Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:904/16.9BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:04/11/2024
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:INFRAÇÃO DISCIPLINAR
LEI DA AMNISTIA
Sumário:I- Estando em causa: (i) a aplicação de sanções disciplinares não superiores a suspensão; (ii) não constituindo a infração disciplinar simultaneamente ilícito penal não amnistiado pela Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto; (iii) e tendo sido, como foi praticada em data anterior a 2022-06-19, tal infração disciplinar encontra-se amnistiada, de acordo com o determinado no art. 2.º, n.º 1 e no art. 6.º do supra identificado diploma.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:

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I. RELATÓRIO:
J……….., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - MJ, ação administrativa de impugnação do despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - DGRSP, de 2016-07-01, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão, por 40 (quarenta) dias, no âmbito do processo disciplinar n.º …….-D/2013, visando a :«…revogação do despacho punitivo…» e que «…sejam os autos disciplinares arquivados sem qualquer consequência negativa para o A…».

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O TAF de Almada, por Sentença de 2020-06-22, julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada dos pedidos: cfr. fls. 641 a 719.

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Inconformado o A., ora recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou a revogação da Sentença recorrida, para tanto, apresentando as respetivas alegações e conclusões: cfr. fls. 723 a 744.

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Por seu turno a Entidade Demandada, ora entidade recorrida, apresentou as contra-alegações com as respetivas conclusões, pugnando pela improcedência do presente recurso e pela manutenção da Sentença recorrida com as devidas consequências legais: cfr. fls. 745 a 761.

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O recurso foi admitido em 2022-01-19: cfr. fls. 778.

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E tendo subido os autos a este TCA Sul, foi então dado cumprimento ao disposto no art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, nada tendo vindo o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal dizer, requerer ou promover aos presentes autos: cfr. fls. 773.

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Notificadas as partes e o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso concreto, o EMMP promoveu, em resumo útil, que: “… que a aplicação de sanção disciplinar (...) em apreço (…) não (…) integre a exceção à aplicação desta amnistia…”; o recorrente advogou, no essencial, que: “…poderá admitir a aplicação da Lei 38-A/2023 de 2 de agosto, se a amnistia produzir efeitos ex tunc, i.e., efeitos retroativos no que tange aos efeitos já produzidos na esfera jurídica do recorrente, uma vez que os 40 dias de suspensão, gerou efeitos diretos em sede remuneratória e na antiguidade, sendo aliás, esta a interpretação que se extrai da aludida lei…” e a entidade recorrida defendeu, em síntese, que: “… mostrando-se abrangida pela Lei da Amnistia a sanção disciplinar em discussão nos presentes autos, ocorre, consequentemente, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide…”: cfr. fls. 801; 805; 808 e 811.

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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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II. OBJETO DO RECURSO:
Antes da apreciação e decisão das questões colocadas pelo recorrente, delimitadas pelo teor das alegações de recurso e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), importa, aferir da aplicação, ao caso concreto, da invocada Lei da Amnistia: neste sentido vide v.g. Acórdão deste TCAS, de 2023-11-23, processo n.º 80/23.0BCLSB e fls. 801.

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
Remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA.

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B – DE DIREITO:
Aqui chegados e como sobredito, o A., ora recorrente, intentou no TAF de Almada ação administrativa visando a: «…revogação do despacho punitivo…» proferido pelo DGRSP, em 2016-07-01 que, no âmbito do processo disciplinar n.º …….-D/2013, lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão, por 40 (quarenta) dias.


Sendo que, por Sentença de 2020-06-22, o TAF de Almada julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada, ora recorrida, dos pedidos.


Sucede que, em 2023-09-01, entrou em vigor a supramencionada Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, cujo art. 6º tem o seguinte teor: “…São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar…”.


No caso dos autos, no processo disciplinar em que foi arguido o ora recorrente, foi-lhe aplicada, repete-se, a sanção disciplinar de suspensão, por 40 (quarenta) dias, pelo que estando também em causa, como estão, factos anteriores a 2023-06-19; não sendo a sanção aplicada superior à suspensão disciplinar e os referidos factos não constituindo, simultaneamente, ilícito criminal não amnistiado, a infração disciplinar em causa encontra-se, pois, amnistiada: cfr. art. 1º, art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 7º e art. 14º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A e art. 8º ambos do CPTA e fls. 801; 805; 808 e 811.


Ademais, notificadas as partes e o EMMP da eventual aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso concreto, também o recorrente com tal possibilidade se conformou, posto que, pronunciando-se, expressamente, não recusou a aplicação referida amnistia: cfr. art. 11.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 7º-A do CPTA.


Acresce que, com inteira aplicação ao caso concreto: “… a amnistia da infração disciplinar em sentido próprio, é aquela que ocorre antes da condenação do trabalhador, refere-se à própria infração e faz extinguir o procedimento disciplinar.
Por sua vez, a amnistia em sentido impróprio, ou seja, a que ocorre depois da condenação, apenas impede ou limita o cumprimento da sanção disciplinar aplicada, fazendo cessar ou restringir a execução dessa sanção, bem como das sanções acessórias.
13. No caso presente, como o artigo 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2/8, não distingue entre amnistia própria e amnistia imprópria, o efeito útil da norma é o de que a amnistia aí prevista constitui uma providência que “apaga” a infração disciplinar, sendo por isso apropriado falar-se aqui numa abolição retroativa da infração disciplinar, porquanto esta (a amnistia), opera “ex tunc”, incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, que cai em “esquecimento”, tudo se passando como se não tivesse sido praticado e, consequentemente, eliminado do registo disciplinar do trabalhador…”: cfr. Acórdão do deste TCAS de 2023-10-12, processo 400/22.5BEBJA, disponível em www.dgsi.pt.


Dito de outro modo, não distinguindo entre amnistia própria e imprópria, objetivamente, o art. 6° da Lei n° 38-A/2023, de 2 agosto “apaga" a infração disciplinar, abolindo retroativamente a infração disciplinar aplicada, opera assim “ex tunc", incidindo não apenas sobre a própria sanção aplicada, como também sobre o facto típico disciplinar passado, o qual cai em “esquecimento", tudo se passando como se não tivesse sido praticado, podendo, consequentemente, vir a ser apagado do registo disciplinar do trabalhador: cfr. Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB; Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB; Acórdão deste TCAS, de 2023-10-12, processo n.º 699/23.0BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt.; vide Direito Disciplinar Público – Comentário ao Regime Jurídico - Disciplinar da LTFP, Abel Antunes – David Casquinha, Rei dos Livros, 1.ª EDIÇÃO, setembro 2018, fls. 442 a 444.


Destarte, constituindo o objeto do presente recurso a decisão que julgou a ação improcedente e que manteve a sanção disciplinar de suspensão, tal demanda declarar agora amnistiada a referida infração disciplinar por força do art. 2º n.º 1 e art. 6º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.


Consequente e logicamente, com o “desaparecimento” da referida infração disciplinar de suspensão cairá o ato punitivo que sancionou o recorrente, tornando, pois, impossível o prosseguimento da presente lide recursiva, por aquele ato punitivo ter deixado de ter existência jurídica: cfr. art. 2.º, n.º 2, al. b); art. 6.º, art. 11º e art. 14 º todos da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto; art. 277º al. e) do CPC ex vi art. 1º CPTA; art. 7º-A do CPTA.


Donde, alinhando ainda com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - por com a mesma se concordar e por ter inteira aplicação ao caso concreto - igualmente se conclui aqui, que a: “… amnistia faz cessar a responsabilidade disciplinar do arguido, pelo que, salvo disposição legal em contrário, tem eficácia ex tunc, e faz desaparecer o objeto da ação que visa a anulação ou declaração de nulidade do ato que aplicou a pena disciplinar…”: cfr. Acórdão do STA, de 2023-11-16, processo n.º 0262/12.0BELSB e Acórdão do STA, de 2023-12-20, processo n.º 0699/23.0BELSB disponível em www.dgsi.pt..

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DAS CUSTAS:
Verificando-se uma situação de amnistia, como aquela que ocorre nos presentes autos, aplica-se, aliás como bem o sublinha a entidade recorrida, quanto a custas processuais, o disposto no art. 536.º n.º 2 al. c), do CPC ex vi art. 1º do CPTA.

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III. DECISÃO:
Nestes termos, e pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em declarar amnistiada a infração disciplinar pela qual o aqui recorrente foi condenado e julgar extinta a presente instância de recurso, por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo do recorrente e da entidade recorrida em partes iguais.

11 de abril de 2024
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Julieta França – 1ª adjunta)
(Frederico Branco – 2º adjunto)