Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:89/20.6BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/17/2020
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:ART. 41º DA LTAD;
PROCESSO CAUTELAR;
REQUERIDOS;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA INDEFESA;
PROIBIÇÃO DE DECISÕES SURPRESA.
Sumário:i) A interpretação conforme do artigo 366º, nº 1 do CPC ex vi art. 41º, nº 9 da LAD, com os princípios do contraditório, da proibição da indefesa e de decisões surpresa, impõe que seja tida em conta a relação jurídico processual gizada pelo Requerente.
ii) Tal como nas providências cautelares reguladas no CPTA, cabendo ao requerente cautelar no requerimento cautelar, em conformidade com o disposto no artigo 114º, nº3 alínea d) do CPTA, identificar os contra-interessados a quem a providência cautelar possa directamente prejudicar.
iii) Donde, tendo o requerente cautelar (Demandante) identificado os clubes de futebol contra-interessados, com interesses contrapostos aos seus no decretamento do processo cautelar, não poderia o TAD, sem mais “eliminar” as partes do processo negando-lhes, por omissão, a oportunidade de contrariar os argumentos e manifestar a sua posição e a defesa dos seus interesses, através do acto processual próprio para o efeito – a citação.
iv) Sob pena de violação dos princípios consagrados no artigo 34º da LTAD, alíneas b) e d), tanto mais que no próprio Acórdão recorrido é feita alusão aos interesses destes na ponderação do periculum in mora no decretamento das providências cautelares requeridas.
v) Em conformidade com o disposto nos artigos 187º, al. a), e 190º, alínea a) do CPC ter-se-á de declarar a nulidade do Acórdão de 27.07.2020, por violação do disposto nos artigos 366º, nº 1 e 188º, nº 1, al. a), ambos do CPC, o que inquina toda a tramitação processual subsequente, incluindo o Acórdão de 28.08.2020 (de revogação da providência cautelar) em conformidade com o disposto no artigo 195º, nº 2 do CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

S.............. SAD, SAD (O.......) intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), nos termos do artigo 41º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei 74/2013, de 6/9, na redacção da Lei 33/2014, de 16/6, contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a providência cautelar de suspensão da eficácia das decisões proferidas pela Direcção da Federação Portuguesa de Futebol, no dia 14 de Maio de 2002 – publicada no Comunicado Oficial da FPF, nº 441, de 15 de Maio de 2020.

Indicou como contra-interessados: F....... SAD; A....... SAD; F....... SDUQ; L.......; S...... SAD; S......; R...............

Após resolvida a questão da impossibilidade de constituição do Tribunal arbitral por decisão sumária do Juiz Presidente deste TCA Sul, foi proferido pelo TAD, em 27.07.2020, Acórdão tomado, por maioria, decretando a providência cautelar de suspensão de eficácia das decisões adoptadas pela Direcção da Federação Portuguesa de Futebol, em 14 de Maio de 2020, que aprovaram o aditamento do artigo 11º-A ao Regulamento do Campeonato de Portugal e que procederam à indicação da F....... SAD, e do F....... SDUQ, Lda., para integrar a LigaPro na época desportiva 2020/2021.

O TAD por Acórdão, de 28.08.2020, deliberou revogar, nos termos do art. 124º do CPTA, aplicável ex vi art. 61º da LTAD o decretamento das providências cautelares proferido em 27.07.2020.

O contra-interessado F....... SAD, veio interpor recurso para este Tribunal do Acórdão de 27.07.2020, requerendo ainda a atribuição de efeitos suspensivos ao presente recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. A decisão do TAD foi proferida com inobservância do princípio do contraditório e à revelia de parte que é direta e efetivamente prejudicada por ela, em clamorosa violação do disposto na al. b) e c) do artigo 34° da LTAD, de 06 de Setembro (LTAD), artigo 6o do CPTA, artigo 30° n° 1 alínea c) da LAV e artigo 3o n° 3 do Código de Processo Civil e do artigo 20°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
II. As infrações grosseiras cometidas no julgamento e na Decisão recorrida, bem como os prejuízos imediatos que a mesma está a causar na esfera da Recorrente, determinam que a Decisão deverá ser suspensa com efeitos imediatos;
III. A Recorrente não foi citada no âmbito do referido procedimento cautelar para pronuncia no prazo legal, pese embora figure nos autos na qualidade de contrainteressado, com direto e evidente interesse no desfecho da causa.
IV. Na Decisão não há invocação de fundamentos que sustentem que a audição da Recorrente ponha em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida.
V. Tendo a intervenção do Tribunal Arbitrai do Desporto ocorrido no âmbito de jurisdição arbitrai necessária, são de aplicação subsidiária nos processos regras previstas no Código de Processo em tudo aquilo que não esteja regulado em legislação especial.
VI. Dispõe o artigo 57° do CPTA que são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado.
VII. São contrainteressados no âmbito de um procedimento cautelar as entidades que são diretamente prejudicadas pelo decretamento da providência e cuja esfera jurídica é negativamente afetada.
VIII. Tal posição processual confere à Recorrente o estatuto de “Requerida” no procedimento cautelar, cuja intervenção no processo é obrigatória nos termos e para os efeitos do artigo 41°, da LTAD.
IX. Dispõe o artigo 38 n° 1 da LTAD que as citações e as notificações são efetuadas pelo secretariado do TAD, facto que foi claramente omitido em relação ao Recorrente, o que por si só é gerador de nulidade processual pela omissão de ato que prescrito por lei.
X. Em respeito do princípio do contraditório impõe-se, no mínimo, a citação da parte cuja pretensão é afetada pelo pedido formulado em sede de procedimento cautelar, para que se pronuncie expressamente sobre as matérias e os factos que lhe dizem respeito, a qual tendo sido preterido, nem a parte se ter pronunciado, ocorre uma omissão processual que inquina todos os subsequentes atos processuais;
XI. Nenhuma norma legal determina ou sequer indicia que as particularidades dos procedimentos cautelares requeridos no âmbito da LTAD imponham limitações ao princípio do contraditório;
XII. Constituem princípios fundamentais do processo junto do TAD que i) o demandado é citado para se defender e que ii) em todas as fases do processo, é garantida a estrita observância do princípio do contraditório (Cfr. artigo 34° LTAD), não se sendo feita qualquer distinção entre demandados, contrainteressados ou requeridos para esse efeito.
XIII. A falta de observância do princípio do contraditório dos contrainteressados e a correspondente falta de citação para os autos de procedimento cautelar é uma nulidade processual que aqui expressamente se invoca para os efeitos do disposto no artigo 197° do CPC, devendo ser declarado nulo todo o processado após a omissão do ato que a lei obrigado;
XIV. O Tribunal a quo, embora ciente de que os contrainteressados não foram chamados ao procedimento cautelar, não se coibiu de sustentar a sua decisão em factos pessoais que apenas caberia à Recorrente provar;
XV. Estando em causa, entre outros, factos pessoais dos contrainteressados, ou seja, a quantificação dos prejuízos do Recorrente diretamente decorrentes do decretamento da providência, é absolutamente descabido que o Tribunal a quo tenha formulado a sua decisão de mérito sem a audição da Recorrente.
XVI. A Recorrente dispõe de meios para cabalmente demonstrar que os prejuízos que incorre com o decretamento da providência cautelar excedem consideravelmente os prejuízos da Demandante que se pretendem evitar com a providência.
XVII. A Recorrente iniciou a preparação da época desportiva 2020/2021 na LigaPro logo que foi tomada a decisão da sua subida de divisão, a qual tomou lugar no 02 de Maio de 2020.
XVIII. O decretamento da providência acarreta consequências desastrosas para a Recorrente, bem como, naturalmente, avultadíssimos prejuízos.
XIX. Até à presente data, a Recorrente assentou toda a sua gestão/contratação por forma a poder terminar a época 2020/2021 nos lugares cimeiros da LigaPro.
XX. A Recorrente viu-se na obrigação de contratar mais funcionários (mais um médico, nutricionista, marketing, roupeiro, diretor de campo, OLA (oficial de ligação aos adeptos, dois diretores de segurança), bem como aumentar a remuneração de todos os seus anteriores Colaboradores.
XXI. A Recorrente teve que proceder a obras de requalificação do seu Estádio - nomeadamente, remodelação total dos balneários, CCTV, fissuras no betão, marcação de lugares, alcatroamento de zona de acesso dos adeptos visitantes e TV, criação da zona ZCEAP, intervenção na iluminação, entre outras, o que perfez um montante superiora 400.000,00 Euros (quatrocentos mil euros).
XXII. A Recorrente celebrou variadíssimos contratos de patrocínio, os quais disponibilizaram elevados valores monetários àquela.
XXIII. O investimento e despesas incorridas pelas Recorrente diretamente relacionadas com a subida à LigaPro estão assentes em valores efetivamente despendidos e não reembolsáveis, cuja demonstração facilmente se faria através de prova documental e testemunhal.
XXIV. Não estava o Tribunal a quo munido dos elementos de prova que lhe permitissem conhecer do mérito da causa, em especial no que se refere ao requisito constante da primeira parte do artigo 362° n° 1 do CPC referente ao fundado receio de constituição de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora) em conjugação com o disposto no artigo 368° n° 2 do CPC.
XXV. O decretamento da Providência Cautelar é nulo de pleno direito, devendo ser declarada a sua nulidade com todas as devidas e legais consequências”

Termina concluindo que seja concedido provimento ao presente Recurso e revogada a Decisão Recorrida, devendo ainda ser decretada a suspensão imediata dos seus efeitos da providência.

Também o F....... SDUC, veio interpor recurso do Acórdão do TAD de 27.07.2020, onde pediu que fosse “retirado” o efeito devolutivo ao presente recurso, nos termos do art. 143º do CPTA, formulando extensas conclusões (123), das quais se destacam:

“(….)
II. - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
25) A contrainteressada, aqui recorrente, jamais foi citada no âmbito do procedimento cautelar aqui em crise.
26) Sendo certo que figura nos autos como contrainteressada, qualidade que igualmente decorre do teor dos mesmos, sendo obrigatoriamente prejudicada e com legítimo interesse na manutenção do acto impugnado.
27) Nos termos do disposto no art. 57º, 116. ° e 117. ° do CPTA (ex vi 4. ° e 61. ° da LTAD) os contrainteressados são OBRIGATORIAMENTE DEMANDADOS (sob pena de rejeição liminar do requerimento) e são igualmente CITADOS (116. ° e 117 do CPTA) como e enquanto partes com interesse em agir ou contra agir.
28) A NAO CITAÇAO / NOTIFICAÇÃO da CONTRAINTERESSADA para contestar constitui nulidade, que desde já se invoca e que não se prescinde, com a consequente anulação de todas as decisões e despachos posteriores, nomeadamente a decisão cautelar aqui impugnada.
29) Aliás, caso assim não fosse, não teria o legislador consagrado a sanção de rejeição liminar do requerimento caso os contrainteressados não sejam indicados no requerimento, ou ainda a necessidade de citação edital dos interessados incertos.
30) Veja-se que sem a citação da aqui requerente esta não pode exercer os seus direitos de defesa (constitucionalmente reconhecidos) e demonstrar ao tribunal a desproporcionalidade existente dos prejuízos a cautelar.
31) Não existe qualquer norma - ou justificação fundamentada pelo tribunal - que justifique a não notificação dos contrainteressados para se pronunciarem e deduzirem oposição, bem pelo contrário (art.° 34. ° da LTAD).
32) E não venha o tribunal a quo tentar justificar esta nulidade e atentado aos mais elementares direitos de defesa com a aplicação do número 9 do artigo 41. ° da LTAD, que refere a aplicação àquele procedimento cautelar dos preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do CPC, porquanto tal aplicação tem sempre de ser feita “COM AS NECESSÁRIAS ADAPTAÇÕES” e em conjugação com o artigo 61. ° e 4. ° da LATD.
33) Veja-se neste particular o excelso voto de vencido constante do Acórdão recorrido do árbitro Dr. P.............. que, aliás, se subscreve na íntegra e que demonstra uma total ponderação e conhecimento dos interesses privados e públicos em causa, quando na ponderação que faz da conclusão do acórdão que os prejuízos não excedem '‘consideravelmente" os danos, refere:
“Do meu ponto de vista, os interesses dos contrainteressados não podem deixar de ser aqui ponderados. O art. 41.º n.º 9 da Lei do TAD estipula que é aplicável a disciplina do procedimento cautelar comum previsto no CPC aos procedimentos cautelares que são tramitados no TAD, “com as necessárias adaptações
Ora, este é um caso prototípico em que os contrainteressados existem e os seus interesses são merecedores de ponderação e tutela.”
In Voto de vencido Arbitro Dr. P.............., nota de rodapé 3;
34) Aliás, do próprio Acórdão Recorrido se constata que o tribunal fundamentou a sua decisão com base em princípios e normas do CPTA igualmente aplicáveis ao caso, nomeadamente fundamentando o requisito do periculum in mora no receio de consumação de um facto consumado enquanto lesão ou prejuízo.
35) Os princípios fundamentais do processo junto do TAD (art. 34. °) são de aplicação obrigatória, devendo a expressão “as partes” constantes do artigo ser interpretada no sentido lato, aí se considerando os contrainteressados.
36) Pelo que a decisão recorrida é nula, por violação do princípio do contraditório, previsto nos artigos 3. °, n° 3 CPC (ex vi 1º do CPTA), 20. ° Constituição da República Portuguesa, 2. ° n.º 1 CPTA, 34. ° LTAD, e ainda dos artigos 57. °, 114. °, 116. 117.°e 120 do CPTA, que se invoca e se pretende ver declarada, com anulação de todos os actos subsequentes.
37) (….)

Termina requerendo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Também a Federação Portuguesa de Futebol veio recorrer do Acórdão de 27.07.2020, terminando as suas alegações com extensas conclusões (I a XLVII) imputando outros erros de julgamento ao acórdão recorrido, quer quanto à improcedência de várias excepções, tais como caso julgado, caducidade da acção principal que se repercutem no processo cautelar, quer quanto à (não) verificação do periculum in mora e (da falta) de probabilidade de procedência de mérito na acção principal.
O Requerente cautelar, S.............. SAD SAD, apresentou as suas contra-Alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

A) Através do acórdão ora recorrido, o Tribunal a quo proferiu uma decisão irrepreensível a todos os níveis, procedendo à correcta avaliação do caso subjudice e à prolação de solução jurídica justa e devidamente ponderada, não sendo merecedor de qualquer reparo ou modificação:
B) O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso por parte das Recorrentes F.............. SAD e F.............. SDUQ é legalmente inadmissível, colidindo com a norma do art.° 143° n.°2 alínea b) do CPTA segundo a qual os recursos das decisões respeitantes a procedimentos cautelares têm efeito meramente devolutivo.
C) Igualmente infundado é o pedido daquelas Recorrentes contrainteressadas no sentido de ver declarada a nulidade do Acórdão em questão, com fundamento numa putativa violação do princípio do contraditório, por não terem sido citadas no âmbito deste procedimento cautelar;
D) Na verdade, nos termos do art.° 41° n°s 1 e 9 da Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro (Lei do TAD) o regime legal a observar na tramitação e decisão de procedimentos cautelares requeridos perante o TAD é o definido no Código de Processo Civil, nomeadamente nos seus art.°s 362° a 376°;
E) De acordo com a norma do art.° 366° n.°s 1 e 2 do CPC o Tribunal a quo estava obrigado somente a promover a citação da Demandada, não existindo norma equivalente que obrigasse à citação de qualquer parte acessória e nomeadamente das contrainteressadas - sendo que tal figura tão pouco encontra acolhimento em tal ordenamento;
F) Por sua vez, o regime previsto nos art.°s 112° a 134° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e em concreto as normas dos art.°s 114° n.°3 alínea d) e 117° n.°1 do CPTA, não terão aplicação neste âmbito.
G) No caso em apreço o direito ao contraditório consagrado no art.° 3o do CPC foi assegurado pelo TAD, quando promoveu a citação da Federação Portuguesa de Futebol, na qualidade de Demandada para vir deduzir oposição, não se verificando assim a nulidade invocada pela Recorrentes contra-interessadas;
H) De igual modo, ao contrário do invocado pela Recorrente FPF, o Tribunal a quo procedeu à correcta aplicação das normas relativas às excepções de litispendência, caso julgado e apensação, não padecendo de qualquer dos vícios por si alegados.
Por fim
I) Não existe igualmente qualquer fundamento ou razão para modificar a decisão de mérito proferida peio Tribunal a quo, nem tão pouco as Recorrentes logram invocar qualquer circunstância de facto ou de direito passível de colocar em crise a bondade de tal Acórdão;

J) Na situação subjudice encontram-se preenchidos todos os requisitos de que dependeria o decretamento do procedimento cautelar requerido, nomeadamente o “periculum in mora” o “fumus bonus iuris" e a adequação e proporcionalidade da providência requerida.
K) Os alegados danos invocados nas alegações das Recorrentes contrainteressadas respeitam exclusivamente a um cenário em que a acção intentada pela ora Recorrida venha a ser julgada procedente, anulando-se as Decisões da Direção da FPF ora impugnadas. Sendo que os danos legados pela Recorrente FPF assentam em pressupostos incorrectos e inexistentes.
L) Em qualquer caso, não logra qualquer das recorrentes invocar (e demonstrar) quaisquer danos objectivos e concretos passíveis de justificar a modificação da decisão recorrida
M) Face às razões de facto e de direito invocadas nas presentes contra-alegações, deverão os Recursos ora interpostos serem julgados improcedentes por não provados, confirmando- se integralmente o douto Acórdão recorrido, com o que se fará a costumada justiça. “

Entretanto, após a prolação do Acórdão do TAD de 28.08.2020, de revogação da providência cautelar, vieram interpor recurso para este TCA SUL os Recorrentes S.............. SAD SAD; A....... SAD, L.......; S...... SAD; S...... e R............., SDUQ, respectivamente Demandante e Contra-interessadas no processo identificado em epígrafe, em que é Demandada a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (FPF) e são também contra- interessadas a F....... SAD e a F....... SDUQ

Formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 28 de Agosto de 2020 pelo Colégio Arbitrai constituído no procedimento cautelar n.º 31-A/2020, que veio revogar a providência cautelar por decretada em 27.07.2020.

I. Do efeito suspensivo do recurso;
B. Face ao disposto na regra especial do art.° 41° n.°9 da lei do TAD, o procedimento cautelar é considerado como um procedimento cautelar comum (não especificado), devendo obedecer às regras específicas previstas no Código de Processo Civil, que regulam aquele procedimento nas suas diversas fases processuais.
C. Considerando que através do presente recurso se visa impugnar uma decisão que revogou uma providência cautelar, o mesmo insere-se na previsão do art.° 644° n.°1 alínea a) do CPC, devendo ser tramitado como recurso de apelação, sendo-lhe aplicável o regime previsto nos art.°s 645° n.°1 alínea d) e 647° n.º 3 alínea d) do CPC, devendo consequentemente o presente recurso subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo.

D. Aliás, a não ser assim, frustrar-se-ia o efeito útil do recurso e a natureza cautelar do procedimento, correspondendo tal revogação a um não decretamento definitivo da providência e já não a um levantamento da mesma.

II. Do objecto do recurso;
E) Estando o presente procedimento cautelar sujeito às regras de processo comum consagradas no CPC e tendo a Demandada sido notificada previamente do pedido de decretamento da providência cautelar (e inclusive deduzido oposição), encontrava-se vedado ao TAD promover a revogação da providência cautelar por si previamente declarada, não existindo qualquer norma no regime processual comum que o habilitasse a agir desse modo, nem tão pouco a possibilidade legal de o mesmo recorrer à norma do art,° 124° do CPTA.
F) A presente providência cautelar após ter sido decretada somente poderia cessar por revogação de Tribunal Superior, nas situações em que fosse objecto de recurso (conf. art.°s 370° e 364 n.°1, al. a) do CPC) ou por caducidade, nos casos expressamente previstos no art.° 373° do CPC. Não se encontrando legalmente prevista a possibilidade do Tribunal que decretou a providência cautelar (com audiência prévia do demandado), poder posteriormente proceder à sua revogação,
G) Por outro lado, não existe qualquer lacuna jurídica que importe suprir e que justificasse a aplicação do art.° 124° do CPTA, nem tão pouco a expressão “com as necessárias adaptações"- constante do n.º 9 do artigo 41.° da Lei do TAD- habilitaria o Tribunal a quo a aplicar ao procedimento cautelar a referida norma, Tal expressão significa somente que, que nem todas as normas integradores do regime processual comum se tornam necessariamente aplicáveis aos procedimentos cautelares tramitados no TAD e, por outro lado, que a sua aplicação não teria lugar quae tale, havendo que proceder à aplicação dessas normas em respeito pelas especificidades dos atos e das matérias em discussão.
H) Na presente situação, o Tribunal a quo estava obrigado a dar cumprimento ao disposto na alínea c) do art.º 373° n.°1 do CPC só podendo ser declarada a extinção da providência cautelar por caducidade e se a ação principal viesse a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado” - requisito que não se verificou in casu.

Por outro lado,
I) Face ao disposto no art.°613° n.°1 do CPC, aplicável ex wart.0 61° da Lei do TAD e art.° 1o do CPTA, o poder jurisdicional do Colégio arbitrai esgotou-se com a prolação do Acórdão que decretou a providência cautelar e do Acórdão que decidiu a causa principal, não podendo mais intervir na matéria em causa, a não ser para proceder à rectificação de erros materiais, suprir nulidades ou reformar a sentença.
Mais ainda,
J. Na deliberação recorrida, o Tribunal a quo sustenta exclusivamente a revogação daquela providência cautelar na “relação de dependência ou de instrumentalidade em relação à causa principal” e numa alegada “alteração dos pressupostos de direito em que foi inicialmente prolatada a decisão de 21 de julho de 2020. em especial quanto ao preenchimento do requisito do fumus boni iuris".

K. Despreza por completo aquele Tribunal o facto de que o seu Acórdão na causa principal não era definitivo, sendo passível de recurso, assim como a persistência do upericulum in mortf que reconheceu anteriormente existir.

L O Tribunal a quo decretou inicialmente a providência cautelar por considerar existir fundamento jurídico sério da violação pela decisão recorrida de diversos preceitos e obrigações legais e constitucionais, sendo que não foram trazidos ao processo quaisquer factos novos passíveis de modificar a alteração daquele juízo de prognose inicial - bastando a este respeito atentar na declaração de voto do Exm.° Sr. Prof. Dr. João Miranda, Ilustre Presidente do Colégio Arbitral.
M. O Acórdão recorrido aplicou erradamente o regime previsto no art.° 124° do CPTA, desprezando o disposto na alínea c) do art.° 373° n.°1 do CPC aplicável aos autos ex vi art.° 41° n.°9 da lei do TAD, para além de ter violado o disposto no art.° 613° n.°1 do CPC e aplicado erradamente o regime consagrado nos art.°s 362°, 363 e 368° n.°s 1 e 2 do CPC revogando-se o Acórdão recorrido e repristinando-se a providência cautelar revogada, com o que se fará a costumada Justiça.

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O V…….. e a FPF apresentaram as respectivas contra-alegações, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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Os presentes recursos foram admitidos por despacho do Presidente do Tribunal Arbitral em 08.10.2020.
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O DMMP notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não emitiu Pronúncia.
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Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, mas fornecida cópia do projecto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão.
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I.2 – Das questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 140º, nº 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), são as conclusões do recorrente que definem o objecto e delimitam o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, constituem questões a resolver por este Tribunal saber:

i) Da alteração dos efeitos dos recursos,
ii) Se o acórdão recorrido do TAD de 27.07.2020 padece de nulidades processuais e de erro de julgamento de facto e de direito;
iii) Se o acórdão recorrido do TAD de 28.08.2020 padece de erro de julgamento de direito.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos, que se dão por reproduzidos, destacando-se:
“(…) 9º Em 2 de julho de 2020, a Demandante intentou acção de impugnação de decisões proferidas pela Direccão da FPF em 8 de Abril de 2020, 2 de maio de 2020 e 14 de maio de 2020, juntamente com a qual requereu a providência cautelar de suspensão de eficácia das referidas decisões, o que deu azo no TAD, respectivamente aos Processos nº 30/2020 e 30A/2020.
(…)
Porque relevantes aditam-se, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, os seguintes factos relativos à dinâmica processual:
15º Os contra-interessados indicados no requerimento cautelar não foram citados no processo cautelar;
16º Os contra-interessados indicados na acção de impugnação indicada em 9º foram citados na acção de impugnação – acordo e consulta Proc. nº 88/20BCLSB deste TCA Sul.
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS

Ø DOS RECURSOS INTERPOSTOS DO ACÓRDÃO DE 27.07.2020

(i) Da alteração de efeitos do recurso jurisdicional

Em sede de Alegações de recurso vieram os Recorrentes F....... SAD e F....... SDUQ Vizela requerer a alteração dos efeitos do recurso, considerando que “ [A]s infracções grosseiras cometidas no julgamento e na decisão recorrida, bem como os prejuízos imediatos que a mesma está a causar na esfera da Recorrente, determinam que a Decisão deverá ser suspensa com efeitos imediatos, logo após o recebimento do presente recurso, a fim de minimizar os prejuízos da Recorrente e acautelar os seus mais básicos direitos, o que se Requer.”
Por despacho do Presidente do Colégio Arbitral, de 05.10.2020, foi fixado ao presente recurso (assim como ao do Acórdão de 28.08.2020 o efeito meramente devolutivo (cf. art. 8.º, n.º 2, da Lei n.º 74/2013, de 06.09).
Decisão que é de manter porquanto a ressalva prevista no n.º 4 do artigo 143.º do CPTA, apenas se aplica quando o efeito meramente devolutivo resulta da atribuição deste efeito por via do seu n.º 3 e não por determinação legal.
Como foi decidido no Acórdão deste TCA proferido no Proc. nº 56/17.7BCLSB, em 05.07.2017, acessível in www.dgsi.pt , do qual se destaca:
“…2.2.5 Assim, o âmbito de aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 143º do CPTA restringe-se às situações em que é requerido ao tribunal, ao abrigo do nº 3, a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra (cf. nº 1), sendo inaplicável quando o efeito devolutivo do recurso decorre imperativamente da lei, que é o que sucede na situação prevista no nº 2 do artigo 8º da Lei do TAD.
Não tem, assim, aplicação no âmbito dos recursos para o TCA de decisão arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto, cujo efeito meramente devolutivo se encontra previsto no nº 2 do artigo 8º da Lei do TED, a norma do nº 4 do artigo 143º do CPTA.

2.2.6 Acrescendo dizer que, a norma deste nº 2 do artigo 8º da Lei do TAD, visa afastar expressamente, para os recursos das sentenças arbitrais do Tribunal Arbitral do Desporto, o regime regra do efeito suspensivo do recurso de apelação nos tribunais administrativos previsto no nº 1 do artigo 143º do CPTA, atribuindo-lhe efeito meramente devolutivo, resulta de uma opção clara do legislador.
2.2.7 Não sendo simultaneamente razoável fazer apelo à aplicação do disposto no nº 4 do artigo 647º do CPC novo, se o regime que consta, com completude, no CPTA a respeito dos efeitos da interposição do recurso de apelação para os tribunais administrativos se apresenta como distinto daquele que vale no processo civil.”

Indeferindo-se, pois, a atribuição de efeito suspensivo aos presentes recursos.

(ii) Da nulidade processual por falta de citação dos contra-interessados

Nas suas Alegações de recurso, os Recorrentes, F....... SDUQ, e o F....... SAD, contestam a falta de observação do contraditório tendo sido omitida a sua intervenção como contra-interessados e a correspondente falta de citação para os autos de procedimento cautelar, o que constitui uma nulidade processual nos termos do art. 197º do CPC, devendo ser declarado nulo todo o processado após a omissão do acto em falta.
Justificam que a decisão do TAD foi proferida com inobservância do princípio do contraditório e à revelia de parte que é directa e efectivamente prejudicada por ela, em clamorosa violação do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 34° da LTAD, artigo 6o do CPTA, artigo 30° n° 1 alínea c) da LAV e artigo 3o n° 3 do Código de Processo Civil e do artigo 20°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
As nulidades processuais, se bem que não se confundam com a nulidade da sentença, tem sido admitido pela jurisprudência, v.g, o acórdão proferido pelo STA no Rec. nº 1311/13 de 29/01/015:
“... que o meio adequado de reagir contra nulidade processual não sanada, e que se encontre a coberto de decisão judicial, é o recurso jurisdicional dessa decisão [ver, entre outros, AC STA/Pleno de 02.10.2001, Rº42385; AC STA de 09.10.2002, Rº48236; AC STA de 19.10.2004, Rº01751/03; AC STA de 27.09.2005, Rº0148/05], sendo que este entendimento encontra suporte na doutrina [ver, entre outros, J. Alberto dos Reis, «Comentário ao Código de Processo Civil», II, páginas 507/508; Manuel de Andrade, «Noções Elementares de Processo Civil», 1976, página 182/183; Antunes Varela, «Manual de Processo Civil», 1985, página 393].
Assim, nada obsta a que essa nulidade seja suscitada em sede de recurso, apesar de a regra geral ser a do seu conhecimento em sede de reclamação, a deduzir no prazo previsto no art. 149º do CPC.
No caso em apreço o Requerente Cautelar S.............. SAD SAD, no seu requerimento cautelar identificou como Demandada a Federação Portuguesa de Futebol e diversos clubes e sociedades desportivas na qualidade de contra-interessados, como consta do próprio requerimento e é assumido no Acórdão recorrido na parte “I- Enquadramento “.
Contudo, somente a FPF foi citada para deduzir oposição ao pedido cautelar, o que não foi realizado quanto aos aludidos contra-interessados.
Argumenta o Recorrido, S………....... que não tinham de ser por inexistência de obrigação legal de promover a citação dos Recorrentes /clubes de Futebol (contra-interessados) no âmbito do procedimento cautelar, justificando o regime especial previsto no art. 41º da LTAD, concretamente o nº 9 e a remissão para as regras relativas ao procedimento cautelar comum, do CPC.
Vejamos;
De acordo com o disposto no art. 41° n.º 1 da LTAD “o TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo".
Estabelecendo, por sua vez no n.º 9 do citado art. 41º que ao procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil.
Refira-se, que o próprio TAD no Acórdão subsequente de 28.08.2020, veio a revogar a providência cautelar decretada, com fundamento no artigo 124º do CPTA ex vi art. 61º da LTAD) – vide fls. 5 do mesmo Acórdão.
Numa interpretação, admitamos, muito simplista do citado art. 41º, nº 9, da LTAD, teríamos de entender que, em virtude da remissão expressa para o regime comum previsto no Código de Processo Civil, somente seria de observar pelo TAD, para efeitos de tramitação processual e decisão, o disposto nos art.s 362° a 376° do CPC e não quaisquer outras normas, nomeadamente as do CPTA.
Mas o mesmo preceito legal alude “com as necessárias adaptações”.
Por conseguinte, não podemos esquecer “No que respeita à compreensão das previsões legais, elas referem-se a situações ou relações da vida das quais, pela nossa própria experiência vivida, temos que ter uma pré-compreensão que nos permite compreender os textos. (…). Mas para que isto não nos induza a uma perspectivação errónea das coisas. Pois também dissemos que a aplicação de uma norma a um caso começa por coenvolver de certo modo uma operação de “aplicação” de todo o ordenamento jurídico.” Que “… constitui uma unidade, um universo de ordem e de sentido cujas partes componentes (as normas) não podem ser tomadas e entendidas por forma avulsa, ou isoladas dessa unidade de que fazem parte, sob pena de se lhes deturpar o sentido” – J. Baptista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, pp. 206-207.
As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção já pendente ou a instaurar posteriormente ao seu decretamento acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente (cf. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pp. 45 e Castro Mendes, in DPC, ed. 1973, vol. I, pp. 198), e visando assegurar a utilidade da sentença do processo principal.
Por outro lado, o objecto da providência há-se ser conjugado com o objecto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade. Mas haverá que aferir da chamada instrumentalidade hipotética, de que fala Rita Lynce de Faria, na obra, “A Função Instrumental da tutela cautelar não especificada”, pág. 35 e segs.:
A instrumentalidade que caracteriza as providências cautelares, para além de se apresentar como uma instrumentalidade qualificada (…) distingue-se, ainda, por ser uma instrumentalidade hipotética. Este qualificativo pretende significar que a providência apenas é concedida na pressuposição de que a acção principal venha a ser julgada favoravelmente ao beneficiário da tutela cautelar.
Assim, pode afirmar-se que as providências “funcionam como um meio para assegurar a eficácia prática de uma decisão principal, para a hipótese em que esta tenha um determinado conteúdo concreto” – citando Calamandrei e Prof. Alberto dos Reis – um conteúdo favorável ao autor.”.
Donde, as providências cautelares dependem e são instrumentais da acção principal a intentar, isso mesmo resulta do art. 364º do CPC , nº 1, …” Excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva” [a mesma ideia decorre do art.º 113º, nº 1 do CPTA “O processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respectivo”].
Segundo o Recorrido o regime do procedimento cautelar comum regulado pelo CPC prevê somente a citação do Requerido para deduzir Oposição, que no caso cabia à FPF – cf. art. 366º nºs 1e 2 do CPC.
Não cremos que assim seja;
Com efeito, ainda que o legislador tenha previsto no citado nº 9 do art. 41º da LTAD a remissão para o procedimento cautelar comum, não pode o aplicador / julgador olvidar os princípios que orientam o acesso ao TAD, como nos dá conta José Manuel Meirim, Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, Introdução, Referências e Notas: “A remissão operada para o procedimento cautelar comum constante do nº 9 da disposição em anotação apresenta-se, porém, como uma manifestação de sinal contrário à aplicação das regras reguladas no CPTA e na LAV. Não cremos, contudo, que tenha sido essa a opção do legislador. Tal opção implicaria ignorar as especificidades próprias do procedimento cautelar arbitral e do procedimento cautelar contra atos e normas administrativas (que se materializam, por exemplo, nos mecanismos próprios consagrados nos artigos 117º, 127º, nºs 2 e 3 e 128º a 131º do CPTA e nos artigos 27º e 28º da LAV). No nosso entendimento, o legislador optou por construir um sistema complexo de aplicação subsidiária de normas que se traduz na seguinte ordem de precedência lógica: a) Numa primeira ordem, na aplicação dos princípios e das regras que expressam as (poucas) especificidades que são consagradas na lei em anotação (cf. artigos 41º e 61º, 1ª parte, da LTAD); b) Numa segunda ordem, na aplicação, com as necessárias adaptações, dos preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil (cf. artigo 41º, nº 9 da LTAD); c) Numa terceira ordem, na aplicação, com as necessárias adaptações e de acordo com a respetiva natureza do processo arbitrai, das regras previstas no CPTA ou na LAV (cf. artigo 61º, 2ª e 3ª parte, da LTAD). - P. 211.
Donde, atenta a natureza instrumental do processo cautelar, o artigo 41º, nº 9 da LTAD terá também de ser interpretado de acordo com o artigo 61º da mesma Lei, sob a epígrafe: Normas subsidiáriasEm tudo o que não esteja previsto neste título e não contrarie os princípios desta lei, aplicam-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a LAV, nos processos de jurisdição arbitral voluntária.”
Em anotação do citado autor ao art. 61º da LTAD p. 271., explicita que “ As regras previstas no CPTA, que não forem contrárias aos princípios da LTAD, aplicam-se, subsidiariamente, aos processos de jurisdição arbitral necessária (artigos 4º e 5º da LTAD), ou seja, no âmbito de litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina (artigo 4º, n º 1 ) e em matéria de dopagem (artigo 5º).
Como consta do voto de vencido do Acórdão de 27.07.2020 do TAD “O art. 41º, nº 9 da Lei do TAD estipula que é aplicável a disciplina do procedimento cautelar comum previsto no CPC aos procedimentos cautelares que são tramitados no TAD” com as necessárias adaptações. Ora este é um caso protótipo em que os contra-interessados existem e os seus interesses são merecedores de ponderação e tutela”.
Sob pena de violação dos princípios fundamentais do processo constantes do art. 34º da LAD, o qual prevê:
Constituem princípios fundamentais do processo junto do TAD:
(…)
d) As partes são tratadas com igualdade;
b) O demandado é citado para se defender;
c) Em todas as fases do processo, é garantida a estrita observância do princípio do contraditório;
d) As partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida decisão final”.
Densificando as citadas alíneas temos que:
“A alínea b) é uma manifestação do princípio da proibição da indefesa. Este princípio consagra que não pode a pretensão do demandante ser dada como procedente sem antes ter sido dada oportunidade de o demandado vir apresentar a sua pronúncia sobre os factos alegados. Haverá restrições a este princípio quando não haja prévia audição do requerido em sede de providência cautelar (artigo 41º, nº 5 da LTAD) ou em sede de ordens preliminares, no âmbito da LAV.
V. Por seu turno, a alínea c) consagra uma manifestação do princípio do contraditório. Este princípio é um dos basilares de todo o processo, seja ele civil, administrativo, judicial ou arbitrai. Ele está presente tanto nas relações inter-partes, ou seja, na possibilidade de cada parte se pronunciar, pelo menos uma vez, acerca das pretensões manifestadas pela outra, como nas relações com o tribunal arbitrai, ou seja, na possibilidade de cada parte se pronunciar sobre despachos ou decisões do tribunal.
VI. A alínea d) consagra a proibição da existência de decisões-surpresa, isto é, consagra o princípio iura novit curia. Também no âmbito da LAV - cf. artigo 30º, nº 1, alínea b) - está ínsito este princípio ao referir-se que o tribunal deverá dar às partes a “oportunidade razoável de fazerem valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final”. O alcance desta alínea d) não é, todavia, claro. Esta norma pode ter apenas por objetivo que haja lugar a alegações de facto e de direito antes da decisão final, ou ter um espetro mais alargado que é o de obrigar o tribunal a emitir uma espécie de projeto de decisão sobre o qual as partes terão a oportunidade de formular os seus juízos, nomeadamente quando o tribunal tenha recorrido a outras normas ou fundamentos que aqueles aduzidos pelas partes.” - mesmo autor e obra citados a p. 187.
Donde, a interpretação conforme com os aludidos princípios do artigo 366º, nº 1 do CPC ex vi art. 41º, nº 9 da LAD, segundo o qual “ O tribunal ouve o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência” , impõe que seja tida em conta a relação jurídico processual gizada pelo Requerente, como decorre do artigo 30º, nº 3, do CPC “ Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurado pelo autor.” O que vale também para o requerente cautelar.
Tal como nas providências cautelares reguladas no CPTA, cabendo ao requerente cautelar no requerimento cautelar, em conformidade com o disposto no artigo 114º, nº3 alínea d) do CPTA, identificar os contra-interessados a quem a providência cautelar possa directamente prejudicar.
O que foi feito pelo Demandante, mas sem qualquer decisão do TAD – pelo que é possível perceber do processo – de absolvição da instância ou de rejeição de citação daquelas partes no litígio.
Donde atenta a aludida instrumentalidade do processo cautelar, conjugada com a acção principal já proposta - vide artigos 9º e 16º do probatório -, ter-se-ia de considerar a relação processual nos termos em que foi desenhada pelo requerente cautelar, como decorre também do artigo 10º do CPTA sob a epígrafe legitimidade passiva alude a que “Cada acção de ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares dos interesses contrapostos aos do autor”.
Tudo sopesado, não podia o TAD, sob pena de violação dos princípios consagrados no artigo 34º da LTAD, alíneas b) e d), sem mais, “ignorar” a existência dos contra-interessados indicados pelo Requerente cautelar.
Tanto mais que no próprio Acórdão recorrido é feita alusão aos interesses destes (vide p. 29 quanto à análise do periculum in mora):
“A lei impõe que se trata de “lesão grave e dificilmente reparável” [artigo 362º, nº 1 do Código de Processo Civil], o que obriga a ponderar não só o interesse da Demandante como a confrontá-lo com o interesse da Demandada e com os interesses de possíveis Contrainteressados…”
Que nem sequer tiveram oportunidade de defender os seus interesses que poderiam vir a ser prejudicados com o possível decretamento da providência, que foi efectivamente decretada nos termos peticionados pelo Demandante. Tendo-lhes sido coartada a possibilidade de contrariar os argumentos que foram acolhidos pelo Acórdão Recorrido para o deferimento dos pedidos cautelares.
Tanto mais que na ponderação dos interesses em litígio entendeu o Acórdão Recorrido (p.38):
Todavia, considerando que o não decretamento da providência cautelar pode gerar uma situação em que a Demandante, mesmo que a acção principal seja procedente, não consiga evitar a produção de facto consumado da não participação na LigaPro na época desportiva 2020-2021 deve concluir-se, à luz do princípio da proporcionalidade, que os prejuízos resultantes para a Demandada (e para os contra-interessados) não excedem consideravelmente o dano que a Demandante pretende evitar”.
Questiona-se, portanto, como pode o TAD, através do Acórdão recorrido, ter feito uma real e efectiva ponderação quanto ao juízo da proporcionalidade, sem ter dado oportunidade a que os potenciais prejuízos causados aos interesses dos Contra-interessados pudessem ter sido “defendidos” por estes como a Demandante e a Entidade Demandada esgrimiram os seus.
Segundo José Lebre de Freitas ("Introdução ao Processo Civil" - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pp. 105-106), “o princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.”
O resultado é tanto ou mais ainda incongruente quando foram admitidos os contra-interessados e citados na acção principal (neste TCA Sul Proc. nº 88/20BCLSB e do TAD proc. 30/2020 e 31/2020), e apesar de chamados à relação processual litigiosa foram simplesmente “ignorados”, no respectivo processo cautelar não tendo sido citados.
Assim, tal como no art. 3º, nº 3, do CPC também o artigo 34º, alínea a) da LTAD (equivalente ao artigo 4º do CPC [Igualdade das partes]) consagra o princípio do contraditório na lei processual civil, aqui aplicável supletivamente, que, constituindo corolário do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da CRP, garante uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de equilíbrio e lealdade processuais e lhes assegura a participação em idênticas situações até ser proferida decisão, proibindo decisões-surpresa (v. acórdão do STJ, de 24.3.2017, no proc. 6131/12.7TBMTS-A.P1.S1, in www.dgsi.pt ).
Donde, tendo o requerente cautelar (Demandante) identificado os clubes de futebol contra-interessados, com interesses contrapostos aos seus no decretamento do processo cautelar, não poderia o TAD, sem mais “eliminar” as partes do processo negando-lhes, por omissão, a oportunidade de contrariar os argumentos e manifestar a sua posição e a defesa dos seus interesses, através do acto processual próprio para o efeito – a citação.
Pois não se pode olvidar que a citação é o acto através do qual se dá a conhecer ao Requerido de que foi proposta contra ele determinada providência, se chama o mesmo ao processo para se defender (cf. art. 219º, nº1 do CPC), pelo que é pela citação que se assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa pelo Requerido, implicando, aliás, o acto de citação a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, a indicação do tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como a indicação do prazo dentro do qual aquele pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (cf. arts. 227º, 366º, nº 5 e 563º do mesmo CPC).
Acresce que é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da acção, apenas produz efeitos em relação ao réu /requerido a partir do momento da citação deste (artigos 259º, nº 2 e 366º, nº 2 do CPC).
Assim, além de produzir relevantes efeitos processuais, a citação produz importantíssimos efeitos materiais, compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente o acto de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais.
Tanto mais que, mesmo quando a sentença tenha transitado em julgado, a parte cujo processo tenha corrido à sua revelia, designadamente por falta de citação, constitui um dos fundamentos do recurso de revisão, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 696º do Código de Processo Civil (tal como nos artigos 154º, n. º1, e 155, º n.º 2, do CPTA).
De acordo com o disposto no artigo 188.º do CPC verifica-se a falta de citação: “a) Quando o ato tenha sido completamente omitido”
O que sucedeu no caso sub iudicevide ponto 15 do probatório.
Impõe-se, portanto, em conformidade com o disposto no artigo 187º, al. a), do CPC a anulação de todo o processado posterior ao requerimento cautelar.
Contudo como aludem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Setembro 2020, p. 242:
“1. Sendo a acção proposta contra vários réus, cada um deles tem de ser objecto de citação, sob pena de nulidade prevista no art. 186º.
2. Se a falta de qualquer dos interessados, no caso de litisconsórcio necessário [como é o caso dos contra-interessados no contencioso relativo a impugnação de actos e de normas – vide Mário Aroso e Carlos Cadilha in Comentário ao CPTA, 2017, 4ª edição, p. 393] é motivo de ilegitimidade (art. 33º, nº 1 in fine), compreende-se que a falta de citação de um dos réus inquine todo o processo, salvando-se somente as citações entretanto efectuadas (cf. o proémio do art. 187º), razão pela qual sempre se terá de fazer a citação em falta, como condição de o processo retomar a sua marcha a partir desse ponto.”
Salvando-se assim a citação e a contestação da FPF (cf. art. 195º, nº 2 do CPC), com a consequente repetição da chamada dos contra-interessados, através de notificação porque foram já citados na acção principal (cf. art. 366º, nº 2 ex vi art. 41º, nº 9 da LTAD), com vista à dedução de oposição no presente procedimento cautelar.
Em face do exposto, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos recursos interpostos do Acórdão de 27.07.2020, identificadas em I.2, assim como dos recursos interpostos contra o Acórdão de 28.08.2020, através do qual foi revogada a providência cautelar, uma vez que ficam também afectados pela nulidade prevista no art. 187º, alínea a) do CPC.
Assim, em conformidade com o disposto nos artigos 187º, al. a), e 190º, alínea a) do CPC ter-se-á de declarar a nulidade do Acórdão de 27.07.2020, por violação do disposto nos artigos 366º, nº 1 e 188º, nº 1, al. a), ambos do CPC, o que inquina toda a tramitação processual subsequente, incluindo o Acórdão de 28.08.2020 (de revogação da providência cautelar) em conformidade com o disposto no artigo 195º, nº 2 do CPC.
Pelo exposto, será de conceder provimento aos recursos interpostos pelo F....... SAD, e F....... SDUC, e julgar verificada a falta de citação dos contra-interessados, declarando-se, em conformidade com o disposto nos artigos 187º, al. a) e 190º, alínea a) ambos do CPC, a nulidade de tudo o que se processou depois da petição inicial (salvando-se a citação da FPF e a respectiva contestação), designadamente do Acórdão recorrido de 27.07.2020, bem como do acórdão de 28.08.2020, enquanto acto processual dele dependente, com a consequente substituição da citação dos contra-interessados indicados pelo Requerente cautelar, pela sua notificação nos termos do art. 366º, nº 2 do CPC.
*
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i) conceder provimento aos recursos interpostos pelo F....... SAD e F....... SDUC, ficando prejudicados os demais;
ii) anular todo o processado após a apresentação do requerimento cautelar, salvo a citação e Oposição da FPF, incluindo o Acórdão de 27.07.2020, e o processado posteriormente, como seja a revogação da providência pelo Acórdão de 28.08.2020;
iii) determinando-se a baixa dos presentes autos ao TAD a fim de serem notificados os contra-interessados para deduzirem Oposição no processo cautelar, com o inerente prosseguimento dos autos de acordo com a tramitação que se impuser.

Custas a cargo do Recorrido S.............. SAD.
Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2020


(A Relatora consigna e atesta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que os Juízes Desembargadores Catarina Vasconcelos e Paulo Pereira Gouveia, que integram a presente formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente acórdão).

Ana Cristina Lameira