Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01837/07
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC - RELAÇÕES ESPECIAIS – FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A ATA pode proceder a correcções ao lucro tributável ao abrigo do artigo 57.º, n.º 1, do CIRC (na redacção originária) desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa; que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes; que daquelas resulte um lucro tributável diverso do que se apuraria na sua ausência.

II. A fundamentação da existência de relações especiais relativas ao IRC de 1997 e 1998, é aferida pela norma contida no artigo 80º do CPT (por ser o vigente à data a que se reportam os períodos de tributação).

III. No que tange ao critério utlizado pela ATA não se duvida, que a determinação da situação de condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, poderá ser feita pela ATA com uma certa margem de discricionariedade técnica desde que adopte um método legítimo e devidamente fundamentado.
Têm-se considerado três métodos preferenciais para o efeito:
a) comparação com os preços de mercado de plena concorrência
b) consideração do preço de revenda e do preço de custo acrescido de uma margem de lucro;
c) aplicação de outro métodos residuais ou mesmo a combinação dos métodos indicados desde que a ATA escreva e fundamente em que consistiu a manipulação dos preços. (Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE)

IV. A adopção pela ATA de um critério que teve por base os valores da venda dos veículos usados vendidos a terceiros, revela-se apto para determinar o preço da venda desses veículos, quando nenhum outro foi invocado como mais adequado para o efeito e este, ir gerar uma liquidação abaixo da que seria apurada por um critério mais próximo da realidade de mercado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I.RELATÓRIO


E………….. …………….., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE CASTELO BRANCO (TAF Castelo Branco), datada de 12 de Fevereiro de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra as liquidações adicionais de IRC relativa aos anos de 1997 e 1998.

A Recorrente termina as alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«A) A sentença recorrida violou o disposto no art. 57° CIRC. Com efeito, as correcções permitidas por esse normativo dependem da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i) a existência de relações especiais em virtude das quais
ii) se praticaram condições diferentes das que seriam adoptadas entre pessoas independentes conduzindo a que
iii) o lucro apurado com base na contabilidade divirja do que se apuraria na ausência dessas relações.
B) Os pressupostos das alíneas ii) e iii) supra não se encontram, in casu, como ficou claramente demonstrado em sede de audiência, verificados.

C) A Administração Tributária, na fundamentação das correcções de natureza quantitativa não observou o disposto na alínea b) do art. 80° do Código de Processo Tributário, que ordena se proceda à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
D) A Administração Tributária não apurou ou sequer procurou apurar o referencial de mercado que é fundamento essencial para a aplicação do art. 57° IRC, sem o qual, logicamente, não se pode aferir se a transacção foi praticada em condições diferentes das que seriam apuradas entre partes independentes.
E) Não tendo sido apurado o valor de mercado para a transacção em causa, em qualquer circunstância, não se pode demonstrar que o lucro apurado com base na contabilidade diverge do que se apuraria na ausência de relações especiais.
F) Não se tendo podido apurar, por ausência dos elementos essenciais e do referencial de mercado, não se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 57° do CIRC.
G) A decisão recorrida limitou-se a acolher as razões e o itinerário cognitivo constante relatório final da AF, omitindo toda e qualquer apreciação da prova produzida pela Recorrente.
H) Pelo que se impõe renovar a comprovada materialidade adquirida na audiência de julgamento, designadamente porque
- Os sócios da E......... e da EM........., naquela data, 1997 e 1998, não eram os mesmos.
- Como resultado disso, não existem quaisquer relações especiais, nos termos do art°57°CIRC, havendo quando muito relações familiares, mas que em nada interferiam com as actividades das empresas.
- Que a E......... e a EM......... têm personalidades jurídicas diferentes e são distintas entre si, tanto mais que desde sempre, tiveram localização, instalações, propriedade de imóveis, trabalhadores e Toc's diferentes, apenas tendo um objecto social idêntico, como supra ficou alegado.
- Que as vendas de veículos usados da E......... param a EM........., em Novembro e Dezembro dos anos de 1997 e Novembro de 1998, embora evidenciando margens brutas de vendas negativas, tal não significa que isso se deveu a qualquer relação especial, nem aí existindo qualquer tentativa de prejudicar o Estado, tendo apenas a ver com o estado geral em que tais veículos se encontravam.
- Os veículos foram vendidos à EM......... não foram vendidos por preços muito abaixo dos preços de custo, sendo os seus preços reais, uma vez que aquele veículos no estado em que se encontravam não conseguiam ser vendidos a terceiras pessoas quer particulares quer empresas, nem sequer conseguiam ser vendidas por lotes a outros comerciantes do sector, podendo apenas ser adquiridas por sucateiros a preços irrisórios, como acima se alegou, havendo, aí, um prejuízo muito maior para a E........., para a EM......... e para o Estado, tudo como acima se alegou.
- Os veículos constantes do mapa V e VI apresentado pela Administração tem erros relevantes, nomeadamente na indicação dos anos, matriculas e estado de veículos, que não permite a comparação efectuada e apresentada pela Administração, tendo sido identificados em sede de Inquérito, vários desses veículos, e as testemunhas terem afirmado que muito desses veículos já lhes faltavam peças, não andavam e alguns terem servido para simulacro dos Bombeiros.
- A amostragem, comparativa, dos anexos VII e VIII, relativa a vendas a terceiros, não é correcta tendo em conta o ponto anterior, em que existem erros na indicação dos modelos, das matrículas, das motorizações e dos anos dos veículos o que desde logo não permite uma comparação real, objectiva e verdadeira, sendo como tal considerada ilegal e até inconstitucional, por mostrar apenas indícios do que não existe.
- São apontados exemplos de venda de veículos da E......... à EM......... e a terceiros, que nada têm a ver com a realidade, pelos erros já mencionados nos supra G e H, destas conclusões, e como tais impossíveis de serem sujeitos a qualquer termo comparativo, por não verdadeiro, injusto, ilegal.
- Não foi tido em linha de conta pela administração os anos dos veículos, a sua entrada em stock, o seu estado geral, o tempo decorrido entre a entrada e a venda e de uma maneira geral a desvalorização que um veículo parado, ainda, tem a acrescer, para além de todas as outras referidas.
- Não foi verificada pela Administração de forma objectiva e concreta ou seja, com a sua ida ao local visualizando os veículos, para verificar o estado em que os mesmos se encontravam e, ainda, encontram, tendo apenas constatado os documentos, estes, também, algumas vezes passíveis de erro, tendo como tal, surgido os diversos erros que já alegámos e, que, só uma verificação física do veículo, que achamos imprescindível, consegue dar a ideia para uma conclusão do seu valor
- O facto de alguns dos veículos retomados terem sido objecto de reparações, fazendo a Administração a presunção, errada, de que tais reparações se destinavam a colocar os veículos à venda, não tendo aqui em linha de conta que muitas vezes, sempre que não há serviço na Oficina os trabalhadores da E........., vão arranjando os veículos usados, nem que seja para os pôr a trabalhar e a mudá-los de local.
- Não ouve qualquer intenção de prejudicar o Estado, do ponto de vista tributário nos negócios efectuados entre a E......... e a EM........., tanto mais que das vendas efectuadas pela E......... à EM........., resultaram para esta última, vendas, que originaram o correspondente pagamento impostos.
I) Inexistindo a relação especial subjacente ao imposto não pode considerar-se que o mesmo é devido e com referência às relações especiais entre as duas empresas.
J) A prova produzida demonstra a razão da recorrente, o erro de julgamento e a falta de fundamentação da decisão, por inexistência de pressupostos de facto em que se baseou, partindo não se asserções mas de meras presunções adquiridas pela AF em sentido contrário ao ónus da prova que lhe era, então, imposto.
Normas jurídicas violadas: as supra indicadas.

Termos em deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e em consequência das nulidades invocadas ser anulada a decisão recorrida, por erro de julgamento, omissão de pronúncia e falta de fundamentação e expressa violação da norma constante do art.57° do CIRC, e anuladas as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, com os devidos efeitos e ulteriores consequências.



Assim fazendo Vossas Excelências
Meritíssimos Juízes Desembargadores
A Costumada Justiça.»

A Recorrida, Fazenda Pública, contra-alegou, concluindo do modo que segue:


«Deve, pois, ser negado provimento ao recurso, sendo de manter as correcções feitas à matéria tributável da AGRAVANTE para os exercícios de 1997 e 1998.

Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de V.Exas, deverá o presente recurso, em que é agravante a impugnante "E……….. MECÂNICA ……………………., S. A." ser julgado improcedente, mantendo-se nos seus precisos termos a douta sen­tença recorrida.

Assim se decidindo, far-se-á JUSTIÇA.»



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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Perante as conclusões da alegação da Recorrente as questões em recurso consistem em saber:

(i) se a sentença recorrida incorre em nulidade por falta de fundamentação de facto e direito;

(ii) se a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia;

(iii) se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação da prova;

(iv) aferir da legalidade da correcção efectuada ao abrigo do artigo 57º do CIRC é à luz do artigo 80º do CPT.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:

«1. A impugnante dedica-se à actividade de "comércio de veículos automóveis", CAE 501.0.0;

2. No ano de 2000, foi, a impugnante, sujeita a uma acção de fiscalização, abrangendo o IVA e o IRC dos anos de 1997 e 1998, que culminou com a elaboração do relatório de 07/11/2000, que constitui fls. 41 e ss. dos autos e aqui se dá por reproduzido face à sua extensão;

3. Com a fundamentação constante do ponto III do relatório, foram propostas correcções à matéria tributável assentes em relações especiais com a empresa EM.........;

4. Consta do relatório, designadamente, o que se transcreve:

«5.3.1. IRC- Correcções (n°1, artigo 57° CIRC)
Com base nos fundamentos descritos no ponto III deste relatório, vão-se processar os mod. DC 22 de IRC dos exercícios de 1997 e 1998, para correcção do lucro tributável declarado, através do acréscimo dos valores de 17.893.777$00 no exercício de 1997 e 22.918.707$00 em 1998, correspondentes à diferença entre o preço de venda e o preço de custo ou de transferência entre empresas participadas, conforme a seguir se indica:
Ano 1997 Ano 1998
Lucro tributável declarado 7.109.009$ 3.287.156$
A Acrescer
Vendas corrigidas (Art°57° CIRC) 17.893.777 22.918.707
Lucro Tributável Corrigido 25.002.786 26.205.863»


5. Em sequência, foram efectuadas as liquidações adicionais de IRC n°8310001422, de 31/01/2001, na importância de € 41.520,38 com referência ao exercício de 1997; e, n°831 0001 199, de 24/01/2001, na importância de € 47.059,72 com data limite de pagamento em 21/03/2001, com referência ao exercício de 1998 (fls. 78 e 79);

6. A impugnação deu entrada na Repartição de Finanças de Seia em 12/03/2001, conforme carimbo por ela aposto na petição inicial.

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Em sede de factualidade não provada, exarou-se na Sentença recorrida:
«Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.»

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Quanto ao
julgamento da matéria de facto, lê-se, ainda, na sentença recorrida:
«Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos, com especial destaque para a assinalada
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No corpo das suas alegações (artigo 28º), refere a Recorrente que a sentença sob exame «não teve em conta os documentos juntos pela recorrente em sede de audiência e julgamento e constantes a fls. 143, 144, 145, 146, 147 e 148, porquanto, nem mesmo os referenciou, quanto é certo representarem tais documentos todo o stock existente à data e de fácil comprovação pela AF, bastando para tal ter havido deslocação para a verificação in loco, o que a AF não fez.».
Percorridos os autos, verifica-se que o Mmº Juiz «a quo» proferiu despacho resumido na Acta de Inquirição de Testemunhas (fls. 149/153) indeferindo a pretendida junção, com o fundamento de que: «os elementos que agora pretende juntar já os tinha na sua posse no momento em que ocorreu o procedimento de inspecção. Assim e tendo em conta que lhe foi facultado o direito de audição, era nessa sede que tais elementos deveriam ser juntos ao procedimento como sendo, na sua óptica mais fiáveis para reflectir a realidade das transacções efectuadas com a EM..........».
Ou seja, no fundo o que se verifica é que o Mmº Juiz «a quo» indeferiu a junção dos documentos e não tendo a Recorrente recorrido desse despacho interlocutório, ou dito de uma outra forma, não questionando a justificação dada pelo Tribunal «a quo», não se coloca o acerto ou desacerto da decisão nele corporizada.
Mas ainda, assim se dirá, que os documentos cuja junção não é tão puco requerida nesta instância, se relevam incapazes de abalar a prova produzida em 1ª Instância, na mediada em que pese embora constassem no inventário, dai não se extrai que os veículos não tenham sido vendidos à EM..........
Ainda mais, quando é a própria Recorrente a referir que foram efectuadas vendas à EM......... (conclusão H).
Nestas circunstâncias, não merece acolhimento a argumentação tecida pela Recorrente a propósito dos documentos em apreço.

Ø DO ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
A Recorrente sustenta, ainda o seu recurso na impugnação da matéria de facto. Entende que do depoimento testemunhal produzido deveria ter sido dado como provado os factos constantes nos pontos 75 a 77 e 80.
De acordo com o disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC (anterior artigo 685º-B nº 1), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
- Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no CPC com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artigo 690º-A, posterior artigo 685º-B e actual artigo 640º, nº1 do mesmo compêndio, quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artigo 655º, do CPC, o qual dispõe que o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Dito isto, é inquestionável que, pretendendo a Recorrente que a 2ª Instância aprecie do acerto da decisão da 1ª Instância proferida sobre a matéria de facto, tem ela de observar determinadas regras e ónus processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim, como já referimos, de acordo com o disposto no artigo 640º nº 1 do CPC (anterior artigo 685º-B, nº 1), em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição:
Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E, no caso previsto no artigo 640º nº 1, al. b) do CPC, obriga ainda o nº 2 do mesmo preceito legal, que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, que o recorrente deva, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
No caso, a simples leitura da alegação da Recorrente permite concluir, com toda a evidência, que não foi integralmente cumpridos os ónus referidos nos aludidos preceitos.
Com efeito, a Recorrente não indica com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, limitando-se a indicar o princípio e o fim de cada depoimento, o que, é insuficiente.
Não se encontram reunidos os pressupostos legais para se proceder à reapreciação da prova quanto ao conjunto de factos posto em causa.
O incumprimento de tal ónus impõe, portanto, a imediata rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto.

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B.DE DIREITO

Ø DAS NULIDADES DA SENTENÇA

Da pretensa nulidade por falta de fundamentação de facto

Nas conclusões integradas na respectiva alegação de recurso a Recorrente suscita a questão da nulidade da sentença que, no seu ver, radica da falta de fundamentação de facto e de direito derivada da «ausência de fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, decorrente do erro na apreciação da prova.».

Decorre do nº 2 do artigo 653º do CPC (artigo 653º do NCPC) que na decisão sobre a matéria de facto o juiz declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

Como é actualmente pacífico na doutrina e na jurisprudência a exigência de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção.

Esta exigência legal de fundamentação da matéria de facto provada e não provada respeita à possibilidade de controlo da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação. No fundo, na necessidade de pormenorizar o processo lógico, racional e esclarecedor, por parte do julgador, que o levou a determinada solução, por forma a tornar a sua decisão controlável.

No tocante à falta de especificação dos fundamentos de facto, prevista no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, e no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, (artigo 615º, n.º1 al.b) do NCPC) não merece controvérsia que esta nulidade abrange não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC (artigo 607º, n.º 4 do NCPC). (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 7 ao artigo 127.º, pág. 906, fonte citada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.01.2010, proferido no processo n.º 00623/08.6BEBRG- disponível no endereço http://www.gde.mj.pt/)

À luz do que vem dito, coloca-se, então, a questão de saber se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, e no artigo 668.º, n.º 1, al.b), do CPC, tomando como assente, que a falta de discriminação dos factos não provados como a dos factos provados só será necessária relativamente a factos que possam relevar para a apreciação da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, não abrangendo por isso toda a matéria alegada (artigos 508.º-A, n.º 1, al. e), 511.º e 659.º do CPC).

No que respeita, à falta de apreciação crítica das provas só constitui nulidade a sua omissão total. (Neste sentido vide: Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Anotado e comentado, I, em anotação ao artigo 125º, Vol II, 6ª Edição, página 360, e idêntico sentido, vide entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.11.2008, proferido no processo n.º 0546/08, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/)

A sentença recorrida descriminou os “factos não provados” da seguinte forma: «Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante». Trata-se de uma formulação genérica de enunciar os factos não provados. Porém, como a nulidade por falta de fundamentação impõe que a mesma seja absoluta, essa fórmula contém o mínimo de fundamentação que afasta tal nulidade

No tocante à falta de fundamentação na vertente da falta de apreciação crítica das provas, igualmente invocada pela Recorrente, no caso e no que respeita à consignou-se na sentença sob exame, o seguinte: «Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada».

É certo que esta formulação é muito singela e que uma maior explicitação seria conveniente. Todavia, como já se salientou, a jurisprudência uniformemente entende que para que exista uma nulidade por falta de fundamentação, é necessário que a mesma seja absoluta.

Questão diferente é a de saber se ocorreu erro de julgamento de facto por o Tribunal «a quo» ter decidido mal ou contra os factos apurados.

Assim, arredada fica a invocada nulidade.

Da pretensa nulidade por omissão de pronúncia

Se bem interpretamos as alegações da Recorrente a invocada nulidade por omissão de pronúncia é derivada da omissão da apreciação da prova produzida.

Neste particular cabe ter presente, que a nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 125º do CPPT e na al. d) do artigo 668º do CPC) está directamente relacionada com o comando constante do nº 2 do artigo 660º do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Por isso, só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do artigo 660° do CPC, ex vi do artigo 2° al.e) do CPPT.

Deste modo, se a interpretação e a relevância que a sentença recorrida deu a certos factos e se a conclusão que deles se extraiu foram, ou não, as mais correctas, é questão que tem a ver com o mérito da sentença e com um eventual erro de julgamento, mas que nada tem a ver com a nulidade de omissão de pronúncia, enquanto vício da sentença.

Ø DO MÉRITO DOS AUTOS

A presente impugnação judicial tem por objecto as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1997 e 1998. Estas liquidações adicionais tiveram a sua génese numa acção de fiscalização levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da qual resultaram correcções feitas com base no artigo 57.º do CIRC.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAF Castelo Branco) foi julgada improcedente a impugnação judicial, por se considerar que a Impugnante, ora Recorrente «não logrou demonstrar a falta ou insuficiência da prova material ou substancial das relações especiais aduzidas pela Administração fiscal, ou, sequer, a incerteza ou dúvida sobre a existência e conteúdo do facto tributário, nem tão pouco que exista erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável» concluindo, « haverá que aceitar a legalidade das correcções levadas a efeito nos termos do artigo 57º, do CIRC

A Impugnante não se conforma com o decidido, sustentando que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento efectuado quanto aos pressupostos de aplicação do regime contido no artigo 57º do CIRC, advogando ainda, que a Administração Tributária e Aduaneira (doravante ATA) na fundamentação das correcções não observou o disposto na al.b) do artigo 80º do CPT, que determina que se proceda à descrição dos termos em que normalmente decorrem as operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.

Vejamos.

O artigo 57°, nº 1 do CIRC, (Norma que regula os casos dos denominados “preços de transferência”, entendendo-se por «preço de transferência o preço estabelecido em transacções ou operações efectuadas entre empresas nacionais ou multinacionais com ligações especiais, divergindo em regra do que seria estabelecido entre empresas independentes» (J.J: AMARAL TOMÁS, Fisco n.º 29, pág. 17), na redacção vigente à data em que ocorreram os factos [1997 e 1998] (isto é, na redacção anterior à que lhe foi dada eliminação pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro), dispunha que:

«A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra empresa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações».

Deste modo, a DGCI pode introduzir correcções à matéria colectável quando cumulativamente se verificassem os pressupostos legais:

- Existência de relações especiais entre o contribuinte e o outro contraente;

- Negócio com características (condições) diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;

- Lucro tributável diverso do que se apuraria na falta dessas condições especiais nesse especifica negócio (exigindo-se um nexo causal entre essas especiais condições e essa diferenciação no lucro tributável).

A jurisprudência vêm entendendo de forma uniforme, que a aplicação do aplicação do artigo 57º do CIRC deve revestir-se de especiais cuidados, até por força do carácter vago do normativo, susceptível de gerar dúvidas, assim o refere, entre outros, o acórdão do STA de 22.09.2004, proferido processo n° 0119/04, a propósito do especial dever de fundamentação.

Quanto à fundamentação da existência de relações especiais relativas ao IRC impera o dispositivo contido no artigo 80º do CPT, por ser o vigente à data a que se reportam os períodos de tributação (1997 e 1998), que sob a epígrafe «fundamentação das correcções da matéria tributável» dispunha o seguinte:

«Sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiro e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:

a) Descrição das relações especiais;

b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;

c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.».

Tal normativo mostra bem as precauções com que o legislador rodeou tais correcções à matéria colectável, com uma disposição expressa, atinente à fundamentação, para além do dever geral já resultante dos artigos 19.º e 21.º, ambos do CPT procurando reduzir, ao mínimo, a possibilidade de, a coberto daquele artigo 57.º, se operar um poder quase discricionário da Administração. (cfr. Sá Gomes, As garantias dos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal n.º 371, p. 127 e ss. e o acórdão do STA de 6 de Novembro de 1996, no rec. n.º 20.188).

Em matéria do ónus da prova, importa nesta matéria reter que, se a ATA desconsidera a declaração de rendimentos do contribuinte, por haver apurado que a dimensão do lucro tributável declarado é inferior à que poderia ser obtida em condições normais de mercado entre dois sujeitos independentes, em idênticos negócios, e se é nesta diferença que alicerça os pressupostos para a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, cabe-lhe fazer a prova desses pressupostos constitutivos do direito a tal correcção, ónus este que mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no artigo 342° do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (cfr., entre outros, os acórdãos do STA, de 21.1.2003 e de 12.3.2003, processos nºs. 21.240 e 1.508/02, respectivamente, acessíveis no endereço www.dgsi.pt).

Pois bem, à luz do quadro traçado (legal, jurisprudencial e doutrinal), vejamos então se a sentença sob exame padece de erro de julgamento por ter acolhido a posição da ATA no tocante, (desde logo à verificação do primeiro requisito) à existência de relações especiais entre a Recorrente e a empresa EM..........

Como se disse, a propósito do artigo 57º do CIRC, no acórdão deste TCA de 18.12.2008, proferido no processo n.º 02518/08: «Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas.

Tal situação, enquadra-se perfeitamente no conceito de relações especiais previsto no art. 9º, nº 1, al. b) do Modelo de Convenção da OCDE de 1977 e no art. 57º-C, nº 2, do CIRC.

É que, como se disse, inexistindo na lei, à data dos factos, uma definição do conceito de "relações especiais", embora o art. 57°-C do CIRC já indicasse, em casos de subcapitalização, alguns critérios para apuramento da existência dessas mesmas relações especiais, podia entender-se, de acordo com o art. 9° n° 1 do Modelo da Convenção da OCDE de 77, que existiam tais relações "quando uma empresa de um Estado contratante participar directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de outro Estado contratante, ou, as mesmas pessoas participarem directa ou indirectamente na direcção, no controle ou no capital de uma empresa de um Estado contratante e de uma empresa de outro Estado contratante".

E é a tal propósito pertinente a citação de J.J. Amaral Tomás em "Preços de Transferência", artigo publicado na revista Fisco, n° 29, pág. 23: " Realça-se que a existência de relação especial ou vínculo de dependência tanto pode decorrer de uma dependência jurídica (v.g. participação no capital; designação dos órgãos sociais) como de origem contratual; ou ainda de um sistema ou dependência de facto.». ( acessível no endereço www.dgsi.pt)

E, no tocante às denominadas «relações especiais» escreveu-se no Acórdão do STA (Pleno) de 19.03.2003, proferido no processo n.º 019858/03, que « deverão ser as relações de dependência ou subordinação que possam justificar que uma empresa imponha a outra ou com ela acorde condições diferentes das que decorreriam nas relações de mercado livre”.(…) se os mesmos sócios, pela sua posição accionista maioritária em ambas as empresas, podem decidir nas duas os negócios a efectuar e o modo por que os mesmos se devem processar, com independência, temos que concluir que nos negócios entre elas ocorrem relações especiais que podem justificar condições diferentes das normais.». (acessível no endereço www.dgsi.pt)

No caso trazido a juízo, para fundamentar a existência de relações especiais baseou-se a ATA nos factos constantes no RIT, que aqui se relembram: - « Vitor ……….. era sócio maioritário da E ……………….., (E.........), com uma quota no valor de 146.000 contos, O seu cônjuge D.Maria ……………….. dispunha de outra quota no valor de 59.000 contos. Simultaneamente com o cônjuge e seus três filhos Vitor ……………, Ana …………. e Maria ……………, são os únicos sócios na sociedade E ……………, Lda (EM.........), nipc ……………, (…) sendo o sócio maioritário Vitor ……….. com uma quota no valor de 40.500. A actividade principal desta empresa é a de “ Manutenção e reparações de automóveis” CAE 502.0.0»

Diz a Recorrente que à data dos factos os sócios das duas empresas, não eram os mesmos, daí que, não existiam «relações especiais», havendo quando muito relações familiares, mas que em nada interferiam com as actividades das empresas.

Efectivamente, como bem afirma a Recorrente, os sócios das duas empresas não eram os mesmos, porém, perante a posição de Victor …………enquanto de sócio maioritário de ambas as empresas pode decidir nas duas os negócios a efectuar e o modo por que os mesmos se devem processar, temos assim, que concluir que nos negócios entre elas ocorrem relações especiais que podem justificar condições diferentes das normais, tanto mais, que a actividade exercida por ambas é idêntica - comércio de veículos usados-.

Revertendo de novo ao Relatório de Inspecção Tributária, afirmou-se, ainda com particular destaque, o seguinte: «Através das actas números 45 e 46, respectivamente de 1 de Agosto e 26 de Setembro de 1998, foi autorizada a gerência a comprar por 210.000 contos a quota de 40.500 contos e os suprimentos no total de 11.280 contos, que o sócio Victor ……….. possuía na EM.......... Este negócio é correspondido nos precisos termos pela EM......... através das actas n.ºs 55 e 56, de 30 de Julho e 25 de Setembro. Antes da formalização do negócio, cuja escritura de compra e venda ainda não ocorreu até esta data, a E......... adiantou à EM......... e contabilizou o valor de 210.000 contos. No entanto na formalização do contrato de promessa de compra e venda em 11.11.98, o valor do negócio foi reduzido para 170.000 contos, ratificado através da acta n.ºs 48 da E........., repondo a EM......... 40.000 contos de adiantamento recebidos a mais.»

Resulta do que vem de se dizer que contrariamente ao pugnado na petição de recurso a ATA cumpriu com o ónus da prova da existência de relações especiais entre a Recorrente e a citada EM..........

Já, a Recorrente não logrou contrariar os factos e as razões apurados no procedimento de inspecção e acolhidas na sentença sob exame, ficando-se pela mera alegação da inexistência de tais relações especiais.

Mas será que isso legitima a conclusão de que entre a Recorrente e EM......... com quem tinha essas relações especiais se estabeleceram, efectivamente, condições diferentes das normalmente acordadas entre pessoas independentes?

Trata-se de questão que de seguida veremos.

Neste particular, a ATA para chegar à conclusão de que a Recorrente vendeu veículos nos anos de 1997 e 1998 à EM......... a preços a baixo do mercado, procedeu à analise dos preços praticados a outros clientes independentes para o mesmo carro, modelo, ano de matrícula, demonstrando desde modo os preços normais que decorreriam das relações entre “pessoas independentes”, com bem se alcança dos anexos V (Mapa de venda de carros usados à EM........., ano de 1997), VI (Mapa de venda de carros à EM........., ano de 1998), VII (Mapa de venda comparada de carros usados à EM......... e outros, ano de 1997) e VIII (Mapa de venda comparada de carros usados à EM......... e outros, ano de 1998). Verificando que o valor de venda correspondia a 34,9% do preço de aquisição e a 29,9% do preço de aquisição no ano de 1997, e 28,2% e 25,8% respectivamente no ano de 1998.

Concluindo-se, assim que a ATA descreveu de forma clara e objectiva, os termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstância e demonstrou que a venda dos veículos a realizar-se com pessoas independentes ocorreria por preços diferentes, desde modo, encontra-se fundamentada a “irrazoabilidade“ dos negócios tendo em conta o mercado e as condições em que este normalmente se desenvolve.

E, certo que a Recorrente alega que os veículos constantes dos mapas V e VI apresentados pela ATA tem “erros relevantes”, nomeadamente na indicação dos anos, matrículas e estado de veículos, para dai concluir, que não permitem a comparação efectuada e apresentada. Porém, não basta dizê-lo, era necessário que a Recorrente os identificasse e posteriormente tal ficasse provado.

A posição assumida na douta sentença, foi, pois, correcta.

No que tange ao critério utlizado pela ATA não se duvida, que a determinação da situação de condições especiais, diferentes das que seriam normalmente acordadas entre empresas independentes, poderá ser feita pela ATA com uma certa margem de discricionariedade técnica desde que adopte um método legítimo e devidamente fundamentado.

Têm-se considerado três métodos preferenciais para o efeito:

a) comparação com os preços de mercado de plena concorrência

b) consideração do preço de revenda e do preço de custo acrescido de uma margem de lucro;

c) aplicação de outro métodos residuais ou mesmo a combinação dos métodos indicados desde que a Administração Fiscal escreva e fundamente em que consistiu a manipulação dos preços. (Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE)

No caso em apreciação, a ATA adoptou o critério da comparação com os preços de mercado de plena concorrência - cost plus method – que consiste na comparação do preço de uma operação entre uma entidade relacionada com o preço de uma entidade independente, alcançando-se o preço da plena concorrência.

Ora, a adopção pela ATA de um critério que teve por base os valores da venda dos veículos usados vendidos a terceiros, revela-se apto para determinar o preço da venda desses veículos, quando nenhum outro foi invocado como mais adequado para o efeito e este, ir gerar uma liquidação abaixo da que seria apurada por um critério mais próximo da realidade de mercado.

Por último, sustenta a Recorrente que não existiu qualquer prejuízo para o Estado, por entender que as vendas efectuadas à EM......... originaram para esta o correspondente pagamento de impostos.

Porém, como de modo claro afirma a Recorrida, e que aqui se subscreve « (…) os dados/ elementos constantes do "anexo IX- contas correntes da EM.......... anos de 1997, 98, 99, 31/08/2000.., fazem parte dos documentos contabilísticos e de suporte à contabilidade da EM........., vindo corroborar o facto de que houve prejuízos para o Estado do ponto de vista tributário com os negócios existentes entre a E......... e a EM........., porquanto o objectivo final destas operações foi a transferência de lucros para esta última, que tendo prejuízos a reportar dos cinco exercícios anteriores ao de 1997 de 29.907 contos e 30.859 contos em 1998, servem perfeitamente para amortecer quaisquer resultados positivos, se os houver, decorrentes das operações com a E........., ora agravante.».

Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Novembro de 2015.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]