Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1184/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRAZO PARA RECLAMAR GRACIOSAMENTE EM CASO DE INCAPACIDADE MULTIUSO
Sumário:1. O atestado médico que atesta uma incapacidade Multiuso não equivale a um simples documento já existente e que se pode requerer em qualquer serviço do Estado.
2. A incapacidade atestada também não constitui um facto preexistente de que o contribuinte pudesse, ou devesse, tomar conhecimento em data anterior.
3. Nem o documento existia antes de a junta médica o ter emitido nem o facto subjacente era do conhecimento do contribuinte antes de a junta médica o ter declarado.
4. Embora seja o documento que atesta a incapacidade do contribuinte esta não deixa de ser também um facto - no sentido jurídico do termo, facto é tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real.
5. Como tal, a incapacidade da contribuinte, o seu rasto temporal bem como o respectivo grau, são factos que apenas foi possível conhecer quando a junta médica os fixou, ou declarou, em documento.
6. O que permite a dedução de reclamação graciosa no prazo previsto no n.º 4 do art.º 70º CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Autoridade Tributária e Aduaneira
RECORRIDO: J... e mulher M...
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Sintra que julgou procedente a ação deduzida contra a decisão proferida em recurso hierárquico que confirmou a decisão de extemporaneidade proferida na reclamação graciosa.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A É interposto o presente recurso jurisdicional da douta sentença, com data de 23.11.2017, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por J... e M..., e anulou o despacho proferido pela Directora de Serviços de IRS em 16.06.2009, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por extemporaneidade.
B Para tanto, entendeu, em síntese, que o Atestado Médico em causa constitui um documento superveniente, na medida em que só na data em que foi emitido é que foi possível certificar a incapacidade que era portadora a aqui Recorrida, aplicando-se ao caso dos autos, o disposto no n°4 do art. 70° do CPPT que refere que em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n°1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
D Em causa está saber se o Atestado Médico passado em 22.04.2008 constitui ou não um documento superveniente para efeitos de aplicação do prazo de reclamação graciosa previsto no n°4 do art. 70° do CPPT.
E O prazo de reclamação do n°4 do art. 70° do CPPT é um prazo excepcional face ao prazo- regra do n°1, previsto exactamente para prevenir situações de efectiva impossibilidade de obtenção de um documento ou de conhecimento tardio de um facto.
F Com efeito, o alargamento excepcional do prazo de reclamação a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter um documento ou conhecimento de um facto seja compaginável com o desconhecimento do motivo por que só nessa data foi obtido.
G Tal impossibilidade aferir-se-á pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, só ocorreu posteriormente à data do facto, por razões que se prefigurem como atendíveis.
H Atendíveis serão as razões das quais resulte a impossibilidade de determinada pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
I É nessa medida que o n° 4 do art. 70° do CPPT refere que o prazo de reclamação se contará a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento e não da data em que o documento foi obtido.
J Apenas o reclamante está em condições de demonstrar por que não pôde obter o documento antes e por motivo alheio à sua vontade, cabendo-lhe assim o ónus de provar a superveniência do documento relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação, de acordo com a regra de repartição do ónus de prova previsto no art. 342° do Código Civil, como, com pertinência, se entendeu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.06.2011, proferido no processo n° 03428/09,
K A douta sentença recorrida considerou, no entanto, que "só aquando da submissão da ora Autora a junta médica, na mesma data em que foi emitido o referido Atestado Médico, ou seja, em 22 de Fevereiro de 2008, é que lhe foi possível obter aquele atestado”, e "estando a competência para avaliar a incapacidade atribuída a juntas médicas, nunca poderiam os AA assinalar a situação de deficiência da autora, na Declaração de IRS, referente ao ano de 2006, pois tal pressupunha, (...), a indicação do grau de deficiência”.
L Nos presentes autos não está em causa, ou sequer se pretende exigível a indicação da deficiência da Autora ou do grau de incapacidade, na declaração mod. 3 de IRS do ano de 2006. Também não estão em causa “obrigações acessórias impostas aos contribuintes” ou "deveres de colaboração” que contemplassem deveres de comunicação prévia da impossibilidade de obter previamente aqueles elementos, como refere a sentença sob recurso
M O que está em causa é a prova da própria superveniência do atestado.
N E nenhuma referencia a tal prova consta na reclamação graciosa e no recurso hierárquico, ou ainda, na petição inicial.
O Com efeito, para beneficiarem do prazo de reclamação excepcional do n° 4 do art. 70° do CPPT, recaía sobre os Recorridos a alegação e a prova do direito que entendessem assistir- lhes, nos termos do art. 342°, n° 1, do Código Civil que refere "Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito que alega".

P A propósito refere o acima citado Acórdão do TCA Sul, em ponderada doutrina, Sempre que tal superveniência do documento for invocada como fundamento do direito a tal prazo, torna-se necessário, por parte de quem invoca tal prazo a prova do facto que consta do documento mas também a prova da própria superveniência deste, uma vez que tal superveniência é facto constitutivo do direito de beneficiar de um prazo de reclamação contado do momento em que ao reclamante se tornou possível obtê-lo”.

Q A data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento" a que se refere o n° 4 do art. 70° do CPPT não tem correspondência literal ou semântica com “a data do documento”, ao contrário do que decorre da interpretação desenvolvida na sentença recorrida.

R As duas expressões têm alcance jurídico distinto, como decorre dos princípios de interpretação das regras e os princípios gerais de interpretação no art. 9° do Código Civil(CC), aplicável ex vi o art. 11° da LGT.

S A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada(1), não podendo o intérprete considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso(2), devendo presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube expressar o seu pensamento em termos adequados(3).

T Atender-se apenas e tão-só ao “facto consubstanciado na submissão a junta médica da autora, que coincide com a data de emissão do atestado médico” como prova suficiente da superveniência de um Atestado Médico para efeitos do prazo de reclamação previsto do n° 4 do art. 70° do CPPT corresponde, salvo melhor, à aceitação, sem qualquer limite temporal, de um atestado a certificar uma capacidade reportada a data anterior, independentemente de se demonstrar a possibilidade, ou não, de o documento poder ter sido obtido anteriormente.

U Pela mesma ordem de razões, ou seja, por não estar demonstrado, quer ao longo de todo o procedimento administrativo quer nos presentes autos, o motivo da superveniência do Atestado Médico, não “impendia sobre a administração tributária o poder-dever de convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa, à luz do disposto no art. 78°, n° 4 da LGT”, que refere que o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

V Na verdade, ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, nenhuma prova ou indício existe nos autos que desse como verificado o requisito exigido para a convolação em revisão oficiosa do n°4 do art. 78° da LGT, a ausência de um comportamento negligente da ora Recorrida.

W Por todo o exposto, em síntese, a douta sentença recorrida, ao anular o despacho impugnado, considerando tempestiva a reclamação graciosa interposta pelos Recorridos ao abrigo do disposto no n°4 do art. 70° do CPPT, incorreu em errónea interpretação e aplicação daquela norma aos factos trazidos aos autos, pelo que deve ser revogada.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a ação administrativa especial deduzida contra o despacho de indeferimento que decidiu ser extemporânea a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante mulher visando o reconhecimento da incapacidade de 60% decidida pela junta médica em 22/2/2008 reportada a agosto de 2006.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
1. Na declaração de IRS, MODELO 3, n.° 3549-I3811-57, referente ao ano de 2006, em nome dos AA, não foi preenchido o quadro 3-A, "DEFICIENTES- GRAU/F.A." (cfr. cópia da referida declaração de IRS, a fls. 16 do PA).
2. A liquidação de IRS n.° 2007 ..., de 11/07/2007, referente ao ano de 2006, com o registo CTT n.° RY4…PT, foi recebida em 06/09/2007 (cfr. cópia da referida liquidação de IRS e '"print" do portal dos CTT relativo à entrega do aludido registo, a fls. 59 e 60 do PA).
3. Em 22 de fevereiro de 2008, foi emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, no qual foi fixada a M…, uma incapacidade permanente global de 60%, desde agosto de 2006 (cfr. fls. 28 do PA anexo aos autos).
4. Em 22 de abril de 2008, foi apresentada reclamação graciosa por M…, solicitando a revisão oficiosa da liquidação de IRS 2006, face à incapacidade atribuída em fevereiro de 2008 (cfr. fls. 27 do PA).
5. Em 23 de setembro de 2008, foi elaborada informação por Técnico do Serviço de Finanças Sintra-2, na qual consta que a reclamação graciosa é intempestiva, por ter sido, "apresentada fora do prazo estabelecido no artigo 70.°, n.° 1, do CPPT, conjugado com o artigo 140.°, n.° 1, alínea a), do Código de IRS. Nos termos do art. 140.° n.° 1 al. a) do Código de IRS o prazo da reclamação conta-se a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação. O registo postal, referente à notificação da liquidação, reporta-se ao dia 30-07-2007, pelo que a mesma se considera efetuada em 02-08-2007 (...). O prazo para apresentação da reclamação iniciou-se em 03-08-2007, devendo a mesma ter sido apresentada no prazo de 120 dias conforme previsto no art. 70. ° n.° 1 do CPPT, pelo que o prazo para a sua apresentação terminou em 03-12-2007, tendo a petição sido apresentada em 22-o4-2008" (cfr. fls. 41 do PA).
6. Na sequência da informação mencionada no ponto anterior, foi proferido despacho, em 23 de setembro de 2008, pela Chefe de Finanças, em regime de substituição, do Serviço de Finanças Sintra-2, de indeferimento da reclamação, por extemporaneidade, incorporando a fundamentação plasmada no parecer proferido na mesma data pelo Adjunto, do mesmo Serviço de Finanças, de intempestividade da reclamação "por ter sido apresentada fora do prazo estabelecido no art. 70.°, n.° 1, do CPPT, conjugado com o art. 140.°, n.° 1, alínea a), do Código de IRS e o determinado na Circular 15/92 de 14/09 da DSIRS, e a audição do reclamante não justifica a alteração do projecto de decisão, pelo que sou de parecer que se mantenha o indeferimento do pedido por intempestividade, no entanto, superiormente, melhor se decidirá" (cfr. cópias dos mencionados despacho e parecer, a fls. 43 do PA).
7. Em 28 de outubro de 2008 foi interposto recurso hierárquico, da decisão referida no ponto anterior, por J... e M..., defendendo a tempestividade da reclamação porquanto "no caso concreto dos autos o prazo não deve contar- se nos termos do n.° 1 do art.° 70.° do CPPT mas sim de acordo com o previsto no n.° 4 deste mesmo normativo" e "foi apenas em 22 de Fevereiro de 2008, coma emissão do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso...que ficaram reunidas as condições legais para que os recorrentes pudessem fazer valer o seu direito ao benefício consignado no art.° 16.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação ao tempo de 2006" (cfr. fls. 46 a 58 do PA).
8. Em 16 de junho de 2009 foi proferido despacho, pela Diretora de Serviços do IRS, ao abrigo de subdelegação de competências, de concordância com os fundamentos vertidos na informação n.° 1410/09, datada de 27 de maio de 2009, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 77 a 80 do PA).
9. Em 21 de outubro de 2009, foi intentada, por J... e M..., ação administrativa especial, contra o despacho proferido pela Diretora de Serviços do IRS, pedindo a sua anulação (cfr. comprovativo a fls. 1 dos autos e PI de fls. 2 a 13 dos autos).
10. A circular 15, emitida pela Direção de Serviços do IRS, em 14/09/1992, prevê, no número 3, que "Se os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevantes referirem que aquela expressamente se reporta a data anterior à da respectiva emissão poderão os mesmos fundamentar a interposição de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra liquidações de IRS respeitantes a anos anteriores, desde que ainda decorra prazo legal para o efeito" (cfr. cópia da referida circular a fls. 40 do PA).

1.2. Factos não provados
Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, nem há outros factos que devam considerar-se como relevantes para a decisão da causa.

*
1.3. Motivação
A decisão da matéria de facto provada nos números 1 a 10, do ponto 1.1. supra, efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, bem como nos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos, não impugnados e sobre os quais não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, conforme especificado nos números da factualidade dada como provada.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A A. M… foi sujeita a junta médica em 22 de fevereiro de 2008 tendo sido emitido atestado médico de incapacidade multiuso no qual foi fixada uma incapacidade permanente global de 60% desde agosto de 2006.

Em 22 de abril de 2008 apresentou reclamação graciosa solicitando a revisão oficiosa da liquidação de IRS relativa a 2006, face à incapacidade que lhe foi fixada. Tal reclamação foi indeferida com fundamento na sua extemporaneidade, por ter sido apresentada fora do prazo previsto no art.º 70º n.º 1 do CPPT. Interposto recurso hierárquico, com fundamento em que o prazo se contaria nos termos previstos no n.º 4 do 70º CPPT e não o seu n.º 1, foi o mesmo indeferido por despacho de 16/6/2009. Na informação que suportou o despacho de indeferimento referiu-se que “...o direito ao benefício fiscal, mais concretamente isenção de parte dos rendimentos, nasce apenas no momento em que é emitido o documento confirmativo, vigorando a partir da data da sua emissão, i.e, o atestado médico confirmativo da incapacidade não constitui documento superveniente tal como pretendem os contribuintes peticionários, entendendo-se que esse caráter reporta-se a documento que não foi possível obter em tempo útil, sendo certo que não se vislumbra nos autos terem sido iniciados quaisquer procedimentos, diligências insistentes para a obtenção do documento que atesta a incapacidade”.

Interposta ação administrativa especial pedindo a anulação do despacho, foi a mesma julgada procedente por sentença proferida a fls. 69 e segs., reflectindo o MMº juiz, sobre a aplicação do n.º 4 do art.º do CPPT o seguinte:
“...decorre do disposto no artigo 70.°, n.° 1, do CPPT, que a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no artigo 102.°, n.° 1, do CPPT.
Ressalve-se que, no presente caso, é ainda aplicável o disposto no artigo 140.°, n.° 4, alínea a), do CIRS, na redação em vigor à data das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e de rejeição do recurso hierárquico, onde se previa que o prazo de reclamação se contava a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
Todavia, o legislador contemplou, no artigo 70.°, n.° 4, do CPPT, uma exceção à forma de contagem do prazo previsto no número 1 do mesmo normativo, ao prever que, "Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n. ° 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto".
O primeiro segmento desta norma não oferece grandes dúvidas, ou seja, que o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso é documento superveniente à entrega

da Declaração de IRS, referente ao ano de 2006, é uma evidência, já a parte final da norma constitui o cerne do presente litígio.
Assim importa aferir, convocando as regras gerais de interpretação, consagradas no artigo 9.°, do Código Civil, qual a interpretação consentânea com a letra da lei e com o pensamento legislativo.
Contudo, para se poder considerar na interpretação o pensamento legislativo o mesmo tem de possuir um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, sendo certo que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Deste modo, em matéria de interpretação da lei, o intérprete tem de respeitar, em obediência às regras consagradas no artigo 9.° do Código Civil, a reconstituição do pensamento legislativo a partir dos textos legais, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a mesma foi aplicada.
Debruçando-nos sobre o caso em apreciação, questiona-se, em primeiro lugar, quando é que se tornou possível aos reclamantes obter o referido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso.
Ora, convocando o disposto no artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 202/96, de 23 de outubro, na redação em vigor à data da emissão do Atestado Médico em questão, "Sem prejuízo das competências específicas das juntas de saúde dos ramos das Forças Armadas e da Polícia de Segurança Pública e das juntas médicas da Guarda Nacional Republicana, a avaliação de incapacidade compete a juntas médicas para o efeito constituídas".
Assim, resulta com clareza deste dispositivo legal que a competência para proceder à avaliação de incapacidades pertence a juntas médicas para o efeito constituídas, sublinhando-se ainda que, face ao disposto no artigo 4.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 202/96, de 23 de outubro, na redação então em vigor, findo o exame, o presidente da junta médica passará o respetivo atestado médico de incapacidade, o qual obedecerá ao modelo constante do anexo II deste diploma.
Portanto, daqui resulta que, no caso em apreço, só aquando da submissão da ora Autora a junta médica, na mesma data em que foi emitido o referido Atestado Médico, ou seja, em 22 de fevereiro de 2008, é que lhe foi possível obter aquele atestado.
Por conseguinte, a operatividade do segmento final da norma que vimos analisando (artigo 70.°, n.° 4, do CPPT), basta-se, in casu, do ponto de vista subjetivo, com o facto consubstanciado na submissão a junta médica da Autora, que coincide com a data de emissão do atestado médico.
Pretender, para o acionamento da parte final da norma, que os AA tivessem dado conhecimento prévio da situação de deficiência da Autora à Autoridade Tributária e Aduaneira e que, aquando da apresentação do referido atestado, informassem quanto à impossibilidade de o terem obtido no decurso do prazo normal de reclamação, com expressa menção às diligências desenvolvidas para o efeito, traduz a interpretação daquela norma em termos que a mesma não consente.
E não consente porque tal implicaria que subjacente ao segmento final da norma estivesse uma sanção e consequentemente, a necessidade de aferir sobre a eventual conduta negligente dos AA, sendo por demais evidente que, estando a competência para avaliar a incapacidade atribuída a juntas médicas, nunca poderiam os AA assinalar a situação de deficiência da Autora, na Declaração de IRS, referente ao ano de 2006, pois tal pressupunha, como resulta do facto provado número 8, do ponto 1.1-Factos provados supra, a indicação do grau de deficiência.
Acresce que, estando a prova da situação de deficiência dependente da comprovação através de Atestado Médico de Incapacidade, também de nada valeria aos AA informarem previamente a Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo aqui incontornável, mais uma vez, a repetição do argumento plasmado no ponto anterior, ou seja, os AA não poderiam, porque tal lhes estava legalmente vedado, concretizar o grau de deficiência da Autora. De resto, no estrito âmbito das obrigações acessórias impostas aos contribuintes e aos deveres de colaboração , além de não contemplarem aqueles deveres de comunicação prévia e da impossibilidade de obter previamente aqueles elementos, ainda assim a sua não observância não determinavam, nos termos da lei, a preclusão do direito ao referido benefício, já que este , como vimos, não se encontra sujeito a reconhecimento pela Administração.
Donde, não era lícito à Administração Tributária retirar da norma em causa (artigo 70.°, n.° 4, do CPPT), sentidos que a mesma não admite, tanto mais que, face ao disposto no artigo 55.° da LGT, deve exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.
Recorde-se que estes princípios possuem consagração constitucional, no artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa, sendo princípios estruturantes e basilares da atuação dos órgãos e agentes administrativos, tendo como balizas de um lado o interesse público e do outro o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
De resto diga-se, quanto ao argumento esgrimido pela ED, atendendo ao facto provado número 10, do ponto 1.1-Factos provados, supra, no sentido de que face ao estabelecido no ponto 3, da Circular n.° 15/92, emitida pela Direção de Serviços do IRS, em 14/09/1992, decorre que o prazo legal para deduzir reclamação graciosa é o previsto no artigo 70.°, n° 1, do CPPT, não é de molde a ser acolhido por este Tribunal.
Desde logo porque a circular em causa constitui um documento que apenas vincula interna e hierarquicamente a ED, sendo aqui aplicável o primado da lei sobre as orientações administrativa, ou seja, as circulares não podem derrogar o princípio da legalidade tributária, mas ainda que assim não fosse não se alcança como é que naquele ponto a mesma serve para sustentar a interpretação que a ED faz do artigo 70.°, n.° 4, do CPPT, pois o que ali se salvaguardou, na parte final daquele número três, foi que a reclamação graciosa seria tempestiva desde que ainda decorresse o prazo legal para o efeito, sendo que no aludido artigo 70.°, n.° 4, do CPPT, consta um prazo legal, para além do previsto no número 1 do mesmo dispositivo legal.
Acresce que, sobre esta matéria já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 2 de novembro de 2011, processo n.° 0329/11, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se sumariou, designadamente, que: "Não é intempestiva a reclamação administrativa apresentada dentro do prazo então previsto no n.° 2 do artigo 70. ° do CPPT, contado a partir da data em que foi obtido o certificado de incapacidade, pois que sem a certificação da incapacidade não poderia ser reconhecido nem o direito ao benefício fiscal, nem a possibilidade de impugnar, administrativa ou judicialmente, as liquidações sindicadas".
Em sentido similar pronunciou-se, mais recentemente, o Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 4 de fevereiro de 2016, processo n.° 08180/14, também passível de consulta em www.dgsi.pt, de cuja fundamentação de Direito, se extrai, designadamente, que: "Do probatório resulta que em 09.12.2002 o impugnante obteve atestado médico, por meio do qual se certifica a sua incapacidade com coeficiente de 80%, com efeitos a partir de 1998 (2). O impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações em causa, em 23.04.2003. O prazo de dedução da reclamação graciosa em referência é de 90 dias contados, nos termos do artigo 102.°/1, do CPPT. O recorrente teve conhecimento da incapacidade, com grau de 80%, apenas em 09.12.2002, data da emissão do atestado médico. Donde resulta que apenas após ter tomado conhecimento do atestado emitido pela entidade competente que comprova a sua incapacidade, com coeficiente de 80%, com efeitos a partir de 1998, podia o recorrente reagir graciosamente contra as liquidações de IRS dos exercícios de 1999 e 2000, como sucedeu no caso em exame. Donde se infere, ao invés do que entendeu a sentença recorrida, que está provada nos autos a superveniência subjectiva da certificação médica da incapacidade do recorrente, dado constituir facto notório que sem emissão do atestado não é lícito à Administração Fiscal preencher o conceito de invalidez, previsto no artigo 44.° (então vigente) do EBF, com vista ao reconhecimento do benefício fiscal. Ao invés do afirmado na sentença recorrida, o impugnante logrou demonstrar a superveniência do facto em causa".
Ressalve-se, por fim, que, tal como se decidiu nos dois acórdãos citados, nas situações em que as reclamações graciosas sejam extemporâneas, o que não sucede no caso em apreciação, a Administração Tributária tem o poder-dever de convolar a reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa, à luz do disposto no artigo 78.°, n.° 4, da LGT, pelo que, nem nesse hipotético cenário, seria possível manter no ordenamento jurídico o ato administrativo impugnado pelos AA.
Em suma, tendo o Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, sido emitido em 22 de fevereiro de 2008, na sequência da submissão da Autora, na mesma data, a junta médica e tendo a ora Autora apresentado reclamação graciosa, em 22 de abril de 2008, forçoso é concluir, que o prazo de 120 dias, contados da data de emissão daquele atestado, para apresentação de reclamação graciosa, ainda se encontrava em curso, pelo que, a reclamação graciosa pela mesma apresentada é tempestiva.
Tendo a decisão que recaiu sobre a reclamação em questão entendido que a mesma era extemporânea, sustentando-se numa interpretação errada do disposto no artigo 70.°, n.° 4, do CPPT, laborando em erro nos pressupostos de Direito e, constatando-se que a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico, interposto pelos ora AA, daquele indeferimento da reclamação apresentada, incorporou os fundamentos que presidiram àquele indeferimento, ficou o ato que negou provimento ao recurso ferido de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 70.°, n.° 4, do CPPT.
Conforme sublinham Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos "o vício de violação de lei é, assim, aquele em que incorrem os actos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objecto e ao conteúdo", in Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2.a edição, Lisboa: D. Quixote, 2009, p. 166.
Por conseguinte, estando o ato impugnado ferido do vício de violação de lei, o mesmo é anulável, face ao disposto no artigo 135.° do Código do Procedimento Administrativo (Código anterior ao novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.° 6/96, de 31 de janeiro e alterado pelo Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro.
De facto aí se previa que são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, funcionando deste modo, o regime de anulabilidade como o desvalor residual dos atos administrativos.
Em conclusão, tudo e visto e ponderado e não sendo possível, face ao exposto, a subsistência do ato impugnado no ordenamento jurídico, impõe-se determinar a anulação do despacho, proferido pela Diretora de Serviços de IRS, ao abrigo de subdelegação de poderes, em 16 de junho de 2009, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por extemporaneidade.”

A Autoridade Tributária e Aduaneira discorda. Circunscrevendo o recurso à questão de saber se o Atestado Médico emitido em 22/2/2008 constitui ou não um documento superveniente para efeitos de aplicação do prazo de reclamação graciosa previsto no n.º 4 do art.º 70º do CPPT, defende que o alargamento excecional do prazo de reclamação a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter um documento seja compaginável com o desconhecimento do motivo por que só nessa data foi obtido.
Tal impossibilidade, diz, aferir-se-á pela justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, só ocorreu posteriormente, à data do facto por razões que se prefigurem atendíveis.

Realça não estar em causa ou sequer se pretende exigível a indicação da deficiência da Autora ou do grau de incapacidade, na declaração mod. 3 de IRS do ano de 2006. Também não estão em causa “obrigações acessórias impostas aos contribuintes” ou “deveres de colaboração” que contemplassem deveres de comunicação prévia da impossibilidade de obter previamente aqueles elementos, como refere a sentença sob recurso.
O que está em causa é a prova da superveniência do atestado. E nenhuma referência a tal prova consta na reclamação graciosa e no recurso hierárquico, ou ainda na petição inicial.

Acrescentando ainda que a data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento, a que se refere o n.º 4 do art.º 70º do CPPT não tem correspondência literal ou semântica com “a data do documento”, ao contrário do que decorre da interpretação desenvolvida na sentença recorrida.

Estando em causa, “apenas” a tempestividade da reclamação graciosa, e a aplicabilidade ao caso do disposto no n.º 4 do art.º 70º do CPPT, é com a essa limitação que nos vamos debruçar sobre o recurso.

Nos termos do art. 70º/1 do CPPT, a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º

E dispõe o n.º 4 do mesmo diploma que, em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.

Sendo a obtenção de documento ou conhecimento tardio do facto um pressuposto deste direito de reclamação graciosa fora dos prazos normais, será ao reclamante que cabe o ónus de provar a superveniência do «documento ou sentença» relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prazo normal o facto que serve de fundamento à reclamação, de acordo com a regra de repartição do ónus da prova previsto no art. 342°/1 do Código Civil e 74º/1 LGT.

Na informação que suportou o despacho de indeferimento proferida no recurso hierárquico diz-se entre o mais, que “...o direito ao benefício fiscal, mais concretamente isenção departe dos rendimentos, nasce apenas no momento em que é emitido o documento confirmativo, vigorando a partir da data da sua emissão, ie, o atestado médico confirmativo da incapacidade não constitui documento superveniente tal como pretendem os contribuintes peticionários, entendendo-se que esse caráter reporta-se a documento que não foi possível obter em tempo útil, sendo certo que não se vislumbra nos autos terem sido iniciados quaisquer procedimentos, diligências insistentes para a obtenção do documento que atesta a incapacidade”.

Com base neste argumento, a AT considerou não demonstrada a superveniência do documento assinado em 22/2/2008 que atesta a incapacidade permanente global de 60%, desde agosto de 2006, de M….
O Recorrente sufraga o mesmo entendimento.

A Autora defende não ser aplicável o prazo previsto no n.º 1 do art. 70º do CPPT uma vez que a decisão da junta médica que lhe reconheceu a incapacidade só foi proferida em 22/2/2008.
Por isso, entende que o atestado em causa é um documento superveniente e que o prazo aplicável se conta a partir da data em que foi proferido.

O Recorrente, por seu turno, sustenta que a A. não demonstrou a data em que se tornou possível a obtenção do documento, e que a data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento, a que se refere o n.º 4 do art.º 70º do CPPT não tem correspondência literal ou semântica com a data do documento. E destaca que o segmento normativo - data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto - não tem correspondência literal ou semântica com a “data do documento”.

Ou seja, dito de outro modo, uma coisa é a data do documento, aquela em que foi emitido, outra diferente é a data em que se tornou possível a sua obtenção.
O documento foi obtido numa determinada data, mas o que a A. tem de provar é a data em que se tornou possível a sua obtenção, se quiser beneficiar do prazo excecional previsto naquele preceito.

Note-se que o documento em causa foi assinado pelo presidente da junta médica com data de 22/2/2008.

Iniciando a análise das conclusões do recurso, perguntamo-nos: quando a lei refere que em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto, de que modo tal norma poderá ser aplicada ao caso concreto?

Questionando de outra maneira, qual o alcance do segmento normativo “...tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto”, na aplicação ao caso concreto?

Uma coisa nos parece relativamente clara: é que se o prazo para reclamar graciosamente ao abrigo do n.º 4 do art.º 70 º se contasse a partir da data em que se tornou possível ao reclamante requerer a junta médica, o contribuinte perderia o direito de reclamar se a junta médica demorasse mais de 120 dias a ser realizada.

Não está na disponibilidade do Contribuinte “marcar” a junta médica. Está na sua disponibilidade requerê-la, mas não marcá-la, fazendo parte das regras da experiência comum o conhecimento de que entre o pedido de junta médica e a sua realização medeia um intervalo de tempo considerável (presunção judicial – art. 351º do Código Civil).

Assim, tal interpretação não pode ser acolhida porque faz depender o exercício de um direito de um comportamento de terceiro, que o Requerente não domina e sobre o qual não tem o mínimo controlo.

Por outro lado, devemos notar que não estamos perante a obtenção de um simples documento já existente e que se pode requerer em qualquer serviço do Estado, nem perante um facto preexistente de que o contribuinte pudesse, ou devesse, tomar conhecimento em data anterior. Estamos sim, perante a realização de uma avaliação que tem de ser requerida pelo interessado e que irá tornar conhecido “ex novo” um facto e o respetivo documento que o atesta.

É que nem o documento existia antes de a junta médica o ter emitido nem o facto subjacente era do conhecimento do contribuinte antes de a junta médica o ter declarado.

O que nos leva a encarar a questão num outro ângulo de análise. Embora seja o documento que atesta a incapacidade do contribuinte esta não deixa de ser também um facto - no sentido jurídico do termo, facto é tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real(1), onde não poderá deixar de se incluir a incapacidade da pessoa.

Como tal, a incapacidade da contribuinte, o seu rasto temporal bem como o respectivo grau, são factos que apenas foi possível conhecer quando a junta médica os fixou, ou declarou, em documento.

Não sendo conhecidos outros elementos nos autos, é razoável supor que os AA só tiveram conhecimento do grau da sua incapacidade (da A. mulher) e do respetivo quadro clínico na data em que foi emitido o atestado Médico de Incapacidade Multiuso. Nem se perspetiva que tal conhecimento pudesse ter advindo anteriormente, uma vez que é a junta médica a única entidade competente para o efeito.

E assim sendo, não vemos que se possa admitir – neste concreto caso – qualquer lapso temporal entre a data da emissão do documento e o conhecimento do facto atestado, por um lado, e a data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.

Porém, mesmo que assim se não entenda, ponderadas todas as circunstâncias factuais e legais enunciadas – competência única da junta médica para declarar a incapacidade da Impugnante, a data em que foi proferida e o necessário lapso de tempo entre o pedido e a realização da junta médica-, resulta demonstrado com suficiente clareza que, neste concreto caso, a data em que foi possível ao reclamante obter o documento coincide com a data em que o mesmo foi emitido: 22/2/2008.

E assim, devemos concluir, improcedem todas as conclusões de recurso devendo confirmar-se a sentença recorrida.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de fevereiro de 2019.

(Mário Rebelo)
(José Vital Brito Lopes)
(Benjamim Magalhães Barbosa)

--------------------------------------------------------------------------
(1) Cfr. Ac. do STJ 08S3441 de 07-05-2009 Relator: VASQUES DINIS
Sumário:
II - Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.

III - No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos).

IV - No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.