Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:95/17.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
INCONSTITUCIONALIDADE;
QUESTÃO;
ARGUMENTO.
Sumário:I - A sindicância pelo Tribunal Central Administrativo das decisões dos tribunais arbitrais, constituídos sob a égide do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, tem um objecto legal pré-definido, limitado às nulidades das sentença previstas no artigo 28.º do RJAT, à violação dos princípios consagrados no artigo 16.º (para que somos remetidos por aquele mesmo artigo 28.º) ou, excepcionalmente, em casos justificados, com fundamento em outras nulidades processuais cujo reconhecimento se mostra imposto pela unidade e completude do sistema jurídico para que nos remete o artigo 29.º do mesmo diploma legal ou que, pela sua verificação, determinem a anulação subsequente do processado, incluindo a sentença arbitral que haja sido proferida.
II. Compete ao Tribunal Arbitral conhecer de todas as questões que as partes hajam suscitado nos seus articulados tendo em vista o reconhecimento da sua pretensão, sem prejuízo de lhe ser permitido não conhecer de uma questão nas situações em que a sua apreciação esteja já prejudicada pela decisão dada a outra anteriormente decidida.

III. É uma verdadeira questão, e não um mero argumento, a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional.

IV. Tendo a Administração Tributária suscitado no seu articulado a questão enunciada em III, e não tendo o Tribunal Arbitral - que perfilhou na sua decisão a interpretação do normativo no sentido reputado de inconstitucional - apreciado expressamente essa questão, há que concluir que a sentença arbitral impugnada padece de nulidade por omissão de pronúncia.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26º e 27º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº740/2016-T que, julga procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo B... Portugal, S.A., declarou ilegais 44 (quarenta e quatro) dos 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação impugnados, dos anos de 2010, 2011 e 2012, respeitantes aos quarenta e quatro veículos identificados no requerimento inicial e ilegal o acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa, condenando a Fazenda Pública a devolver àquela instituição bancária a quantia de €9.918,11, acrescida de juros indemnizatórios calculados à taxa legal, contados desde 14-12-2016, até ao seu integral cumprimento.

No articulado inicial, resumindo a sua pretensão, a Impugnante formulou as seguintes conclusões:

«1.ª A presente impugnação visa reagir contra a decisão arbitral proferida a 2017-05-30 pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no âmbito do processo n°740/2016-T que correu termos no CAAD;

2.ª A decisão proferida pelo referido Tribunal Arbitral Singular padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de duas questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado [artigo 28°/1-c) do RJAT];

3.ª Por via do pedido de pronúncia arbitral visou a Impugnada colocar em crise 100 actos de liquidação de IUC;

4.ª A Impugnante apresentou oportunamente a sua Resposta, mediante articulado no qual, e em síntese: (i) defendeu que o artigo 3° do Código do IUC não contém qualquer presunção ilidível; (ii) colocou em causa o valor probatório dos documentos juntos pela Impugnada, tendo salientado que à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a vários veículos e que a Impugnada não havia dado cumprimento à obrigação declarativa patente no artigo 19° do CIUC; (iii) suscitou a inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC; (iv) pugnou pela sua não condenação ao pagamento de juros indemnizatórios e custas arbitrals face à inércia da Impugnada;

5.ª Cada uma destas questões foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado e era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;

6.ª O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam ao seguinte: «São as seguintes as questões a apreciar: a) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios [;] b) Do direito a juros indemnizatórios [.J»;

7.ª O Tribunal Arbitral Singular apreciou as questões por si elencadas, as quais correspondem, no essencial, às questões suscitadas pela própria Impugnada;

8.ª Contudo, não só o referido elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular omitiu por completo (i) a questão de saber se à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a nove veículos e (ii) a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do CIUC, ambas suscitadas por banda da Impugnante, como, pior, o discurso fundamentador da decisão arbitral não lhe reservou uma só palavra;

9.ª As questões a decidir não eram exclusivamente as questões suscitadas pela Impugnada, mas, sim, também as questões suscitadas pela Impugnante, pois de outro modo de nada serve o contraditório corporizado na Resposta oportunamente apresentada;

10.ª Todavia, tudo se processou como se, pura e simplesmente, a Impugnante jamais tivesse suscitado (i) a questão de saber se à data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a nove veículos e (ii) a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do CIUC, ou seja, saber se tal interpretação é conforme aos princípios da legalidade e justiça tributárias, da capacidade contributiva, da igualdade e da certeza e segurança jurídicas;

11.ª Ao ignorar estas duas questões fundamentais o Tribunal Arbitral Singular não incorreu em qualquer erro de apreciação da prova, mas, sim, numa inequívoca omissão de pronúncia;

12.ª Nenhuma relação de dependência jurídica existe entre a interpretação da lei em torno do artigo 3° do CIUC feita pelo Tribunal Arbitral Singular e as inconstitucionalidades suscitadas pela Impugnante que justificasse a omissão em que incorreu aquele areópago, conforme, aliás doutamente, se decidiu no acórdão proferido a 2015-04-23 pela 2ª Secção do 2° Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do processo n°08224/14;

13.ª A decisão arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma "decisão surpresa";

14.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão (i.e., a de convencer os seus destinatários) o Tribunal Arbitral Singular coartou irremediável e incompreensivelmente um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Impugnante: o recurso para o Tribunal Constitucional [artigo 70°/1-b) da Lei 28/82, de 15 de novembro];

15.ª Motivo pelo qual não deve ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


Admitida a Impugnação e notificado o B... Portugal, S.A, foi por este apresentada resposta, tendo aí concluindo, como segue:

«A. A presente impugnação incide sobre a decisão proferida pelo tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD, nos autos com o n°740/2016-T.

B. O fundamento apresentado pela Impugnante para a sustentar consiste numa alegada omissão de pronúncia em que terá incorrido o tribunal a quo, relativamente a duas "questões":
a. «À data do facto gerador do IUC os respectivos contratos de locação financeira já haviam findado relativamente a vários veículos»; e
b. «A inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3.°do CIUC».

C. No entanto, como se irá já de seguida demonstrar, não é verdade que assim seja, não podendo ser assacado, à decisão arbitral ora impugnada, qualquer vício passível de dar provimento à presente impugnação.

D. O vício de omissão de pronúncia tem de ser analisado ao abrigo daqueles que são os poderes de cognição do tribunal arbitral. Estes são diferentes no que respeita a questões e no que concerne a factos.

E. Relativamente a factos, vigorando o princípio do inquisitório, o tribunal poderá conhecer aqueles alegados pelas partes, os que sejam do seu conhecimento oficioso, os instrumentais e complementares que resultem da instrução da causa, os notórios e aqueles de que este tenha conhecimento por exercício das suas funções.

F. Já quanto a questões - aquilo que está em causa nos presentes autos-, envolvendo estas «tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n°01007/06, de 31/10/2007) -, por força do princípio do dispositivo, o tribunal tem o dever de resolver todas aquelas que sejam submetidas à sua apreciação.

G. Contudo, não se deve olvidar que as questões não se devem confundir com os argumentos ou razões movidas pelas partes pata fazerem valer as suas pretensões. Como já escrevia ALBERTO DOS REIS, «[s]ão, na verdade, coisas diferentes; deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), p. 143].

H. Nestes termos, e agora recorrendo ao aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n°05S2137, de 16/02/2005, «não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras» (realce aditado).

I. Concluindo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas (ALBERTO DOS REIS, Idem, p.141 e ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo CM, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 688).

J. Passando à análise da primeira das "questões" segundo as quais a AT alega que o tribunal a quo terá incorrido em omissão de pronúncia, tendo em consideração tudo aquilo que acabou de se afirmar quanto aos poderes/deveres de cognição do tribunal., como se verá, ter-se-á de concluir que não existiu qualquer omissão de pronúncia.

K. Isto porque, ao contrário do que a AT alega, não estamos aqui perante uma verdadeira questão, mas antes de factos por si alegados. Se bem interpretámos, como acreditamos que interpretou o tribunal a quo, a resposta apresentada pela Impugnante nos autos arbitrais, quando trata o ponto em causa, a AT reporta-se a MATÉRIA FACTUAL: a de que, de acordo com a leitura que fez dos contratos em causa, tais negócios jurídicos não se encontravam em vigor por já ter decorrido o respectivo prazo de vigência.

L. A AT carreou para os autos não uma questão, mas uma realidade factual: a de que, à data a que se reportavam as liquidações, determinados contratos já não se encontrariam em vigor. Trata-se de um FACTO, não de uma questão.

M. Com efeito, esta questão não é mais do que vim ponto de facto que podia ser (ou não), relevante para a boa decisão da causa.

N. A ser relevante, e a já não se encontrarem, factualmente, em vigor os contratos em causa, ao não ter dado tal facto como provado, quanto muito, poder-se-ia imputar ao tribunal a quo um erro de julgamento, matéria essa que, como é sobejamente sabido, não pode ser apreciada nesta sede de impugnação de decisão arbitral, atenta a sua natureza cassatória (quanto à natureza cassatória da acção de impugnação arbitral, vide, por todos CARLA CASTELO TRINDADE, op. cit., pp. 518-524).

O. Logo por aí, inexiste qualquer omissão de pronúncia, quanto a este ponto, plasmada na decisão impugnada.

P. Mas ainda se de uma verdadeira questão se tratasse - no que não se concede -, não poderia ser assacada ao decisor a quo qualquer omissão.

Q. E é assim porque, conforme se constata do segmento "probatório" da decisão impugnada, aquilo que o tribunal a quo considerou verdadeiramente relevante para o julgamento da matéria em causa nos autos não foi saber se os referidos nove contratos de locação se encontravam em vigor à data dos factos. Foi, isso sim, se os veículos em causa, à data em que se venceu a obrigação de pagar o IUC, se encontravam ou não na posse da Impugnada.

R. Quanto a tal matéria ficou patente, no ponto 11.3 dos "Factos Provados", que «A data em que se venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo, os veículos referidos supra não se encontravam na posse da Requerente».

S. Nestes termos, tendo o tribunal a quo concluído que todos os veículos sobre os quais incidiram as liquidações de IUC contestadas não se encontravam na posse da Impugnada à data a que tais liquidações se reportavam, ficou precludida a "questão" de saber se nove dos contratos se encontravam, ou não, em vigor.

T. O que o tribunal considerou relevante para a sua decisão foi a posse (ou falta dela) pela Requerente, dos veículos em causa. Tendo concluído que tal posse, às datas relevantes, inexistia (veja-se, até, que não obstante a Impugnada ter alegado que não se encontrava na posse dos veículos, a AT nunca contestou que assim fosse ao longo da sua defesa em sede arbitral).

U. Concluindo, quanto à primeira das "questões" elencadas pela AT, inexistiu qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo.

V. Vejamos, agora, a segunda das "questões" suscitadas pela AT: «A inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do CIUC».

W. Quanto a esta, ter-se-á de concluir que, na medida em que não se trata de uma questão, mas, como veremos, apenas de argumentos e razões para sustentar a posição da Impugnante, não padece, a decisão impugnada, do vício que lhe é assacado.

X. Como facilmente se conclui através da leitura dos artigos da resposta da AT citados no corpo das presentes alegações, é manifesto que, ao contrário daquilo que nos quer fazer crer a Impugnante, inexiste no caso o levantamento de qualquer questão de (in) constitucionalidade da interpretação preconizada pela Impugnada e perfilhada pelo tribunal a quo.

Y. Isto porque, despidas as alegações da AT dessa veste de "invocação de inconstitucionalidade" que, para todos os efeitos, não se vislumbra, facilmente se compreende que se trata de razões e argumentos invocados com vista a sustentar que a interpretação preconizada pela Impugnada é errónea e, como tal, que a interpretação do artigo 3° do Código do IUC realizada peia AT é a mais correcta, devendo ser adoptada.

Z. No fundo, trata-se de um caso em que a AT cria a aparência de invocação de uma inconstitucionalidade sem, no entanto a invocar verdadeiramente.

AA. Veja-se que, ao longo de todo o trecho citado a Impugnante refere princípios que supostamente teriam respaldo na Constituição mas não identifica sequer uma norma constitucional violada nem o concreto porquê da suposta desconformidade. De facto, se no início do capítulo em causa a Impugnante houvesse referido que a interpretação em causa seria "ilegal", em nada faria diferença tendo em conta a alegação que faz, na qual invoca razões, argumentos, com vista a derrubar a interpretação do artigo 3° do Código do IUC perfilhada pela parte contrária

BB. Ora, será que basta à Impugnante ter afirmado, a certa altura, que a interpretação acolhida pelo tribunal a quo seria inconstitucional (e.g. "caso tal interpretação venha a ser adoptada, então a mesma será inconstitucional"), sem mais, pata que de uma verdadeira questão, sobre a qual o tribunal esteja obrigado a pronunciar-se, se trate? Salvo o devido respeito que à contraparte sempre é devido, não nos parece...

CC. Até porque, repisa-se (e quanto a isso, este douto Tribunal Central Administrativo pronunciar-se-á), perscrutada a perspectiva resposta, na mesma apenas se encontram argumentos e razões que visam sustentar a procedência da interpretação preconizada pela AT, isto na medida em que tais argumentos se destinam a inquinar a interpretação da Impugnada de erro.

DD. Tratando-se, como se viu, apenas de uma aparente questão, de argumentos e razões invocados pela AT com vista a sustentar a procedência do seu pedido, o tribunal a quo não estava obrigado à apreciação de tais argumentos, motivo pelo qual sempre terá de se concluir que não incorreu em qualquer omissão de pronúncia.

EE. Mas se de uma verdadeira questão se tratasse — no que não se concede — sempre teria de se dizer que, ao seguir os cânones interpretativos prescritos pelo Código Civil, na pesquisa pela voluntas legis que lhe foi imposta ao interpretar o normativo constante do artigo 3° do Código do IUC, o julgador a quo sempre terá de se ter confrontado com o problema da conformidade à Constituição, enquanto lei fundamental, da interpretação que realizou. Ora, ao ter adoptado tal interpretação na decisão impugnada, o julgador, certamente, terá considerado que a mesma era conforme à Constituição da República Portuguesa - se não explicitamente, no mínimo implicitamente - porquanto, caso assim não fosse, nunca a teria vertido na sua decisão.

FF. Acresce ainda que o próprio Tribunal Constitucional já decidiu, no acórdão n°348/97, de 29/04/1997 e no acórdão n°311/2003, de 28/04/2003, quanto à inconstitucionalidade do estabelecimento pelo legislador fiscal de uma presunção juris et de jure já que veda por completo aos contribuintes a possibilidade de contrariarem o facto presumido, sujeitando-os a uma tributação que pode fundar-se numa matéria colectável fixada à revelia do princípio da igualdade tributária.

GG. De todo o modo, e concluindo, a "questão" da constitucionalidade da interpretação ota em causa já foi múltiplas vezes, expressamente, esquadrinhada por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.

HH. Veja-se, nomeadamente, as decisões proferidas nos autos arbitrais com os números 168/2014-T, 137/2014-T, 196/2014-T, 212/2014-T, 244/2014^T, 610/2015-T, 645/2015^T e731/2016-T.

TERMOS EM QUE DEVE À PRESENTE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, SUSTENTANDO ESTE DOUTO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, nº1, do CPTA ex vi artigo 27º, nº2, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – Objecto da Impugnação das decisões arbitrais

Como é sabido, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem encontra-se delimitado pelas conclusões do recurso jurisdicional.

Nas situações em que a apreciação pelo Tribunal Central Administrativo tem por objecto decisões dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária (doravante apenas designado por RJAT), e não obstante a opção do por pela qualificação do meio processual previsto para provocar essa sindicância como de “Impugnação de Decisão Arbitral”, do que se trata é, do ponto de vista substantivo, de um verdadeiro recurso com um objecto pré-definido e limitado às nulidades das sentença previstas no artigo 28.º do RJAT, à violação dos princípios consagrados no artigo 16.º (para que somos remetidos por aquele mesmo artigo 28.º) ou, excepcionalmente, em casos justificados, com fundamento em outras nulidades processuais cujo reconhecimento se mostra imposto pela unidade e completude do sistema jurídico para que nos remete o artigo 29.º do mesmo diploma legal ou que, pela sua verificação, determinam, subsequentemente, a anulação do processado, incluindo a sentença arbitral que haja sido proferida.

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, não existem dúvidas quanto aos fundamentos da presente Impugnação Judicial se subsumirem aos que legalmente estão previstos, uma vez que, como nos é revelado pela petição, se reconduzem ao vício de omissão de pronúncia de que padecerá a sentença arbitral por, no entender da Impugnante, não terem sido apreciadas duas das questões por si suscitadas no seu articulado, a saber: a questão relativa ao facto gerador do IUC (assente na alegação de que alguns contratos de locação financeira já teriam findado relativamente a vários veículos) e a questão da inconstitucionalidade do artigo 3.º do CIUC na interpretação perfilhada pela Impugnante.

São, pois, estas as questões que esgotam o objecto desta Impugnação Judicial e que a este Tribunal Central Administrativo Sul cumpre conhecer.


III - Fundamentação de facto

3.1. A decisão arbitral possui, na parte relevante para a apreciação do objecto da presente Impugnação, o seguinte teor:

«II. Factos provados
11. Com interesse para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos:
11.1. Os actos de liquidação ora impugnados correspondem aos veículos automóveis com as seguintes matrículas:
Veículo automóvel
(matrícula)
Mês da
matrícula
Nº de liquidação
adicional
Valor
Ano
IUC
Juros
5…
Abril
20106…
2010
32,80
4,61
5…
Abril
20116…
2011
33,83
3,39
5…
Abril
20126…
2012
64,61
2,09
5…
Junho
20106…
2010
33,10
4,43
5…
Junho
20116…
2011
33,83
3,17
5…
Junho
20126…
2012
34,61
1,85
5…
Julho
20106…
2010
29,00
3,78
5…
Julho
20116…
2011
30,00
2,71
5…
Julho
20126…
2012
31,00
1,56
6…
Setembro
20106…
2010
29,00
3,59
6…
Setembro
20116…
2011
30,00
2,51
6…
Setembro
20126…
2012
31,00
1,35
7…
Outubro
20106…
2010
184,60
22,17
7…
Outubro
20116…
2011
188,73
15,16
7…
Outubro
20126…
2012
194,93
7,80
7…
Março
20106…
2010
48,00
6,90
7…
Março
20116…
2011
49,00
5,90
7…
Março
20126…
2012
50,00
3,17
7…
Janeiro
20106…
2010
32,80
4,92
7…
Janeiro
20116…
2011
33,83
3,73
7…
Janeiro
20126…
2012
34,61
2,43
7…
Outubro
20106…
2010
29,00
3,48
7…
Outubro
20116…
2011
30,00
2,41
7…
Outubro
20106…
2010
29,00
3,48
7…
Outubro
20116…
2011
30,00
2,41
7…
Agosto
20106…
2010
138,50
17,59
7…
Agosto
20116…
2011
141,59
12,32
7…
Agosto
20126…
2012
146,80
6,89
8…
Junho
20106…
2010
138,50
18,53
8…
Junho
20126…
2012
146,80
7,85
8…
Maio
20106…
2010
110,67
15,17
8…
Maio
20116…
2011
113,15
10,95
8…
Setembro
20106…
2010
105,40
13,04
8…
Setembro
20116…
2011
107,76
9,02
8…
Setembro
20126…
2012
112,10
4,88
8…
Novembro
20106…
2010
105,60
12,36
8…
Novembro
20116…
2011
107,96
8,32
8…
Novembro
20126…
2012
111,68
4,12
9…
Fevereiro
20106…
2010
109,83
16,15
9…
Fevereiro
20116…
2011
113,15
12,13
9…
Janeiro
20106…
2010
137,45
20,64
9…
Janeiro
20116…
2011
141,59
15,61
9…
Janeiro
20126…
2012
146,80
10,31
9…
Novembro
20106…
2010
193,83
22,69
9…
Novembro
20116…
2011
198,17
15,27
9…
Novembro
20126…
2012
204,68
7,56
9…
Abril
20106…
2010
29,00
4,07
9…
Abril
20126…
2012
31,00
1,87
0
Julho
20117…
2011
49,00
4,46
0
Julho
20127…
2012
50,00
2,55
0
Maio
20117…
2011
49,00
4,78
0
Maio
20127…
2012
50,00
2,89
0
Outubro
20117…
2011
49,00
3,97
0
Outubro
20127…
2012
50,00
2,04
1…
Novembro
20117…
2011
141,59
11,02
1…
Novembro
20127…
2012
146,80
5,53
1…
Junho
20117…
2011
134,09
12,68
1…
Junho
20127…
2012
137,17
7,44
1…
Outubro
20117…
2011
117,00
9,49
1…
Outubro
20127…
2012
120,00
4,89
1…
Outubro
20117…
2011
30,00
2,43
1…
Outubro
20127…
2012
31,00
1,26
1…
Março
20117…
2011
118,76
12,42
1…
Março
20127…
2012
122,85
7,89
1…
Agosto
20117…
2011
134,85
11,84
1…
Agosto
20127…
2012
139,81
6,66
1.
Dezembro
20117…
2011
49,00
3,64
1…
Dezembro
20127…
2012
50,00
1,70
1…
Outubro
20117…
2011
49,00
3,97
1…
Outubro
20127…
2012
50,00
2,04
2…
Abril
20117…
2011
49,00
4,95
2…
Abril
20127…
2012
50,00
3,06
2…
Julho
20117…
2011
134,85
12,28
2…
Julho
20127…
2012
139,81
7,14
2…
Outubro
20117…
2011
283,08
22,96
2…
Outubro
20127…
2012
293,50
11,97
2…
Novembro
20117…
2011
30,00
2,33
2…
Novembro
20127…
2012
31,00
1,17
3…
Dezembro
20117…
2011
49,00
3,64
3…
Dezembro
20127…
2012
50,00
1,70
4…
Maio
20117…
2011
16,86
1,64
4…
Maio
20127…
2012
17,25
1,00
4…
Junho
20117…
2011
33,83
3,20
4…
Junho
20127…
2012
34,61
1,88
4…
Dezembro
20117…
2011
117,00
8,68
4…
Dezembro
20127…
2012
120,00
4,09
4…
Agosto
20117…
2011
30,00
2,63
4…
Agosto
20127…
2012
31,00
1,48
5…
Outubro
20117…
2011
198,17
16,07
5…
Outubro
20127…
2012
204,68
8,34
8…
Agosto
20117…
2011
49,00
4,30
8…
Agosto
20127…
2012
50,00
2,38
8…
Agosto
20117…
2011
198,17
17,40
8…
Agosto
20127…
2012
204,68
9,76
8…
Agosto
20117…
2011
198,17
17,40
8…
Agosto
20127…
2012
204,68
9,76
9…
Agosto
20117…
2011
134,85
11,84
9…
Agosto
20127…
2012
139,81
6,66
9…
Novembro
20117…
2011
16,86
1,31
97CL89
Novembro
20127…
2012
17,25
0,65
11.2. Foram celebrados os seguintes contratos de locação financeira e contratos-promessa de compra e venda:

Veículo automóvel
(matrícula)
Contrato de Locação Financeira e Contrato PCV
Data
5…
L…
26-10-2005
5…
M…
16-06-2005
5…
I…
31-07-2007
6…
T…
20-09-2007
7…
M…
26-10-2007
7…
C…
18-04-2008
7…
A…
31-01-2005
7…
W…
21-10-2008
7…
M…
13-08-2008
8…
P…
03-09-2008
8…
F…
20-05-2008
8…
L…
30-10-2007
8…
M…
28-11-2007
9…
M…11-02-2008
9…
M…01-10-2008
9…
M…13-11-2008
9…
S…10-04-2008
0
V…30-06-2009
0
J…13-05-2009
0
B…03-10-2008
1…
H…27-11-2008
1…
G…10-05-2007
1…
T…15-10-2007
1…
F…29-10-2008
1…
P…24-03-2009
1…
R…10-08-2007
1…
P…11-12-2007
1…
S…10-10-2008
2…
C…21-04-2006
2…
C…24-07-2007
2…
F…01-102008
2…
J…20-11-2007
3…
M…11-12-2007
4…
D…07-11-2008
4…
E…27-07-2007
4…
C…06-01-2011
4…
J…03-06-2009
5…
T…29-10-2008
8…
D…10-09-2007
8…
F…28-07-2008
9…
S…10-08-2007
9…
B…10-12-2007
11.3. À data em que venceu a obrigação de pagar o IUC associado ao respectivo veículo, os veículos referidos supra não se encontravam na posse da Requerente.

III. Factos não provados
12. Não se provou que a Requerente tenha fornecido à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.

IV – Do Direito

13. São as seguintes as questões a apreciar:
a) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios
b) Do direito a juros indemnizatórios
Examinemos assim estas questões:

14. DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IUC E JUROS COMPENSATÓRIOS
O artigo 6º, nº 1 do CIUC estabelece que “O facto gerador do imposto é constituído peia propriedade do veículo”.
Refere o artigo 3º do mesmo Código:
“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

A questão que aqui se coloca em causa é aferir se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção.

Nos termos do artigo 349º do Código Civil, “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”

De acordo com o artigo 73º da Lei Geral Tributária, “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

Entende a Autoridade Tributária que o legislador estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

A argumentação da Autoridade Tributária prende-se, antes de mais, com a utilização do vocábulo “considerando-se” e não “presume-se” no artigo 3º do CIUC, afirmando que, através de uma interpretação sistemática da norma, se poderá entender que não se trata de uma presunção.

Não existe, contudo, na legislação portuguesa, qualquer norma que defina expressamente que uma presunção legal terá de conter o vocábulo “presume-se”, tratando-se aqui de uma mera questão de utilização de sinónimos.

Como refere, a este respeito, o Acórdão do CAAD nº 26/2013, estamos “perante uma mera questão semântica”, não se podendo considerar que o conceito de presunção se entenda como “as normas que contêm o vocábulo “presume-se””.

Afirma-se ainda, no mesmo acórdão, “É no sentido do conceito legal de presunção e no respeito dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva que o legislador atribui plena eficácia à presunção derivada do registo automóvel acolhendo-a, como tal, na definição da incidência subjectiva deste tributo estabelecida no n.º 1 do art. 3.º do CIUC. Assim, não poderá deixar de se entender que a expressão "considerando-se como tais" constante da referida norma, configura uma presunção legal, e que esta é ilidível, nos termos gerais, e, em especial, por força do disposto no art. 73.º da LGT que determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.”

Conforme o Acórdão do CAAD nº 289/2013, “A formulação usada no referido artigo, importará notá-lo, antes de mais, socorre-se da expressão “considerando-se”, o que suscita a questão de saber se pode ser atribuído, a tal expressão, um sentido presuntivo, equiparando-se, assim, à expressão “presumindo-se”. Trata-se de expressões frequentemente utilizadas com sentidos equivalentes, como é patente em diversas situações do ordenamento jurídico português. Na verdade, são imensas as normas que consagram presunções, conjugando, para o efeito, aliás, o verbo considerar de diversas formas. Não é, pois, difícil identificar situações, em diversas áreas do direito, em que se utiliza a expressão “considerando-se” ou “considera-se” com sentido equivalente à expressão “presumindo-se” ou “presume-se”, expressões a que, seja ao nível das presunções inilidíveis, seja no quadro das presunções ilidíveis, é conferido, imensas vezes, um significado equivalente (…) Nestas circunstâncias, sendo as mencionadas expressões recorrentemente usadas com um propósito e significado equivalentes, pode concluir-se não ser apenas o uso do verbo “presumir” que nos coloca perante uma presunção, mas também o uso de outros termos podem servir de base a presunções, como, designadamente, ocorre com a expressão “considerando-se”, o que, em nosso entender, será justamente o que verifica no nº 1 do art.º 3.º do CIUC. Trata-se, assim, de um entendimento que, não se afigurando corresponder a uma leitura enviesada da lei como considera a AT, se revela em sintonia com o disposto no nº 2 do art.º 9.º do CC, na medida em que assegura ao pensamento legislativo o mínimo de correspondência verbal aí exigido. Na perspectiva literal, face ao que se deixa exposto, dúvidas não há de que a interpretação que considera estabelecida uma presunção ilidível no nº 1 do art.º 3.º tem total respaldo na formulação aí consagrada, face à mencionada equivalência entre a expressão “considerando-se como tais” e a expressão “presumindo-se como tais”. O elemento linguístico, como atrás se referiu, sendo o primeiro que deve ser utilizado em busca do pensamento legislativo, deve, porém, a fim de se encontrar o verdadeiro sentido da norma, ser submetido ao controlo dos demais elementos de interpretação de natureza lógica. (sejam tais elementos de sentido racional (ou teleológico), de carácter sistemático ou de ordem histórica).”

Refere-se ainda, no Acórdão do CAAD nº 14/2013, “Abordando de novo a questão de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção, face a todo o exposto, não podemos deixar de nos pronunciar pela afirmativa pelos fundamentos que antecedem (…).Assim, se o comprador, novo proprietário do veículo, não providenciar o registo do seu direito de propriedade, presume-se que este direito continua a ser do vendedor podendo, todavia, esta presunção ser ilidida mediante prova em contrário, ou seja, prova por qualquer meio da respectiva venda (Cfr. arts. 1º do DL nº 54/75, 7º do CRP e 350º, nº 2, do CC). Nestes termos, somos de parecer que a AT não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade, para exigir o pagamento do imposto ao anterior proprietário em nome do qual o veículo se encontra registado se, por qualquer meio, lhe for apresentada prova bastante da respectiva venda.”

Do mesmo modo, o nº 2 do artigo 3º do CIUC equipara aos proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, dado que são estes e não os proprietários quem utiliza os veículos, sendo, portanto, onerados “os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam” (vide artigo 1º do CIUC).

Afirma-se ainda no já citado Acórdão do CAAD nº 289/2013: “No que à sistematização do CIUC diz respeito, as preocupações de ordem ambiental foram determinantes para que o mencionado princípio da equivalência fosse, desde logo, inscrito no primeiro artigo do Código, o que, necessariamente conduz a que os artigos subsequentes, na medida em assentam em tal princípio, sejam por ele influenciados. Foi o que ocorreu, designadamente, com a base tributável, que passou a ser constituída por diversos elementos, particularmente pelos respeitantes aos níveis de poluição, e com as taxas do imposto, estabelecidas nos artigos 9.º a 15.º, que foram influenciadas pela componente ambiental, e, naturalmente, também com a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º do CIUC, que não poderá furtar-se à influência referida (…). O elemento sistemático de interpretação e a interação entre os diversos artigos e princípios que integram o sistema inscrito do CIUC, apela também ao entendimento de que o estabelecido no nº 1 do art.º 3.º do CIUC não pode deixar de consubstanciar uma presunção. Dispõe o nº 1 do art.º 9º do CC que a procura do pensamento legislativo deverá ter “[…] sobretudo em conta […] a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, circunstâncias e condições essas, que, hoje mais do que nunca, são de sensibilidade ambiental e de respeito pelas questões que com o ambiente se relacionam. Neste contexto, as considerações formuladas sobre os mencionados elementos de interpretação, sejam de carácter literal ou de pendor histórico, sejam de natureza racional ou sistemática, apontam no sentido de que o artigo 3.º do CIUC, estabelece uma presunção, ou seja, a ratio legis dessa norma, enquanto razão ou fim que razoavelmente lhe deve ser atribuído, não pode deixar de perspectivar a expressão “considerando-se como tais”, utilizada no referido artigo, como reveladora do estabelecimento de uma presunção ilidível, o que significa que os sujeitos passivos do IUC sendo, em princípio, os proprietários dos veículos, considerando-se, como tais, as pessoas em nome dos quais os mesmos se encontrem registados, poderão, a final, ser outros.”

Conforme afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 217-2013: “A lógica e racionalidade do novo sistema de tributação automóvel pressupõe e almeja um sujeito passivo coincidente com o proprietário do veículo, no pressuposto de ser esse, e não outro, o real e efectivo sujeito causador dos danos ambientais, tal como decorre do princípio da equivalência inscrito do art.º 1º do CIUC. Este princípio da equivalência, que informa o actual imposto único de circulação, tem subjacente o princípio do poluidor - pagador, e concretiza a ideia, nele inscrita, de que quem polui deve, por isso, pagar. Trata-se, afinal, de alcançar as externalidades ambientais negativas que advêm da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários e/ou pelos utilizadores, como custos que só eles deverão suportar. Por isso, a presunção inscrita no art.º 3º do CIUC corresponde à interpretação mais ajustada à prossecução dos objectivos almejados pelo legislador. A não ser assim, estar-se-ia a aceitar a possibilidade de tributar pessoas colectivas ou físicas sem responsabilidade na produção de quaisquer danos ambientais, enquanto os reais causadores desses mesmos danos não estariam sujeitos ao imposto.”

Estando, portanto, conforme o artigo 73º da LGT, uma presunção ilidível, caberá à Requerente apresentar prova de que não era esta quem utilizava os veículos referidos supra.

Ocorre, contudo, que, à data das liquidações de IUC em causa, estava em vigor o artigo 19º do IUC (posteriormente revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), onde se dispunha o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”

Não logrou a Requerente provar que tinha cumprido a obrigação em causa, desconhecendo-se se o terá efectivamente feito. Não negou a Autoridade Tributária, todavia, que esta tenha cumprido a referida obrigação, mas apenas que não tinha apresentado qualquer prova documental de que o tivesse feito.

Será, portanto, necessário aferir se o incumprimento desta obrigação, per se, terá influência na incidência subjectiva do imposto.

Como bem refere o Acórdão do CAAD nº 655/2015, “Até à sua revogação pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 19.º do CIUC fazia impender sobre o locador financeiro de veículos a obrigação de fornecer à Direcção-Geral dos Impostos (hoje, à AT – Autoridade Tributária e Aduaneira) os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Nos casos vertentes, a Demandada contra-alega que o Demandante sujeito passivo não cumpriu esta obrigação, o que a impediria de invocar o n.º 2 do artigo 3.º do CIUC. Por seu turno, o Demandante sustenta que fez esta comunicação através da plataforma eletrónica da Demandada, não obtendo qualquer comprovativo. Mesmo antes de tratarmos a questão – que seria prejudicial em relação a esta primeira - de saber se essa comunicação era efetivamente uma condição legal para se verificar a translação da incidência subjetiva do imposto para a esfera do locatário, consideramos conveniente fundamentar a nossa posição quanto à questão de facto enunciada. Trata-se de uma regra geral e de uma garantia dos administrados que quem cumpre uma obrigação, no âmbito do procedimento administrativo, tem o direito de receber um comprovativo desse cumprimento. No novo modelo de interação entre os contribuintes e a Administração Tributária, baseado na comunicação eletrónica, essa não poderá deixar de ser também a regra. No entanto, é do conhecimento geral que efetivamente, muitas vezes, isso não acontece. Ora, tendo tido a Administração Tributária a possibilidade de contradizer o Demandado no que toca ao facto, alegado por este, de não poder obter um comprovativo da comunicação prevista no entretanto revogado artigo 19.º, não o fez. Ao abrigo do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, e baseando-nos no facto, de conhecimento geral, de ser frequente a não disponibilização de comprovativos dos atos que os contribuintes praticam através da plataforma de comunicação eletrónica da AT – Administração Tributária e Aduaneira, entendemos dever dar como provado que o Demandante efetivamente cumpriu o dever que lhe incumbia por força do artigo 19.º do CIUC. Mas ainda que assim não fosse, consideramos que, sendo a incidência subjetiva um elemento da obrigação tributária que não pode deixar de ser perfeitamente delimitado pela lei (princípio da legalidade tributária, de acordo com o artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), e não se encontrando na lei qualquer elemento que inequivocamente nos leve a concluir que o legislador quis fazer depender do cumprimento da obrigação prevista no entretanto revogado artigo 19.º a translação da incidência subjetiva do proprietário para o locatário, e configurando-se esta obrigação como uma obrigação acessória, não é legítimo considerar que o cumprimento ou incumprimento desta obrigação acessória era determinante da incidência subjetiva do imposto.”

Afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 191/2015: “Perguntar-se-á ainda: e quanto à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC? O seu incumprimento contende com a conclusão constante do parágrafo anterior quanto ao responsável pelo pagamento do imposto? A resposta é, em nosso entender, negativa. Efetivamente, a consequência que decorre do incumprimento dessa obrigação acessória é aquela a que assistimos: a AT emite as notas de liquidação em nome do proprietário do veículo, por desconhecer que foi celebrado o contrato de locação financeira. Contudo, isso não impede esse mesmo proprietário / locador de fazer prova da celebração do contrato e do prazo pelo qual o mesmo foi celebrado e, assim, obstar ao pagamento do imposto. E o certo é que, no presente processo, a Requerente juntou prova documental que comprova a existência de contratos de locação financeira que estavam em vigor na data em que ocorreram os factos tributários relativos às viaturas referidas no ponto 11 dos factos provados. A este propósito, a AT vem dizer que, em função do incumprimento do artigo 19.º do CIUC, “não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” e que, “consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrals decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”. Entende este tribunal que não lhe assiste razão. Por um lado, o presente pedido de pronúncia arbitral não diz respeito apenas às liquidações em que estava em causa a celebração de contratos de locação financeira cujo prazo compreende as datas em que ocorreram os factos geradores do imposto liquidado. Portanto, ainda que a AT tivesse razão, essa razão seria sempre parcial, não podendo aplicar-se a todos os casos a que se refere o pedido de pronúncia arbitral. Em segundo lugar, a lógica da AT não leva em linha de conta que houve um processo administrativo prévio ao presente processo arbitral no âmbito do qual a AT poderia ter anulado as liquidações em questão. Importa ainda não esquecer que a falta da Requerente é passível de responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Essa é a forma encontrada pelo legislador para penalizar quem incumpre com o dever informativo para com a AT.”

Igual posição podemos ver ainda no Acórdão do CAAD nº 232/2014: “Não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância de a Requerente poder não ter dado o devido cumprimento ao disposto no atrás referido artigo 19.º do CIUC. Com efeito – e como é bom de ver – a sanção pelo incumprimento de qualquer obrigação que a esse respeito caiba ou coubesse à requerente, ter-se-ia sempre que procurar em sede do Regime das Infracções Tributárias, e não, naturalmente, na sujeição a um imposto.”

Teremos de entender, portanto, que, não obstante a eventual responsabilidade contra-ordenacional da Requerente, nos termos do RGIT, o não cumprimento da obrigação acessória referida no artigo 19º do CIUC não tem qualquer influência na incidência subjectiva do imposto.

Ainda que não se possa aferir do cumprimento do dever de informação à AT disposto no artigo 19º do CIUC, o certo é que a Requerente veio apresentar essa prova posteriormente.

Conforme já decidido no Acórdão 27/2013, “A AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários”.

Ao não aceitar a prova de que a Requerente celebrou, em relação a todos os veículos supra referidos, contratos de locação financeira e de promessa de compra e venda, a Requerida subsiste na prática de um acto ilícito.

15. DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Como refere o nº 1 do artigo 43º da Lei Geral Tributária “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Como decorre ainda do n.º5 do art.24º do RJAT, o direito a juros indemnizatórios pode ser reconhecido em processo arbitral.

Ter-se-á, no entanto, de determinar se houve ou não erro imputável aos serviços.

Efectivamente, não é possível aferir se a Requerente cumpriu o dever de informação e, portanto, se a Autoridade Tributária tinha conhecimento da existência dos contratos de locação financeira em causa.

No entanto, tendo a Requerente apresentado pedido de revisão oficiosa, não considerou a Requerida a prova documental junta, e indeferiu totalmente o pedido, não obstante lhe ter sido dado conhecimento da existência dos contratos de locação financeira.

Estamos, neste caso, perante negligência por parte da Autoridade Tributária, negligência essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.

Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43º/1 da LGT), podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor de € 9.918,11, que serão contados desde 14-12-2016, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

V – Decisão

Julga-se procedente o pedido de declaração da ilegalidade dos 100 (cem) actos de liquidação de Imposto Único de Circulação acima identificados, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente a 44 (quarenta e quatro) veículos automóveis e referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012, no montante de €9.205,32, acrescidos de juros compensatórios que se cifram em € 712,79 e a declaração de ilegalidade do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o acto que indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado, condenando-se a Requerida a devolver essas quantias.

Fixa-se ao processo o valor de € 9.918,11 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas pela entidade requerida.»

IV – Fundamentação de direito

Deixámos já identificado no ponto II supra, que o fundamento da presente Impugnação Judicial se reconduz à alegada omissão de pronúncia, ou seja, ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 al. c) do RJAT, que, como é sabido, se reconduz ao vício da sentença previsto no artigo 615.º al. d) do Código de Processo Civil: é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Considerando que a jurisprudência há longas décadas se vem pacificamente pronunciando sobre o vício fundamento desta Impugnação, limitar-nos-emos a referir, como enquadramento jurídico, o seguinte: recaindo sobre o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC), impõe-se-lhe que aprecie toda a matéria de facto que as partes aleguem e analise todos os pedidos que, em consequência dessa alegação, lhe formulem, excepto se tais alegações ou pedidos forem entendidos como irrelevantes ou a sua apreciação e/ou decisão se tenha tornado inútil por força do enquadramento jurídico escolhido ou na sequência de resposta dada previamente a outras questões.

Em suma, o dever de pronúncia impõe que o juiz aprecie «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as questões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada parte funda a sua posição nas questões objecto de litígio.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-9-2015, processo 637/15, integralmente disponível em www.dgsi.pt)

Do que vimos expondo conclui-se, assim, que não padecerá do vício de nulidade por omissão de pronúncia a sentença em que o juiz apreciando na decisão todos os problemas ou questões fundamentais objecto de litígio, não se pronunciou, todavia, sobre a bondade de todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, por aquela nulidade pressupor, necessariamente, uma omissão absoluta da questão (ões) fundamental (ais) colocada (as). Ou seja, só há omissão de pronúncia e, consequentemente, nulidade da sentença, se no processo tiver sido suscitada por qualquer uma das partes uma questão e esta não seja apreciada pelo Tribunal nem, por este, seja expressamente declarada prejudicada.

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, temos que, na sentença recorrida, o Tribunal Arbitral começou por enunciar as duas questões que de forma nuclear o processo suscitava e que agora recuperamos:

«(…)
13. São as seguintes as questões a apreciar:
a) Da ilegalidade dos actos de liquidação de IUC e juros compensatórios
b) Do direito a juros indemnizatórios (…)»

Desta enunciação, bem como do confronto e apreciação crítica dos dois articulados principais do processo arbitral, resulta, desde logo, uma primeira conclusão: não corresponde à realidade que na delimitação do objecto de pronúncia que lhe estava imposto o Tribunal Arbitral se tenha cingido exclusivamente às alegações do então Requerente e/ou às questões e argumentos aduzidos por esta última (aliás, do ponto «I.RELATÓRIO”, em que o Tribunal Arbitral efectuou uma exposição dos pontos de facto e de direito apresentados nos articulados, já resultava igualmente indiciado que o Tribunal Arbitral tinha presente a posição da ora Impugnante – vide, em especial ponto 5.).

Acresce que, quer da mesma enunciação quer da apreciação realizada na parte do julgamento de direito também resulta inquestionável que o Tribunal Arbitral apreciou a primeira “questão” que a Impugnante alega não ter sido apreciada e que se prende com o alegado terminus dos contratos de locação financeira à data do facto gerador do IUC.

Efectivamente, como se vê do teor dos articulados de ambas as partes e da sentença arbitral, a questão central, e que ab initio se colocava, era a de saber se o artigo 3.º do CIUC consagrava ou não uma presunção ilidível.

Para o ora Impugnado a resposta a esta questão devia ser afirmativa, tendo junto ao processo arbitral, tendo em vista a mencionada ilisão, um conjunto de documentos.

Para a Impugnante a resposta do Tribunal Arbitral à mesma questão só podia ser negativa, tendo, em ordem a sustentar a sua tese, adiantado desde logo uma posição jurídico-interpretativa de princípio: a interpretação do artigo 3.º do CIUC defendida pelo Impugnado no seu requerimento de pronúncia arbitral no sentido de que aí está consagrada uma presunção ilidível carece de fundamento legal por não respeitar a incidência subjectiva do imposto legalmente imposta e desprezar, designadamente, os elementos sistemático e teleológico que devem presidir à interpretação das normas jurídicas. Esta posição de princípio é sustentada ao longo de toda a resposta apresentada no processo arbitral, em especial nos pontos “III. 1. B Da incidência subjectiva do IUC”, artigos 18º a 35º;III. 1.C Da interpretação que não atende ao elemento sistemático violando a unidade do regime”, artigos 36º a 58º, e no ponto “III.1.D Da interpretação que ignora o elemento teleológico de interpretação da lei”, artigos 59º a 71º.

Porém, como se concluiu da leitura atenta do mesmo articulado, a Impugnante não se quedou por aquela posição de princípio, avançando, ainda no que respeita a esta mesma questão, para a hipótese “remota” de o Tribunal acolher a mesma interpretação do artigo 3.º do CIUC defendida pelo ora Impugnado, que, de todo o modo, o pedido devia ser julgado improcedente uma vez que o Impugnado não lograra ilidir a “alegada presunção” uma vez que aos documentos juntos aos autos não devia ser reconhecida força probatória bastante para esse efeito.

É, claramente, o que resulta do ponto II da resposta apresentada, onde, sob o título de “III.2 Quanto aos documentos juntos com vista à ilisão da presunção”, e em especial dos artigos 72.º a 79.º se colhe o seguinte: “Todavia, ainda que assim se não entenda (…) e aceitando-se ser admissível a ilisão da presunção à luz da jurisprudência que vem sendo firmada neste centro de arbitragem, importa mesmo assim apreciar os documentos juntos pela Requerente e o seu valor probatório com vista a tal ilisão” (74.º), “Apreciação esta que consubstancia a análise de uma questão, questão essa de facto” (75.º) “Tendo em vista tal ilisão veio a Requerente instruir o seu pedido de pronúncia arbitral com a junção cópias de contratos de locação financeira (Cfr. amálgamas documentais denominadas de “Documentos 45 a 88”, juntos à p.i.” (artigo 76.º) “Dito de outra forma: demonstrarão tais contratos que, à data do facto gerador do IUC, os veículos em causa eram (ainda) objecto de locações financeiras celebradas pela Requerente?” (artigo 78.º), “ A resposta não pode deixar de ser negativa pelas razões que passar-se-ão a elencar, pelo que desde já se impugnam para todos os efeitos legais os documentos 45 a 88 juntos à p.i. (artigo 79.º).

Todavia, contrariamente ao que a Impugnante afirma, do que ficou transcrito não se pode concluir que foi suscitada uma questão não apreciada pelo Tribunal Arbitral. Efectivamente, traduzindo a referida alegação uma ostensiva impugnação dos meios de prova apresentados pelo Impugnado para fazer valer a sua pretensão anulatória, impunha-se, naturalmente, que o Tribunal Arbitral resolvesse a questão daí resultante, isto é, que apreciasse e decidisse se os documentos em questão, independentemente da impugnação de que tinham sido alvo, permitiam dar como provados os factos necessários a que o Tribunal concluísse pela ilisão da presunção consagrada no artigo 3.º do CIUC.

Ora, como a leitura da sentença arbitral nos permite concluir, o Tribunal Arbitral apreciou e decidiu essa questão, sobre a qual, de resto, se pronunciou expressamente no “julgamento de facto” e no “julgamento de direito”.

No primeiro, ao dar como provado [“II. Factos provados”], “Com interesse para a decisão da causa”, que “11.2. Foram celebrados os seguintes contratos de locação financeira e contratos-promessa de compra e venda” (que identificou individualmente), e que “11.3. à data em que venceu a obrigação de pagar o IUC assocado ao respectivo veículo, os veículos referidos supra não se encontravam na posse da Requerente”.

No segundo, quando - apreciando a questão “14. DA ILEGALIDADE DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IUC E JUROS COMPENSATÓRIOS”, após ter afirmado que A questão que aqui se coloca em causa é aferir se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção” e após ter concluído que “Estando, portanto, conforme o artigo 73º da LGT, uma presunção ilidível, caberá à Requerente apresentar prova de que não era esta quem utilizava os veículos referidos” - exteriorizou a seguinte fundamentação:

Ocorre, contudo, que, à data das liquidações de IUC em causa, estava em vigor o artigo 19º do IUC (posteriormente revogado pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), onde se dispunha o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 3.º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.”

Não logrou a Requerente provar que tinha cumprido a obrigação em causa, desconhecendo-se se o terá efectivamente feito. Não negou a Autoridade Tributária, todavia, que esta tenha cumprido a referida obrigação, mas apenas que não tinha apresentado qualquer prova documental de que o tivesse feito.

Será, portanto, necessário aferir se o incumprimento desta obrigação, per se, terá influência na incidência subjectiva do imposto.

Como bem refere o Acórdão do CAAD nº 655/2015, “Até à sua revogação pela alínea f) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o artigo 19.º do CIUC fazia impender sobre o locador financeiro de veículos a obrigação de fornecer à Direcção-Geral dos Impostos (hoje, à AT – Autoridade Tributária e Aduaneira) os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados. Nos casos vertentes, a Demandada contra-alega que o Demandante sujeito passivo não cumpriu esta obrigação, o que a impediria de invocar o n.º 2 do artigo 3.º do CIUC. Por seu turno, o Demandante sustenta que fez esta comunicação através da plataforma eletrónica da Demandada, não obtendo qualquer comprovativo. Mesmo antes de tratarmos a questão – que seria prejudicial em relação a esta primeira - de saber se essa comunicação era efetivamente uma condição legal para se verificar a translação da incidência subjetiva do imposto para a esfera do locatário, consideramos conveniente fundamentar a nossa posição quanto à questão de facto enunciada. Trata-se de uma regra geral e de uma garantia dos administrados que quem cumpre uma obrigação, no âmbito do procedimento administrativo, tem o direito de receber um comprovativo desse cumprimento. No novo modelo de interação entre os contribuintes e a Administração Tributária, baseado na comunicação eletrónica, essa não poderá deixar de ser também a regra. No entanto, é do conhecimento geral que efetivamente, muitas vezes, isso não acontece. Ora, tendo tido a Administração Tributária a possibilidade de contradizer o Demandado no que toca ao facto, alegado por este, de não poder obter um comprovativo da comunicação prevista no entretanto revogado artigo 19.º, não o fez. Ao abrigo do artigo 110.º, n.º 7 do CPPT, e baseando-nos no facto, de conhecimento geral, de ser frequente a não disponibilização de comprovativos dos atos que os contribuintes praticam através da plataforma de comunicação eletrónica da AT – Administração Tributária e Aduaneira, entendemos dever dar como provado que o Demandante efetivamente cumpriu o dever que lhe incumbia por força do artigo 19.º do CIUC. Mas ainda que assim não fosse, consideramos que, sendo a incidência subjetiva um elemento da obrigação tributária que não pode deixar de ser perfeitamente delimitado pela lei (princípio da legalidade tributária, de acordo com o artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), e não se encontrando na lei qualquer elemento que inequivocamente nos leve a concluir que o legislador quis fazer depender do cumprimento da obrigação prevista no entretanto revogado artigo 19.º a translação da incidência subjetiva do proprietário para o locatário, e configurando-se esta obrigação como uma obrigação acessória, não é legítimo considerar que o cumprimento ou incumprimento desta obrigação acessória era determinante da incidência subjetiva do imposto.”

Afirma ainda o Acórdão do CAAD nº 191/2015: “Perguntar-se-á ainda: e quanto à comunicação prevista no artigo 19.º do CIUC? O seu incumprimento contende com a conclusão constante do parágrafo anterior quanto ao responsável pelo pagamento do imposto? A resposta é, em nosso entender, negativa. Efetivamente, a consequência que decorre do incumprimento dessa obrigação acessória é aquela a que assistimos: a AT emite as notas de liquidação em nome do proprietário do veículo, por desconhecer que foi celebrado o contrato de locação financeira. Contudo, isso não impede esse mesmo proprietário / locador de fazer prova da celebração do contrato e do prazo pelo qual o mesmo foi celebrado e, assim, obstar ao pagamento do imposto. E o certo é que, no presente processo, a Requerente juntou prova documental que comprova a existência de contratos de locação financeira que estavam em vigor na data em que ocorreram os factos tributários relativos às viaturas referidas no ponto 11 dos factos provados. A este propósito, a AT vem dizer que, em função do incumprimento do artigo 19.º do CIUC, “não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente” e que, “consequentemente, deverá a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrals decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral”. Entende este tribunal que não lhe assiste razão. Por um lado, o presente pedido de pronúncia arbitral não diz respeito apenas às liquidações em que estava em causa a celebração de contratos de locação financeira cujo prazo compreende as datas em que ocorreram os factos geradores do imposto liquidado. Portanto, ainda que a AT tivesse razão, essa razão seria sempre parcial, não podendo aplicar-se a todos os casos a que se refere o pedido de pronúncia arbitral. Em segundo lugar, a lógica da AT não leva em linha de conta que houve um processo administrativo prévio ao presente processo arbitral no âmbito do qual a AT poderia ter anulado as liquidações em questão. Importa ainda não esquecer que a falta da Requerente é passível de responsabilidade contra-ordenacional à luz do artigo 117.º, conjugado com o artigo 26.º n.º 4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias, punível com coima de € 300,00 a € 7.500,00 por cada um dos contratos de locação financeira. Essa é a forma encontrada pelo legislador para penalizar quem incumpre com o dever informativo para com a AT.”

Igual posição podemos ver ainda no Acórdão do CAAD nº 232/2014: “Não obsta ao que vem de se concluir, a circunstância de a Requerente poder não ter dado o devido cumprimento ao disposto no atrás referido artigo 19.º do CIUC. Com efeito – e como é bom de ver – a sanção pelo incumprimento de qualquer obrigação que a esse respeito caiba ou coubesse à requerente, ter-se-ia sempre que procurar em sede do Regime das Infracções Tributárias, e não, naturalmente, na sujeição a um imposto.”

Teremos de entender, portanto, que, não obstante a eventual responsabilidade contra-ordenacional da Requerente, nos termos do RGIT, o não cumprimento da obrigação acessória referida no artigo 19º do CIUC não tem qualquer influência na incidência subjectiva do imposto.

Ainda que não se possa aferir do cumprimento do dever de informação à AT disposto no artigo 19º do CIUC, o certo é que a Requerente veio apresentar essa prova posteriormente.

Conforme já decidido no Acórdão 27/2013, “A AT quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar os elementos probatórios que, quer no quadro da audição prévia, quer em momento posterior, lhe foram apresentados, destinados a identificar os efectivos e verdadeiros proprietários dos veículos, está a proceder à liquidação ilegal do IUC assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do art.º 3º do CIUC, seja ao nível da previsão, seja da estatuição, o que configura a prática de um acto tributário falho de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito o que determina a anulação dos correspondentes actos tributários”.

Ao não aceitar a prova de que a Requerente celebrou, em relação a todos os veículos supra referidos, contratos de locação financeira e de promessa de compra e venda, a Requerida subsiste na prática de um acto ilícito.”.
Pode a Impugnante entender que as extensas e profundas alegações por si tecidas a propósito do valor probatório dos documentos e as ilações que dessa impugnação pretendia ver extraídas em sede de apuramento dos factos ou em termos de decisão jurídica deviam ter merecido uma análise mais profunda do Tribunal Arbitral. O que não pode é pretender que este Tribunal, com base nessas considerações, reconheça a existência de uma omissão de pronúncia que legitime a verificação de nulidade da sentença arbitral com esse fundamento.

Em síntese, independentemente do rigor técnico ou da qualidade ou valia jurídica da decisão adoptada, no limite, o que existirá – e nesta parte acompanhamos as alegações e conclusões do Impugnado, é um “mero” erro de julgamento, insusceptível, como a Impugnante bem sabe, de ser apreciado ou censurado por este Tribunal Central Administrativo Sul.

Aliás, se bem vemos, terá sido também esta a conclusão alcançada, ou, no mínimo, equacionada, pela Impugnante, uma vez que na petição inicial, em especial nos artigos 18.º a 28.º, não deixa, por antecipação, de equacionar esse erro de julgamento (na análise da prova), ainda que para defender que ele não se verifica e que se trata de efectiva omissão de pronúncia, com o que, pelas razões já adiantadas, discordamos.

Com este fundamento não é, pois, de julgar procedente a presente Impugnação

Diametralmente oposta é, no entanto, a nossa decisão quanto à segunda omissão de pronúncia apontada ao julgado arbitral e conexionada com as alegações por si formuladas relativas à inconstitucionalidade do artigo 3.º do CIUC na interpretação preconizada pela Impugnada.

Senão, vejamos.

Em resposta ao pedido de anulação das liquidações – após ter defendido a conformidade legal daquelas face ao preceituado no artigo 3.º do CIUC e o afastamento da interpretação legal veiculada pela ora Impugnada - a Impugnante aduziu, ainda, na sua resposta, sob o título “ III DA INTERPRETAÇÃO DESCONFORME À CONSTITUIÇÃO“, que «“(…) a ser aceite a interpretação veiculada pelo Requerente então a mesma mostra-se contrária à Constituição, na medida em que tal interpretação traduz-se na violação do princípio da confiança, do princípio da segurança jurídica, do princípio da eficiência, do princípio da eficiência do sistema tributário e do princípio da proporcionalidade” (artigo 115.º), “Ou seja, caso este tribunal venha a concluir pela existência de uma presunção ilidível no artigo 3.º do CIUC, desde já se suscita, para todos os efeitos legais, a questão - porque de questão se trata e não de um mero argumento – de aferir se tal interpretação se coaduna, ela própria, com os referidos quatro princípios constitucionais» (artigo 116.º), violações estas que, posteriormente, concretiza, de facto e de direito, nos artigos 117.º a 123.º do mesmo articulado.

Perante o que ficou exposto, é inquestionável que a ora Impugnante suscitou perante o Tribunal Arbitral a questão da inconstitucionalidade do artigo 3.º, do CIUC se interpretado num determinado sentido, isto é, no caso, no sentido preconizado pela ora Impugnada, e que o fez aduzindo os princípios constitucionais que, em seu entender, com a aplicação daquela norma nessa dimensão interpretativa resultariam violados, explicitando claramente as razões de facto e direito do entendimento que defendia e de cuja decisão, indubitavelmente, pretendia que fossem extraídos efeitos para a decisão dos autos.

Estamos, pois, perante uma verdadeira questão - e não perante um mero argumento ou razão aduzido em ordem a sustentar a pretensão inerente à questão - a qual, porque expressamente colocada, fez recair sobre o Tribunal Arbitral o dever de a apreciar, nos termos do preceituado no artigo 608.º, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).

Como se constata da leitura da sentença arbitral, a referida questão - inconstitucionalidade da norma supra identificada quando interpretada no sentido e com o alcance defendido pela Impugnada pelas razões de facto e direito adiantadas - não foi objecto de qualquer apreciação pelo Tribunal Arbitral, pese embora, reconheça-se, a esta questão aluda – o que significa que começou por a ter presente – no ponto “I. Relatório”, não sendo equacionada como questão e, como dissemos, que é o que ora importava aferir, não tendo sido objecto de julgamento.

Ou seja, a questão da inconstitucionalidade suscitada não foi equacionada como relevante e não foi objecto de qualquer apreciação de mérito. Ou seja, no julgamento de direito não há, insista-se, a mínima alusão, muito menos apreciação, à questão em apreço.

E também não foi expressamente declarada prejudicada pelo Tribunal Arbitral, designadamente por a decisão proferia não se encontrar suportada na norma cuja inconstitucionalidade vinha suscitada ou não ter sido aplicada com o sentido invocado como desconforme os princípios constitucionais invocados.

Este é, aliás, um aspecto que assume no presente caso extrema relevância por duas ordens de razões.

A primeira prende-se com a distinção entre nulidade de sentença e erro de julgamento, sendo que, como temos vindo a defender “Se o Tribunal equacionou a questão suscitada pela Impugnante, a enunciou como questão a decidir e, posteriormente, decide expressamente não proceder à sua apreciação, por a julgar prejudicada por força de decisão anteriormente tomada em relação a outra questão, não há nulidade por omissão de pronúncia mas, eventualmente, erro de julgamento, independentemente da questão que se julgou prejudicada ser ou não de conhecimento oficioso.” (Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos a 18-12-2014, 22-10-2015 e 29-6-2017, respectivamente nos processos nos 8070/14, 8101/14 e 8595/15, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt)

Ou seja, se o Tribunal Arbitral tivesse julgado expressamente prejudicada a questão de inconstitucionalidade suscitada não estaríamos perante uma questão de nulidade de sentença por omissão de pronúncia mas de (eventual) erro de julgamento, insusceptível de ser sindicado por este Tribunal Central Administrativo Sul atentos os poderes e competências que lhe estão atribuídos pelo RJAT nos termos que deixámos definidos no ponto II deste acórdão.

A segunda razão, que se impõe salientar, está relacionada com dois “acrescidos” argumentos trazidos pelo Impugnado na sua resposta em ordem a afastar a nulidade da sentença arbitral com fundamento em omissão de pronúncia.

Efectivamente, após defender que não existe nenhuma questão de inconstitucionalidade que tenha sido suscitada e que cumprisse ao Tribunal Arbitral apreciar, avança o Impugnado, para o caso de assim se não entender, com dois argumentos.

O primeiro é o de que “ ao ter adoptado tal interpretação na decisão impugnada, o julgador, certamente, terá considerado que a mesma era conforme à Constituição da República Portuguesa – senão explicitamente, no mínimo implicitamente – porquanto, caso assim não fosse, nunca a teria vertido na sua decisão. Ou seja, concluindo que, havendo questão e mesmo que não tenha sido apreciada, resulta implícita a posição do julgador sobre a questão da inconstitucionalidade.

O segundo relaciona-se com o tratamento exaustivo que no entender da Impugnada e em matéria de inconstitucionalidade do artigo 3.º do IUC, os Tribunais constituídos sobre a égide do CAAD já teriam realizado sobre a questão e dos quais decorre que é jurisprudência pacífica que aquelas inconstitucionalidades não se verificam, sendo desnecessário existir pronúncia.

Não podemos, naturalmente, acolher nenhum destes argumentos.

No que respeita ao primeiro argumento - não pode julgar-se que houve omissão do dever de pronúncia uma vez que, tendo o Tribunal conhecido das questões suscitadas pela Impugnante e perfilhado o entendimento que verteu no acórdão, se deve concluir que é porque não julga, no sentido acolhido, a norma inconstitucional, isto é, que o Tribunal Arbitral, ao decidir como decidiu, incluiu implicitamente no seu veredicto a rejeição da tese de inconstitucionalidade, as razões da nossa discordância são óbvias: se há questão suscitada pelas partes, ao juiz impõe-se o dever de expressamente a apreciar ou de expressamente a julgar prejudicada, sob pena de violação do dever consagrado no artigo 698.º do CPC.

Aliás, para além da violação do referido dever, o entendimento perfilhado pelo Impugnante conduzirá a que nunca haja omissão de pronúncia se o juiz não apreciar uma questão de inconstitucionalidade que lhe seja expressamente invocada, ainda que fiquemos sem saber porque a não julgou inconstitucional, com os efeitos negativos daí decorrentes do ponto de vista de um eventual recurso por qualquer uma das partes, que, no específico regime em aplicação, ainda se tornam mais acentuados já que, como é sabido, dessa invocação e da decisão que da sua apreciação decorra está dependente a utilização de um dos mecanismos de sindicância da decisão arbitral, isto é, o recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 25.º, n.º 1, in fine, do RJAT).

Quanto ao segundo argumentoquestão ter sido já abundantemente tratada em diversos arestos dos Tribunais Arbitrais – sem pôr em causa a veracidade do alegado, o certo é que, a questão que se coloca a este Tribunal Central não é a de saber se em outros acórdãos a alegada inconstitucionalidade foi decidida - seguramente porque também aí foi suscitada e conhecida – mas a de saber se neste processo foi invocada e, em caso afirmativo, se foi apreciada e decidida, nem que seja invocando essas decisões e o acolhimento nelas professado, ou julgada prejudicada.

Donde, tendo sido suscitada pela Impugnante no processo arbitral a questão de inconstitucionalidade de uma norma se interpretada no sentido preconizado pelo Impugnado (artigo 3.º do CIUC), tendo o Tribunal Arbitral fundado a sua decisão na aplicação dessa concreta norma com aquela interpretação, não tendo essa questão sido objecto da mínima apreciação nem proferida decisão (bem ou mal, é irrelevante)julgando-a prejudicada, há que concluir que o Juiz violou o dever de pronúncia e, consequentemente, pela nulidade da sentença arbitral, nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi artigo 30.º do RJAT

E, em conformidade, que julgar, com este fundamento, procedente a Impugnação da decisão arbitral.


V- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, julgando procedente a presente impugnação judicial, em anular, por omissão de pronúncia, a sentença arbitral proferida no processo nº740/2016-T, determinando-se, em conformidade, para apreciação da questão de inconstitucionalidade omitida, a remessa dos autos ao CAAD.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

(Cristina Flora)