Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:604/22.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:EXCESSO PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.
II - A actividade inquisitória do juiz limita-se aos factos alegados pelas partes e aos do seu conhecimento oficioso, e não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que aquelas têm interesse directo em cumprir, atenta a repercussão das vantagens e desvantagens que podem ter.
III - O Tribunal deve cingir as suas diligências ao apuramento dos factos que foram alegados pelas partes ou que possam ser conhecidos oficiosamente (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC), não podendo substituir-se às partes, buscando factos que melhor sustentariam alguma das posições controvertidas.
IV - A limitação prevista no artigo 217.º do CPPT de que a penhora deve limitar-se ao necessário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido está de acordo com o principio da proporcionalidade, cuja observância é imposta à administração tributária (cfr. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 55.º, n.º 4 da LGT e 7.º do CPA).
V - Ainda que a penhora deva limitar-se ao necessário para pagamento da dívida exequenda, não pode esta regra, em face do desconhecimento de outros bens e omissão por parte do executado na sua identificação, obstar à necessidade de satisfação do crédito do exequente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. J....., melhor identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação judicial apresentada nos termos do artigo 276.º do CPPT, contra a penhora efetuada no âmbito da execução fiscal nº …..022 e apensos, tendo como objeto o prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de Palmela, freguesia de Quinta do Anjo, sob o artigo nº 8203 e com o valor patrimonial tributário de 175 929,95 €.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«a) Inconformada com a decisão, interpõe o Reclamante o presente recurso, por considerar que a sentença ora recorrida padece de vício, porquanto porquanto o tribunal a quo formula conclusões sem que tivesse apurado se tais correspondem efectivamente à verdade dos factos, existindo um défice instrutório por parte do Tribunal A quo.

b) O tribunal “a quo” refere que “dos autos não resulta a existência, na esfera jurídica do Reclamante, de quaisquer outros bens penhoráveis, além do imóvel cuja penhora vem reclamada”, validando uma penhora de um imóvel com valor patrimonial de € 175.929,25 (cento e setenta e cinco mil novecentos e vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos), para pagamento de uma dívida fiscal global no valor de € 6.813,25 (seis mil oitocentos e treze euros e vinte e cinco cêntimos).

c) A desproporcionalidade da penhora é flagrante e até chega a ser escandalosa a decisão do Tribunal “a quo” a validar tal comportamento da Fazenda Pública, atropelando os mais básicos princípios legais, onde se inclui o princípio da investigação, simplesmente referindo que dos autos não consta que haja outro património para pagamento da dívida.

d) A actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade dos factos compete ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99º da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário, não se podendo limitar apenas ao que nos autos constam.

e) O tribunal “a quo” tinha obrigação de ter analisado de forma mais profunda a matéria em causa, verificando-se nos presentes autos uma situação de défice, devendo ordenar-se a baixa dos autos, com vista a que seja produzida a ampliação da matéria de facto pelo Tribunal de 1ª. Instância.

f) Até porque se o tivesse feito, verificaria que o Reclamante está em permanente contacto com a Fazenda Pública, tendo já sido verificado pelas partes, um erro nas liquidações oficiosas do IVA de 2005 e 2006 (a que respeitam parte da dívida que serve de base à penhora), estando a ser analisado pelos serviços competentes um pedido de revisão oficiosa, que foi solicitado no passado dia 13/07/2022, em consonância com a Direcção de Finanças de Lisboa – doc. 1.

Termos em que e sempre com mui douto suprimento de Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores devem conceder provimento ao presente recurso, com o que se fará inteira JUSTIÇA.»

3. A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, foi apresentado douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento


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II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito por ter julgado improcedente a reclamação e mantido o acto de penhora, por desproporcionalidade da penhora, incorrendo ainda em défice instrutório e violação do principio do inquisitório.

Cumpre apreciar e decidir, a título prévio da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. A 13.01.2008, no Serviço de Finanças de Lisboa-11 e contra a sociedade comercial “T....- S....., Ld.ª”, foi instaurado o PEF n.º ……022, tendo em vista a cobrança coerciva de uma dívida relativa a IVA do ano 2006, no valor de 1 247,00 € - cfr. capa e “CERTIDÃO DE DÍVIDA”, a fls. 1 e 2 do PEF, constante, no SITAF, sob o registo 007386344, de 14.04.2022;

2. Em data não concretamente apurada, ao PEF identificado na alínea anterior foram apensados os seguintes PEF, também instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa-11 e contra a sociedade comercial “T....- S....., Ld.ª”:

2.1. O PEF n.º …..558, tendo em vista a cobrança coerciva de uma dívida relativa a IRC do ano 2006, no valor de 206,34 €;

2.2. O PEF n.º…..294, tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas relativas a retenções na fonte de IRS, referentes aos meses de Janeiro a Maio do ano 2006, no valor global de 5 359,91 €; - cfr. capas e certidões de dívida, nas 24.ª e 25.ª e da 27.ª à 32.ª páginas do PEF, constante, no SITAF, sob o registo 007386344, de 14.04.2022;

3. Em data não concretamente apurada, J..... recebeu, por via postal, citação pessoal para os termos do PEF n.º …..022 e Apensos (estes, os PEF autuados sob os n.ºs ….558 e ……294), na qualidade de responsável subsidiário e tendo em vista a cobrança coerciva das dívidas neles em execução, no montante global de 6 813,25 € - cfr. “CITAÇÃO (Reversão), constante de fls. 11 a fls. 13 do PEF, constante, no SITAF, sob o registo 007386344, de 14.04.2022;

4. A 10.02.2014, J..... apresentou, em coligação, oposição à execução fiscal contra si revertida e autuada sob o PEF n.º ……022 e Apensos (estes, os PEF autuados sob os n.ºs …..558 e …..294), do Serviço de Finanças de Lisboa-11, que, por sua vez, foi autuada no Tribunal Tributário de Lisboa sob o Processo n.º 1984/14.7BELRS - cfr. no SITAF, o registo 005757419, de 12.09.2014, relativo ao Processo n.º 1984/14.7BELRS;

5. A 02.09.2020, na área reservada de J....., do “Portal das Finanças”, constavam, entre as mais, as seguintes dívidas:

5.1. PEF n.º ….022 ---------------------------------- 2 265,22 €;

5.2. PEF n.º …..558 ------------------------------------- 372,14 €;

5.3. PEF n.º …...294 ---------------------------------- 9 633,59 €;

- cfr. o 2.º documento junto à petição inicial;

6. Em data não concretamente apurada, o Serviço de Finanças de Lisboa-11 emitiu certidão das dívidas de J....., na qualidade de responsável subsidiário da “T....- S....., Ld.ª”, da resulta, entre o mais, o seguinte:

“(…)

(…)”

- cfr. o 3.º documento junto à petição inicial;

7. A 23.07.2021, na área reservada de J....., do “Portal das Finanças”, constavam, entre as mais, as seguintes dívidas:

7.1. PEF n.º ….022 ---------------------------------- 2 459,97 €;

7.2. PEF n.º ….558 ------------------------------------- 398,94 €;

7.3. PEF n.º ….294 --------------------------------- 11 068,64 €;

- cfr. o 4.º documento junto à petição inicial;

8. A 23.11.2021, no âmbito do PEF n.º ….022 e Apensos (estes, os PEF autuados sob os n.ºs ….558 e ….294), o Serviço de Finanças de Lisboa-11 efectuou a penhora do prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de Palmela, freguesia de Quinta do anjo, sob o artigo 8203 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º …6, com o valor patrimonial tributário de 175 929,95 € e propriedade de J..... - cfr. o 1.º documento junto à petição inicial, bem como a “COMUNICAÇÃO DE PENHORA” e a “NOTIFICAÇÃO DE PENHORA DE IMÓVEL E NOMEAÇÃO DE FIEL DEPOSITÁRIO”, constantes, no SITAF, sob o registo 007375941, de 01.04.2022;

9. A 10.01.2022, J..... foi notificado da penhora a que se refere a alínea anterior e da sua nomeação como fiel depositário do bem penhorado - cfr. “AVISO DE RECEÇÃO”, constante, no SITAF, sob o registo 007375941, de 01.04.2022.

Factos não provados
Com interesse para a decisão a proferir, inexistem factos não provados.
Motivação

Nada mais se julgou ou é de julgar provado ou não provado, tendo o Tribunal formado a sua convicção a partir da consulta dos elementos disponíveis no SITAF, relativos ao Processo n.º 1984/14.7BELRS, e da análise crítica dos documentos juntos aos autos, neles incluindo os integrantes do PEF, que foram admitidos, não foram impugnados e se encontram especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório, dando-se aqui por integralmente reproduzidos.»


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2. QUESTÃO PRÉVIA: Da junção de documentos com as alegações de recurso

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir prende-se com a admissão do documento junto com as alegações de recurso, o qual consiste num requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças-11, em que o ora Recorrente e outros requerem, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, a revisão oficiosa das liquidações de IVA dos anos de 2005 e 2006 da devedora originária.

Tal requerimento não tem qualquer data aposta que comprove a sua apresentação nos Serviços a que é dirigido, nem foi junto qualquer documento comprovativo da sua entrega.

Alega o Recorrente na conclusão f) da alegação de recurso que solicitou o pedido de revisão no dia 13/07/2022.

O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do CPC).

Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido, sobretudo quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.

Com efeito, o artigo 425.º do CPC dispõe o seguinte: «Depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do CPC determina que as partes só podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

No caso do contencioso tributário a regra é a de os documentos serem apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes ou pode ser feita até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para alegações.

Contudo, a junção tardia originará o pagamento de uma multa, caso a parte não prove que os não pôde oferecer com o articulado (cfr. artigo 423.º, n.º 2 do CPC).

Decorrido tal prazo, só serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária, em virtude de ocorrência posterior (cfr. artigo 423.º n.º 3 do CPC).

Assim, como já referido, em sede de recurso e de acordo com os normativos acima citados, a junção de documentos assume carácter excepcional, só devendo ser consentida nos casos especiais previstos na lei (artigo 651.º, n.º 1 CPC).

Será assim possível, em sede de recurso, as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido).

Todavia, não se acolhe a justificação apresentada para a junção do documento, se bem interpretamos, de que em 13/07/2022 (dia anterior à prolação da sentença) foi apresentado requerimento pedindo a revisão oficiosa da divida exequenda relativa a IVA dos anos de 2005 e 2006, porque a dedução de pedido de revisão oficiosa, no momento em que o foi, não tem efeito suspensivo, no que aqui interessa, dos termos da execução fiscal, nem determina o levantamento do acto de penhora reclamado, e, por isso, a sua apresentação não releva para a decisão da causa.

O Tribunal recorrido não deixou de se pronunciar sobre os casos em que a execução fiscal se pode suspender e, ainda, sobre os valores que compõem a dívida exequenda (quando apreciou das alegadas divergências acerca dos valores em dívida).

Não se vislumbra, pois, que prova se terá tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Assim sendo, lançar mão do documento agora junto com as alegações de recurso, de eventual pedido de revisão da liquidação oficiosa de IVA dos anos de 2005 e 2006, em cobrança coerciva ao lado de outras dívidas (cfr. pontos 1 e 2 do probatório), sem esquecer que a penhora só poderá ser levantada mediante a prestação de garantia ou a sua dispensa, nas situações em que são admitidas, apresenta-se não só irrelevante, mas também inútil para a decisão da causa.

Por conseguinte, entende-se não estar verificada a circunstância que a lei considera, a título excepcional, como justificativa da apresentação de documentos com as alegações de recurso, donde decorre que a junção do mesmo não será admitida, para conhecimento de eventual aditamento à decisão da matéria de facto.


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3. DE DIREITO

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, sob recurso, julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, e manteve o acto de penhora do prédio urbano, com o valor patrimonial de € 175.929,95.

O Meritíssimo Juíz do Tribunal a quo julgou a reclamação improcedente, por entender que o acto de penhora reclamado não sofre de qualquer ilegalidade.

Inconformado com a decisão da primeira instância o Recorrente alega que a sentença incorre em erro de julgamento por flagrante desproporcionalidade da penhora, porquanto a dívida fiscal é de € 6.813,25, violando o princípio da investigação ao considerar que dos autos não consta que haja património para pagamento da dívida, padecendo de défice instrutório, e, por isso, devem os autos baixos à primeira instância para ampliação da matéria de facto.

Importa, então, apreciar e decidir quanto ao acerto do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, no segmento recorrido, para julgar improcedente a reclamação e manter o acto de penhora.

Para assim decidir, a sentença recorrida apoiou-se no seguinte discurso fundamentador:

«(…) Dos citados normativos decorre que a penhora a efectivar no âmbito do PEF deve observar o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade e da adequação.

Assim, além de necessária, porque a dívida seja certa, líquida e exigível e, decorridos os prazos legais para o efeito, não se mostre prestada ou constituída garantia ou concedida dispensa de prestação ou de constituição da mesma, tendo em vista a suspensão da execução até à decisão de pleitos judiciais, a penhora a efectivar tem que se mostrar adequada ao montante das dívidas a assegurar ou garantir e aos interesses a prosseguir (cfr. artigo 219.º, n.º 1, do CPPT).

Desde modo, a penhora deve limitar-se aos bens penhoráveis do executado que se mostrem os estritamente necessários para a satisfação da quantia exequenda e dos acréscimos legais, sendo certo que, neste cotejo, estão sujeitos à penhora todos e quaisquer bens penhoráveis que integrem o acervo patrimonial do executado (cfr. artigo 235.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).

Todavia, pode acontecer que, na esfera jurídica do executado, inexistam bens penhoráveis que permitam a concretização da penhora nos exactos termos expostos.

Neste caso, pode o OEF, ainda assim, concretizar a penhora em bens cujo valor seja evidentemente desproporcional, por excesso, em relação ao montante das dívidas a assegurar, caso em que a penhora poderá ter como objecto um estabelecimento comercial ou um imóvel, podendo tratar-se, inclusivamente, do imóvel para habitação própria e permanente do executado, quando, de duas uma: a penhora se destine a assegurar dívidas de valor igual ou inferior a 10 000,00 € e os demais bens penhorados não permitam a satisfação destas no prazo de 30 meses; a penhora se destine a assegurar dívidas de valor superior a 10 000,00 € e os demais bens penhorados não permitam a satisfação destas no prazo de 12 meses (à expressão “demais bens penhorados” equivale a inexistência de outros bens penhoráveis) - cfr. artigo 751, n.ºs 3 e 4, do CPC.

Foi o que aconteceu no caso em apreço, porquanto dos autos não resulta a existência, na esfera jurídica do Reclamante, de quaisquer outros bens penhoráveis, além do imóvel cuja penhora vem reclamada.

Assim, estando PEF a correr os seus termos tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas no montante global de 6 813,25 €, cujo valor, a 07.01.2021, data da realização da penhora, ascendia a 12 346,20 €, por efeito dos respectivos acréscimos legais, relativos a juros de mora e a custas processuais, e inexistindo quaisquer evidências de que se destinasse a habitação própria e permanente do Oponente, o OEF procedeu à penhora do prédio inscrito na matriz predial urbana do concelho de Palmela, freguesia de Quinta do anjo, sob o artigo 8203 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º 3736, com o valor patrimonial tributário de 175 929,95 €.

Neste particular, a actuação do OEF também não merece, pois, qualquer censura.»

Vejamos.

Alega o Recorrente que o Tribunal a quo viola o princípio da investigação quando refere que dos autos não resulta a existência, na esfera jurídica do Reclamante, de quaisquer outros bens penhoráveis, além do imóvel cuja penhora vem reclamada, não podendo a actividade instrutória, atento o disposto nos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT, limitar-se ao que consta dos autos

Advoga o Recorrente que existe uma situação de défice, pois, se o tribunal a quo tivesse analisado a matéria com maior profundidade teria verificado que o Reclamante está em permanente contacto com a Fazenda Pública, tendo já sido verificado um erro nas liquidações de IVA dos anos de 2005 e 2006.

Examinemos, então, se existe erro de julgamento da matéria de facto, no que toca aos factos não provados, por não terem sido realizadas as diligências instrutórias que se impunham.

Compulsada a petição inicial não se vislumbra a alegação de factos para colocar em causa a penhora do imóvel reclamado, melhor concretizando, não se invocou a existência de outros bens ou se qualquer outra situação de inadmissibilidade legal da penhora, nem se vislumbra qualquer diligência que tenha sido requerida com efeito útil, nem em sede recursiva é indicada qualquer diligência, que devesse ter sido determinada oficiosamente.

A questão da invocada divergência de valores da quantia exequenda apreciada na sentença recorrida não vem colocada em crise no presente recurso. Por outro lado, as diligências encetadas junto da Fazenda Pública para suprir eventuais erros nas liquidações respeitantes a algumas das quantias exequendas, só por si não têm qualquer efeito no andamento normal da execução fiscal, designadamente, na realização da penhora em vista da cobrança da quantia exequenda.

O artigo 13.º do CPPT preceitua que aos juízes dos tribunais tributários incumbe realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer.

No mesmo sentido preceitua o artigo 99.º, n.º 1 da LGT:

«1. O Tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem utéis para conhecer a verdade relativamente a factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.»

Destes preceitos decorre que o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Contudo, não se deverá perder de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário.

Assim, no processo tributário, e com base no princípio do inquisitório, ao juiz é atribuído o poder de ordenar as diligências de prova consideradas necessárias para a descoberta da verdade, o que sempre deverá ocorrer quando, perante uma questão que não é apenas de direito, o processo não fornecer os elementos necessários para decidir as questões de facto suscitadas.

Nesta conformidade, só haverá défice instrutório, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa, que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova (cfr. artigos 5.º, 410.º e 411.º do CPC).

Com efeito, a actividade inquisitória do juiz limita-se aos factos alegados pelas partes e aos do seu conhecimento oficioso, e não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que aquelas têm interesse directo em cumprir, atenta a repercussão das vantagens e desvantagens que podem ter.

Na situação dos autos, o órgão de execução fiscal realizou diligências no sentido de averiguar bens do Recorrente tendo, nesta sequência, penhorado o bem imóvel.

Como já se deixou expresso o Recorrente na petição inicial e também em sede de recurso não admite, nem identifica a existência de outros bens, nem alega outros factos com eficácia para colocar em crise a penhora, não constituindo matéria do conhecimento oficioso do tribunal.

Não sendo despiciendo lembrar que o n.º 2 do artigo 99.º da LGT impõe aos particulares um dever de colaboração com o tribunal na tarefa da descoberta da verdade.

Ora, o Tribunal deve cingir as suas diligências ao apuramento dos factos que foram alegados pelas partes ou que possam ser conhecidos oficiosamente (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC), não podendo substituir-se às partes, buscando factos que melhor sustentariam alguma das posições controvertidas.

Aliás, a sentença apreciou todos os elementos que foram carreados para o processo, apurando os factos que levou ao probatório, e que interessaram à apreciação do caso objecto do processo.

Como bem refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto «No que respeita ao princípio do inquisitório (arts. 99º da LGT e 13º do CPPT) – que o reclamante reputa violado na decisão recorrida – impõe-se referir que “a oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido (caducidade do direito de impugnar, prescrição da dívida tributária, factos notórios, factos conhecidos por virtude das suas funções, por exemplo (…)” – cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª edição 2012, pag. 859.

“Se é certo que o princípio do inquisitório, que enforma, em geral, o processo tributário, impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (…) tal princípio não tem o alcance de fazer com que o juiz se substitua às partes no cumprimento do seu ónus de alegar e provar.” – cfr. Acórdão TCAS, proc. 03814/10, de 07.05.2015.

Ora, não obstante este princípio, não tendo a reclamante alegado na reclamação não ser possuidora de quaisquer outros bens suscetíveis de penhora, para além do bem penhorado, não incumbia ao juiz ordenar a realização de diligências tendentes à demonstração dessa suposta realidade.»

Mostra-se, assim, destituído de sentido afirmar que o tribunal tinha a obrigação de proceder à investigação oficiosa, solicitando, eventualmente, os esclarecimentos que entendesse pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório e da investigação, dado que esses factos, além de não serem de conhecimento oficioso, com excepção dos que resultam do processo de execução fiscal, não foram concretamente alegados.

Não se verifica, assim, a violação do principio do inquisitório, na realização de diligências, improcedem as conclusões da alegação de recurso quanto ao presente fundamento.


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Pretende ainda o Recorrente que se considere que a penhora não respeita o princípio da proporcionalidade.

Alega que o imóvel tem o valor patrimonial de € 175.929,25 (cento e setenta e cinco mil novecentos e vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos), e a dívida exequenda ascende ao valor de € 6.813,25 (seis mil oitocentos e treze euros e vinte e cinco cêntimos).

De acordo com o preceituado no artigo 217.º do CPPT: A penhora é feita nos bens previsivelmente suficientes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, mas, quando o produto dos bens penhorados for insuficiente para o pagamento da execução, esta prosseguirá em outros bens.

No caso de insuficiência de bens para pagamento da dívida exequenda, como se prevê no artigo 217.º in fine do C.P.P.T., podem ser penhorados novos bens, «quer do devedor originário, quer de responsáveis solidários, que respondem pelo pagamento da dívida em condições idênticas à do devedor originário, quer de responsáveis subsidiários, se se verificarem os pressupostos da respectiva responsabilidade» (Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 2007, II volume, nota 4, pág. 439).

A limitação prevista no artigo 217.º do CPPT de que a penhora deve limitar-se ao necessário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido está de acordo com o principio da proporcionalidade, cuja observância é imposta à administração tributária (cfr. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 55.º, n.º 4 da LGT e 7.º do CPA).

A observância do principio da proporcionalidade subjacente à penhora acautela que o executado não seja colocado na posição de ver penhorado bens de valor superior ao necessário para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Ainda que a penhora deva limitar-se ao necessário para pagamento da dívida exequenda, não pode esta regra, em face do desconhecimento de outros bens e omissão por parte do executado na sua identificação, obstar à necessidade de satisfação do crédito do exequente.

Revertendo para a situação dos autos, não resultou provado que para além do imóvel penhorado existam outros bens penhoráveis, sendo que o Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, que se considera assente.

Assim, à data de penhora apenas era conhecido ao Recorrente o bem imóvel penhorado, não tendo o Recorrente invocado a existência de outros bens que pudessem responder pela quantia exequenda, cabendo-lhe fazê-lo, uma vez que sobre si impendia o ónus de alegar os factos concretos de que resultasse a inadmissibilidade da extensão da penhora, ou seja, a existência de outros bens penhoráveis que pudessem satisfazer integralmente o crédito exequendo.

Por isso, só da sua conduta se pode queixar.

Assim, embora ocorra a invocada desproporção de valores, não ocorre excesso de penhora, por tal só poder atribuir-se à inércia do ora Recorrente, que deixou que fosse devolvido ao exequente o direito de nomeação de bens à penhora (artigo 215.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT), e não admitiu nem indicou a existência de outros bens.

Sobre questão semelhante à dos presentes autos já se pronunciou o STA em acórdão de 19/09/2012, proferido no processo n.º 0861/12, do qual se deixou expresso: «Constatando-se do probatório que o imóvel penhorado tem o valor patrimonial de € 83.210, sendo a dívida exequenda de € 5.293,77, não há, ainda assim, excesso de penhora, se se tratar, como no caso dos autos, do único bem conhecido à executada, não tendo a mesma admitido ou indicado a existência de outros bens de menor valor.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Improcede, assim, neste segmento o recurso.

Pelo exposto, na improcedência das conclusões da alegação de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida


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Conclusões/Sumário:

I - Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido.

II - A actividade inquisitória do juiz limita-se aos factos alegados pelas partes e aos do seu conhecimento oficioso, e não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que aquelas têm interesse directo em cumprir, atenta a repercussão das vantagens e desvantagens que podem ter.

III - O Tribunal deve cingir as suas diligências ao apuramento dos factos que foram alegados pelas partes ou que possam ser conhecidos oficiosamente (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC), não podendo substituir-se às partes, buscando factos que melhor sustentariam alguma das posições controvertidas.

IV - A limitação prevista no artigo 217.º do CPPT de que a penhora deve limitar-se ao necessário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido está de acordo com o principio da proporcionalidade, cuja observância é imposta à administração tributária (cfr. artigos 266.º, n.º 2 da CRP, 55.º, n.º 4 da LGT e 7.º do CPA).

V - Ainda que a penhora deva limitar-se ao necessário para pagamento da dívida exequenda, não pode esta regra, em face do desconhecimento de outros bens e omissão por parte do executado na sua identificação, obstar à necessidade de satisfação do crédito do exequente.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 10 de Novembro de 2022.



Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)