Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1286/23.8 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:ARRESTO
PRESUNÇÃO "FUNDADO RECEIO"
DÉFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Como é sabido, o requerente da providência cautelar de arresto deve alegar os factos que demonstrem a provável existência da dívida, bem como o receio de perda da garantia patrimonial e efectuar prova sumária desses factos (cfr. artigos 136.º, n.º 4 do CPPT, 392.º, n.º 1 do CPC e 31.º n.º 2 do RCPIT).
II - O Requerente fica dispensado do ónus de alegar o fundado receio de perda da garantia patrimonial se tiver a seu favor uma presunção legal (cfr. artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).
III - O n.º 5 do artigo 136.º do CPPT estabelece uma presunção a favor da Fazenda Pública ao determinar que as circunstâncias referidas na alínea a) do n.º 1 (fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis) se presumem no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregado nos prazos legais.
IV - Mas, a Administração Tributária para gozar desta presunção legal precisa de fazer a demonstração do facto indiciário que está na base da mesma, que é o facto-base de haver dividas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.
V - Compete ao tribunal de primeira instância convidar a Requerente a juntar aos autos os documentos necessários à demonstração dos factos alegados, usando os poderes-deveres de investigação conferidos pelos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 21/11/2023, que julgou improcedente o decretamento da providência cautelar de arresto de bens contra a “V......, G......., Lda”, NIPC ........95 por falta do requisito contido do artigo 136º, n.º 1, alínea a) do CPPT, ou seja, o “(…) fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis”.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. Considerou, em suma, o douto tribunal que, nos autos, inexiste, de facto, a alegação de que a Requerida teve um comportamento que demonstre vontade ou intenção de se desfazer do património de que é proprietária, concluindo não se verificarem reunidos os requisitos dos quais a lei faz depender o decretamento do arresto de bens do devedor.

B. Não podemos deixar de dissentir da decisão proferida, pelas razões que sustentam o presente recurso, sob o prisma do que julgamos terem sido erros de julgamento, resultantes da errada apreciação da matéria de facto e subsunção da mesma à matéria de direito;

C. Ora, o arresto é uma providência cautelar destinada a garantir o cumprimento de uma dívida tributária, quando se verifique um “justo receio” de perda de garantia patrimonial de um crédito, pelo que tem por finalidade impedir que o devedor subtraia o seu património ao cumprimento das obrigações que o oneram – artigos 601.º e 619.º do Código Civil conjugado com o artigo 391.º do C.P.C.

D. Nos termos do disposto no artigo 136.º, do CPPT, o representante da Fazenda Pública pode requerer o arresto de bens do devedor de tributos (i) quando haja justo receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, e (ii) quando o tributo esteja liquidado ou em fase de liquidação.

E. Na verdade, quanto aos tributos (como é o caso do IVA aqui (também) em causa) o imposto considera-se em fase de liquidação a partir do momento da ocorrência do facto tributário.

F. Relativamente ao requisito para que o arresto possa ser decretado, o de que exista fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis,

G. Com efeito, como é o caso do IVA, por força de estatuído no artigo 136º, nº 5 do CPPT, presume-se (presunção legal) haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança desses créditos.

H. Consequentemente, por se entender, por um lado, que o pedido é apto para evitar consumação dos previsíveis danos e, por outro, provado que está o enquadramento legal do mesmo, imperioso se torna, pois, dar célere provimento ao pedido de arresto sobre os bens nomeados pela Fazenda Pública, atentos os prejuízos que, da sua falta de provimento, daí possam decorrer.

I. De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal de existência de periculum in mora, plasmado na circunstância (legal) de “fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis”.

J. Aliás, o n.º 4 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, neste ponto do direito do credor Estado, exige, de forma muito clara, uma apenas “provável existência do tributo”.

K. E o que é certo é que, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal de existência de periculum in mora, plasmado na circunstância (legal) de “fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis”.

L. Como está bem de ver, a Administração Tributária, para gozar de tal presunção, precisa de fazer a demonstração do facto indiciário pertinente, que está base dessa mesma presunção legal, e que é o facto-base de haver “dívidas por impostos que o devedor ou o responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais”.

M. In casu, e salvo melhor opinião, a administração tributária cumpriu com a sobredita obrigação ao demonstrar que nos presentes autos se previam as seguintes correções: IVA, imposto liquidado em falta, no montante total de 90.920,12€; IVA, imposto deduzido indevidamente, no montante total de 85.433,11€; IRC, matéria coletável, no montante total de 371.448,23€.

N. Esclarecendo que relativamente ao imposto liquidado em falta, calculado à taxa de 23%, no montante total de 90.920,12€, foi no âmbito do Procedimento Inspetivo proposto o seu acréscimo no campo 4, nas Declarações Periódicas de IVA, dos períodos de 2020/02, 2020/03, 2020/05, 2020/09, 2020/10, 2020/11 e 2020/12;

O. Ainda Relativamente ao IVA, entendem os serviços de inspeção que foi indevidamente deduzido, no campo 24, nas Declarações Periódicas de IVA, dos períodos de 2020/02, 2020/03, 2020/05, 2020/06, 2020/07 e 2020/10, o imposto no montante total de 85.433,11€;

P. Em sede de IRC, o procedimento inspetivo origina correções ao lucro tributável, no montante de 371.448,23€, apurando-se um lucro tributável no montante de 478.840,13

Q. O IVA é, como é sabido, um imposto legalmente repercutível, nos termos do artigo 36.º do Código do IVA, pelo que se deverá ter por assente que estamos em presença de dívida de imposto que o devedor está obrigado a repercutir.

R. Por que o arresto é tão-somente um meio cautelar e conservatório da garantia patrimonial do credor (cf. artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil, e artigo 406.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não é exigível uma prova definitiva do direito ao imposto por banda do credor Estado.

S. É que o arrestado não perde o direito de propriedade sobre os bens arrestados.

T. Apesar do arresto, ele continua a ser proprietário dos respetivos bens.

U. Todavia, os atos de disposição ou oneração dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, sem prejuízo das regras do registo (artigos 622.º e 819.º do Código Civil).

V. Acontece, que o despacho recorrido resolveu indeferir liminarmente o presente arresto, sem operar minimamente a realização e ponderação da prova apresentada pela Administração Tributária para corroborar a alegada provável existência das dívidas de IVA em questão.

W. Deste modo, o despacho recorrido, de indeferimento liminar do arresto, afigura-se inteiramente desadequado à situação pleiteada, pelo que deve, por isso, ser revogado, e a sua substituição por outro que julgue procedente o pedido de arresto.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação do despacho recorrido, julgando-se procedente por provado o presente requerimento cautelar, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!»

3. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora–Geral Adjunta, emitiu douto parecer, de fls. 207 a 213, no sentido da parcial procedência do recurso.

4. Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se o Tribunal a quo, face aos factos sumariamente apurados, incorreu em erro de julgamento de facto, por errada apreciação da matéria de facto, e de direito, ao indeferir o pedido de providência cautelar de arresto, no pressuposto de que não se verificam os requisitos legalmente exigidos para o decretamento daquela providência.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«Com relevância para a decisão da causa, consideram-se sumariamente provados os seguintes factos:

1) A sociedade requerida está a ser objeto de um procedimento de inspeção interno, com âmbito parcial, referente ao exercício de 2020, ao abrigo da Ordem de Serviço (OI): .........54;

2) O procedimento interno de inspeção teve início em 12.08.2022, encontrando-se atualmente na fase de notificação do Projeto de Relatório;

3) A Fazenda Pública, prevê, que sejam feitas as seguintes correções:

IVA, imposto liquidado em falta, no montante total de € 90.920,12.

IVA, imposto deduzido indevidamente, no montante total de € 85.433,11.

IRC, matéria coletável, no montante total de € 371.448,23.

4) A Requerida é titular dos seguintes bens:

(i)Prédio Urbano, sito em Valados Altos, freguesia da Golegã, concelho da Golegã, descrito na CRP da Golegã o n.º …….16, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º(s) ……1, com o VPT de € 421.594,50 - cfr. Docs. 2 e 3, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 17/01/2020 - no valor de € 360.000,00 – (AP. 1200 de 2020/01/17), a favor do Banco B.........., S.A; - Hipoteca Legal a 09/03/2023 - no valor de € 127.272,06 – (AP. 5522 de 2023/03/09), a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP;

ii) Prédio Urbano, Lote …..2, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …….29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ……4, com o VPT de € 22.228,50 - cfr. Docs. 4 e 5, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

iii) Prédio Urbano, Lote ……3, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º ……..29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ……5, com o VPT de € 30.186,10 - cfr. Docs. 6 e 7, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

iv) Prédio Urbano, Lote ….4, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º ……29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..6, com o VPT de € 22.685,70 - cfr. Docs. 8 e 9, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

v) Prédio Urbano, Lote …..5, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º ……..29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..7, com o VPT de € 27.608,00 - cfr. Docs. 10 e 11, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

vi) Prédio Urbano, Lote …..6, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …….29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..8, com o VPT de € 29.100,05 - cfr. Docs. 12 e 13, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.;

vii) Prédio Urbano, Lote ….7, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …….29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..9, com o VPT de €93.177,00 - cfr. Docs. 14 e 15, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.

viii) Prédio Urbano, Lote ….9, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …..29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ….1, com o VPT de €92.212,75 - cfr. Docs. 16 e 17, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda;

x) Prédio Urbano, Lote ….1, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …….29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..3, com o VPT de €96.699,05 - cfr. Docs. 18 e 19, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda;

x) Prédio Urbano, Lote ….2, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º ……29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ….4, com o VPT de €54.272,05 - cfr. Docs. 20 e 21.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.

xi) Prédio Urbano, Lote …..3, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º ……29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º ….5, com o VPT de €89.726,00 - cfr. Docs. 22 e 23, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda;

xii) Prédio Urbano, Lote ….5, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …….29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..7, com o VPT de €93.237,90 - cfr. Docs. 24 e 25, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.;

xiii) Prédio Urbano, Lote ….7, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …..29, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..9, com o VPT de €93.420,60 - cfr. Docs. 26 e 27, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.;

xiv) Prédio Urbano, Lote ….9, sito em Portela das Padeiras, freguesia de Marvila, Ribeira de Santarém, S. Salvador, S. Nicolau, concelho de Santarém, descrito na CRP de Santarém sob o n.º …..29 inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º …..1, com o VPT de €134.142,40 - cfr. Docs. 28 e 29, juntos com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

Sob este imóvel encontram-se registadas as seguintes hipotecas: - Hipoteca Voluntária a 12/05/2023 - no valor de € 500.000,00 – (AP. 3326 de 2023/05/12), a favor de L..... – G.........., Lda.

xv) veículo de matrícula ……86, de 09/01/2015, do tipo terrestre, Marca BMW, Modelo X6 - cf. Doc. 30, junto com o requerimento de arresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa, assentou numa apreciação sumária da prova produzida nos presentes autos, concretamente, dos documentos e informações oficiais juntos aos autos pela Requerente, Fazenda Pública, conforme é especificado em cada um dos pontos da matéria de facto provada.»


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2. DE DIREITO

Nos presentes autos vem interposto recurso jurisdicional contra o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que indeferiu o requerimento de arresto, apresentado pela Fazenda Pública, no entendimento de que, no caso, não se verificam os requisitos dos quais a lei faz depender o decretamento do arresto de bens do devedor.

O pedido de providência cautelar de arresto, de acordo com o alegado, teve origem em procedimento de inspecção interno, com âmbito parcial, referente ao ano de 2020, levada a efeito à sociedade requerida, decorrendo da factualidade indiciariamente provada, que o procedimento encontra-se na fase de notificação do Projecto de Relatório e que a Fazenda Pública prevê efectuar as seguintes correcções: (i) IVA, imposto liquidado em falta, no montante de € 90.920,12; (ii) IVA, imposto deduzido indevidamente, no montante de € 85.433,11; (iii) IRC, matéria colectável, no montante de € 371.448,23.

Sustenta a Recorrente que o despacho recorrido incorreu em errada apreciação da matéria de facto e subsunção da mesma à matéria de direito, uma vez que considerou que inexiste a alegação de que a Requerida teve um comportamento que demonstre vontade ou intenção de se desfazer do património de que é proprietária, quando de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 5 do artigo 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) a Fazenda Pública tem a seu favor a presunção legal da existência de periculum in mora, plasmado na circunstância legal de “fundado receio da diminuição da garantia de cobrança de créditos tributários.”.

Efectivamente, o tribunal recorrido aplicou à situação em análise o disposto no artigo 136.º, n.º 1 do CPPT e para desatender o pedido de providência cautelar ponderou o seguinte:

No caso dos autos, os tributos cujo pagamento se pretende garantir com a presente providência dizem respeito a IVA e IRC, relativos ao exercício de 2020, no valor total €547.801,46., apurado em sede de ação de inspeção efetuada à sociedade V......, G......., Lda.

No caso dos presentes autos, e conforme resulta do probatório, o montante de imposto cuja garantia de pagamento se pretende através do presente meio encontra-se em fase de liquidação.

Assim, encontra-se preenchido o pressuposto contido no artigo 136º, n.º 1, alínea b) do CPPT.

No entanto para que o arresto possa ser decretado importa ainda preencher o requisito contido do artigo 136º, n.º 1, alínea a) do CPPT, ou seja, o “(…) fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis”.

O ónus da prova deste requisito legal e dos seus factos subsumíveis àquela disposição legal encontram-se a cargo da Administração Fiscal.

Portanto, é à Requerente que cabe a alegação e a prova dos factos que integram o fundado receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos tributários.

Com efeito, analisada o requerimento de arresto e como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público no seu douto parecer, resulta que a Fazenda Pública não alega nenhum facto suscetível de integrar o fundado receio de perda de garantia do crédito tributário.

E relação aos elementos relativos ao fundado receio de diminuição de garantias de cobrança dos créditos, insolvência ou dissipação, a Administração Tributária apenas refere que “em face dos valores propostos para correção a atividade do Sujeito Passivo pode ser colocada em causa, quer pelo próprio quer pelos seus parceiros económicos” o que se nos afigura escasso para que seja decretado o arresto, para mais com dimensão pretendida, de todos os bens conhecidos e que venham a ser encontrados.

Na verdade, incumbia à Fazenda Pública alegar e demonstrar factos concretos demonstrativos e integradores do conceito do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do crédito apurado.

Na fase da declaração do arresto impende sobre o Requerente o ónus da prova dos factos integrantes dos respetivos requisitos, não bastando, em consequência, o simples e vago rumor de uma ameaça da atividade da requerida ser colocada causa.

E isto porque o receio de diminuição de garantias tem de ser fundado, o que vale por dizer, que deve ser apreciado objetivamente e não apenas na óptica pessoal do requerente.

Por outras palavras, é necessário que existam elementos indiciários objetivos no processo que apontem no sentido de que o devedor ou responsável pretende alienar ou sonegar bens que devem servir de garantia do crédito tributário (…)”, (cf. Acórdão do TCA-S de 7 de junho de 2011, processo n.º 4809/11).

Nos autos inexiste, de facto, a alegação de que a Requerida teve um comportamento que demonstre vontade ou intenção de se desfazer do património de que é proprietária.

Pelo que, no caso dos autos, não se verificam os requisitos dos quais a lei faz depender o decretamento do arresto de bens do devedor.

A Recorrente, embora peticione a final a revogação do despacho recorrido e a procedência do requerimento cautelar, parece aceitar a conclusão a que chegou a decisão da 1ª instância em sede de IRC, mas já não quanto ao IVA, uma vez que toda a sua alegação vai no sentido de entender existir a presunção a seu favor, a que alude o n.º 5, do artigo 136.º do CPPT (cfr. alíneas E., G., I., Q. e V. da alegação de recurso).

In casu, a Fazenda Pública requereu a presente providência cautelar de arresto, nos termos do artigo 136.º do CPPT, tendo em vista garantir o pagamento de tributos ainda não liquidados, e, por isso, necessariamente em fase anterior à instauração de execução fiscal.

Como é sabido, o requerente da providência cautelar de arresto deve alegar os factos que demonstrem a provável existência da dívida, bem como o receio de perda da garantia patrimonial e efectuar prova sumária desses factos (cfr. artigos 136.º, n.º 4 do CPPT, 392.º, n.º 1 do CPC e 31.º n.º 2 do RCPIT).

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 05/11/2015, prolatado no processo n.º 8945/15: «No requerimento inicial deve a Fazenda Pública alegar e efectuar prova sumária (“bonus fumus iuris”) da factualidade demonstrativa do imposto ou da sua existência provável e dos factos integrantes do fundado receio da diminuição de garantias de cobrança do correspondente crédito. Além disso, deverá relacionar e identificar devidamente os bens que pretende ver arrestados, os quais devem ser suficientes para garantir a cobrança do respectivo crédito fiscal (cfr.artºs.136, nº.4, e 137, nº.2, ambos do C.P.P.Tributário).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa «O decretamento do arresto só pode ocorrer quando o tributo estiver liquidado ou em fase de liquidação (n.ºs 1, alínea b), 2 e 3 deste artigo).

Assim, é necessário que se demonstre a existência efectiva ou provável de um crédito tributário, através da respectiva liquidação, se já estiver efectuada, ou através da demonstração dos pressupostos da sua existência.» (in ob. cit. II vol. pág. 446).

O Requerente fica dispensado do ónus de alegar o fundado receio de perda da garantia patrimonial se tiver a seu favor uma presunção legal (cfr. artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).
O n.º 5 do artigo 136.º do CPPT estabelece uma presunção a favor da Fazenda Pública ao determinar que as circunstâncias referidas na alínea a) do n.º 1 (fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis) se presumem no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregado nos prazos legais.

Mas, a Administração Tributária para gozar desta presunção legal precisa de fazer a demonstração do facto indiciário que está na base da mesma, que é o facto-base de haver dividas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.

Como resulta de forma clara da letra da lei, a presunção ínsita no n.º 5 do artigo 136.º do CPPT não se aplica a todas as situações, antes e apenas àquelas em que a dívida seja referente a imposto a reter ou a repercutir a terceiros pelo devedor ou pelo responsável.

Na situação dos presentes autos, os créditos prováveis respeitam a IRC, IVA relativo a imposto liquidado em falta e, também, a IVA indevidamente deduzido.

Alegou a Recorrente uma dívida provável de IVA de imposto liquidado em falta, que o sujeito passivo não entregou nos prazos legais, pelo que estamos em presença de dívida em fase de liquidação por imposto que o devedor ou responsável está obrigado a reter e não haja entregue nos prazos legais.

Nos autos não resultou indiciariamente provado as razões em que a AT alicerça as correcções referidas, nomeadamente, os factos para não aceitar a dedução do IVA, podendo respeitar ou não a imposto que o responsável estivesse obrigado a reter ou a repercutir a terceiros.

Tal pode significar o afastamento da aplicação da presunção ínsita no n.º 5, do artigo 136.º do CPPT ao IVA indevidamente deduzido, na sua totalidade ou só parcialmente (vide Acórdão do TCAN, de 26/09/2013, proferido no âmbito do processo n.º 01252/12.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt/).

Compulsados os autos verifica-se que a Requerente da providência cautelar não juntou aos autos o projecto de relatório de inspecção que alega ter sido notificado ao sujeito passivo em 12/08/2022, conforme documento comprovativo dos CTT, que juntou como documento n.º 1 ao requerimento inicial, nem a informação a que alude o n.º 2 do artigo 31.º do RCPIT, nem a Mma. Juiz a quo notificou a Requerente para proceder à sua junção aos autos.

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que esta deu como sumariamente provados os factos indicados em 1), 2) 3), sem que os mesmos estejam alicerçados em documentos juntos aos autos.

O despacho sob recurso, como já se viu, ao entender ter sido alegada factualidade para dar como preenchido o pressuposto contido na alínea b), do n.º 1, do CPPPT, mas que não foram alegados factos susceptíveis de integrar o fundado receio de perda de garantia do crédito tributário, não só errou por ter considerado sumariamente provados factos relativos à existência provável do crédito tributário, sem qualquer suporte documental, como também na aplicação do direito, uma vez que fundamenta a decisão nos termos do artigo 136.º, n.º 1 do CPPT, quando deveria ter tido ainda em conta a aplicação do regime previsto no n.º 5 desse mesmo normativo, no que respeita ao alegado imposto liquidado em falta.

Portanto, tem razão a Recorrente na parte em que alega que o despacho não teve em conta na apreciação jurídica a norma ínsita no n.º 5, do artigo 136.º do CPPT, que consagra uma presunção a favor da Fazenda Pública.

A AT, como se viu, não goza da aludida presunção relativamente ao IRC e eventualmente a IVA deduzido indevidamente.

Assim, quanto a estes impostos não gozando a AT de qualquer presunção quanto ao requisito do arresto, haveria que ter alegado na sua petição os factos que permitissem ao julgador concluir, pela existência do fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis.

Prosseguindo.

Na providência cautelar do arresto o juiz não julga provados os factos em que assenta a conclusão de que a existência do crédito é provável, pois, limita-se a julgar sumariamente indiciados esses factos, uma vez que a apreciação dos elementos probatórios em que se apoia é necessariamente provisória e assenta em meros juízos de verosimilhança.

Porém, no caso dos autos, como referimos, a Requerente não juntou qualquer documento relativo à demonstração dos pressupostos da existência das correcções em curso, do crédito provável, ou seja, o invocado Projecto de Relatório Tributário já notificado ao sujeito passivo.

Compete ao tribunal de primeira instância convidar a Requerente a juntar aos autos os documentos necessários à demonstração dos factos alegados, usando os poderes-deveres de investigação conferidos pelos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT.

Assim sendo, deparamo-nos com um défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação, principalmente porque não se mostra junto aos autos o Projecto de Relatório de Inspecção, necessário à demonstração dos pressupostos da existência do alegado provável crédito.

Pela sua pertinência para o caso dos autos, chamamos de novo à colação o Acórdão deste TCAS supra citado, que com a devida vénia se transcreve o seguinte excerto:

«(…) recaindo embora sobre as partes o ónus da prova dos factos constitutivos, modificativos e/ou extintivos de direitos, a actividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, o qual, atento o disposto nos artºs.13, do C.P.P.Tributário, e 99, da L.G.Tributária, deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.859; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.173 e seg.).»

Deste modo, não podendo sufragar-se o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, o despacho, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja promovido o convite da Requerente a juntar aos autos os elementos documentais relativos aos factos alegados, designadamente nos pontos 1 a 6 e 23 a 26 do requerimento inicial, para esclarecimento dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos.

Fica, assim, prejudicado o exame e decisão dos outros fundamentos do recurso, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.


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Conclusões/Sumário:

I. Como é sabido, o requerente da providência cautelar de arresto deve alegar os factos que demonstrem a provável existência da dívida, bem como o receio de perda da garantia patrimonial e efectuar prova sumária desses factos (cfr. artigos 136.º, n.º 4 do CPPT, 392.º, n.º 1 do CPC e 31.º n.º 2 do RCPIT).

II. O Requerente fica dispensado do ónus de alegar o fundado receio de perda da garantia patrimonial se tiver a seu favor uma presunção legal (cfr. artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).
III. O n.º 5 do artigo 136.º do CPPT estabelece uma presunção a favor da Fazenda Pública ao determinar que as circunstâncias referidas na alínea a) do n.º 1 (fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis) se presumem no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregado nos prazos legais.

IV. Mas, a Administração Tributária para gozar desta presunção legal precisa de fazer a demonstração do facto indiciário que está na base da mesma, que é o facto-base de haver dividas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais.

V. Compete ao tribunal de primeira instância convidar a Requerente a juntar aos autos os documentos necessários à demonstração dos factos alegados, usando os poderes-deveres de investigação conferidos pelos artigos 13.º do CPPT e 99.º da LGT.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em anular o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância, a fim de que proceda à instrução dos autos de acordo com o que fica exposto e seja proferida nova decisão que ao caso couber, se nada mais obstar.

Custas a fixar oportunamente (artigo 539.º, n.º 1 do CPC).

Notifique.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024.



Maria Cardoso - Relatora
Jorge Cortês – 1.ª Adjunto
Susana Barreto – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)