossim, que a Recorrente aduz em abono da sua pretensão que do teor da escritura de “Reforço de capital e alteração parcial do pacto” da sociedade devedora originária, consta expressamente a assinatura da Recorrida como elemento de obrigação e vinculação societária, encontrando-se, portanto, legitimada a presunção do exercício efetivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.


Mas a verdade é que atentando no teor da citada cláusula constante no ponto 3 do probatório não se consegue extrapolar a gerência de facto, conforme faz a Recorrente. Em bom rigor, perscrutando o teor da aludida escritura o que se consegue inferir coaduna-se, tão-só, com a gerência de direito e não com a gerência de facto. Com efeito, do seu teor resulta, por um lado, a nomeação expressa da Recorrida enquanto gerente de direito e por outro lado a obrigação societária passando esta a vincular-se com “[d]uas assinaturas, uma das quais obrigatoriamente a da gerente L... ou da gerente I...”. Mais importa relevar, neste particular, que quanto à vinculação societária não se encontra consignado que a sociedade se obriga sempre e só com a assinatura da Recorrente sendo, como visto, utilizada a conjunção coordenativa alternativa “ou” e não a conjunção coordenativa aditiva “e”.


Ademais, sempre importa relevar o consignado no ponto 4 do probatório, ou seja, de que a deliberação de nomeação de gerentes e de alteração do artigo 5.º do pacto social da sociedade devedora originária nunca foi objeto de inscrição no registo comercial.


Ora, em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade provada, é manifesto que a Entidade Exequente não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto. Acresce que da demais documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal apenso, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que a Recorrida exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento.


Note-se inclusive que, conforme já evidenciado, não resultou provado que a Recorrida assinou, preencheu e entregou as declarações periódicas de IVA da sociedade devedora originária, no período de 1992 a 1996 e bem assim que assinou, conjuntamente com L..., o «Requerimento de regularização de dívidas a que se refere o n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto», apresentado em 1 de janeiro de 1997, em representação da sociedade devedora originária. De relevar, neste particular, que conforme consignado na motivação da matéria de facto é a própria L... que afirma que do aludido requerimento de adesão não consta a assinatura da Oponente, reconhecendo que foi a própria que manuscreveu o nome da Recorrida no visado documento, sendo que a Recorrente, como já evidenciado, nada aduz, como era seu ónus, no sentido de descredibilizar esse depoimento.


Adicionalmente, e conforme resulta expresso na sentença e com total anuência deste Tribunal, também da prova testemunhal resulta patente que a mesmo nunca exerceu a direção efetiva da sociedade da sociedade devedora originária.


Com efeito, no sentido propugnado pela primeira instância e conforme atesta o acervo probatório dos autos a Recorrida nunca constou nas declarações de remunerações pagas pela sociedade comercial devedora originária, inexistindo qualquer registo de descontos para a Segurança Social feitos por esta sociedade em nome da Recorrida.


Dimanando, outrossim, que a Recorrida desde período seguramente anterior a 1978 até à data em que se reformou, foi funcionária dos CTT – Correios de Portugal, nunca tendo trabalhado para a sociedade devedora originária.


Mais resultando assente que, desde 1988 até a data em que a sociedade devedora originária deixou de funcionar, em novembro de 1998, agiram em representação da sociedade, L... e A..., contactando e celebrando negócios com fornecedores e clientes, fazendo pagamentos, assinando cheques e obtendo recebimentos destinados àquela sociedade comercial.


O mesmo sucedendo, desde 1988 até 1996, com A..., o qual agindo em representação da sociedade, contactou e celebrou negócios com fornecedores e clientes, fazendo pagamentos, assinando cheques e obtendo recebimentos destinados àquela sociedade comercial.


Resultando, in fine, provado que desde a sua nomeação como gerente até à data em que a sociedade devedora originária deixou de funcionar, a Recorrida não deu ordens aos empregados, não procedeu a quaisquer pagamentos ou recebimentos, nem assinou cheques em nome e representação da mesma.


Destarte, em face do supra aludido e não obstante a Administração Tributária não ter ilidido o ónus probatório que sobre si impendia, verdade é que a Recorrida demonstrou que pese embora figure como gerente de direito da sociedade devedora originária, nunca assumiu a direção da mesma, logo não pode ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas sendo, por isso, parte ilegítima para a execução fiscal, pelo que a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura.


Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a Administração Tributária não estava legitimada a efetivar a reversão contra a Recorrida devido a falta de prova dos pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº 34332001... e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.



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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de março de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Joaquim Condesso)

(Catarina Almeida e Sousa)


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(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.

(2) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6280/12, de 16 de abril de 2013.

(3) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.