Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1729/20.2BELSB-S1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 03/18/2021 |
| Relator: | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
| Descritores: | EFEITO DO RECURSO; NULIDADE DA DECISÃO CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; LEI N.º 118/2019, DE 17 DE SETEMBRO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; ADOÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS |
| Sumário: | I. A adoção de providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do recurso, prevista no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA, reporta-se apenas aos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, prevista no n.º 3, e não aos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2. II. A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se perante erro de raciocínio lógico, em que a conclusão a que se chegou na decisão seja de todo incompatível com as premissas em que assenta. III. No quadro legal anterior à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, aplicava-se o efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA com a impugnação do ato de adjudicação, caso em que não podia ter lugar a adoção de medidas provisórias prevista no artigo 103.º-B do CPTA. IV. No atual quadro legal, apenas se verifica o efeito suspensivo nas ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos em que seja aplicável o denominado período de standstill, devendo a ação ser instaurada no prazo de 10 dias úteis após a notificação da adjudicação aos concorrentes. V. Nos casos em que não é atualmente aplicável o efeito suspensivo automático, designadamente por a ação ter sido instaurada após o término do referido prazo, o autor pode requerer a adoção de medidas provisórias. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO S....., S.A. e M....., S.A., interpuseram ação de contencioso pré-contratual contra o Município de Torres Vedras, impugnando a decisão de adjudicação referente a concurso público para aquisição de sistemas de informação rodoviária em tempo real. Citada, a contrainteressada L....., Lda., requereu a não aplicação do efeito suspensivo automático, por não se verificar o requisito da tempestividade para essa aplicação. A entidade demandada requereu o levantamento do efeito suspensivo automático, sustentando que o diferimento da execução do ato de adjudicação é gravemente prejudicial para o interesse publico e gerador de consequências claramente desproporcionadas. As autoras apresentaram respostas, pugnando pela aplicação do efeito suspensivo e, caso assim não se entenda, pelo decretamento de medidas provisórias. Por despacho de 12/02/2020, o TAC de Lisboa concluiu que a presente ação não suspendeu os efeitos do ato de adjudicação impugnado, ficando prejudicado o conhecimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático e julgou improcedente o incidente de adoção de medidas provisórias. Inconformadas, as autoras interpuseram recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “(…) A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a 02.12.2020, a qual julgou improcedente o incidente de adoção de medidas provisórias suscitado B. Entende o tribunal de que se recorre que, no caso sub iudice, não se aplica o regime previsto no artigo 103.º-B, do CPTA, uma vez que a ação de contencioso pré-contratual em questão tem por objeto “a impugnação do ato de adjudicação praticado”… C. Ora, teria o Tribunal a quo razão na conclusão a que chega caso o regime jurídico em vigor e aplicável fosse o decorrente da redação inicial do artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro… D. Sucede que a referida redação foi alterada pela Lei n.º 118/2019, resultando do artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, em vigor, e aplicável à situação em concreto visto que, de acordo com a atual redação do referido artigo, o autor pode deduzir o incidente destinado a serem decretadas medidas provisórias (a)) nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique o efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A e (b)) nas ações de contencioso pré-contratual em que tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A – cfr., neste sentido PEDRO MELO, in Comentários à legislação processual administrativa – 4ª Edição, 2020, p. 1017; E. Ora, no caso em apreço, foi o próprio tribunal a quo que decidiu que o efeito suspensivo automático não se aplica à presente ação de contencioso contratual, uma vez que as autoras deram entrada da ação de contencioso pré-contratual depois de decorridos 10 dias úteis a contar da notificação do ato de adjudicação, F. Sendo, assim, manifesto que as autoras podem recorrer ao incidente destinado à aplicação de medidas provisórias, previsto no artigo 103.º-B, uma vez que o referido pedido de decretamento das medidas provisórias se enquadra na parte inicial do artigo 103.º-B, n.º 1; G. Manifestamente, o Tribunal a quo foi induzido em erro pela anotação do MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em que sustentou a sua decisão, visto que a mesma (admitindo-se que o tribunal de tal não se tenha apercebido) respeita a uma redação que não é a que está em vigor e que se aplica ao caso em apreço, na qual se dizia expressamente que o legislador não permitia o recurso às medidas provisórias nos casos em que as ações de contencioso pré-contratual tivessem por objeto a impugnação de atos de adjudicação; H. Note-se que, no caso em apreço, se não forem adotadas as medidas provisórias, designadamente que impeçam a celebração do contrato e/ou impeçam a execução do mesmo, é manifesto que, dessas circunstâncias, resultará a constituição de uma situação de facto consumado (a celebração e/ou a execução do contrato), a qual impedirá a retoma do procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário (que, no caso, deveria ter sido aqui recorrente); I. E assim acontecerá porque, face ao curto prazo de execução do contrato (120 dias – cfr. cláusula 4.ª do Caderno de Encargos), entretanto, se não forem adotadas as medidas provisórias no âmbito da ação de contencioso pré-contratual pendente, o contrato não só será celebrado, como provavelmente será executado (até na íntegra) antes de ser proferida a sentença do referido processo, J. E, depois de celebrado o contrato e executado o mesmo (ainda que seja apenas uma parte, mas que será significativa), mesmo que a ação de contencioso pré-contratual seja julgada procedente, nessa fase os custos financeiros que resultarão da retroação da anulação do contrato, em resultado da invalidade do ato de adjudicação a ser proferido na ação principal, traduzidos na restituição das contraprestações efetuadas pelo adjudicatário e nos encargos com o lançamento de um novo procedimento, tornarão inviável a restauração natural; K. Assim, a medida provisória requerida, de não celebração do contrato e/ou de não execução do mesmo é, como nos parece manifesto, necessária para evitar que o Agrupamento composto pelas autoras fique definitivamente afastado da possibilidade de obter a adjudicação, gerando uma situação de facto consumado, que impossibilita a retoma do procedimento; L. Situação esta de facto consumado que é, por si só, geradora de danos, desde logo porque se permitirá a produção de efeitos de um ato de adjudicação que é ilegal e a consequente execução de um contrato que é também ilegal!; M. Em contrapartida, a não adoção das medidas provisórias gerará danos imediatos e futuros na esfera jurídica das autoras, quer devido à receita que deixarão de receber, face à não execução do contrato (como efeitos imediatos), quer devido ao know how que deixarão de sedimentar, quer devido à não inclusão da execução da obra em causa no seu portefólio, o que, em muito, prejudicará a posição estratégica das autoras neste setor e no mercado em geral (seja perante potenciais futuros clientes, seja perante os principais fabricantes, com os inerentes impactos negativos em negociações futuras que daí resultarão e que assumem ainda maior proporção numa fase de manifesta escassez de obras públicas, fortemente agravada pelo impacto da pandemia Covid 19); N. A adjudicação (ilegal) deste contrato a um dos principais concorrentes no sector tem, pois, efeitos irreversíveis e influenciará negativamente (e irreversivelmente) a posição de mercado das autoras, causando-lhes sérios e graves prejuízos no curto, médio e longo prazo visto que são contratos e projetos desta natureza que contribuem, de forma decisiva, para a boa imagem, credibilidade, reconhecimento e notoriedade das empresas, e que permitem potenciar e “capitalizar” outros negócios; sendo tudo, pois, fatores essenciais à sua subsistência e crescimento; O. Acresce ainda que um contrato desta relevância é igualmente importante para ganhar experiência e para efeitos de ganho de capacidade técnica em concursos futuros na medida em que são cada vez mais frequentes os procedimentos de contratação (concursos limitados por prévia qualificação) em que são exigidos determinados requisitos de “capacidade técnica” (tais como: o número de contratos equivalentes, um determinado valor mínimo desses contratos, a experiência em contratos semelhantes, etc); P. Tudo requisitos que o contrato objeto dos presentes autos consegue preencher na totalidade, e que as autoras, sem poderem executar o mesmo, ficarão igualmente impedidas de alcançar, sendo certo que a via indemnizatória não é, nem pode ser, um instituto para compensar ilegalidades, e muito menos é consentâneo com a sobrevivência das autoras, cuja atividade é executar contratos e não receber indemnizações; Q. Em contrapartida, para o réu e para a contrainteressada não resultarão danos decorrentes da adoção das medidas provisórias, na medida em que, se a ação de contencioso pré-contratual for porventura improcedente (o que apenas se admite num exercício meramente académico), aqueles apenas se depararão com o adiamento da celebração e/ou execução do contrato, R. Adiamento esse que, por um lado, se não ocorrer retirará o efeito útil da ação principal (constituindo o único meio para evitar que as autoras fiquem definitivamente arredadas da possibilidade de obter a adjudicação do contrato) mas que, por outro lado, não será um adiamento muito prolongado, considerando que estamos perante um processo de natureza urgente e que, consequentemente, não terá um desfecho demasiado prolongado no tempo, visto estar vocacionado para uma decisão final mais célere; S. Acresce que, para o Município, a adoção das medidas provisórias terá a vantagem de o impedir de executar um ato ilegal (com os inerentes encargos que resultarão do dever de indemnizar o Agrupamento, no seguimento da procedência da ação de contencioso pré-contratual pendente); T. Neste ponto, o interesse das autoras é coincidente com o interesse público, uma vez que o cumprimento cabal dos procedimentos de contratação legalmente previstos constitui condição para que, posteriormente, o financiamento decorrente dos fundos comunitários seja concedido e os pedidos de pagamento sejam aceites, aprovados e processados (sendo, assim, a única forma de assegurar o referido interesse público); U. Deste modo, é manifesto que o tribunal a quo, ao ter decidido no sentido de que as medidas provisórias previstas no artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, não se aplicam ao caso em apreço, por estarmos perante uma ação de contencioso pré-contratual que tem por objeto um ato de adjudicação, motivando, assim, a improcedência do incidente deduzido, violou expressamente o disposto no referido artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, impondo-se que a decisão em causa seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o referido incidente, sendo aprovadas as medidas provisórias que impeçam a celebração do contrato e/ou a consequente execução do mesmo. Sem prejuízo, V. Nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPA, “é nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível”, vicio de que padece a sentença de que se recorre, atendendo à manifesta contradição entre o teor da norma transcrita pelo tribunal a quo e em que fundamenta a sua decisão – o artigo 103.º-B, do CPTA, na sua atual redação – e a decisão proferida, no sentido de não serem decretadas as medidas provisórias requeridas; W. Não entendendo estar em causa uma nulidade da sentença, a sentença deveria ser retificada a mesma, nos termos previstos no artigo 614.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, atento o manifesto lapso de que padece.” Mais requereram as autoras a adoção de providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do presente recurso, nos termos previstos no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA. Não foram apresentadas contra-alegações. * Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir: - da adoção de providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do presente recurso, nos termos previstos no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA; - da nulidade do despacho recorrido, atenta a contradição entre o teor da norma transcrita pelo Tribunal a quo e em que fundamenta a sua decisão - o artigo 103.º-B do CPTA, na sua atual redação - e a decisão proferida, no sentido de não serem decretadas as medidas provisórias requeridas; - do erro de julgamento ao decidir-se que as medidas provisórias previstas no artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, não se aplicam ao caso em apreço. Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida consideraram-se assentes os seguintes factos: A) Em 22 de Abril de 2020, pelo MUNICÍPIO DE TORRES VEDRAS, foi aberto concurso público, com publicação de anúncio no JOUE, para a “Aquisição de Sistemas de Informação Rodoviária em Tempo Real - PAMUS 08” – cfr. doc. nº 1 e 2, juntos com a contestação da Entidade Demandada. B) Em 03 de Setembro de 2020 os concorrentes foram notificados da decisão de adjudicação – cfr. PA_47. C) Em 10 de Setembro de 2020 as aqui AA. M....., S.A. e S....., S.A. apresentaram impugnação administrativa – cfr. doc. nº 7, junto com a contestação da Entidade Demandada. D) Em 15 de Setembro de 2020 foram os concorrentes notificados para, querendo, se pronunciarem em 5 dias quanto à impugnação administrativa apresentada pelas AA. – cfr. PA_60. E) Em 22 de Setembro de 2020 a aqui Contra-interessada L..... apresentou a sua pronúncia – cfr. PA_61. F) Por deliberação de 29 de Setembro de 2020, a Câmara Municipal de Torres Vedras indeferiu a impugnação administrativa apresentada pelas AA.. – cfr. doc. nº 8, junto com a contestação da Entidade Demandada. G) A presente acção deu entrada em juízo em 02 de Outubro de 2020 – cfr. p.i./fls. 1, do SITAF. * II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se: - devem ser adotadas providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do presente recurso, nos termos previstos no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA; - é nulo o despacho recorrido, atenta a contradição entre o teor da norma transcrita pelo Tribunal a quo e em que fundamenta a sua decisão - o artigo 103.º-B do CPTA, na sua atual redação - e a decisão proferida, no sentido de não serem decretadas as medidas provisórias requeridas; - ocorre erro de julgamento ao decidir-se que as medidas provisórias previstas no artigo 103.º-B, n.º 1, do CPTA, não se aplicam ao caso em apreço. a) do efeito do recurso e adoção de medidas provisórias Pretendem as autoras que, ao abrigo do disposto no artigo 143.º, n.º 4, do CPTA, sejam adotadas providências adequadas destinadas a evitar ou a minorar os danos decorrentes do efeito devolutivo do recurso, “as quais passam, inevitavelmente, pela proibição (durante a pendência do recurso) da celebração do contrato e/ou da consequente execução do mesmo”. Vejamos se lhes assiste razão. O artigo 143.º, n.º 1, do CPTA, impõe como regra geral terem os recursos ordinários efeito suspensivo da decisão recorrida. Excecionam-se no respetivo n.º 2 os recursos interpostos de intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias – al. a), decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes – al. b), decisões respeitantes ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático – al. c), decisões respeitantes ao pedido de adoção das medidas provisórias, a que se refere o artigo 103.º-B – al. d), e decisões proferidas no mesmo sentido da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo – al. e). O n.º 3 prevê a possibilidade de ser requerido efeito devolutivo ao recurso, quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos. Ao passo que o n.º 4 prevê, no caso da atribuição de efeito devolutivo ao recurso poder causar danos, que o tribunal determina a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação de garantia destinada a responder pelos mesmos. Em complemento, prevê o n.º 5 que deve ser recusada a atribuição de efeito devolutivo ao recurso quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos. Como se afigura evidente, do citado n.º 2 do artigo 143.º expressamente resulta solução legal contrária à sustentada pelas autoras, posto que aí se prevê que têm efeito devolutivo os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares, sem distinguir se está em causa a recusa ou aceitação da providência. Ora, dos normativos que norteiam a atividade interpretativa da lei, constantes do artigo 9.º do Código Civil, resulta a regra geral de que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, non distinguere debemus), sendo certo que, no caso vertente, não se vislumbra qualquer fundamento para disputar o acerto da solução consagrada, cf. n.º 3 do citado artigo. Não têm aplicação ao caso os citados n.º 4 e n.º 5 do artigo 143.º do CPTA, que apenas se reportam aos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, prevista no n.º 3, prevendo-se em seguida, e sequencialmente, os casos em que os danos decorrentes dessa atribuição se mostrem inferiores (n.º 4) ou superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição (n.º 5). Neste sentido, observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha que “a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo”, pois a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso decorre das “razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (…) [e de nas ] decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, pág. 1103). Vejam-se ainda, decidindo neste sentido, os acórdãos do STA de 30/10/2014, proc. n.º 0681/14, de 17/09/2015, proc. n.º 0622/15, de 03/12/2015, proc. n.º 0550/15, de 13/10/2016, proc. n.º 0865/16, do TCAN de 18/06/2009, proc. n.º 1411/08.9BEBRG-A, de 16/09/2011, proc. n.º 973/11.8BEPRT, e de 26/07/2019, proc. n.º 109/19.7BEMDL, e do TCAS de 12/09/2019, proc. n.º 2000/18.5BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt/). Pelo exposto, improcede a pretensão das autoras, devendo manter-se o decidido quanto à presente questão pelo Tribunal a quo. b) da nulidade do despacho recorrido Sustenta a recorrente que a decisão recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, atenta a manifesta contradição entre o teor da norma transcrita pelo tribunal a quo e em que fundamenta a sua decisão – o artigo 103.º-B, do CPTA, na sua atual redação – e a decisão proferida, no sentido de não serem decretadas as medidas provisórias requeridas. Da aludida decisão consta a seguinte fundamentação: “O regime das medidas provisórias tem uma finalidade instrumental e de natureza cautelar, produzindo efeitos provisórios em relação à decisão que vier a ser proferida no âmbito do processo de contencioso pré-contratual, da qual é seu incidente. Como ensinam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA na caracterização deste mecanismo legal, “A par do efeito suspensivo automático previsto no artigo l03.º-A, que se aplica à impugnação de atos de adjudicação, o presente artigo 103.º-B, para os processos que não tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação, permite a adoção de medidas provisórias dirigidas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser produzida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário. O âmbito de aplicação do presente artigo está, assim, sujeito a uma dupla delimitação: por um lado, ele aplica-se apenas no âmbito do contencioso pré-contratual urgente, tal como ele se encontra delimitado pelo n.º 1 do artigo 100.º, sendo que os litígios referentes aos procedimentos de formação de contratos por ele não abrangidos se regem pelo regime de atribuição de providências cautelares previsto no artigo 132.º; por outro lado, o regime em presença só é aplicável a litígios referentes a outro tipo de atos pré-contratuais que não o ato de adjudicação, como, v.g., os documentos conformadores do procedimento ou o ato administrativo de exclusão de candidatos. A conjugação destes dois factores permite extrair a seguinte conclusão: (…), uma vez que o efeito suspensivo automático se aplica à impugnação de atos de adjudicação e as medidas provisórias respeitam a processos que não tenham por objecto atos de adjudicação, não é possível qualquer interligação entre os dois regimes, e, por conseguinte, não há lugar à suspensão automática quando seja impugnado um qualquer outro ato pré-contratual que não o ato de adjudicação, nem é possível pedir a adoção de uma medida provisória, nos termos do artigo 103º-B, no âmbito de processos de impugnação de atos de adjudicação, cujo regime de tutela provisória se esgota no efeito suspensivo automático do artigo 103º-A.” – cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª ed., p. 849. Assim, tendo presente que as medidas provisórias respeitam a processos em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.º-A do CPTA, tem-se por evidente que o pedido das AA. carece de enquadramento no regime do artigo 103º-B, do CPTA, visto que na presente acção de contencioso pré-contratual está em causa a impugnação do acto de adjudicação praticado no âmbito do concurso público para a “Aquisição de Sistemas de Informação Rodoviária em Tempo Real - PAMUS 08”, lançado pelo Município de Torres Vedras.” O artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, prevê ser nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Como é comummente percebido, esta nulidade pressupõe um erro de raciocínio lógico, em que a decisão se mostra contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, pressupondo que se atingiu conclusão de todo incompatível com as premissas em que o julgador assentou (cf., vg, o acórdão do STJ de 26/10/2010, proc. n.º 1874/05.4TCSNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt). Não é suficiente um erro de subsunção dos factos à norma jurídica, mas antes uma construção viciosa da sentença em que “os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” (Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 2010, p. 56). Como bem se vê do trecho citado, inexiste aqui qualquer erro de raciocínio lógico, em que a conclusão a que se chegou seja de todo incompatível com as premissas em que assenta. A invocada contradição assenta num alegado erro do Tribunal a quo na aplicação da lei no tempo, mas do qual não decorre uma decisão incompatível com as suas premissas. Poderá consubstanciar erro de julgamento, mas não a predita nulidade. Improcede também a presente questão suscitada pelas recorrentes. c) do erro de julgamento Para as recorrentes, o invocado erro assenta, resumidamente, no seguinte: - como se decidiu que o efeito suspensivo automático não se aplica à presente ação de contencioso contratual, é manifesto que as autoras podem recorrer ao incidente destinado à aplicação de medidas provisórias, previsto no artigo 103.º-B do CPTA; - a ausência de adoção de medidas provisórias que impeçam a celebração do contrato implicará a constituição de uma situação de facto consumado, geradora de danos, com a provável execução do contrato antes de ser proferida sentença, ficado as autoras definitivamente afastadas da possibilidade de obter a adjudicação; - ao passo que para o réu e para a contrainteressada não resultarão danos decorrentes da adoção das medidas provisórias, na medida em que, se a ação de contencioso pré-contratual for porventura improcedente apenas se depararão com o adiamento da celebração e/ou execução do contrato. A Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, veio modificar regimes processuais no âmbito da jurisdição administrativa e tributária, designadamente estabelecendo novas regras no âmbito do contencioso pré-contratual, em particular quanto ao efeito suspensivo automático destas ações e quanto à adoção de medidas provisórias. Com este diploma, o artigo 103.º-A do CPTA, referente ao efeito suspensivo automático, passou a ter a seguinte redação: “1 - As ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes, fazem suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. 2 - Durante a pendência da ação, a entidade demandada e os contrainteressados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo previsto no número anterior. 3 - O autor dispõe de sete dias para responder, seguindo-se, sem mais articulados e no prazo máximo de 10 dias, a decisão do incidente pelo juiz. 4 - O efeito suspensivo é levantado quando, ponderados todos os interesses suscetíveis de serem lesados, o diferimento da execução do ato seja gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos.” Já ao artigo 103.º-B, referente à adoção de medidas provisórias, foi conferida a redação que segue: “1 - Nas ações de contencioso pré-contratual em que não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior, o autor pode requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário. 2 - O requerimento de adoção de medidas provisórias é processado como um incidente da ação de contencioso pré-contratual, devendo a respetiva tramitação ser determinada pelo juiz, no respeito pelo contraditório e em função da complexidade e urgência do caso. 3 - As medidas provisórias são recusadas quando os danos que resultariam da sua adoção se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas.” Ao contrário do anterior quadro legal, em que a impugnação judicial suspendia automaticamente os efeitos do ato de adjudicação, no quadro atual apenas se verifica esse efeito suspensivo nas ações de contencioso pré-contratual que tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos em que seja aplicável o denominado período de standstill, devendo a ação ser instaurada no prazo de 10 dias úteis após a notificação da adjudicação aos concorrentes. Nos demais casos, pode o autor requerer a adoção de medidas provisórias, por não ser aplicável o efeito suspensivo automático ou quando o mesmo tenha sido levantado – n.º 1 do artigo 103.º-B. Também aqui ao contrário do anterior quadro legal, em que era consensual não ter lugar aquele efeito suspensivo com a impugnação de ato pré-contratual que não o ato de adjudicação, nem ter lugar a adoção de medidas provisórias perante a impugnação de ato de adjudicação. No caso em apreciação, entendeu a Mma. Juiz a quo não ser aplicável o efeito suspensivo automático, por não ter a presente ação de contencioso pré-contratual sido instaurada no aludido prazo de 10 dias úteis. Afigura-se, pois, evidente o erro de julgamento quando, no passo seguinte, se justifica a improcedência do incidente de adoção de medidas provisórias com a circunstância de na presente ação de contencioso pré-contratual estar em causa a impugnação de um ato de adjudicação. Ou seja, na decisão recorrida aplica-se o regime do artigo 103.º-A na redação da Lei n.º 118/2019, e o artigo 103.º-B na redação anterior a esse regime legal, ocasionando um patente desencontro de regimes na solução legal dada ao caso. Era, pois, aplicável a nova redação do artigo 103.º-B do CPTA, podendo as recorrentes, na medida em que não era aplicável o efeito suspensivo automático, requerer a adoção de medidas provisórias. No tocante a este requerimento, afigura-se-nos inelutável que recaía sobre as autoras, ora recorrentes, em conformidade com a regra decorrente do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos subjacentes à necessidade de adoção das medidas provisórias. Como se viu, o artigo 103.º-B pressupõe a demonstração do risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário. E bem assim que os danos resultantes da adoção de tais medidas não seriam superiores aos que poderiam resultar da sua não adoção, cf. n.º 3 do artigo 103.º-B do CPTA. Como notam Ricardo Pedro e António Mendes Oliveira (Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Anotação à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e às medidas legislativas em matéria de Covid-19, 2020, pág. 318), a qualificação como incidente implica a aplicação do regime vertido nos artigos 292.º a 295.º do CPC, e em particular a imposição ao autor de, no requerimento em que se suscite o incidente, desde logo oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova – artigo 293.º, n.º 1. Ora, as autoras / recorrentes não requereram a adoção de medidas provisórias na petição inicial da presente ação, nada evidentemente aduzindo que o pudesse consubstanciar. Vieram, sim, a apresentar um articulado que intitularam resposta aos pedidos de levantamento do efeito suspensivo da ação, quando a contrainteressada sustentara que esse efeito simplesmente não era aplicável. De todo o modo, nota-se que no referido articulado as ora recorrentes defendem a aplicação do efeito suspensivo automático e no mais sustentam singelamente: - a não se entender de aceitar a aplicação do efeito suspensivo, manter-se-ia o direito ao decretamento das medidas provisórias, artigo 16.º do articulado; - a manutenção do efeito suspensivo, seja automático, seja decretado no âmbito das medidas provisórias, mostra-se absolutamente necessária, constituindo aliás o único meio para evitar que as autoras fiquem definitivamente arredada da possibilidade de obter a adjudicação do contrato, por via da constituição de uma situação de facto consumado, artigo 18.º do articulado; - até porque a ré já antecipou ser sua pretensão iniciar desde já a execução do contrato, o que retiraria qualquer efeito prático à sentença a proferir, artigo 20.º do articulado. Como se vê, as recorrentes limitaram-se a elencar afirmações genéricas e que reproduzem os normativos legais, sem o que evidentemente se pode ter por cumprido o ónus de alegação e prova supra referido. Ademais, nem sequer vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto, tomada no âmbito do presente incidente, nem podia, quando as recorrentes não tinham invocado factos que consubstanciassem a adoção de medidas provisórias. Por outro lado, a invocação de novas circunstâncias fácticas nesta instância recursiva não pode aqui ser conhecida, por se tratarem evidentemente de questões novas, de que aqui, por natureza, não cabe tratar. Em suma, será de negar provimento ao recurso e manter a decisão de improcedência do incidente de adoção de medidas provisórias, ainda que com distinta fundamentação. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão de improcedência do incidente de adoção de medidas provisórias, ainda que com distinta fundamentação. Custas a cargo das recorrentes. Lisboa, 18 de março de 2021 Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Catarina Vasconcelos têm voto de conformidade com o presente acórdão. (Pedro Nuno Figueiredo) |