Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2410/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/05/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REVERSÃO
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
ATOS ISOLADOS
GESTÃO DE FACTO
Sumário:I-Inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.

II-Da assinatura de atos pontuais pelo Oponente, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade.

III-Não é, de todo, possível extrapolar da mera indicação do Oponente como representante legal nas declarações de rendimentos modelo 22 que foi o próprio que as submeteu e muito menos que foi o próprio que procedeu ao seu preenchimento sendo irrelevante a questão da propriedade e intransmissibilidade das passwords.

IV-A mera indicação temporal do cargo de gerente no Relatório Inspetivo representa um juízo conclusivo, e que apenas permite atestar a gerência de direito, nada se inferindo quanto à gerência efetiva do Oponente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição intentada por J….., no âmbito do processo de execução fiscal nº …..351 e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa …., contra a sociedade “W….., LDA”, e contra si revertida, para a cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos exercícios 1998, 1999 e 2000, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 1998, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 1994, 1995, 1997 e 2000 e coimas dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, tudo perfazendo a quantia global de €463.522,64.

A Recorrente, apresentou alegações tendo concluído da seguinte forma:

- Posto tudo o que já foi dito extrairemos as seguintes conclusões:

“I            - Os autos à margem identificados visam reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do Processo de execução fiscal (PEF) n.° …..351 e apensos quanto o ora Oponente e, a respetiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas.

II             A presente oposição foi deduzida por J….., na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas de IVA, IRC e coimas e, outros encargos administrativos, referentes aos anos de 1997 a 2000, a serem cobrados coercivamente no PEF …..351 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Lisba-….. (doravante designado de SF) contra a devedora originária.

III            Decidiu o Tribunal “a quo" que «(...) não tendo a Fazenda Pública logrado demonstrar nos presentes autos a efetividade da gerência do ora Oponente e, não podendo formar-se qualquer juízo presuntivo quanto a esse exercício, não ficou provado um dos pressupostos de que depende a legalidade da reversão».

IV           Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a mesma incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de facto e de direito, uma vez que o tribunal “a quo” defende que deverá, contra a AT, ser valorada a falta de prova da efetividade da gerência, sendo o Oponente parte ilegítima na execução fiscal.

V            J….. (doravante Recorrido) na qualidade de responsável subsidiário foi citado nos termos do disposto no artigo 24.°, n.° 1 al. b) da LGT, pela falta de pagamento das dívidas da devedora originária.

VI Prescreve a predita alínea b) “Os administradores, diretores e que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. (sublinhado nosso).

VII-O regime do artigo 24.°, n.° 1, alínea b), da LGT, estabelece uma presunção “juris tantum”, relativamente à culpa dos administradores, diretores e gerentes, pelas dívidas tributárias vencidas no período de exercício das suas funções, contrariamente ao constante na alínea a) do n.° 1 da mesma disposição legal, que não prevendo qualquer presunção de culpa do administrador, diretor ou gerente da sociedade, deixa, a cargo da Fazenda Pública, o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.

VIII - Compreende-se, que a alínea b) do n.° 1 do art.° 24.° da LGT, diferentemente do que acontece na alínea a) onere o responsável subsidiário com a prova de que não lhe foi imputável a falta de pagamento, uma vez que o pagamento da prestação tributária constitui uma obrigação do gerente/administrador.

IX - Pelo que, reportando-se o prazo legal de pagamento ou entrega terminado no período do exercício do seu cargo a dívida tributária ao período da sua gerência, é forçoso concluir que se mostram preenchidos os requisitos previstos na alínea b), do n.° 1, do artigo 24.°, da LGT.

X - Pese embora a legislação supra citada a AT provou a gerência do ora Recorrido como, amplamente se explicitou nos pontos 17. a 22. das presentes alegações de recurso, aquele em todos os atos que praticou pela e, em nome da devedora originária só o poderia ter feito com poder de decisão e com independência das funções exercidas, dada a importância relevante dos mesmos.

XI - Refira-se, ainda, que o Ministério Público perfilha da mesma opinião que a Fazenda Pública defendeu, como expressou o Digníssimo Procurador da República.

XII - Assim, a douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento, quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.

XIII - Por ultimo, tendo presente o valor da ação que ora se discute, vem a Fazenda Pública pugnar pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo presente o que dispõe o Regulamento das Custas Processuais, mormente que, nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo dispensa de pagamento por decisão do Juiz.

XIV - Tendo em conta a matéria dos autos, a Fazenda Pública solicita, desde já, a dispensa do pagamento da remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final.

XV - Com efeito, entende a Fazenda Pública que a norma do artigo 11.°, conjugada com a do n.° 1 do artigo 6.°, e correspondente Tabela, na medida em que não estabelecemqualquer limite máximo para o valor da taxa de justiça, fazendo depender o seu montante, apenas do valor da ação.

XVI - Analisando o artigo 6.°, verificamos, de acordo com o teor da n com a norma do n.° 7, que, são dois os requisitos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente, a saber:

i. a complexidade da causa e

ii. a conduta processual das partes.

XVII - Ora, é nosso entendimento que o caso em apreço encontra-se enquadrado nestes dois pressupostos

XVIII - Pelo que a Fazenda Pública vem requerer, desde já, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que o valor da ação €463.522,64 excede o valor superior a € 275.000.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente e, ainda, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mormente o valor superior a € 275.000,00.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:


I. A Douta Sentença Recorrida não padece de qualquer vício ou erro de julgamento devendo ser mantida nos exatos termos em que foi proferida;
II. O presente Recurso, raia a Litigância de Má Fé, que Vossas Excelências melhor apreciarão e decidirão, se assim o entenderem, em conformidade.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 26.08.1992, foi registada a constituição da sociedade devedora originária “ T….., Lda.”, que tinha como objeto social, à data da constituição, a difusão de informação de dados técnicos pelo telefone - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

2. À data da constituição da sociedade devedora originária, foram designados gerentes H….. e J….., obrigando-se a sociedade com a assinatura de um gerente - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

3. Em 06.05.1993, foi registada a designação do gerente, D….., em 26.01.1993 - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

4. Em 13.08.1993, foi registada a cessação de funções de gerência de J….., por renúncia em 30.06.1993 - cfr. cópia da certi-dão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

5. Em 02.11.1995, foi registada a cessação de funções de gerência de H….., por renúncia em 28.09.1995 - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

6. Em 02.11.1995, foi registada a designação do gerente J….., ora Oponente, em 28.09.1995 - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

7. Em 26.04.1999. o Oponente declarou ter tomado conhecimento da ordem de serviço n.º …../1, datada de 30.03.1999, que determinou a realização de ação inspetiva à sociedade devedora originária – cfr. fls. 80 dos autos;

8. Em 20.07.1999, foi submetida declaração de rendimentos, referente ao IRC dos exercícios de 1998 e 1999, constando na mesma, como representante legal da sociedade devedora originária, o Oponente – cfr. fls. 76 dos autos;

9. Em 24.03.2000, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa ….., contra a devedora originária, o PEF …..351, para cobrança coerciva de dívidas de Juros Compensatórios de IVA do período de 12/1994, 03/1995, 12/1997 e 01/1998, ao qual foram apensados os seguintes processos de execução fiscal:

a) Processo de execução fiscal n.º …..940, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1998, no valor de € 23.819,05;

b) Processo de execução fiscal n.º …..584, para cobrança de dívidas de IRS do exercício de 1998, no valor de € 92.754,57 e IRC do exercício de 1998, no valor de € 48.018,91;

c) Processo de execução fiscal n.º …..920, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1999, no valor de € 4.489,18 e respetivos juros de mora, no valor de € 366,51;

d) Processo de execução fiscal n.º …..587, para cobrança de dívidas de Coimas, dos anos de 1997 a 1999, no valor total de € 53.772,54;

e) Processo de execução fiscal n.º …..250, para cobrança de dívidas de Coimas e despesas, do ano de 2000, no valor total de €14.912,90;

f) Processo de execução fiscal n.º, …..786, para cobrança de dívidas de IVA do ano 2000, no montante de € 145.550,84 e Juros Compensatórios referentes a IVA, de 02/2000 a 06/2000, no valor total de € 8.309,89;

g) Processo de execução fiscal n.º …..746, para cobrança de dívidas de IRC, do exercício de 2000, no valor de € 10.068,51, juros compensatórios no valor de € 1.063,95 e juros de mora no valor de € 108,50;

h) Processo de execução fiscal n.º …..580, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1999, no valor total de € 23.991,31;

i) Processo de execução fiscal n.º …..382, para cobrança de juros de mora referentes a IRC, do exercício de 2000, no valor total de € 2.674,61;

j) Processo de execução fiscal n.º …..122, para cobrança de dívidas de Coimas e despesas, do ano de 1998, no valor total de € 30.570,50;- cfr. fls. 42 do PEF;

10. A declaração de rendimentos - modelo 22, datada de 27.10.2000, referente a IRC do exercício de 1999, encontra-se assinada pelo ora Oponente, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária – cfr. fls. 81 dos autos;

11. Em 06.12.2000, foi registada a cessação de funções de gerência, do ora Oponente, por renúncia em 22.11.2000 - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

12. Em 04.06.2004, foi registada a alteração da denominação social da sociedade devedora originária para “W….. Lda.” - cfr. cópia da certidão do registo comercial a fls. 2 a 7 do PEF;

13. Por sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa, datada de 30.11.2005, no Processo n.º 888/04.6TYLSB, foi declarada a falência da sociedade devedora originária, tendo sido determinada a avocação de todos os processo de execução fiscal pendentes – cfr. fls. 30 a 32 do PEF;

14. Por ofício, datado de 27.01.2011, o Tribunal de Comércio de Lisboa comunicou ao serviço de finanças, o despacho de encerramento do processo de falência, referido no ponto antecedente, “dada a insuficiência dos produtos dos bens apreendidos para satisfazer as custas e as despesas de administração”, procedendo à devolução dos autos de execução fiscal – cfr. fls. 33 a 35 do PEF;

15. Em 02.08.2011, em cumprimento de mandado de penhora emitido no âmbito do PEF …..351 e apensos, foi elaborado um auto de diligências, no qual se declara não ter sido possível cumprir o mesmo, em virtude de não existirem bens suscetiveis de penhora para garantir a dívida exequenda de € 696.690,42, propondo o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, por via da reversão – cfr. fls.37 do PEF;

16. Em 02.08.2011, por despacho do chefe do serviço de finanças de Lisboa ….., foi determinado o prosseguimento dos processos de execução fiscal, referidos no ponto 9, contra os responsáveis subsidiários, por se considerarem verificadas as condições para a reversão das dívidas – cfr. fls. 39 do PEF;

17. Na sequência do despacho antecedente, foi emitida, em 02.08.2011, “notificação audição – prévia (reversão) ”, contra o Oponente, no qual se lê, para além do objeto e função da notificação, e do valor da dívida em cobrança coerciva, o seguinte:

“Projeto de reversão

Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (art.23.º/n.º2 da LGT).

Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º/n.º1/b) LGT]. Para proc. avocados após a entrada em vigor do CIRE, tal como a lei determina no seu art.º 100.º a sentença de declaração de insolvência determina a suspensão dos prazos e prescrição. Proc. Insolvência 888/04TYLSB – sentença de 2005/11/30. Art.8.º do RGIT.”– cfr. fls. 46 do PEF;

18. A notificação referida no ponto antecedente foi remetida ao Oponente por carta registada, expedida em 04.18.2011 – cfr. fls. 46v do PEF;

19. Em 17.08.2011, a carta referida no ponto antecedente, foi devolvida com a indicação “ não atendeu”- cfr. fls. 46v do PEF;

20. Em 02.09.2011, foi proferido, pelo Chefe do Serviço de Finanças, despacho de reversão contra o ora Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, relativamente às dívidas em execução referidas no ponto 9 cfr. fls. 49 do PEF;

21. Em 02.09.2011, foi emitido o ofício “Citação (Reversão) ”, dirigido ao Oponente, comunicando a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, dos processos de execução fiscal referidos nos pontos 9, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:

“ (…) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.º/n.º1/b) LGT]. Para processos avocados após a entrada em vigor do CIRE, tal como a lei determina no seu art.º 100.º a sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos e prescrição e caducidade. Proc. Insolvência 888/04TYLSB”

IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM COBRANÇA COERCIVA

N.º PROCESSO …..351 e apensos

TOTAL DA QUANTIA EXEQUENDA: 463.522,64 EUR

TOTAL DE ACRESCIDOS: 0,00 EUR

TOTAL: 463.522,64 EUR.”

Conforme anexo”

– cfr. fls. 53 e 54 do PEF;

22. Em 06.09.2011 foi assinado, por H….., o “aviso de receção” referente ao ofício referido no ponto antecedente – cfr. fls. 55 do PEF;

23. Em 13.10.2011, foi emitido o ofício n.º ….., dirigido ao Oponente, com o seguinte teor:

“Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa – Executado: J…..

Nos termos do disposto no art.º 241.º do Código do Processo Civil, fica V. Exa. notificado de que se considera citado como executado por reversão nos termos do art.º 160.º do CPPT, na qualidade de Responsável Subsidiário na pessoa de H….., que recebeu a citação e duplicados legais, e na data de assinatura do aviso de receção (2011/09/06) de que se junta cópia.”- cfr. fls. 56 do PEF;

24. Em 12.10.2011, a petição de oposição, que deu origem aos presentes autos, foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Lisboa ….. - cfr. carimbo aposto na petição inicial a fls. 6 dos autos;


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Ficou consignado na decisão recorrida como motivação da matéria de facto provada, que a mesma “fundou-se na análise crítica, e conjugada, do teor dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e das informações oficiais constantes do processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos supra.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

“9. Em 24.03.2000, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa ….., contra a devedora originária, o PEF …..351, para cobrança coerciva de dívidas de Juros Compensatórios de IVA do período de 12/1994, 03/1995, 12/1997 e 01/1998, cujos prazos de pagamento voluntário expiraram em 30.09.1999 e ao qual foram apensados os seguintes processos de execução fiscal:

a) Processo de execução fiscal n.º …..940, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1998, no valor de € 23.819,05, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 28.06.2000;

b) Processo de execução fiscal n.º …..584, para cobrança de dívidas de IRS do exercício de 1998, no valor de € 92.754,57 e IRC do exercício de 1998, no valor de € 48.018,91, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 03.01.2001;

c) Processo de execução fiscal n.º 3…..920, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1999, no valor de € 7.539,69 e respetivos juros de mora, no valor de € 366,51, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 23.04.2001;

d) Processo de execução fiscal n.º …..587, para cobrança de dívidas de Coimas, dos anos de 1997 a 1999, no valor total de € 53.772,54, cujos prazos de pagamento voluntário expiraram em 24.01.2001, 22.04.2001, 31.05.2001, 05.06.2001;

e) Processo de execução fiscal n.º …..250, para cobrança de dívidas de Coimas e despesas, do ano de 2000, no valor total de €14.912,90, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 07.01.2002;

f) Processo de execução fiscal n.º, …..786, para cobrança de dívidas de IVA do ano 2000, no montante de € 145.550,84 e Juros Compensatórios referentes a IVA, de 02/2000 a 06/2000, no valor total de € 8.309,89, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 31.05.2002;

g) Processo de execução fiscal n.º …..746, para cobrança de dívidas de IRC, do exercício de 2000, no valor de € 10.068,51, juros compensatórios no valor de € 1.063,95 e juros de mora no valor de € 108,50, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 19.02.2003;

h) Processo de execução fiscal n.º …..2580, para cobrança de dívidas de IRC do exercício de 1999, no valor total de € 23.991,31, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 03.09.2003;

i) Processo de execução fiscal n.º …..382, para cobrança de juros de mora referentes a IRC, do exercício de 2000, no valor total de € 2.674,61, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 19.01.2005;

j) Processo de execução fiscal n.º …..122, para cobrança de dívidas de Coimas e despesas, do ano de 1998, no valor total de € 30.570,50, cujo prazo de pagamento voluntário expirou em 28.10.2004;- cfr. fls. 42 do PEF;

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a presente oposição deduzida contra o processo de execução fiscal nº …..351 e apensos, para a cobrança coerciva de dívidas de IRC dos exercícios 1998, 1999 e 2000, IRS do ano de 1998, IVA dos anos de 1994, 1995, 1997, 1998 e 2000 e coimas dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, tudo perfazendo a quantia global de €463.522,64.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto arguido pela Recorrente no sentido do Recorrido ter sido gerente de facto da sociedade devedora originária e, com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, conclui pela ilegitimidade daquele para contra si prosseguir a execução a que se opôs.

Procedendo a legitimidade do responsável subsidiário importa julgar, em substituição, as questões prejudicadas, concretamente, a preterição do direito de audição prévia, a falta de fundamentação do despacho de reversão e a prescrição da obrigação tributária.

Vejamos, então.

O Recorrente sustenta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, visto que atentando na prova carreada aos autos e face ao regime jurídico aplicável ter-se-ia de ter concluído que o Oponente, ora Recorrido, é parte legítima.

Defende, neste particular, que o regime do artigo 24.°, n.° 1, alínea b), da LGT, ora aplicável, estabelece uma presunção “juris tantum”, relativamente à culpa dos administradores, diretores e gerentes, pelas dívidas tributárias vencidas no período de exercício das suas funções, contrariamente ao constante na alínea a) do n.° 1 da mesma disposição legal, pelo que reportando-se, in casu, o prazo legal de pagamento ou entrega no período do exercício do seu cargo encontram-se preenchidos os pressupostos da reversão.

Ademais, conforme aduzido nas alegações, mormente, nos pontos 17 a 22 a Recorrente logrou provar, em sede de contestação, que o Recorrente praticou atos de gestão efetiva em nome da devedora originária, donde só o poderia ter feito com poder de decisão e com independência das funções exercidas, dada a importância relevante dos mesmos.

Dissente a Recorrida, sublinhando que não foi carreada para os autos qualquer prova que demonstra a sua gerência, cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica.

Apreciando.

A oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do ato tributário corporizado no processo executivo[1].

Sendo que, os fundamentos da execução fiscal são os taxativamente indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos[2].

No caso sub judice, encontramo-nos face à reversão de dívidas de IRC dos exercícios de 1998, 1999 e 2000, IVA dos anos de 1995, 1997, 1998 e 2000, IRS do ano de 1998 e coimas dos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000. Assim, relativamente às dívidas de IRC, IRS do ano de 1998 e IVA dos anos de 1995, 1997 e 1998, é aplicável o regime constante do Código de Processo Tributário (CPT) sendo que às dívidas de impostos referentes a 1999 e 2000 é aplicável o regime constante na Lei Geral Tributária (LGT).

Quanto às coimas as mesmas respeitam aos anos de 1997, 1998, 1999 e 2000, logo a reversão dessas dívidas é regulada pelo disposto no artigo 7.º A do RJIFNA e pelo disposto no artigo 112.º da LGT que esteve em vigor desde 1 de janeiro de 1999 (data da entrada em vigor da LGT, conforme resulta do artigo 6.º do DL n.º 398/98, de 17 de dezembro) até 5 de julho de 2001 (data em que foi revogado pelo artigo 2.º, alínea g), da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho).

Convoquemos, então, o que os referidos preceitos legais referem.

Comecemos por analisar o regime do CPT. Dispunha, à data, o artigo 13.º do CPT que:

“1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tomou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.”

Do teor do citado preceito legal resulta que a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores fundamentadora da reversão abrange quer as dívidas nascidas quer as que devam ser pagas no período da respetiva gerência[3].

E bem assim que não existe uma presunção inilidível da culpa pela insuficiência do património social para a satisfação dos créditos fiscais (como sucedia na vigência do CPCI).

Instituiu-se apenas a presunção de culpa - agora ilidível - de que a insuficiência do património da empresa para satisfação dos créditos fiscais derivava da atuação culposa dessa gerência ou administração.

Dimana, porém, do teor do citado artigo 13.º do CPT, ser imprescindível verificar-se a administração de facto da sociedade devedora originária. Sendo que inexiste uma presunção legal da administração de facto, verificada que esteja a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa.

Visto o regime constante no CPT, atentemos, ora, no regime instituído pela LGT.

De harmonia com o disposto no artigo 23.º, nº 1 e 2, da LGT:

“1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.”

Resultando, por sua vez, do teor do artigo 24.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que :

“1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supratranscrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Quanto à reversão das coimas, importa referir que tanto o regime consagrado no artigo 7.º-A, do RJIFNA, como o regime consignado no artigo 112.º da LGT, exigem a prova da gerência de facto.

Como visto, tanto no domínio do CPT como no regime constante na LGT e bem assim no regime jurídico aplicável às dívidas provenientes de coimas, a prova da gerência efetiva do sujeito passivo compete sempre e em primeira linha à Administração Tributária.

Existe, com efeito, no regime do CPT e da LGT uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora, nada se retirando do texto legal em termos de presumir a administração de facto por via da administração de direito. Podemos ter, isso sim, uma presunção judicial, a aferir pelos elementos fornecidos pelas partes, e que o tribunal deve valorar em sede de matéria de facto.

Neste particular, convoque-se o teor do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em acórdão datado de 28 de fevereiro de 2007, no processo n.º 1132/06, cujo sumário, ora, se transcreve:

“I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência.

V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”

Não é, pois, sustentável que caiba ao responsável subsidiário o ónus da prova de que não exerceu a administração de facto.

Conforme expressamente se doutrina no Aresto citado e a cuja fundamentação jurídica se adere:

“ (…) no regime do artigo 13º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa. Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se  a Fazenda não produzir qualquer prova.” (sublinhado e destaque nosso).

Visto o direito, atentemos, ora, no acervo probatório dos autos.

No caso vertente, o Recorrido foi nomeado gerente de direito da sociedade devedora originária em 28 de setembro de 1995, tendo havido renúncia à mencionada gerência a 22 de novembro de 2000.

Pelo que, importa, desde já, relevar que contrariamente ao defendido pelo Recorrente o prazo legal de pagamento das dívidas, ora, objeto de cobrança coerciva não ocorreu, em todas elas, no período que mediou entre a nomeação e a renúncia à gerência. Com efeito, atentando na factualidade, ora, aditada verifica-se que na grande maioria das dívidas revertidas o prazo legal de pagamento voluntário expirou em data posterior à renúncia, logo sem subsunção jurídica na convocada alínea b), do nº1 do artigo 24.º da LGT.

Ademais, como visto, in casu, é aplicável igualmente o regime contemplado no CPT, não obstante o despacho de reversão apenas fazer alusão ao artigo 24.º, nº1, alínea b), da LGT.

De todo o modo, como visto, para efeitos de preenchimento dos pressupostos da reversão é curial a demonstração inequívoca da gestão por parte do gerente de direito, cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica da Administração Tributária.

Sendo que, in casu, o Tribunal a quo entendeu que face à prova carreada aos autos a Administração Tributária não tinha logrado provar a gerência de facto que o Recorrido nega.

E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e corretamente os pressupostos da reversão à realidade fática dos autos e efetuado um correto exame crítico da prova produzida, permitindo-nos concluir pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte do Oponente no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário.

Atentemos, então, nas razões que nos permitem concluir pelo acerto da decisão recorrida.

Para o efeito, importa, desde logo, relevar que o Recorrido ao longo de toda a p.i. nega, de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo a Administração Tributária carreado para os autos elementos de prova que permitam extrair, de forma inequívoca e segura, que o mesmo exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária.

É certo que a Recorrente sustenta que o Recorrido aparece como representante legal da sociedade devedora originária nas declarações de IRC dos exercícios de 1998 e 1999, constando, outrossim, que o mesmo procedeu à assinatura da declaração modelo 22 de IRC referente ao exercício de 1999 da sociedade devedora originária, pelo que tais atos permitem retirar a vinculação societária e a prática de atos de gestão.

Mas a verdade é que, ainda que conste no acervo fáctico dos autos, concretamente, no ponto 8 que “Em 20.07.1999, foi submetida declaração de rendimentos, referente ao IRC dos exercícios de 1998 e 1999, constando na mesma, como representante legal da sociedade devedora originária, o Oponente” e bem assim no ponto 10 que: “A declaração de rendimentos - modelo 22, datada de 27.10.2000, referente a IRC do exercício de 1999, encontra-se assinada pelo ora Oponente, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária”, o certo é que, contrariamente ao sustentado pela Recorrente, tais realidades fácticas não permitem, per se, inferir a gerência de facto, desde logo, por se traduzirem em atos isolados.

Neste particular, atente-se no doutrinado no Aresto do TCA Norte, proferido no processo no processo nº 01210/07.5, de 30 de abril de 2014, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“[N]ão se olvida que no dia 26-03-2004 deu entrada no Serviço de Finanças de Matosinhos ….. um pedido de pagamento em prestações em nome da executada M…, em que o oponente assina, na qualidade de gerente, conforme carimbo aposto - fls. 66-68. Todavia, afigura-se-nos que esse (único) facto provado, e embora possa constituir um indício no sentido do exercício efectivo da gerência por parte do ora Recorrido, por si só, não é suficiente para permitir a conclusão de que o mesmo exerceu a gerência de facto da devedora originária no período em questão. Como se decidiu no acórdão deste TCAN de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO, www.dgsi.pt, “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade…”.

Logo, da assinatura de atos pontuais pelo Recorrido, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade. Ademais, tais declarações apenas remontam aos exercícios de 1998 e 1999, donde sem a abrangência integral dos factos tributários visados nos autos.

De facto, que para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder [4].

É certo, outrossim, que a Recorrente aduz em abono da sua pretensão que do teor da assinatura da Ordem de Serviço e do teor do próprio Relatório de Inspeção Tributária se infere a gerência de facto do Recorrido, encontrando-se, portanto, legitimada a presunção do exercício efetivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade.

Mas a verdade é que atentando na ordem de serviço que credenciou o início de ação inspetiva o que se retira, conforme consta do ponto 7, da matéria de facto é tão-só que: “Em 26.04.1999, o Oponente declarou ter tomado conhecimento da ordem de serviço nº …../1, datada de 30.03.1999, que determinou a realização de ação inspetiva à sociedade devedora originária”, pelo que não se consegue extrapolar a gerência de facto, conforme faz a Recorrente.

De relevar, outrossim, que não logra provimento a alegação da Recorrente contemplada nos pontos 16 e 17 e concatenada com a submissão das declarações de rendimentos pelo Recorrido e com a extrapolação de que sendo a password “ pessoal e intransmissível” então ter-se-á de “[c]oncluir que foi gerente” pois “só nessa qualidade teria acesso quer aos elementos contabilísticos para poder preencher a declaração de rendimentos quer quanto à sua password”.

Desde logo, porque nos encontramos perante inferências sem a devida sustentação documental. Com efeito, não é, de todo, possível extrapolar da mera indicação do Recorrido como representante legal nas declarações de rendimentos modelo 22 dos exercícios de 1998 e 1999 que foi o próprio que as submeteu e muito menos que foi o próprio que procedeu ao seu preenchimento sendo, para o caso vertente, irrelevante a questão da propriedade e intransmissibilidade, aliás argumento nunca antes convocado neste e para este efeito.

O mesmo sucedendo com a alegação da Recorrente decorrente da circunstância de no Relatório de Inspeção Tributária estar contemplado, de forma expressa, a gerência do Recorrido, e isto porque se atentarmos no teor do Relatório de Inspeção Tributária consta tão-só no preâmbulo do aludido relatório no quadro referente à identificação dos administradores/gerentes e outros a identificação do Recorrido e bem assim de David John Wade, e ulteriormente no item concernente à “breve caracterização do contribuinte” a seguinte menção: “A gerência no período de 01-01-99 a 22-11-00, foi exercida por J….. (NIF ….)”, ora, como é bom de ver, tais asserções mais não representam que juízos conclusivos, e que apenas permitem atestar a gerência de direito, nada se inferindo quanto à gerência efetiva do Recorrido.

Ora, em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade provada, é manifesto que a Entidade Exequente não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto. Acresce que da demais documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal apenso, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que o Recorrido exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Porquanto, para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a Administração Tributária não estava legitimada a efetivar a reversão contra o Recorrido devido a falta de prova dos pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº …..351 e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida.

Uma nota final quanto à litigância de má-fé consignada nas contra-alegações. O Recorrido, se bem interpretarmos a sua alegação, aduz que as alegações da Recorrente “raiam” a má-fé, porém não a argui, de forma expressa, não solicitando a condenação enquanto tal, apenas deixa nota sem daí retirar qualquer consequência. Ademais, nem tão-pouco substancia, como era seu ónus de forma e com que fundamentos se pode extrair que a Recorrente tenha atuado com litigância de má-fé. De todo o modo, sempre se dirá que não se aquiesce, de todo, que a Recorrente tenha atuado em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divirja do habitualmente adotado em situações idênticas, conforme legalmente prescreve o artigo 104.º, nº1 da LGT.

Aqui chegados, subsiste apenas por analisar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe.

Notifique.


Lisboa, 05 de março de 2020

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Tânia Meireles da Cunha)

______________________
[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo datado de 04/06/2008, proferido no recurso n.º 179/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[2] vide, designadamente, Acórdãos do Pleno do STA, proferidos nos processos nºs 58/09, e 945/09, datados de 24.03.2010 e 07.07.2010.
[3] cfr., entre outros, o Ac. do STA proferido no processo nº 18268, de 26.04.95.
[4] Sobre o traço distintivo entre gerente de direito e gerente de facto, vide, designadamente, Acórdão proferido pelo TCA Norte, no processo01417/05.0BEVIS, de 16 de abril de 2015