Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1075/05.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA HIERÁRQUICA
DELEGAÇÃO DE PODERES
RATIFICAÇÃO
Sumário:I. Uma das condições de validade dos actos administrativos reside em que ele seja praticado por quem tem competência para o efeito.
II. A competência funcional pode ser exclusiva ou delegada, conforme se permita ou não que o órgão normalmente competente autorize que um outro órgão possa exercer determinados poderes.

III. A ratificação destina-se a sanar invalidades de acto anterior, sanando vícios de competência ou proveniente da preterição de uma formalidade na sua formação, mantendo inalterável o conteúdo do acto, pertencendo o poder de ratificar o acto ilegal ao órgão competente para a prática do acto.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A. – S. I. LIMITADA, tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA referentes aos períodos de tributação dos anos 1999, 2000 e 2001.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a IVA de 1999, 2000 e 2001, por incompetência da diretora Esmeralda Pinto na assinatura do relatório de inspeção.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.

III. A impugnação tem por objeto as liquidações de IVA que resultaram de ação de inspeção realizada pelos serviços de inspeção da direção de finanças de Lisboa.

IV. A douta sentença recorrida julgou a impugnação procedente por considerar existir vício de incompetência na assinatura do relatório de inspeção.

V. A Fazenda Pública não pode conformar-se com a decisão de julgar procedente a impugnação por incompetência da Diretora de Finanças Adjunta, Esmeralda Santos Pinto, por ter assinado o despacho que sancionou o relatório de inspeção em 22-01-2003, não se encontrando naquela data publicado o despacho de nomeação no Diário da República, tendo o mesmo sido publicado no dia 23-01-2003.

VI. Por ser relevante para a decisão da causa, deverá ser aditado aos factos provados que o despacho de nomeação da referida diretora foi publicado no Diário da República de 23-01-2003, bem como que o ofício de notificação do relatório de inspeção tem data de 28-01-2003 (cf artigo 55° da p.i. e doc 11 anexo à p.i.)

VII. Importa salientar que a referida diretora assinou o despacho que sancionou o relatório de inspeção em 22-01-2003, tendo sido nomeada por despacho da ministra das finanças de 10-01-2003, verificando-se assim que existe despacho de nomeação anterior, pelo que não está em causa a validade do despacho de nomeação, mas sim a sua eventual ineficácia por falta de publicação.

VIII. Contudo, como bem refere a sentença, a falta de publicação não gera a sua invalidade, mas antes, mera ineficácia jurídica, sanável por posterior publicação (cf página 22 da sentença).

IX. Não obstante, considera a douta sentença recorrida que a diretora Esmeralda Pinto, nomeada em 10-01-2003, não é competente não obstante o despacho de nomeação tenha sido publicado em 23-01-2003.

X. A nomeação foi efetuada ao abrigo da Lei 49/99, que prevê regras de nomeação de dirigentes aquando da criação de serviços.

XI. Não podendo ser questionada a eficácia relativamente ao destinatário do ato, porquanto no momento em que a notificação do relatório chega ao seu conhecimento, havia já sido publicado em DR a nomeação da referida diretora.

XII. Com efeito, como resulta clara e inequivocamente do ofício de remessa do relatório de inspeção, datado de 28-01-2003, aquando da notificação do relatório de inspeção, a nomeação era já plena de eficácia.

XIII. A situação concreta sub judice é pois totalmente diversa da jurisprudência citada pela douta sentença recorrida quando refere situações em que o despacho não chega a ser publicado, pois no caso concreto a publicação em DR existe - sendo inclusive anterior ao envio da notificação ao sujeito passivo.

XIV. Assim sendo, nem quer se coloca a necessidade de promover a ratificação-sanação.

XV. Em suma, tendo o ato chegado ao conhecimento do interessado após a nomeação da referida diretora, o ato é valido, e é igualmente eficaz porque foi publicado, sendo essa publicação anterior ao momento em que o ato foi levado ao conhecimento do interessado, pelo que aquando da notificação, o ato é valido e eficaz.

XVI. Assim, a existir algum vício na assinatura do relatório, o que apenas por o que se concebe por mera hipótese de raciocínio, o mesmo terá ficado sanado pela publicação, em 23-01-2003, do despacho de nomeação em conformidade com o referido diploma legal, sendo, pois, plenamente eficaz aquando da sua notificação ao sujeito passivo, por ofício datado de 28-012003.

XVII. Atento o exposto, a douta sentença mostra-se proferida em erro de julgamento de facto e de direito com violação das normas do artigo 3°, n° 3 do DL 49/99 e do artigo 130° do CPA.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»

3. A Recorrida, A. – S. I., LDA., apresentou as suas contra-alegações, que se reproduzem ipsis verbis:

«a) No caso sub judice, verifica-se que a Fazenda Pública se limita, em sede de Conclusões, a reproduzir, quase na integralidade, a alegação por si anteriormente aduzida, razão pela qual deverá considerar-se que a mesma não cumpriu o ónus de apresentação das conclusões do recurso (proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação), nos termos do n.° 1 do artigo 639.° do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.° do CPPT;

b) E, também não deve a Fazenda Pública ser convidada a completar, esclarecer ou sintetizar as suas conclusões, nos termos do n.° 3 do artigo 639.° do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.° do CPPT, porquanto, embora o despacho de aperfeiçoamento traduza um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil português (aplicável subsidiariamente ao processo tributário), esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente um rigor e autorresponsabilidade por parte deste;

c) Perante a ausência de conclusões - pois é igual a nada dizer, repetir o que antes se disse na motivação -, deverá este Venerando Tribunal, em sede de apreciação do recurso, rejeitar o mesmo, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 641.° do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.° do CPPT;

d) Sendo a delegação de competência um ato de publicação obrigatória, verifica-se que até tal publicação, o mesmo era ineficaz, razão pela qual os atos praticados ao seu abrigo padeceriam de incompetência relativa (cfr. n.° 2 do artigo 37.° do CPA, lido em consonância com o n.° 2 do artigo 130.° do mesmo diploma). Não obstante, vindo a ser publicado o despacho de delegação, a situação descrita fica sanada, desde que seja assegurada a ratificação dos atos anteriormente praticados;

e) Verificando-se que a publicação do ato de delegação de competências ocorreu em 23.01.2003, tal publicação sanaria quaisquer invalidades decorrentes da ineficácia do ato de delegação até tal publicação - in casu, o despacho proferido a 22.01.2003 [cfr. ponto 11. da matéria de facto dada como provada] -, desde que, aquando da publicação, fossem ratificados todos os atos praticados em data anterior à publicação ter ocorrido - o que não sucedeu;

a) Admitir-se a tese da Recorrente, de que o despacho de nomeação posteriormente publicado e a notificação do Relatório de Inspeção em data posterior ao despacho de nomeação sanam, automaticamente, o vício de incompetência que incide sobre os atos já praticados antes daquela publicação, será admitir que a Administração Pública possa desleixar-se na prática dos atos a que se encontra adstrita (in casu, promover atempadamente a publicação dos atos de delegação e subdelegação de poderes), sem qualquer penalização - o que claramente não foi a intenção do legislador ao estabelecer expressamente que estes tipos de atos tinham de ser publicados para serem eficazes em relação aos seus destinatários;

b) Da leitura conjugada dos artigos 37.°, n.° 2, 130.° e 135.°, todos do CPA, será de concluir que: os atos de delegação de poderes que não sejam publicados em Diário da República são ineficazes, facto que determina a incompetência do autor que o praticou e, em consequência, a anulabilidade do ato - a não ser que o mesmo seja ratificado nos termos do artigo 137.° do CPA -, pelo que, não pode a Recorrida aceitar que a Fazenda Pública faça "tábua rasa" desta obrigação legal (e das respetivas consequências), o que seria manifestamente contra legem;

c) Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser mantida na íntegra, devendo ser negado provimento, por esse motivo, ao Recurso da Fazenda Pública e, em consequência, ser anulado a decisão subjacente ao Relatório de Inspeção Tributária e, consequentemente, as liquidações oficiosas de IVA referentes a 1999,2000 e 2001.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, foi apresentado parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença incorre em erro de julgamento de facto e de direito, por violação do artigo 3.º, n.º 3 do Dec-Lei n.º 49/99, ao ter julgado procedente a impugnação por falta de competência hierárquica da Directora de Finanças que sancionou as conclusões do relatório de inspecção tributária.

A título prévio cumpre apreciar a questão suscitada pela Recorrida, consubstanciada em saber se a Recorrente cumpriu o ónus de alegar e de formular conclusões, nos termos do artigo 639.º do CPC.


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III – QUESTÃO PRÉVIA

A Recorrida nas alíneas a), b) e c) das contra-alegações invoca, em suma, que a Fazenda Pública se limita em sede de Conclusões a reproduzir, quase na integralidade, a alegação por si anteriormente aduzida, não cumprindo com o ónus de apresentação das conclusões, não devendo ser convidada a completar, esclarecer ou sintetizar as suas conclusões, devendo antes o recurso ser rejeitado.

Vejamos.

Conforme resulta dos autos a Recorrente alegou e formulou conclusões ordenadas numericamente, num total de XVII.

Lidas as conclusões, supra transcritas, constata-se que se mostram formuladas de forma clara e sintética e que respeitam as especificações a que alude o n.º 2, do artigo 639.º do CPC.

Assim, não se vislumbra fundamento legal que justifique a rejeição imediata do recurso, nem deficiências para formular convite ao aperfeiçoamento das conclusões (artigo 639.º, n.º 3 do CPC), visto que também não são complexas.

Termos em que improcede a questão prévia de rejeição do recurso formulada pela Recorrida.


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IV - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) A coberto da ordem de serviço 14 203 de 12/09/2001, código PNAIT 62104 e posteriormente alargado para 22 140, critério de seleção C20 a AT, com inicio em 20 de fevereiro de 2002, prorrogada por dois períodos de 3 meses, procedeu a ação inspetiva à Impugnante, que foi concluída em 10 de dezembro de 2002 - cf. resulta de fls. 517 do (processo administrativo) em apenso.

2) A coberto da ordem de serviço 22 560 e 22561 de 20/09/2002, código PNAIT 22 140, critério de seleção E12, foram iniciadas ações inspetivas em 24 de outubro de 2002 e concluídas em 10 de dezembro de 2002 - cf. resulta de fls. 517 do PA em apenso.

3) A Impugnante tem por Objeto social: “importação, exportação, comércio, distribuição, prestação de serviços de material informático e telecomunicações, produção e venda de software, comércio de material de escritório e consumíveis e cursos de formação” - cf. resulta de fls. 518 do PA em apenso.

4) Em IRC, a Impugnante é tributada no regime geral pela atividade de “comércio por grosso de máquinas e material de escritório”, CAE 051 640, área do 11.° Serviço Fiscal de Lisboa, código 3344 - cf. resulta de fls. 518 do PA em apenso.

5) Para efeito de IVA a Impugnante encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal. No exercício de 1999 encontrava-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral - cf. resulta de fls. 518 do PA em apenso.

6) Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 515 e segs. do PA em apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

7) IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS», resulta do RIT:

«A atividade exercida pela A.é o comércio de material informático.

A empresa não dispõe de inventário permanente, nem de qualquer tipo de controlo de stocks, tendo sido solicitado por meio de notificação datada de 07/11/2002 a apresentação dos mapas de controlo de entradas e saídas de existências relativos aos anos de 1999 a 2001.

Em resposta foi obtida a seguinte informação: -Existe o inventário anual. Não temos inventário permanente e, por conseguinte, não existe controle de entradas e saídas de stocksII.

Dada a inexistência de controlo de stocks houve necessidade de uma análise mais pormenorizada às existências.

Com esse objetivo foram solicitados os inventários das existências, a listagem dos códigos de todos os artigos contabilizados e a discriminação das vendas por clientes, dado que estas se encontram contabilizadas na totalidade na conta 21.1-Clientes C/ corrente.

Só após diversos pedidos estes elementos nos foram facultados, e inclusive a discriminação dos clientes foi-nos inicialmente referido que não existia.

Em resultado da análise efetuada apurou-se o seguinte:

8) Quanto ao ano de 1999:

Nos elementos constantes da base de dados do sistema informático da administração fiscal (VIES) verificou-se que a empresa G. – G. I. E. SA sediada em Espanha é simultaneamente cliente e fornecedora da A.

Foram analisadas as respetivas faturas de compra e venda de mercadorias, tendo sido selecionados alguns artigos constantes igualmente nas faturas de compra e de venda. Apresenta-se de seguida o mapa onde consta essa mesma análise, tendo sido apuradas as seguintes margens:

- Margem sobre o preço de venda por produto com base no preço médio de compra/venda;

- Margem sobre o preço de venda por fornecedor/cliente (apenas quando o fornecedor é simultaneamente cliente) com base no preço médio de compra/venda do mesmo produto.

(...)

Na amostragem efetuada foram considerados oito artigos que correspondem a 30,9 % do total de compras do ano de 1999 tendo sido apurados os seguintes factos:

• Os principais fornecedores são muitas vezes simultaneamente clientes, como é o caso da G. e da ICS.

• A estes são compradas/vendidas mercadorias em grandes quantidades, de forma que um reduzido número de operações tem um peso muito significativo no total anual.

Esta situação verifica-se essencialmente, em termos de compras, por parte da ICS e da G. e em termos de vendas por parte da M. e da G.

• As margens apuradas com base no preço médio de compra e venda dos artigos é positiva, embora baixa, para todos eles.

Se tivermos em consideração o preço médio de compra/venda do mesmo artigo ao mesmo fornecedor/cliente verificamos que:

■ A G. apresenta uma margem negativa e bastante distante da margem média do artigo. O que em termos gerais significa comprar o mesmo artigo a um preço significativamente inferior ao que pratica quando o vende para a A.

■ A ICS por seu lado apresenta uma margem significativamente superior à margem média do artigo, ou seja, compra o mesmo artigo que igualmente vende por um preço, regra geral, bastante superior.

• Relativamente ao controlo dos artigos selecionados verificou-se, à exceção de um dos artigos haver omissão em vendas, como se pode observar no quadro a seguir apresentado.

Foi efetuada análise individualizada das compras e vendas de determinados artigos cujos mapas se apresentam de seguida:

(...)

Analisando os mapas podem comprovar-se algumas situações já referidas anteriormente, essencialmente no que se refere à compra/venda dos mesmos artigos à mesma entidade e o peso que muitas vezes um número reduzido destas transações representa no total anual.

Pode igualmente constatar-se a compra de determinados produtos numa determinada data para serem posteriormente vendidos a essa mesma entidade no(s) dia(s) seguinte(s).

Semelhante análise foi efetuada para os seguintes produtos, cujos mapas se encontram em anexo (Anexo 11):

■ Dim 32/100

■ Board Chip Bx Cel

Foi efetuada uma análise individualizada dos principais fornecedores e clientes da A. durante o ano de 1999 tendo sido apurados os seguintes factos:

• G.

Apresenta-se como o maior fornecedor da empresa no ano de 1999, representando 45% do volume total das compras anuais e aproximadamente 12% do volume total das vendas anuais.

Como já foi referido, nas operações efetuadas anualmente com a G. o preço médio de venda é normalmente inferior ao preço médio de compra para o mesmo artigo.

Relativamente aos pagamentos estes eram sempre efetuados através de cheque. Nunca houve quaisquer recebimentos da G. dado que estes eram sempre efetuados por encontro de contas (ver mapa da página 10 do presente relatório). No caso de alguns produtos chegam a ser adquiridos e vendidos no mesmo mês as mesmas quantidades ou aproximadas, como se pode observar da relação compra/venda efetuada para os seguintes produtos e que se passa a apresentar: -DIM 64/100 e CPU 350 Mhz (...)

• ics

No ano de 1999 foi o outro grande fornecedor da A., representando ambos cerca de 73% do volume total das compras anuais.

A empresa possuía instalações na Rua A. S., na rua paralela à sede da A., encontrando-se as mesmas atualmente encerradas.

Este contribuinte não cumpre as obrigações fiscais desde o início da atividade.

Em regra os preços de compra dos artigos adquiridos à empresa ICS são significativamente inferiores aos praticados pelas demais empresas fornecedoras para os mesmos artigos.

Os pagamentos eram efetuados através de cheque não havendo recebimentos, dado que os mesmos eram efetuados por encontro de contas.

(...)

• IAT e A.

A empresa A., durante o ano de 1999 foi fornecedora da A.

Esta empresa nunca procedeu à entrega de declarações.

No ofício que deu origem à presente ação inspetiva (n° 1156 do CLO) constam as faturas n°s 17… e 17… datadas de 22/11/1999 e 06/12/1999 da empresa holandesa IAT às empresas A. e C., respetivamente, com a indicação para a entrega dos bens na Rua A. C. .. B, A. F. – T., que é a sede social da empresa A.

Na ação inspetiva à A. verificou-se que a totalidade desta mercadoria foi posteriormente faturada pela A. à A. (faturas n°s 1.. e 1.. de 30/11/1999 e 07/12/1999).

Em relação a estas faturas apurou-se o seguinte:

■ Fatura n° 1.. de 30/11/1999

Encontra-se contabilizada na A., documento 996 de dezembro do Diário de Operações Diversas.

Foi paga por transferência bancária de 22/11/1999 (data da fatura n° 17... da IAT à A.), documento 884 de novembro do diário de operações diversas.

■ Fatura n° 1.. de 07/12/1999

Não se encontra contabilizada na escrita da A.. Contudo encontra-se registado o seu pagamento, documento 1155 de novembro do Diário de Caixa, cheque n° 571… do B. P.M..

Foi solicitada cópia do cheque ao B. P. M. (Despacho n° 113) com autorização dada por escrito pelo sujeito passivo, tendo-se verificado que o mesmo foi levantado pelo sócio gerente da empresa Sr. P. R.

Inquirido sobre este facto o Sr. P. R. informou-nos que o fornecedor quis o pagamento em dinheiro pelo que o cheque foi levantado e posteriormente depositado numa conta da A.

Assim em notificação datada de 07/11/2002 foi solicitada a apresentação do referido talão de depósito, tendo sido respondido o seguinte - foi exigido o pagamento em dinheiro pelo fornecedor, razão pela qual foi levantado o cheque de 2.973.396$00 pelo sócio gerente desta empresa em virtude de nesse momento o caixa não ter disponibilidade para o fazer\. Este pagamento não se considera comprovado uma vez que não foi apresentado o talão de depósito nem nos foi indicado o n° de conta em que foi efetuado o depósito apesar de solicitado inúmeras vezes.

Da análise ao mapa apresentado de seguida resulta o seguinte:

A A. fatura à A. a um valor inferior ao faturado pela IAT às empresas C. e A.;

- A margem bruta das vendas sobre as compras é negativa e apresenta sempre o mesmo valor (- 10%);

- As empresas C. e A. não cumprem as obrigações fiscais, não apresentando as respetivas declarações ;

- A A. fatura à A. a um preço inferior ao preço de custo, mas como não entrega o IVA que liquida nas faturas, obtêm uma margem positiva de lucro que é sempre de 5,3% (margem bruta s/compras);

(...)

Junta-se cópia em anexo (Anexo 12) das faturas da IAT à A. e à C., das faturas da A. à A. e dos documentos de pagamento.

• M.

Apresenta-se como o principal cliente e adquire geralmente à A. mercadorias em grandes quantidades, seguidas de compras desta sobretudo à G. e à ICS.

9) Quanto ao ano de 2000:

Salientam-se como factos mais importantes os seguintes:

• A G. continua a ser o principal fornecedor;

• OICS deixou de ser fornecedor;

• Os novos fornecedores com maior importância são a F., C. 2..; M…s e a M. (principal cliente em 1999);

• Houve um aumento significativo das transmissões intracomunitárias, sendo o principal cliente a empresa inglesa W. Ltd;

• Os principais clientes no mercado nacional foram a M. (já era o principal cliente em 1999), JPA I. e o J. F. L. D.

Foi feita uma análise a um conjunto de artigos adquiridos no mercado nacional aos principais fornecedores, que permitiu verificar o seguinte:

■ Este reduzido n° de artigos (9) representam 21% do total das compras;

■ Têm um peso significativo no total das compras efetuadas a cada um desses fornecedores;

(...)

De seguida foi feita uma análise às compras dos artigos faturados posteriormente à W., o que permitiu concluir que:

■ Os artigos adquiridos no mercado nacional foram essencialmente vendidos no mercado nacional;

■ Os artigos faturados à W. foram maioritariamente adquiridos no mercado intracomunitário (G.)

J) Quanto ao ano de 2001

No ano de 2001 verificou-se uma alteração na estrutura das compras.

Nos exercícios de 1999 e 2000 as compras foram sensivelmente de 50% no mercado intracomunitário e de 50% no mercado nacional, para passarem a ser em 2001, de 4% e 96%, respetivamente.

Ao nível das vendas houve igualmente uma diminuição acentuada das transmissões efetuadas para o mercado intracomunitário.

E ao nível do mercado nacional verificou-se uma significativa redução do comércio a retalho (vendas a dinheiro),

(...)

Foi efetuada uma análise às existências tendo a amostragem recaído sobre 6 artigos, importando salientar o seguinte:

■ No ano de 2001 os principais fornecedores foram a M…s, a D. e a N. B. representando 49,2 % do total das compras;

■ Os principais clientes foram a S. e o J. P. R, responsáveis por 43,6 % das vendas totais da A.;

■ Os artigos selecionados representam 55 % do total das compras;

(...)

Fazendo uma análise individualizada a dois produtos (CPU 1.5 e CPU 1.7) da amostra e tendo em consideração as transações de maior volume, foi possível efetuar uma correspondência entre as compras e as vendas. O mesmo pode ser observado para os outros artigos se analisarmos o quadro anterior (a negrito).

Assim verifica-se que normalmente na mesma data, as mesmas quantidades são compradas e vendidas. Regra geral compradas à N. B., M….s; D. e I. do outro mundo e vendidas à S., J. P. R. e ao IAT.

(...)

O resumo das compras e vendas da amostra pode ser observado no quadro seguinte, em que foram calculados os preços médios e as respetivas margens.«

K) Em resultado dos factos acima expostos e, tendo ainda em consideração o seguinte:

> A inexistência de controle de stocks;

> Irregularidade nos pagamentos-Existência de cheques emitidos em nome do sócio gerente P. A. R. e que se destinam ao pagamento de mercadorias. Junta-se a título exemplificativo cópia de alguns cheques nessa situação (Anexo 13);

> Irregularidades nos recebimentos - Os recebimentos respeitantes às faturas emitidas para a W. são efetuados por meio de cheque de uma conta nacional, não nos tendo sido explicado de que forma eram rececionados os cheques pela A., conforme ponto III. A do presente relatório;

> Não foram apresentadas as guias de transporte para a maioria das operações efetuadas. No respeitante às transmissões intracomunitárias para todos os CMR's apresentados consta como transportadora a empresa T. que nega ter efetuado qualquer transporte para a empresa A.;

> As margens apuradas por artigos em resultado da análise efetuada às existências nos exercícios de 1999 a 2001 são quase sempre inferiores às margens anuais declaradas;

> Na análise efetuada às existências apuraram-se omissões em vendas;

* Ano de 1999 - página 17; Ano de 2001 - página 36

Junta-se cópia de inventários (Anexo 14)

> As margens anuais declaradas são significativamente inferiores aos valores que a Administração Fiscal (Anexo 15) dispõe para este setor de atividade (CAE 51640), como se pode observar no quadro abaixo;

o lucro tributável dos exercícios de 1999 a 2001 será determinado com recurso à aplicação de métodos indiretos nos termos do n.° 1 do atual artigo 52° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, conjugado com a alínea b) do artigo 87° e alínea a) do n° 1 do artigo 88°, ambos da Lei Geral Tributária.

10) V - CRITÉRIO E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOSII, resulta do RIT:

V.A - IRC

Como foi referido, a determinação do lucro tributável dos exercícios de 1999 a 2001 será efetuada com recurso à aplicação de métodos indiretos.

M) Em matéria do exercício do direito de audição, resulta do RIT:

Nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar da Inspeção Tributária e no prazo estabelecido para o efeito, foi exercido o direito de audição.

Sobre os argumentos invocados pelo Sujeito Passivo em direito de audição (Anexo 17) refere-se o seguinte:

Correções Técnicas

(...)

Métodos Indiretos

O apuramento do lucro tributável dos exercícios de 1999 a 2001 foi efetuado com recurso a métodos indiretos por impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, resultante de irregularidades na organização e execução da escrita da empresa, conforme disposto na alínea b) do artigo 87° e alínea a) do artigo 88° ambos da LGT.

Os factos apresentados do ponto IV do presente relatório inviabilizam o correto apuramento da matéria tributável:

1) Inexistência de Controlo de Stocks

Em termos de stocks apenas nos foram apresentados os inventários anuais, não nos tendo sido apresentado qualquer outro meio de controlo.

— Contudo nos inventários os artigos estão identificados por códigos constando estes igualmente nas faturas emitidas pela empresa.

Foi-nos apresentada a listagem dos códigos de artigos depois de efetuado pedido por meio de notificação, após inúmeros pedidos verbais.

2) Irregularidades no pagamento de cheques ao sócio gerente P. R. destinados ao pagamento de mercadorias

Foram constatadas situações irregulares de pagamentos a fornecedores, factos que não foram justificados no decurso da ação inspetiva nem no direito de audição e que levantai dúvidas quanto à veracidade das operações praticadas.

3) Recebimentos da empresa W.

Os recebimentos foram na sua quase totalidade efetuados por meio de cheque. O sócio gerente da empresa não se recorda de que forma os cheques eram rececionados nem apresentou qualquer meio de prova da sua receção conforme termo de declarações datado de 25/11/2002 (Anexo 7).

Tal situação (envio de cheque por correio e respetivo depósito) será certamente mais morosa do que uma transferência bancária.

4) Documentos de Transporte

Não nos foram apresentados para a maioria das transações efetuadas os respetivos documentos de transporte.

Foi-nos referido que geralmente o que acompanhava a mercadoria era exclusivamente a respetiva fatura.

Relativamente aos CMR's apresentados coloca-se em causa a sua veracidade uma vez que:

• O sócio gerente da empresa T. nega ter efetuado aqueles serviços e explica de que forma os CMR's poderão ter sido obtidos pela A..

• A esta situação acresce que a própria análise dos CMRs apresentados não comprova a receção das respetivas mercadorias (carimbo e assinatura do destinatário no quadro 24-Receção da mercadoria).

5) IAT e A.

No ofício que deu origem à presente ação inspetiva (n° 1156 do CLO) constam as faturas n°s 17026 e 17029 datadas de 22/11/1999 e 06/12/1999 da empresa holandesa IAT às empresas A. e C., respetivamente, com a indicação para a entrega dos bens na Rua A. C. .. B, A. F. – T., que é a sede social da empresa A..

Na ação inspetiva à A. verificou-se que a totalidade desta mercadoria foi posteriormente faturada pela A. à A. (faturas n°s 1.. e 1…de 30/11/1999 e 07/12/1999).

Em relação aos factos descritos resulta o seguinte:

o A A. fatura à A. a um valor inferior ao faturado pela IAT às empresas C. e A.;

o A margem bruta das vendas sobre as compras é negativa e apresenta sempre o mesmo valor (- 10%);

o As empresas C. e A. não cumprem as obrigações fiscais, não apresentando as respetivas declarações;

o A A. fatura à A. a um preço inferior ao preço de custo, mas como não entrega o IVA que liquida nas faturas, obtêm uma margem positiva de lucro que é sempre de 5,3% (margem bruta s/compras);

O sujeito passivo em direito de audição não contesta a situação descrita.

6) Margens por artigo

As margens apuradas por artigo em resultado da análise efetuada às existências são significativamente inferiores às margens anuais declaradas.

Importa sublinhar que as amostragens efetuadas são significativas, reduzindo a possibilidade de não refletirem a realidade:

* Ano de 1999:8 artigos selecionados representando 30,9% do total das compras;

* Ano de 2001:6 artigos selecionados representado 55% do total das compras

A seleção dos artigos teve por base, nomeadamente, importância que estes representam no volume de negócios.

7) Omissões

As omissões apuradas em vendas resultam da análise aos artigos selecionados que são representativos da totalidade das vendas.

O controlo de cada artigo foi efetuado de forma exaustiva tendo sido verificadas todas as compras e todas as vendas.

8) Margens anuais declaradas

Efetivamente as margens anuais declaradas pelo sujeito passivo afastam-se significativamente dos valores que a administração fiscal dispõe para estes anos e para este setor de atividade.

As situações anteriormente descritas compreendem:

- Omissão de Vendas;

- Falta de controlo de stocks;

Irregularidades em recebimentos e pagamentos que põe em causa a veracidade de algumas operações;

Inexistência de alguns documentos comprovativos de transporte de mercadorias (guias de transporte);

- Documentos cuja veracidade se põe em causa (CMR's), o que implica que se coloquem igualmente em causa a veracidade das operações (transmissões intracomunitárias);

- Margens declaradas inferiores às disponíveis na Administração Fiscal.

Estes factos inviabilizam o apuramento e o controlo claro e inequívoco do lucro tributável pelo que o mesmo teve de ser apurado com recurso à aplicação de métodos indiretos.

N) Propuseram os SIT:

Face ao exposto no ponto anterior mantêm-se os valores das correções quer em sede de IRC, quer em sede de IVA.

IRC

Tendo sido determinado o lucro tributável dos exercícios de 1999 a 2001 com recurso à aplicação de métodos indiretos, nos termos do n°1 do artigo 52° do CIRC e alínea b) do artigo 87° e alínea a) do n°1 do artigo 88°, ambos da Lei Geral Tributária, propõem-se os seguintes valores:

1999

1999 2001 (■■■)

11) Sobre o RIT recaiu:

- o parecer de 21/01/2003;

- o parecer do Chefe de Divisão, de 22/01/2003;

- e o despacho de 22/02/2003, do seguinte teor:

«Concordo com os procedimentos adotados no âmbito do IRC e IVA respetivamente para os anos de 1999 a 2001.

As fundamentações com recurso a métodos indiretos mostram-se suficientes, encontram-se verificados os pressupostos estabelecidos nos artigos 52° do CIRC, 87.° e 88.° da LGT, para apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos.

Determino a fixação da matéria coletável com recurso à aplicação de métodos indiretos aos exercícios acima enunciados.

Em relação ao IVA foi o mesmo corrigido nos termos dos artigos 82.° e 84.° do CIVA.

Notifique-se o contribuinte

Remetam-se os documentos de correção e auto de notícia aos Serviços respetivos para o tratamento devido.

Lisboa, 22 de janeiro de 2003 Diretora de Finanças Adjunta

Esmeralda Santos Pinto» - cf. doc.de fls. 514 do PA apenso.

12) A Impugnante, em 28/02/2003, requereu a revisão da matéria tributável determinada por métodos indiretos - cf. doc.de fls. 106 a 134 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

13) O Perito da AT, por um lado, e os Peritos da Impugnante e Independente, por outro, não chegaram a acordo - cf. resulta da ata de fls. 730 do PA em apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

14) Os Peritos apresentaram laudos respetivos, que aqui se dão por reproduzidos - cf. resulta de fls. 732 e segs. do PA em apenso, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

15) Em 20.06.2003, o Diretor de Finanças de Lisboa procedeu à fixação da matéria tributável - cf. doc. de fls.162 a 767 do processo físico que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

16) A Impugnante, 09.09.2004, apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 - cf. doc. de fls. 168 a 206 do processo físico que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

17) Em apreciação dos argumentos da Impugnante foi elaborada a informação de fls.247 e segs. do processo de reclamação graciosa que a qui se dá por integralmente reproduzida.

18) A Impugnante notificada do projeto de decisão exerceu o direito de audição - cf. resulta de fls. 271 e segs. do processo de reclamação graciosa em apenso.

19) Em apreciação dos argumentos da Impugnante foi elaborada e informação de fls. 281 e segs. do processo de reclamação graciosa em apenso.

20) A Impugnante controla os stocks através do inventário anual, dos registos contabilísticos e das faturas emitidas - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

21) A Impugnante possui o inventário anual, mas não possui inventário permanente - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

22) Através do inventário anual existente e da contabilidade da Impugnante é possível apurar o volume de existências de cada ano e efetuar o respetivo cruzamento com as compras e vendas inscritas na contabilidade - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

23) Através do arquivo e registos contabilísticos da empresa é perfeitamente possível apurar qual a circulação de stocks. bem como verificar a correção dos números inscritos no Inventário anual - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

24) O pagamento de cheques ao gerente P. R., destinados ao pagamento de mercadorias ocorreu apenas uma vez e no exercício de 1999 - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

25) O número de conta da A. consta quer da própria fatura n° 1.. (parte inferior, bem como da outra fatura da A. emitida à Impugnante (pág. 140 e 142 do Relatório) quer da própria ficha de fornecedor da A. na posse da Impugnante - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas e do documento n.° 13, junto com a PI.

26) A empresa W., com sede em Londres, efetuou pagamento de uma conta bancária do B. B. em Lisboa e por meio cheque para acelerar as transferências bancárias e o desconto dos cheques - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

27) A Impugnante possui as guias de transporte dos serviços de transporte que contrata, factos que a Administração pôde comprovar através da consulta ao arquivo da Impugnante - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

28) Na atividade da Impugnante a grande maioria do material comercializado é de tamanho e peso reduzido - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

29) Em muitos casos existem em que os bens são transportados por conta dos clientes ou adquirentes da Impugnante - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

30) Quando a mercadoria é expedida para o cliente, a mesma é acompanhada do original do CMR o qual só é (eventualmente) assinado e carimbado pelo adquirente aquando da entrega da mercadoria pela transportadora - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

31) Impugnante possui os duplicados das faturas emitidas aos seus clientes - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

32) Os bens vendidos para clientes residentes noutros Estados membros, designadamente para a G. foram efetivamente recebidos e declarados às autoridades espanholas - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

32) Os transportes para a G. são efetuados por essa empresa e pela empresa L. - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.

33) As expedições de mercadoria para a W. e para a A. C. S. foram faturadas - cf. resulta dos depoimentos das testemunhas.»

Motivação

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


*

2. ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO ASSENTE

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, o qual resulta provado por documento junto aos autos:

34) O Director de Finanças de Lisboa, por despacho de 16/06/2003, publicado do Diário da República nº 175, II Série, de 31/07/2003 [Aviso (extracto) n.º 8116 (2.ª Série)] delegou, entre outros, na Directora de Finanças Adjunta, Esmeralda Francisca Neutel de Sousa dos Santos Pinto, competências próprias, com produção de efeitos a partir de 10/01/2003, ratificando os actos e despachos praticados, com o seguinte teor:

«(…) II – Competências próprias

1 – Nos termos do artigo 62.º da LGT, dos nºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 357/98, de 18 de Novembro, e para efeitos do n.º 2 do artigo 37.º do CPA, delego nos directores de finanças-adjuntos e nos chefes de serviço, nos termos a seguir enunciado, as seguintes competências:

(…)

1.2 – Nas directoras de finanças-adjuntas Esmeralda Francisca de Sousa dos Santos Pinto (…) todas as respeitantes à área funcional da inspecção e ainda:

f) Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 84.º do Código do IVA e dos artigos 87.º a 90.º da LGT:

g) Fixar o IVA em falta, nos termos do artigo 84.º do Código do IVA e dos artigos 87.º s 90.º da LGT, até ao montante de imposto de € 1.000 000 por exercício;

h) Fixar os prazos para audição prévia, nos termos do artigo 60.º, n.º 4, da LGT e artigo 60.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária, e praticar os actos subsequentes até à conclusão do procedimento;

(…)

j) Sancionar os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas pela Inspecção Tributária, nos termos do artigo 62.º, n.º 5, do RCPIT.

(…)

III – Produção de efeitos:

1 – Nos directores de finanças adjuntos Esmeralda Francisca Neutel de Sousa dos Santos Pinto, (…), a partir de 10 de Janeiro de 2003, ficando por este meio ratificados todos os actos e despachos entretanto proferidos sobre as matérias objecto da presente delegação e subdelegação; (…)» (cfr. fls. 2243 a 2244 dos autos de suporte físico).


*

3. DO MÉRITO DO RECURSO

3.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

Na conclusão VI da alegação de recurso, a Recorrente sustenta que deveria constar dos factos provados o despacho de nomeação da Directora de Finanças Adjunta, publicado no Diário da República de 23/01/2003, bem como o oficio de notificação do relatório de inspecção, datado de 28/01/2003, indicando o artigo 55.º da p.i. e doc. n.º 11 junto com este articulado.

Ponderadas, de forma articulada, as conclusões com a fundamentação do recurso, pode concluir-se que a alegação de recurso apresentada pela Recorrente respeitava minimamente as exigências dos artigos 639.º e 640.º do CPC, necessárias para que este Tribunal cumpra com os poderes que lhe estavam atribuídos pelo artigo 662.º do CPC.

Apreciemos, então, se tal factualidade deve der dada como provada.

No que respeita à notificação do relatório de inspecção tributária, é de deferir a pretensão da Recorrente, não só pela consequência que a Recorrente pretende extrair dessa data, que a seu tempo será apreciada, e, ainda, porque um dos fundamentos da impugnação é a caducidade do direito à liquidação, sendo relevante para o seu conhecimento, entre outros factos, a data da notificação do relatório de inspecção tributária.

Quanto ao despacho de nomeação, a Mma. Juiz a quo optou por o transcrever na fundamentação de direito. Embora o despacho de nomeação se mostre suficientemente discriminado e especificado, entendemos que tal prática não é a mais consentânea com a boa prática processual emanada, designadamente dos artigos 607.º, n.º 3 do CPC e 125.º, n.º 1 do CPPT, pelo que, vai ser aditado à matéria de facto assente.

Descarte, procede nesta parte o recurso.


*

3.1.1. Aditamento da matéria de facto

Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, importa ainda aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada:

35) Através de ofício, datado de 28/01/2003, subscrito pela Directora de Finanças Adjunta, Esmeralda Santos Pinto, registado com aviso de recepção, a impugnante foi notificada do seguinte:

«Assunto: Notificação do Relatório de Inspecção Tributária. Notificação da fixação da matéria tributável de I.R.C. com recurso a métodos indirectos. Notificação do apuramento do I.V.A. com recurso a métodos indirectos.

Fica(m) V.a<s) Ex.a(s), por este meio notificado(s):

Nos termos do art.° 77° da LGT e do art.° 61° do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do(s) despacho(s) que sobre ele recaiu(iram), que se anexa(m) como parte integrante da presente notificação.

Nos termos do art.° 53° do C.I.R.C. e dos arts 36° e 38°, n° 1 do C.P.P.T., da fixação da matéria tributável de IRC, apurada por métodos indirectos nos termos previstos nos artigos 87° a 90° da LGT e artigos 51° e 52° do CIRC, no(s) seguinte(s) exercício(s):

Matéria Tributável fixada: (1999) 158.372,19 Euros (2000) 124.786,49 Euros (2001) 200.799,14 Euros

Nos termos do art° 36° e 38° n° 1 do C.P.P.T., da fixação do IVA apurado por métodos indirectos nos termos previstos nos artigos 87° a 90° da LGT e artigo 84° do CIVA, nos seguinte(s) exercício(s):

Imposto em falta (1999) 19.841,99 Euros (2000) 14.824,80 Euros (2001) 27.496,72 Euros

A(s) decisão(ões) tomada(s) referida(s) no(s) ponto(s) anterior(ores) tem (têm) por base os factos, motivos e fundamentos e, bem assim os critérios e cálculos que originaram os valores acima referidos, expressamente desenvolvidos no Relatório da Inspecção Tributária, que faz parte integrante da presente notificação.

Nos termos do art.° 91° da L.G.T. poderá V.a Ex.a, solicitar a revisão da(s) matéria(s) tributável(eis) ou imposto fixado por métodos indirectos, numa única petição devidamente fundamentada, dirigida ao Director de Finanças da 2a Direcção de Finanças de Lisboa, a apresentar no Serviço de Finanças da área da sede no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha esta notificação, com indicação do Perito que o represente (nome, NIF e domicílio fiscal), e, eventualmente, o pedido de nomeação de perito independente nos termos do n° 4 do mesmo artigo.

A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação de imposto (art° 86° n° 3 e art° 95° da Lei Geral Tributária).

Das correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou ao imposto, sem recurso a métodos indirectos, cujos fundamentos constam do Relatório da Inspecção Tributária, que se anexa, como parte integrante da presente notificação, será a breve prazo, notificado da liquidação pelos competentes Serviços da DGCI onde constará indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação.

Da presente notificação das correcções efectuadas e dos fundamentos, não cabe qualquer reclamação ou impugnação.

Com os melhores cumprimentos

A Directora de Finanças Adjunta (…)» (cfr. fls. 51 e segs. dos autos de suporte físico – doc. n.º 11 da p.i.).

36) O despacho de nomeação de Esmeralda Santos Pinto como Directora de Finanças Adjunta, foi publicado no Diário da República n.° 19/2003, Série II, de 2003/01/23, com o seguinte teor:

«Despacho n.° 1366/2003 (2.ª série). - Com entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 262/2002, de 25 de novembro, que criou a Direção de Finanças de Lisboa, encontram-se vagos os lugares correspondentes ao cargo de diretor de finanças-adjunto.

Por forma a assegurar o bom funcionamento e organização dos serviços, e até que esses lugares possam ser providos por concurso, importa, desde já, proceder à nomeação de pessoal com aptidão e experiência profissional adequada ao exercício das respetivas funções.

Assim:

Nos termos no disposto no n.° 9 do artigo 4.° da Lei n.° 49/99, de 22 de junho, nomeio a inspetora tributária principal, do quadro de pessoal da DGCI, Esmeralda Francisca Neutel de Sousa dos Santos Pinto no cargo de diretora de finanças-adjunta da Direção de Finanças de Lisboa. (...)

10 de janeiro de 2003. - A Ministra de Estado e das Finanças, Maria Manuela Dias Ferreira Leite.»


*

3.2. De Direito

Está em causa a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela aqui Recorrida contra as liquidações de IVA de 1999, 2000 e 2001, alicerçada, em síntese, na ilegalidade atinente à falta de competência hierárquica da Directora de Finanças Adjunta que sancionou as conclusões do relatório de inspecção tributária, por não ser hierarquicamente competente para o efeito e por não se ter provado que tal acto haja sido ratificado, ilegalidade que, entendeu, se projecta directamente, com a mesma natureza invalidante, sobre a subsequente liquidação.

A Recorrente discorda da decisão da primeira instância, alegando, em suma, que a directora foi nomeada por despacho de 10/01/2003, anterior à assinatura do relatório de inspecção tributária, e que a falta de publicação gera a mera ineficácia jurídica, sanável por posterior publicação. Mais invoca que aquando na notificação do relatório de inspecção tributária, datado de 28/01/2003, a nomeação já era plena de eficácia, sendo a situação concreta diversa da jurisprudência indicada na sentença, quando refere situações em que o despacho não chega a ser publicado, e que não se coloca a necessidade de promover a ratificação-sanação.

A sentença recorrida apreciou a questão da seguinte forma:

«Estatui o n.° 9, do artigo 4.° da Lei n.° 49/99, de 22 de junho, que nos casos de criação de serviços, o primeiro provimento dos cargos de diretor de serviços e chefe de divisão pode ser feito por escolha, em regime de comissão de serviço por um ano.

Dispõe o n.° 3 do artigo 3.° do citado diploma legal que o despacho de nomeação, devidamente fundamentado, é publicado no Diário da República juntamente com o currículo do nomeado.

Prescreve o artigo 130.° do CPA, na redação então vigente:

1. A publicidade dos atos administrativos só é obrigatória quando exigida por lei.

2. A falta de publicidade do ato, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia.

Como refere AMARAL, Diogo Freitas, com a colaboração de Lino Torgal, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Reimpressão, pág. 388:

«Haverá incompetência em razão da hierarquia quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão, em função do grau hierárquico, nomeadamente quando o subalterno invade a competência do superior, ou quando o superior invade a competência própria do ou exclusiva do subalterno.»

A propósito dos requisitos de eficácia do ato administrativo, escreve o Ilustre Autor, obra citada, pág. 369:

«Por outro lado, temos os casos de publicação — o -ato pelo qual se permite o conhecimento geral por parte de toda a coletividade de um ato, facto ou situaçãoII — ou notificação (...)

Enquanto não for publicado ou notificado (nos casos em que o deva ser, claro), o ato administrativo será ineficaz, não produzirá os seus efeitos — designadamente não será obrigatório para os particulares.»

A propósito da falta de publicação pode ler-se no acórdão do TCAS, de 24/11/2016, proferido no recurso n.° 09828/16, consultável em www.dgsi.pt:

«A competência é conceptualizada como um conjunto de poderes funcionais que a lei confere a um órgão para a prossecução das atribuições da pessoa coletiva pública que integra, assumindo-se como a pedra basilar e de vanguarda do princípio geral da legalidade administrativa. Em consequência, a competência só pode ser definida por lei ou regulamento, sendo imodificável, irrenunciável e inalienável (art°. 29.°, C.P. Administrativo). Não obstante, a crescente flexibilidade da atividade administrativa, fruto da subsidiariedade da atuação dos poderes públicos na sociedade, tem determinado o legislador na adoção de cláusulas gerais de delegação de poderes, afastando um modelo rígido, fechado e inflexível de ordenação da competência de um órgão. (...)

A incompetência pode definir-se como o vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão (cfr. ac.T.C.A.Sul-1a.Secção, 17/6/2004, proc.2976/99; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 10/7/2014, proc.7512/14; ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 4/6/2015, proc.8508/15; M. Caetano, Manual de D. Administrativo, Almedina, 1991,1, pág.499 e seg.; D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.387 e seg.). Perante a prática de um ato administrativo por órgão desprovido de competência para tal, pode o titular do órgão competente promover a sua ratificação-sanação, ato administrativo secundário destinado à sanação do vício gerador da ilegalidade do ato administrativo principal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2a.Secção, 10/7/2014, proc.7512/14; ac. T.C.A. Sul-2a.Secção, 4/6/2015, proc.8508/15; D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.268 e 269; Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2aedição, págs.662 e seg.). (...) Sendo que, face ao disposto no art°.130, n°.2, do mesmo diploma legal, a falta de publicidade do ato, quando legalmente exigida, implicava a sua ineficácia.»

Deste modo e, atendendo a tudo o que ficou dito, a falta de publicação do despacho de nomeação da Sra. Diretora da Finanças não gera a sua invalidade mas, antes, mera ineficácia jurídica, sanável por posterior publicação.

Sucede que, enquanto ineficaz, o despacho de nomeação não produz quaisquer efeitos jurídicos.

O mesmo é dizer, que, os atos praticados pela nomeada ao abrigo de tal despacho devem ser considerados como se a nomeação pura e simplesmente não existisse, dado que a publicação marca o início de produção de efeitos do ato.

(…)

As regras da competência territorial procedimental são regras de cumprimento obrigatório, sendo que o seu desrespeito inquina de ilegalidade o ato praticado, precisamente por o mesmo ter sido praticado por órgão hierarquicamente incompetente, conduzindo a que o mesmo fique sujeito a ser anulado com tal fundamento.

Ora, no caso em análise, está assente, por um lado, que a Diretora de Finanças que sancionou as conclusões do relatório de inspeção não era hierarquicamente competente para o efeito, por outro, não vem alegado nem provado que tal ato haja sido ratificado posteriormente.

A ratificação/sanação tem que ocorrer por via de ato expresso, pelo órgão com competência para o efeito, nos termos do artigo 137.° do CPA.

Além disso, e como resulta do artigo 63° do RCPIT, há uma clara distinção entre os atos procedimentais de inspeção e a liquidação subsequente que se funda no relatório com origem nessa mesma inspeção, prevendo-se mesmo que a competência para a realização da inspeção não seja coincidente com a que é legalmente atribuída para a emissão da liquidação do imposto.

Assim, devendo o ato de ratificação/sanação consistir num ato expresso com esse preciso sentido, uma vez, que, se trata de suprimir a ilegalidade que afeta um ato primário praticado pela entidade incompetente, e tratando-se de um ato secundário que versa sobre anterior ato ilegal, não é suficiente a emissão da liquidação com base no relatório da inspeção, uma vez, que, em si mesma não incorpora a vontade expressa de harmonização do anterior ato ilegal com a ordem jurídica — neste sentido o Ac, do STA, de 23/03/2017, recurso n.° 0901/16, consultável em www.dgsi.pt.

Em suma, a patente ilegalidade atinente à falta de competência hierárquica (incompetência relativa) da Sra. Diretora de Finanças que sancionou as conclusões do relatório de inspeção tributária, projeta-se diretamente, com a mesma natureza invalidante, sobre a subsequente liquidação.»

Vejamos, então.

As competências específicas da Direcção Geral dos Impostos são as indicadas no artigo 2º do Dec.-Lei nº 366/99, de 18 de Setembro (entretanto revogado pelo Dec.-Lei nº 81/2007, de 29 de Março), onde se incluiu o exercício da acção de inspecção.

De acordo com Diogo Freitas do Amaral, competência é o conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas colectivas públicas (in Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3ª Edição, Almedina, pág. 776).

Trata-se, assim, de uma questão em tudo similar aos limites da jurisdição dos tribunais.

Na situação dos autos, a incompetência arguida pela impugnante e declarada pela sentença recorrida contende com a competência em razão da hierarquia, isto é, com a competência da Directora de Finanças Adjunta para em 22/01/2003 sancionar o relatório final de inspecção tributária.

Ora, uma das condições de validade dos actos administrativos reside em que ele seja praticado por quem tem competência para o efeito.

A incompetência do órgão que proferir a decisão do procedimento constitui um vício de violação de lei, susceptível de conduzir à anulação da decisão, e existe incompetência em razão da hierarquia, quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico (cfr. artigos 133.º a 135.º do CPA).

Em regra, o vício de incompetência para a decisão implica a anulação, porque só ocorre nulidade nos casos previstos na lei.

Nos termos do n.º 5, do artigo 10.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), salvo disposição expressa em contrário, a competência do serviço determina-se no início do procedimento.

De acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 84.º do Código de IVA (na redacção aplicável), a aplicação de métodos indirectos cabe ao director de finanças da área do domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou ao funcionário a quem ele tiver delegado essa competência.

Por sua vez, o artigo 62.º, n.º 6 do RCPIT estatui que o relatório de inspecção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como sancionamento superior das suas conclusões.

Das normas citadas retira-se que a competência para sancionar as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária dos autos pertencem ao director de finanças.

A competência funcional pode ser exclusiva ou delegada, conforme se permita ou não que o órgão normalmente competente autorize que um outro órgão possa exercer determinados poderes.

A competência, bem como a possibilidade da sua delegação e subdelegação há-de resultar sempre da lei (cfr. artigos 35.º e 36.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo).

Por sua vez, o artigo 37.º n.º 2 do CPA estatui que os actos de delegação e subdelegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República, sancionando-se com a ineficácia a falta de publicidade, quando exigida (cfr. artigo 130.º n.º 2).

Com efeito, a delegação de poderes é um acto praticado intuitu personae e apenas tem eficácia com a sua publicação no Diário da República.

O artigo 62.º da Lei Geral Tributária estatui:

1 – Salvo nos casos previstos na lei, os órgãos da administração tributária podem delegar a competência do procedimento no seu imediato inferior hierárquico.

2 – A competência referida no número anterior pode ser subdelegada, com autorização do delegante, salvo nos casos em que a lei o proíba.

Tal poder, como se viu, pode ser delegado e subdelegado mas esses actos de delegação e subdelegação estão sujeito a publicação no Diário da República sob pena de ineficácia (arts. 37.º n.º 2 e 127.º, n.ºs 1 e 2 do CPA), ou seja, a produção dos efeitos do acto de delegação e subdelegação estão dependentes da publicação.

Conforme resulta do probatório, o relatório final de inspecção foi assinado pelo inspector tributário interveniente na acção de fiscalização e sobre o qual pronunciou-se o chefe da equipa através do competente parecer (cfr. ponto 11 do probatório).

A Directora de Finanças Adjunta de Lisboa, Esmeralda Santos Pinto, proferiu em 22/01/2003, despacho de concordância com os procedimentos adoptados no âmbito do IRC e IVA, constantes do relatório final de inspecção e determinou a fixação da matéria colectável com recurso à aplicação de métodos indirectos (cfr. ponto 11 do probatório).

O despacho de nomeação da Directora de Finanças Adjunta foi publicado em 23/01/2003 no Diário da República, ou seja, um dia depois do despacho que sancionou o RIT (ponto 36 do probatório)

E o ofício, datado de 28/01/2003, pelo qual a impugnante foi notificada do relatório de Inspecção Tributária, mostra-se assinado pela mesma Directora (cfr. ponto 35 do probatório).

Atento que nas referidas datas ainda não tinha sido proferido despacho de delegação de competências do director de finanças em Esmeralda Santos Pinto, poderíamos concluir que o despacho que sancionou o relatório de inspecção tributária estaria ferido de duas ilegalidades, uma orgânica e outra relativa a preterição de formalidade legal.

Com efeito, no que respeita ao despacho de nomeação da directora de finanças adjunta incorreu-se na preterição posterior à nomeação da formalidade obrigatória de publicação do repectivo despacho, visto que a publicação só ocorreu no dia seguinte à pratica do acto em crise nos presentes autos, e em incompetência relativa (incompetência em razão da hierarquia), por a competência para a prática do acto pertencer ao director de finanças, e nessa data ainda não tinha sido proferido despacho de delegação de competências.

Porém, o despacho de delegação de competências na directora de finanças adjunta ocorreu em 16/06/2003, com ratificação dos actos praticados desde 10/01/2003, onde se incluiu o despacho de 22/01/2003, que sancionou as conclusões do RIT.

Assim sendo, não acompanhamos a afirmação inserta na sentença recorrida de que «(…) não vem alegado nem provado que tal acto haja sido ratificado posteriormente.», por o despacho de delegação de competências, não só ter sido proferido, como também constar dos autos.

Conforme decorre dos autos, na sequência de notificação realizada pelo Tribunal a quo, a Fazenda Pública veio juntar aos autos cópia do despacho de delegação de competências do Director de Finanças na Directora de Finanças Adjunta, Esmeralda Santos Pinto, no qual o director de finanças, ratificou todos os actos e despachos praticados por aquela a partir de 10/01/2003, razão que levou este Tribunal ad quem a aditar oficiosamente tal factualidade aos factos dados como assentes (cfr. ponto 34 do probatório).

Na verdade, a Mma. Juiz a quo não considerou o despacho de delegação de poderes do Director de Finanças, de 16/06/2003, publicado no Diário da República, com produção de efeitos desde 10/01/2003, ratificando os actos e despachos entretanto praticados pela aludida Directora de Finanças Adjunta, cujo texto já se encontrava junto aos autos à data da prolação da sentença.

Os artigos 79.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 137.º do CPA (na redacção aplicável) permitem a ratificação dos autos anuláveis.

A ratificação destina-se a sanar invalidades de acto anterior, sanando vícios de competência ou proveniente da preterição de uma formalidade na sua formação, mantendo inalterável o conteúdo do acto, pertencendo o poder de ratificar o acto ilegal ao órgão competente para a prática do acto.

«Ratificação-sanação é o acto pelo qual o órgão competente decide sanar um acto anulável antes praticado, mantendo o seu conteúdo decisório, mas suprindo as ilegalidades formais ou procedimentais que o viciam, inclusivamente quanto à competência, assim transformando um acto ilegal noutro válido perante a ordem jurídica.» (Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.º Edição, 1965, Coimbra Editora, pág. 557; no mesmo sentido vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol II, 7.ª Reimpresão da Edição de 2001, págs. 474 a 476).

Como ponderam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim «Tradicionalmente, a ratificação (-sanação) é o acto através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência (relativa) de um acto da autoria de um órgão incompetente.

(…)

Deve entender-se que a ratificação não é restrita à sanação do vício da incompetência, como o sugere, aliás, o n.º 3 do preceito legal: inclui-se no conceito, portanto, a sanação dos restantes vícios não atinentes ao conteúdo do acto (porque se tratará então de uma reforma, conversão ou de uma revogação por ilegalidade), ou seja, as invalidades formais e procedimentais, quando estas sejam superáveis (nesse momento post acto).

A ratificação, para efeitos do Código, será assim o acto através do qual o órgão competente para a prática de um acto administrativo procede à sanação de um vício seu, relativo à respectiva competência, forma ou formalidades: é o caso, por exemplo, do acto praticado sem a fundamentação legalmente exigida, que pode ser objecto de uma ratificação posterior, praticando-se fundamentadamente.» (in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª Edição, Actualizada, Revista e Aumentada, nota II ao artigo 137.º, págs. 663 a 664).

Deste modo, o despacho de 22/01/2003 da directora de finanças adjunta é válido, por ter sido ratificado pelo órgão competente, que retroagiu os efeitos da ratificação a data anterior à prática do acto, salvando assim os efeitos já produzidos por esse acto ilegal (artigo 137.º, n.º 4 do CPC).

Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 18/09/2019, proferido no processo n.º 01198/13.3BEPRT 0693/17 (Reforma de acórdão) – disponível em www.dgsi.pt/.

Importa que se deixe expresso que não desconhecemos que sobre a questão colocada no presente recurso já este Tribunal ad quem se pronunciou, em acórdão de 11/02/2021, no âmbito do processo n.º 1074/05.3BELSB (disponível em www.dgsi.pt/), referido pelo Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, estando em causa o mesmo relatório de inspecção tributária, a mesma decisão de fixação da matéria tributável em sede de IRC e de correcções em sede de IVA, dos anos de 1999 a 2001, com recurso a métodos indirectos, com a diferença que os presentes autos respeitam ao IVA e o supra identificado processo a IRC, e as sentenças recorridas também idênticas.

O identificado arresto concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida por esta ter incorrido em erro de julgamento ao ter considerado procedente o vício de incompetência do acto tributário que sancionou as conclusões do relatório de inspecção tributária praticado pela directora de finanças adjunta, no entendimento que «A anulação do acto tributário, no quadro circunstancial concreto, com base na falta de publicação concomitante do despacho de nomeação do autor do acto de aprovação do relatório inspectivo, quando o mesmo foi notificado ao contribuinte em momento posterior à referida publicação seria desproporcionada, por desadequada, desnecessária e excessiva (artigo 266.º, n.º 2, da CRP; e artigo 5.º, n.º 2, do CPA) face ao fim tido em vista com a publicação do acto de nomeação, que é o de promover o conhecimento pelos interessados do titular do órgão competente para decidir sobre determinada matéria ou para a prática de certos actos. Ora, no caso concreto, esse conhecimento por parte da interessada ficou inteiramente assegurado com a notificação do relatório inspetivo aprovado pelo órgão competente (Acórdão n.º 383/2005/T. Const.—Processo n.º 9/2005). Nestes termos, sopesadas as normas e valores jurídicos em presença no caso concreto, não se deve concluir pela anulação do ato tributário.»

Acompanhamos o sentido da decisão do acórdão proferido no aludido processo n.º 1074/05, mas já não a sua fundamentação, sendo de realçar que na apreciação feita nesse arresto não foi considerado a existência do despacho de delegação de competências próprias do director de finanças na directora de finanças adjunta e a ratificação dos actos e despachos praticados desde 10/01/2003 pela directora de finanças adjunta. Caso tal despacho inexistisse, então, alinhavamos com o sentido da declaração de voto de vencida da relatora inicial do acórdão, mas no entendimento de que o despacho de 22/01/2003 seria inválido por a autora nesta data não possuir os necessários poderes delegados, nos termos dos artigos 35.º a 40.º do CPA (na redacção aplicável), e, se assim fosse, confirmava-se a sentença sob recurso nos presentes autos.

Ora, tendo o director de finanças por despacho de 16/06/2003, delegado tempestivamente na directora de finanças adjunta competências próprias, designadamente, as relativas à correcção do IVA por aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 84.º do CIVA (na redacção aplicável), com efeitos a partir de 10/01/2003, ratificando todos os actos e despachos entretanto proferidos (cfr. ponto 34 do probatório), sanou as ilegalidades do acto administrativo praticado pela directora de finanças adjunta em 22/01/2003 (cfr. artigo 137.º, n.º 3 do CPA).

Portanto, os actos praticados no procedimento inspectivo estão conforme os normativos legais supra citados, bem como o acto do Director de Finanças de Lisboa, enquanto titular de poderes dispositivos sobre a matéria, pelo que há que concluir pela validade do acto praticado em 22/01/2003 pela directora de finanças adjunta.

Face ao exposto, não pode a decisão da primeira instância ser mantida.

Assim, merece provimento o recurso.

Aqui chegados, há que indagar, de acordo com o artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável nos termos do artigo 2º, alínea e) do CPPT, se no presente processo se poderá exercer a regra da substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido, quanto às questões que foram julgadas prejudicadas.

O conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, mas não se pode substituir por completo aquele, no julgamento de tal matéria (cfr. artigo 662.° do CPC).

Acontece que o Tribunal a quo não fixou matéria factual relativamente a todas as questões suscitadas, designadamente nulidade da inspecção tributária e caducidade do direito à liquidação; a impugnante suscitou ainda a falta de pressupostos para o recurso a métodos indiciários e a errônea quantificação da matéria colectável.

Assim, não tendo o tribunal a quo fixado na sentença recorrida matéria relevante para decidir as restantes questões suscitadas, os presentes autos terão de baixar à 1.ª Instância para o cabal julgamento da matéria de facto e ser proferida nova decisão em conformidade.


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Conclusões/Sumário:

I. Uma das condições de validade dos actos administrativos reside em que ele seja praticado por quem tem competência para o efeito.

II. A competência funcional pode ser exclusiva ou delegada, conforme se permita ou não que o órgão normalmente competente autorize que um outro órgão possa exercer determinados poderes.

III. A ratificação destina-se a sanar invalidades de acto anterior, sanando vícios de competência ou proveniente da preterição de uma formalidade na sua formação, mantendo inalterável o conteúdo do acto, pertencendo o poder de ratificar o acto ilegal ao órgão competente para a prática do acto.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para conhecimento das questões que ficaram prejudicadas, fazendo-se o necessário julgamento da matéria de facto, e prolação de nova sentença.

Custas pela Recorrida.

Notifique.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2022



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta