Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1927/14.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/01/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
ARTIGO 45.º, N.º 5, DA LGT
Sumário:I - O pagamento do imposto apenas tem a ver com a exigibilidade da dívida, levando à extinção da execução por concretizar a cobrança, mas não determina a extinção da instância do processo de impugnação por nada ter a ver com a legalidade da liquidação impugnada.
II - A aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT está dependente, tão só, de o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, sendo a data relevante a da instauração do inquérito criminal.
III - Não chega alegar que se trata de empréstimos, e que assim foram relevados contabilisticamente, para afastar os indícios recolhidos pela AT de que tratam-se de rendimentos de capitais, subsumíveis no disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, é necessário provar tal factualidade e a prova há-de ser feita pela forma legal exigida para esse efeito, ou seja, escritura pública ou documento particular autenticado ou documento assinado pelo mutuário, consoante os valores que estejam em causa (cfr. artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil), sendo certo também que o ora Recorrente prescindiu da prova testemunhal arrolada na petição inicial.
IV - A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. R....., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 30/04/2022, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, na qualidade de responsável subsidiário por dívidas tributárias de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) da sociedade D....., Lda., contra as liquidações de IRS (Retenção na Fonte) n.ºs ….. 03 e ….04, acrescidas dos respetivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2007 e 2008, no montante global de €495.509,20.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e prolixas conclusões:

«I. A sentença recorrida labora em erro de julgamento na seleção da matéria de facto e na sua subsunção ao direito.

II. O erro de julgamento verifica-se nos quatro temas abordados pelo Tribunal recorrido. A Saber:

• Caducidade do direito de liquidação;

• Erro nos pressupostos de facto e de direito na determinação do ato de liquidação impugnado;

• Da fundada dúvida sobre a existência do facto tributário • Violação do disposto no nº 2 do artigo 91 da LGT.

DA CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO

III. Em matéria de caducidade do direito de liquidação o tribunal recorrido com base nos documentos juntos com a petição deveria ter dado como provado que:

• A liquidação impugnada teve origem na Ordem de Serviço ….47, emitida pelos Serviços do Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal em 2010-01-20, relativamente aos anos de 2007 e 2008.

• A inspeção se iniciou em 2011-05-02, com a assinatura da Ordem de Serviço por parte do sujeito passivo, na pessoa do seu gerente, Sr. F.......

• O prazo para a conclusão do procedimento de inspeção tributária foi ampliado por um período adicional de três meses, ao obrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36. ° do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT), tendo-se procedido à notificação do sujeito passivo conforme Ofício n.º ……4, datado de 2011-10-18, através de carta registada com AR, sob o registo n.º RM 6732 9328 9 PT, recebida em 2011-10-20.

• O prazo para a conclusão do procedimento de inspeção tributária foi ampliado, por um segundo período adicional de três meses, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36. ° do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT), tendo-se procedido à notificação do sujeito passivo conforme Ofício n.º …..1, datado de 2012-01-12, através de carta registada com AR, sob o registo n.º RM 6737 8924 5 PT, recebida em 2012-01 - 16.

• Os atos de inspeção terminaram em 2013-07-29, com o envio da Nota de Diligência ao sujeito passivo, bem como para o representante, o gerente Sr. F...... e do sócio Sr. R......, através de cartas registadas com aviso de receção.

• A notificação da liquidação do imposto em sede de IRS foi remetida para: R….— Bairro da Encarnação, nº…, 1800-…. Lisboa.

• Conforme se pode verificar pela consulta da certidão comercial da sociedade, a D...... Lda tinha sede na Rua Natá1ia Correia, nº … —…, 2680-….. Camarate.

IV. Em face da adenda à matéria dos factos provados temos que o prazo de caducidade da liquidação:

Se iniciou relativamente ao exercício de 2007, em 31 de Dezembro desse ano. E, relativamente ao exercício de 2008 em 31 de Dezembro desse ano.

Se suspendeu desde 2 de Maio de 2011 com a notificação ao contribuinte do início da inspeção externa por um período de 6 meses, ou seja até 2 de Novembro de 2011.

Se ampliou por mais seis meses por efeito das duas prorrogações de prazo, ocorridas em 2011-10-20 e 2012-01 -16, ou seja até 2012-04-16.

V. O tribunal recorrido fundamenta a sua decisão direito citando (último parágrafo de p.35) os funcionários da Autoridade Tributária J......, G......, V...... e M......, in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada 2015, p. 412, nos seguintes termos: “.. a norma consagrada no nº 5 do artigo 45 da LGT permite o alargamento do prazo de caducidade até ao arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado acrescido de um ano, destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial..”

VI. A interpretação daqueles funcionários tributárias tem como preocupação central a liquidação do imposto. O que se compreende atendendo a natureza das suas funções.

VII. O que não se entende é que o Tribunal na sua interpretação do nº 5 do artigo 45 da LGT não tenha ponderado o regime legal dos direitos liberdades e garantias consignados na Constituição.

VIII. Se é de ponderar o facto do imposto ter que ser cobrado, não é menos verdade que essa preocupação não pode ser feita à custa da compressão do regime dos direitos liberdades e garantias dos indivíduos.

IX. O direito à liquidação do imposto e os direito individuais podem e devem ser harmonizados.

X. Para isso basta associar o inquérito criminal a uma pessoa determinada. XI. Assim, caso corra inquérito contra pessoa determinada, o que só se verifica quando há constituição de arguido, compreende-se que o prazo de caducidade da liquidação seja suspenso enquanto não estiver definitivamente esclarecida a sua situação

XII. O que não faz qualquer sentido é que a existência de um inquérito crime de “per si “ suspenda o curso do prazo de qualquer liquidação.

XIII. Para termos a noção do absurdo, a vingar a interpretação dos funcionários da Autoridade Tributária: - sempre que for aberto um inquérito, todos os contribuintes (milhões) sem exceção ficam perante a ameaça de uma liquidação adicional.

XIV. Acresce que isso gera uma intranquilidade intolerável já que qualquer um de nós, pode decorrido mais de 4 sobre a liquidação, ver-se confrontado com liquidações adicionais.

XV. O que põe em causa uma valor fundamental do Estado de Direito: - a “segurança jurídica “.

XVI. Pior, abre a porta a um estratagema da autoridade tributária, que sempre que for confrontada com o decurso do prazo de caducidade da liquidação, pode através da abertura de um inquérito crime fintar esse prazo.

XVII. O que é tanto mais grave, já que isso pode ocorrer mesmo que o processo de inquérito venha a ser arquivado.

XVIII. Foi essa a interpretação do tribunal recorrido, que interpretou o nº 5 do artigo 45 da LGT no sentido de que “ ...sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de 4 anos é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano..”.

XIX. Será possível ultrapassar essa interpretação absurda se conjugarmos o nº 5 com o nº 1 do artigo 45 da LGT.

XX. A conjugação desses números leva-nos ao entendimento que “o alargamento do prazo “só ocorre se não se tiver esgotado já o prazo inicial de caducidade do direito de liquidação. “

XXI. Por outras palavras, só se pode alargar um prazo que ainda esteja em curso.

XXII. Ora, quando a “D...... LDA“ e o R..... foram constituídos arguidos, respetivamente em 19 de Abril de 2013 e 30 de Maio de 2013, há muito tinha caducado o direito à liquidação.

XXIII. Pelo que não é possível “alargar“ por efeito do nº 5 do artigo 45 da LGT, um prazo já caducado.

XXIV. A interpretação do nº 5 do artigo 45 em que se fundamenta o tribunal recorrido é ilegal na forma de vicio de violação de lei, pelo que o ato de liquidação é anulável.

XXV. A interpretação do Tribunal “ a quo “ do nº 5 do artigo 45 da LGT no sentido que a mera instauração do inquérito criminal, sem que haja arguidos constituídos alarga o prazo da caducidade do direito à liquidação até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano é também inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais:

• da imparcialidade e da legalidade;

• da segurança e das certezas jurídicas das garantias dos contribuintes; • da presunção de inocência;

• da proteção da confiança;

• da igualdade e da tutela judicial efetiva.

• No âmbito do direito tributário, o prazo de caducidade estabelecido no nº 5 do artigo 45º da LGT, além de não se justificar por razões objetivas de segurança jurídica, origina uma intolerável indefinição da situação do obrigado tributário.

XXVI. O nº 5 do artigo 45º da LGT, na interpretação do tribunal recorrido permite à AT prolongar o prazo de caducidade do direito à liquidação, já que, pode instaurar o inquérito criminal, arquivá-lo ou reabri-lo quando bem entenda, sem que disso o suspeito tenha qualquer conhecimento na medida em que não foi constituído arguido sabe que contra ele corre inquérito crime, é gerador de uma grave violação aos aludidos princípios constitucionais.

XXVII. Os princípio da imparcialidade da legalidade visam garantir uma tutela efetiva da imparcialidade, transparência e isenção da Administração nos seus procedimentos, sendo a tutela destes princípios prosseguida fundamentalmente de uma forma preventiva.

XXVIII. O que não aconteceu, já que atendendo à materialidade provada não há dúvida que o n.º 5 do artigo 45º da LGT na interpretação do tribunal recorrido viola o princípio da imparcialidade, já que permite a AT agir sem conhecimento do contribuinte.

XXIX. A inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 45º da LCT, quando interpretado no sentido de se dispensar ao contribuinte a notificação expressa da instauração do inquérito e por consequência, a sua constituição como arguido para fazer operar a suspensão do prazo de caducidade, viola também os artigos 103.º n.º 2 e 20.º da Constituição.

XXX. A «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva é aferida, por dois critérios:

• A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar;

e ainda;

• quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a l .ª revisão).

XXXI. A nosso ver, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas, derivados do nº 5 do artigo 45º da LGT.

XXXII. O princípio in dubio pro reo assenta na consagração constitucional do princípio da presunção de inocência do art.º. 32.º, n.º 2, da CRP.

XXXIII. Daqui resulta que não recai sobre quem é considerado inocente, a obrigação de ilidir a presunção dessa mesma inocência.

XXXIV. Ora, o nº 5 do artigo 45º da LGT na interpretação do tribunal recorrido funciona como uma presunção de culpa já que permite que antes dos factos eventualmente integrantes de ilícito criminal serem imputados ao contribuinte, seja alargado o prazo da caducidade, com a mera instauração do inquérito criminal.

XXXV. Significa isto que o alargamento do prazo de caducidade, nos termos referidos, não depende do efetivo exercício da ação penal, melhor dizendo, da constituição de arguido.

XXXVI. Nesta medida, o nº 5 do artigo 45º da LGT viola também o princípio constitucional de presunção de inocência do arguido contido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.

XXXVII. Para ser conforme com o artigo 32, nº 2 da Constituição a caducidade do direito à liquidação só se pode suspender, quando o contribuinte é notificado dos factos pelos quais foi constituído arguido.

XXXVIII. Pelo exposto, não sendo aplicável o n.º 5 do artigo 45º da LGT em virtude da sua inconstitucionalidade material, o prazo da caducidade é de 4 anos.

XXXIX. Assim é manifesto, face à materialidade apurada, que o direito à liquidação do imposto ora impugnado já caducou, devendo anular-se, por essa razão, o ato tributário impugnado.

VÍCIOS DE VIOLAÇAO DE LEI POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO

XL. Em matéria de factos provados, o tribunal recorrido deu como não provado, ter existido qualquer empréstimo entre a sociedade e terceiros, “...desde logo por o contrato de mútuo consubstanciar um contrato formal........ e a impugnante não ter procedido à junção de qualquer documento comprovativo da respetiva celebração..” – 1º parágrafo p. 29.

XLI. A recorrente entende que em função dos registos da contabilidade e por força da veracidade das declarações contabilísticas que deve ser dado como provado que as transferências que a seguir detalhamos correspondem a empréstimos.

XLII. Em 2007 foi transferido o montante de €827.000,00 (oitocentos e vinte e sete mil euros) e em 2008, o montante de €1.l89.450,00 (um milhão cento e oitenta e nove mil quatrocentos e cinquenta euros).

XLIII. No essencial, os fundamentos para as correções efetuadas consistiram em que foram transferidos montantes das contas bancárias da sociedade executada para as contas dos seus sócios, ou de terceiros, mas no interesse económico dos sócios.

XLIV. Na contabilidade da D...... as importâncias objeto das transferências foram relevadas como mútuos concedidos às entidades identificadas no RIT.

XLV. Sem qualquer sustentação documental, de forma arbitrária o tribunal recorrido:

• considerarou que essas transferências foram efetuadas no interesse económico dos sócios;

• e presumiu que se tratava de adiantamento por conta de lucros nos termos do n° 4 do art.º 6º do CIIIS, sendo considerados como rendimentos de capitais nos termos da alínea h) do n° 2 do art.° 5º do CIRS.

XLVI. Ora, presumindo-se verdadeiras a declaração da contribuinte tem de aceitar-se que:

• a contabilidade desta reflete a realidade das operações efetuadas;

• as transferências são empréstimos às entidades mencionadas no RIT, destinadas a fazer face às necessidades financeiras destas.

XLVII. Daqui resulta que as transferências de verbas, usando as contas particulares dos sócios do sujeito passivo, jamais constituíram um benefício económico para estes, já que não existia, uma conta corrente visando obter para eles qualquer proveito.

XLVIII. Vejamos:

- A questão essencial é saber: - se os alegados indícios de adiantamento por conta de lucros recolhidos pela Administração Tributária são suscetíveis de abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações do sujeito passivo D...... nos termos do artigo 75.° da LGT?

XLIX. O tribunal recorrido diz que a AT “demonstrou cabalmente a legalidade do seu agir e que era ao contribuinte que incumbia demonstrar a causa subjacente às transferências..” – último parágrafo p. 48.

L. O tribunal recorrido não tem razão quanto ao ónus da prova.

LI. Vejamos, a AT, no exercício da sua competência de fiscalização atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, pelo que lhe cabe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos que a levaram a efetuar as correções que suportam a liquidação.

LII. Assim, no caso dos autos a AT teria o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar os elementos da contabilidade da contribuinte, que a levaram a concluir que se trata de operações fictícias por existirem indícios que as transferências visaram o proveito económico dos sócios da D......, Lda., configurando, por isso, adiantamentos por conta de lucros

LIII. Atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita, só a demonstração que existiam contas correntes entre a sociedade e os sócios pode abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte - art.º 75° da LGT.

LIV. Atenta a análise crítica de toda a prova documental produzida temos de concluir: - a invocada falta de forma dos mútuos tese da AT e do tribunal recorrido não está suficientemente ancorada com vista a concluir-se que as transferências em causa não constituíram empréstimos ainda que destituídos da forma legalmente exigível, como de resto resulta do RIT.

LV. Atenta a natureza das relações entre todos os intervenientes é perfeitamente compreensível que os mútuos não tivessem sido feitos por escritura pública.

LVI. Aliás, a falta de forma nos contratos de mútuo tem como consequência legal a obrigação de restituição das quantias mutuadas, pelo que o cumprimento da forma não acrescenta qualquer garantia.

LVII. O circuito das transferências, onde são claramente identificados o tempo e os beneficiários, associado ao registo na contabilidade na categoria de empréstimos confirmam que no caso estamos perante contratos de mútuo.

LVIII. Assim, não se percebe que a sentença recorrida (1º parágrafo de p.29) perante factos notórios comprovados documentalmente, tenha dado como não provado que as transferências bancárias efetuadas pela D...... nos exercícios de 2007 e 2008 consubstanciam mútuos concedidos por razões de emergência financeira das entidades beneficiárias.

LIX. Aliás, esta conclusão é incongruente com o facto indicado no ponto 10 (p.12) em que dá como provado que uma das destinatárias dos empréstimos a I...... foi declarada insolvente em 20.01.11.

LX. Se as transferências estão registadas na contabilidade como “empréstimos “, se os circuitos do dinheiro estão provados por documento e coincidem com o que está na contabilidade e se ainda por cima está provado por documentos as dificuldades de uma das beneficiárias ( Impéravis,) só se pode concluir que essas transferências correspondem a empréstimos feitos pela mutuante a terceiros.

LXI. As correções que deram origem à liquidação impugnada não podem manter-se, uma vez que a Administração não fez prova, como lhe é exigido, do fundamento da sua presunção de existência de adiantamento por conta de lucros.

LXII. Na falta dessa prova, a questão relativa à legalidade da sua atuação, praticando o ato tributário impugnado, terá que ser resolvida contra ela, ao abrigo do princípio do veracidade previsto no art.º 75º da LGT.

LXIII. Na verdade, nos termos do referido art.º 75º da LGT, organizada a escrita nos termos da lei comercial e fiscal, salvo a existência de erros, inexatidões ou outros indícios fundados resultantes da mesma de que não reflete a real matéria tributável do contribuinte, há que presumir a sua veracidade.

LXIV. Trata-se de um presunção legal, ainda que “iuris tantum”, que exige que a parte a quem seja oposta para a ilidir, faça a prova do contrário.

LXV. Como resulta do Ac. do TCA, Rec. n° 1.292/03, de 9 de Maio de 2006 “(...) quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (...), o contribuinte , se tiver a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os factos delas decorrentes. Só assim não será caso de, (...), se verificarem erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva: neste caso, cessa a presunção, mesmo que a escrita esteja organizada de acordo com a lei. E isso é o que verifica quando a contabilidade, apesar de estar formalmente organizada, for avaliada do ponto de vista técnico-contabilístico e se verificar então que omite operações efetuadas ou inclui operações não efetuadas.

LXVI. “... a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respetiva comprovação.”. Ac. Do TCA, Rec. 2597/99.

LXVII. Acresce que no direito tributário vigora o princípio do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, por isso se os factos relevantes se não provarem, ela tem de ser decidida de forma desfavorável àquele sobre quem impende, nos termos legais, o respetivo ónus probatório —cfr. , o Ac. do TCA de 99. 12.14, Rec. nº. 2.467/99.

LXVIII. No caso dos autos à AT tinha de fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)... “ bastando ,”...ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos...” Cfr. Ac. do TCAS, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.

LXIX. E não fez.

LXX. A presunção de adiantamentos de lucros só pode operar se existir lançamento em conta-corrente do impugnante e escriturada na sociedade.

LXXI. Neste sentido, o Acs. do TCA proferido no recurso 1703/99 em 06/03/2001,




LXXII.

LXXIII.

LXXIV. Neste contexto a sentença recorrida quando refere que o “impugnante não logrou demonstrar que as transferências efetuadas pela sociedade ...............constituíram verdadeiros mútuos” (último parágrafo p.49) inverte o ónus da prova, já que cabe à AT demonstrar que o que estava inscrito e registado na contabilidade não era verdade.

LXXV. Pelo exposto, as correções técnicas operadas pela AT e relevadas na sentença recorrida não têm qualquer base legal, pelo que as liquidações impugnadas estão contaminadas de ilegalidade na forma de vicio de violação de lei, pelo devem ser anulados.

DA FUNDADA DÚVIDA SOBRE A EXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO.

LXXVI. Está dito na sentença recorrida “...não tendo o impugnante cumprido os ónus probatórios que sobre si impendiam não poderá vir a beneficiar de uma eventual situação de incerteza subsistente, ao abrigo do disposto no artigo 100..” – 1º parágrafo p.50.

LXXVII. O artigo 100 dispõe: “.. sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o ato impugnado deverá ser anulado..”.

LXXVIII. Está assim consagrada o princípio que a dúvida reverte a favor do contribuinte, por força da prevalência do princípio da verdade material.

LXXIX. Ora, da prova carreada para os autos resulta uma dúvida sobre a existência do facto tributário que é a realidade dos eventos concretos de natureza económica, que revelem a capacidade do contribuinte subsumindo-as às normas de incidência real.

LXXX. Isto porque os fundamentos aduzidos pela AT são plenamente contrariados com os elementos e documentos da contabilidade vertidos no RIT.

LXXXI. Existindo fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do ato de liquidação terá a mesma de beneficiar o recorrente, anulando-se também por este fundamento, as liquidações controvertidas.

DO EFEITO DO PEDIDO DE REVISÃO PREVISTO NO ARTIGO 91 LGT

LXXXII. A sentença recorrida dá como assente (ponto 27) que:

• “... a impugnante apresentou...... pedido de revisão da matéria coletável.

• No caso dos autos para além de se discutir só a legalidade das liquidações de IRS ....as quais não foram objeto do pedido de revisão formuladas pelo impugnante, as mesmas resultaram de correções.........técnicas efetuadas pela AT.... e não de correções com recurso a métodos indiretos”.. 1º e 2º parágrafo p.52.

LXXXIII. Do nº 4 do artigo 22 da LGT decorre que o responsável subsidiário pode reclamar e impugnar nos mesmos termos do devedor principal – vide Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, 5º edição, vol 1, p.846.

LXXXIV. A apresentação do pedido de revisão tem efeito suspensivo de todas as liquidações baseadas no processo inspetivo - nº 2 do artigo 91 da LGT.

LXXXV. No caso dos autos a AT corrigiu a matéria tributável de IRC, IVA e IRS, relativa aos exercícios de 2008 e 2008, pelo que com a dedução do pedido de revisão ficaram automaticamente suspensas todas as liquidações, nomeadamente por efeito do princípio da impugnação unitária.

LXXXVI. A preterição daquela formalidade implica a nulidade de todas as liquidações adicionais que se tenham baseado nessa correção, uma vez que são consequentes do ato que corrigiu a matéria tributável em sede de IRC, IVA e IRS.

LXXXVII. Também neste ponto, o acórdão recorrido merece censura, pelo que por força do princípio da impugnação unitária devem ser declaradas nulas todas as liquidações adicionais, incluindo as que se basearam em correções técnicas, – nº 2 do artigo 91 da LGT.

Termos em que com fundamento nos invocados erros de julgamento, na apreciação da matéria de facto e na solução de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que anule o ato de liquidação impugnado.»

3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de (i) erro de julgamento da matéria de facto quanto aos factos dados como provados, (ii) erro de julgamento por ter considerado que não se verifica a caducidade do direito à liquidação e quanto à apreciação da inconstitucionalidade do n.º 5, do artigo 45.º da LGT, (iii) erro de julgamento relativos aos pressupostos de facto e de direito que sustentam as correcções e por violação do 100.º, n.º 1 do CPPT, e, (iv) erro de julgamento sobre o efeito do pedido de revisão (artigo 91.º, n.º 2 da LGT).

Como questão prévia apreciar-se-á da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. A sociedade D....., Lda. (NIF 50……) é uma sociedade por quotas, constituída em janeiro de 1998, inicialmente com o capital social de €109.736,00, distribuído pelos sócios F...... (NIF …..50), L......(NIF …….73) e I…..– S……, S.A. (NIPC …….75) – cfr. R.I.T. e respetivo anexo 4, juntos a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

2. A «forma de obrigar» da sociedade mencionada no ponto antecedente ocorria «com a assinatura de qualquer um dos gerentes», tendo o sócio F...... sido nomeado para exercer formalmente a respetiva «gerência», durante o quadriénio 2005/2008 – cfr. Certidão permanente junta como Anexo 5 do R.I.T., a fls. 241 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

3. A sociedade D....., Lda. tinha como objeto social a «realização de todas as operações inerentes à exploração comercial de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de abastecimento de combustíveis, bem como a gestão de centros comerciais» – cfr. R.I.T. e respetivo anexo 4, juntos a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

4. A sociedade D....., Lda. tinha como atividade principal declarada o exercício de «comércio a retalho em supermercados», a que corresponde o CAE 047111, com início em janeiro de 1998 – cfr. R.I.T. junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

5. Em 17.11.2008, foi efetuado um aumento de capital no montante de €190.264,00 e houve lugar à entrada do aqui Impugnante, R....., como novo sócio da D....., Lda. – cfr. R.I.T. junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

6. No exercício de 2007, a sociedade D....., Lda. declarou €16.203.094,36 a título de proveitos, €15.784.561,53 a título de custos e um resultado líquido do exercício no valor de €306.575,24 – cfr. ponto III.2.1 do R.I.T. junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

7. No exercício de 2008, a sociedade D....., Lda. declarou €16.259.779,24 a título de proveitos, €15.546.637,75 a título de custos e um resultado líquido do exercício no valor de €532.618,63 – cfr. ponto III.2.1 do R.I.T. junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

8. Não existe nenhuma relação comercial e/ou jurídica entre a sociedade D....., Lda. e a sociedade I......, S.A. (NIPC 50…..) – cfr. Ponto III.1.4.1 do R.I.T. e respetivo Anexo 10 (auto de declarações de 18.07.2011), juntos a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

9. De 2006 a 18.11.2008, F...... foi administrador da sociedade I......, S.A. (NIPC …….81), cujo objeto social consistia na «compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, exercício da construção civil, empreitadas de obras públicas e privadas…» – cfr. Ponto III.1.4.1 do R.I.T e respetivo Anexo 37 (certidão permanente), juntos a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

10. A sociedade I......, S.A. foi declarada insolvente por sentença datada de 20.01.2011, e a sociedade D....., Lda. não constava da respetiva lista de credores – cfr. Ponto III.1.4.1 do R.I.T. junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

11. De 21.12.2005 a 08.07.2008, o Impugnante foi sócio gerente da sociedade S......, Lda. – cfr. Ponto III.1.4.1 do R.I.T e respetivo Anexo 45 (certidão permanente), juntos a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

12. No ano de 2007, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18….. do Banco P….., por si titulada e refletida na sua contabilidade, os seguintes montantes (cfr. conjugação dos pontos III.1.1.1, II.11.2, quadro 2, III.5.1.1., quadro 39 do RIT e respetivos Anexos 18 e 84):

i. Em 18.05.2007, €30.000,00 a favor da sociedade S......, Lda.;

ii. Em 30.05.2007, €300.000,00 a favor da sociedade I......, S.A.;

iii. Em 31.07.2007, €300.000,00 a favor da sociedade I......, S.A..

13. Em 2008, F...... recebeu €648.642,37 da sociedade D......, SGPS, sociedade detentora da S......, Lda. – cfr. Pontos III.1.4.2 e III.5.1.1. do R.I.T. e respetivos Anexos 29, junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

14. Em 31.12.2007, o saldo devedor existente na conta POC “26.8.1.102 – Devedores Diversos – I......”, que era de €300.000,00, foi transferido para a conta “25.5.1.2.2. – Sócios – Empréstimos concedidos – F......” – cfr. Pontos III.1.4.1 e III.5.1.1. do R.I.T., junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

15. No exercício de 2007, foi transferido um montante total de €142.000,00 da conta n.º 18….. do Banco P...... (titulada pela sociedade D....., Lda. e não revelada na sua contabilidade), sem que tais movimentos tenham sido registados na contabilidade da sociedade D......, nos seguintes termos (cfr. pontos III.1.1.1. e III.1.1.2. e III.5.1.1. do R.I.T. e respetivo Anexo 86, junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos):

i. Em 09.05.2007, €50.000,00 a favor de C......;

ii. Em 09.01.2007, €7.000,00 a favor de F......;

iii. Em 10.12.2007, €50.000,00 a favor de F......;

iv. Em 27.02.2007, €30.000,00, a favor do Impugnante R.....;

v. Em 08.11.2007, €5.000,00, a favor do Impugnante R......

16. F...... declarou em Auto de Declarações, datado de 18.07.2011, que a conta n.º 18……. do Banco P...... «se trata de uma conta da sociedade, utilizada pelo sócio gerente Sr. F...... para fins pessoais» – cfr. Anexo 10 e pontos II.11.2. e III.5.1.1. do R.I.T. apenso aos autos;

17. No exercício de 2007, foi transferido um montante total de €55.000,00 da conta n.º 18….. do Banco P......, titulada pelo sócio F......, refletida na contabilidade da sociedade D....., Lda. e na qual eram creditados os recebimentos dos TPA’s provenientes da atividade da sociedade, para a conta bancária da sociedade I......, S.A., sem que tais movimentos tenham sido registados na contabilidade da sociedade D...... – cfr. Pontos II.11.2, III.1.1.1 e III.5.1.1. do R.I.T., junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos;

18. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18….. do Banco P......, um total de €600.450,00 a favor do sócio F...... – cfr. ponto III.5.1.2. do RIT e respetivos Anexos 27 e 87;

19. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 08…… do B...... (titulada pela sociedade D....., Lda. e não revelada na sua contabilidade), um montante total de €294.000,00 a favor do sócio F...... – cfr. ponto III.5.1.2. do RIT e respetivo Anexo 49;

20. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18…. do Banco P......, um montante total de €295.000,00 a favor do sócio F...... – cfr. ponto III.5.1.2. do RIT e respetivos Anexos 88, 26 e 27;

21. Encontra-se a correr termos no Tribunal Judicial de Almada o Processo de Inquérito NIUPC 3026/09.5TAALM, no âmbito do qual o aqui Impugnante, R....., e F...... figuram como arguidos, tendo sido pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), 104.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do RGIT, relativo a IRS, IRC e IVA dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 – cfr. 226 e ss SITAF;

22. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI 20……, emitida em 20.01.2010, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal desencadearam à sociedade D....., Lda. (NIF 50…..) uma ação de inspeção externa, que teve origem no processo de inquérito mencionado no ponto antecedente, tendo por objeto a verificação do cumprimento das obrigações fiscais, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPIT, com referência aos exercícios de 2007 e 2008, da qual resultaram, designadamente, correções meramente aritméticas por imposto em falta referente a retenções na fonte de IRS, nos montantes de €165.400,00 (2007) e de €237.890,00 (2008) – cfr. R.I.T. e respetivo Mapa Resumo das Correções Resultantes da Ação de Inspeção, elaborado por referência à ação inspetiva efetuada à sociedade D....., Lda., junto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos, que se dá integralmente por reproduzido;

23. Da ação inspetiva efetuada à mencionada sociedade, resultou o relatório inspeção tributária e respetivos anexosjunto a fls. 177 e ss do P.A.T. apenso aos autos, que se dão integralmente por reproduzidas para todos os efeitos legais, e que parcialmente se transcreve –, do qual consta, designadamente e para além do mais que se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a seguinte fundamentação relativa às correções meramente aritméticas efetuadas por referência a retenções na fonte de IRS:

“(…)

I Conclusões da Ação de Inspeção

(…)

I.2 Descrição sucinta das conclusões da Ação de Inspeção

I.2.1 Correções à matéria Tributável

I.2.2 Imposto em Falta

(…) I.2.2.2 IRS




(…)

II.11 Levantamento do Dever de Sigilo Bancário

(…) II.11.2 Contas Bancárias Divulgadas Pelos Bancos

Com o levantamento do dever de sigilo bancário, veio a verificar-se a existência das seguintes contas bancárias tituladas pela D......, nos exercícios de 2007 e 2008:

Quadro 2: Contas bancárias tituladas pela sociedade


“(texto integral no original; Imagem)”

De referir que em 2008 as contas tituladas pela D...... no Banco P...... foram transferidas da agência do Monte da Caparica -…., para a agência do Laranjeira -…, pelo que a conta ….12 deu origem à conta ….26, assim como a conta …..06 deu origem à conta ….24.

Foram ainda identificadas as contas bancárias indicadas no quadro seguinte, tituladas pelo sócio gerente, Sr. F...... e pelo sócio Sr. R...... (constando o Sr. F...... também como 2.° titular), cujos movimentos se encontram diretamente relacionados com a atividade da sociedade.


“(texto integral no original;imagem)”

(…)

III.5 Imposto em falta – em sede de IRS

III.5.1 Retenção na fonte de adiantamentos por conta dos lucros

III.5.1.1 Exercício de 2007

Ao longo do exercício de 2007, o sujeito passivo retirou das contas tituladas pela D......, os seguintes valores indicados nos quadros seguintes, no montante global de € 827.000,00.

Os montantes depositados nas contas particulares dos sócios, ou em outras contas, que se consideram do seu interesse económico, consubstanciam lucros embora camuflados, disponibilizados antecipadamente aos sócios.

Essas importâncias, não sendo resultantes de mútuos, de prestação do trabalho ou do exercício de cargos sociais, consideram-se feitos a titulo de lucros ou de adiantamento de lucros, qualificados como rendimentos de capitais, para efeitos de tributação ao abrigo da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° do Código do IRS.

Tais rendimentos são sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 20%, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 71.º do Código do IRS. (redação da lei à data dos factos).

Da conta bancária n.º “……12” titulada pela D...... no Banco P......, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, a crédito das contas bancárias tituladas pelas entidades identificadas.

Quadro 39: Montantes transferidos da conta n.° ……12 do B......, por conta do sócio gerente Sr. F......, em 2007


“(texto integral no original;imagem)”

Anexo 84 de 5 páginas — Documentos bancários de suporte às transferências efetuadas para contas da S...... e I......, em 2007

Relativamente à transferência para a “S......" e tendo em conta os factos descritos no ponto III.1.4.2 deste relatório, conclui-se pela não existência de qualquer justificação na esfera da atividade da “D......” para a realização da transferência. Conclui-se portanto, que a mesma foi efetuada no interesse económico do sócio gerente Sr. F......, na sua esfera particular, considerando-se por esse motivo, representar um adiantamento por conta de lucros, cujo beneficiário foi o sócio gerente Sr. F.......

De referir ainda, que em 2008 o Sr. F...... foi beneficiário de transferência efetuada para a sua conta particular, proveniente da sociedade 'D......, SGPS” no montante de €648.642,37, sociedade detentora da “S......".

Relativamente aos montantes transferidos para a conta da I......, tendo em conta o exposto no ponto III 1.4.1 deste relatório, relativamente à relação especial existente entre as duas sociedades, nomeadamente na pessoa do Sr. F......, como sócio gerente da D...... e administrador da I......, considerando que a D...... não obteve nenhuma vantagem económica com a realização das transferências monetárias a favor da I......, que a I...... foi declarada insolvente em 20-01-2011, que a D...... não consta da lista de credores, e que os montantes transferidos para a I...... não foram devolvidos, tais transferências só podem considerar-se do interesse económico do Sr. F......, na sua esfera particular.

De referir ainda, que tal como anteriormente descrito no ponto III.1.4.1, em 31-12-2007, o saldo devedor existente na conta de POC "26.8.1.102 - Devedores Diversos - I......" foi transferido para a conta “25,5.1.2.2. - Sócios - Empréstimos Concedidos - F......", significando portanto, que o sujeito passivo, assumiu que as transferências efetuadas a favor da I......, passam a ser da responsabilidade do seu sócio gerente Sr. F.......

(…)

Da conta bancária titulada pela D...... no Banco P...... n.° “18….", não revelada na sua contabilidade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para as contas bancárias dos beneficiários aí identificados. (ANEXO 26)

Quadro 41: Montantes transferidos da conta n.º 18….. do B...... por conta do sócio gerente “F......” e do sócio “R.....”, em 2007


“(texto integral no original; imagem)”

A transferência efetuada a crédito da conta bancária n.° 28…., titulada pela “C......”, a mando do sócio gerente Sr. F......, não registada na contabilidade de “D......” e sem existência de uma transação comercial ou qualquer outra figura contratual que a justifique, só pode entender-se como de interesse económico para o seu mandante. Ou seja, apesar de não constituir uma transferência direta para uma conta bancária titulada pelo Sr. F......, justificada por qualquer beneficio económico que o mesmo possa ter obtido, na sua esfera particular, pelo que, configura um adiantamento por conta de lucros. A não esquecer, que o mesmo identificou a conta n.º 18…., como sendo uma conta utilizada para fins particulares. (ANEXO 10).

Relativamente às restantes transferências não suscitam quaisquer dúvidas quanto ao seu beneficiário, uma vez que os valores indicados foram creditados diretamente nas contas tituladas pelo sócio gerente F...... e pelo sócio R.......

Da conta bancária titulada pelo sócio gerente Sr. F......, no Banco P...... n.º “18….", relevada na contabilidade da D...... e na qual eram creditados os recebimentos dos TPA's provenientes da atividade da sociedade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária da sociedade “I......, SA”, no montante global de €55.000,00, movimentos que não foram registados na contabilidade, e relativamente aos quais também não restam dúvidas de que foram efetuados por conta do sócio gerente “F......”, constituindo adiantamentos por conta de lucros. (ANEXO 43).

Quadro 42: Montantes transferidos da conta n.° 18….. do B...... por conta do sócio gerente “F......”


“(texto integral no original; imagem)”

Conclui-se assim, que das três contas bancárias atrás identificadas, foram transferidas para as contas bancárias do sócio gerente “F......" e do sócio “R.....", e para outras contas do interesse económico do sócio gerente “F......”, as quantias identificadas no quadro seguinte, no montante global de € 827,000,00 em 2007.

Quadro 43: Montantes recebidos pelos sócios ou por sua conta, e cálculo dos montantes de retenção na fonte em falta, em 2007


“(texto integral no original; imagem)”


Os montantes indicados no quadro seguinte (calculados no quadro anterior), correspondentes à retenção na fonte à taxa de 20%, que deveriam ter sido entregues nos cofres do Estado, até ao 20º dia do mês seguinte à data da colocação à disposição dos respetivos beneficiários, estão sujeitos a juros compensatórios ao abrigo do artigo 35.º da LGT.

São subsidiariamente responsáveis, nos termos do artigo 28.º da LGT, pelo pagamento do imposto em falta apurado, os seus beneficiários.

Quadro 44: Imposto em falta – 2007


“(texto integral no original; imagem)”


III.5.1.2 Exercício de 2008

Ao longo do exercício de 2008, o sujeito passivo retirou das contas tituladas pela sociedade, os seguintes valores indicados no quadro seguinte, no montante global de € 1.189.450,00.

Da conta bancária titulada pela D...... no Banco P...... n.º “18….", foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária do sócio gerente Sr. F.......

Quadro 45: Montantes transferidos da conta n.° 18….. do B...... para a conta do sócio gerente Sr. F......, em 2008


“(texto integral no original; imagem)”

Anexo 87 de 4 páginas - Documentos bancários de suporte aos movimentos financeiros. Ver ainda ANEXO 27, páginas 15 e 17.

Da conta bancária titulada pela D...... no B...... n.º “08….”, revelada na sua contabilidade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para a conta bancária do sócio gerente Sr. F....... Os documentos de suporte constam do ANEXO 49.

Quadro 46: Montantes transferidos da conta n.º 08….. do B......, para a conta do sócio gerente Sr. F......, em 2008


“(texto integral no original; imagem)”

Da conta bancária titulada pela D...... no Banco P...... n.º “18….”, não revelada na sua contabilidade, foram retirados os montantes indicados no quadro seguinte, para as contas bancárias do sócio gerente Sr. F....... (ANEXO 26)

Quadro 47: Montantes transferidos da conta n.º 18…. do B......, para a conta do sócio gerente Sr. F......, em 2008


“(texto integral no original; imagem)”

Anexo 88 de 3 páginas - Documentos bancários de suporte aos movimentos financeiros. Os restantes documentos encontram-se no ANEXO 26, página 14, versus ANEXO 27, página 14

Resumindo, em 2008, das três contas bancárias atrás identificadas, foram transferidas para as contas bancárias do sócio gerente “F......” as quantias identificadas no quadro seguinte, no montante global de € 1.189.450,00.

Quadro 48: Montantes recebidos peio sócio gerente e cálculo da retenção na fonte em falta, em 2008


“(texto integral no original; imagem)”

Os montantes indicados no quadro seguinte, correspondentes à retenção na fonte à taxa de 20%, que deveriam ter sido entregues nos cofres do Estado até ao 20.º dia do mês seguinte à data da colocação à disposição dos respetivos beneficiários, estão sujeitos a juros compensatórios ao abrigo do artigo 35 ° da LGT.


É subsidiariamente responsável, nos termos do artigo 28.º da LGT, pelo pagamento do imposto em falta apurado, o seu beneficiário, o sócio gerente F.......


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

VII Infrações Verificadas

(…) Em sede de IRS - Imposto em falta

Conforme descrito no ponto III.5 deste relatório, nos exercícios de 2007 e 2008 o sujeito passivo transferiu para as contas do sócio gerente Sr. F......, e para outras contas que se consideram do seu interesse económico, da sua esfera particular, e ainda para contas bancárias do sócio Sr. R....., os montantes de € 827.000,00 em 2007 e € 1.189.450,00 em 2008.

Essas importâncias, não sendo resultantes de mútuos, de prestação do trabalho ou do exercício de cargos sociais, consideram-se feitos a titulo de lucros ou de adiantamento de lucros, qualificados como rendimentos de capitais, para efeitos de tributação ao abrigo da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.º do Código do IRS, sujeitos a retenção na fonte a titulo definitivo, à taxa de 20%, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 71° do Código do IRS. (redação da lei à data dos factos).

O sujeito passivo não procedeu à retenção na fonte e entrega nos cofres do Estado, até ao 20.º dia do mês seguinte à data da colocação à disposição dos sócios dos montantes distribuídos, dos montantes indicados no quadro seguinte, infringindo o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 71.° e do artigo 101.°, ambos do Código do IRS, sendo punível pelo artigo 103.° do RGIT, ou pelo n.º 4 do artigo 114.° do RGIT, se o montante em falta for inferior a € 15.000,00. (…)”

24. Em 25.10.2013, na sequência das correções efetuadas, vieram a ser emitidas as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento da Pessoas Singulares (IRS) – Retenção na Fonte, n.ºs ……..03 (€165.400,00) e …..04 (€237.890,00), acrescidas dos respetivos juros compensatórios (liquidação n.º ……03, no valor de €40.972,22 e liquidação n.º ….04, no valor de €51.246,98, respetivamente), relativas aos exercícios de 2007 e de 2008, respetivamente, perfazendo o montante global de €495.509,20, ambas com data limite de pagamento em 23.12.2013 – cfr. fls. 1120, 1123, 168 e 169 do P.A.T. apenso aos autos;

25. Em 20.01.2014, foram instaurados no Serviço de Finanças de Loures 4, em nome da D....., Lda., os processos de execução fiscal (PEF) n.ºs …..43 e …..51, respeitantes a IRS dos exercícios de 2007 e de 2008 e correspondentes juros compensatórios – cfr. docs. 1 e 2 juntos aos autos com a p.i. e fls. 1122 e 1125 do processo administrativo apenso aos autos;

26. Em 22.05.2014, o Impugnante foi citado, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade executada D....., Lda., para pagar as quantias exequendas de €206.372,22 e €289.136,98, respeitantes a IRS de 2007 e de 2008, respetivamente – cfr. cfr. docs. 1 e 2 juntos aos autos com a p.i., fls. 1117 e 1118 do processo administrativo apenso aos autos e facto não controvertido;

27. Em 20.08.2014, o Impugnante apresentou junto da Direção de Finanças de Lisboa um «PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL», referente à fixação pela AT, com recurso a métodos indiretos, da matéria coletável de IRC e IVA da sociedade D....., Lda., relativa aos exercícios de 2007 e de 2008 – cfr. doc. 7 junto aos autos com a p.i., que se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

28. Em 18.08.2014, o Impugnante intentou a presente ação – cfr. registo postal a fls. 119 dos autos.

Factos não provados

I. As transferências bancárias efetuadas pela sociedade D....., Lda., nos exercícios de 2007 e de 2008, para outras sociedades, consubstanciam mútuos concedidos por razões de emergência financeira das entidades beneficiárias.

No que concerne à factualidade assente, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame da prova documental e informações oficiais não impugnadas, existentes nos autos, conforme especificado a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

No que respeita ao facto não provado I., o mesmo assentou na circunstância de a prova produzida não se ter mostrado suficiente para criar a convicção no Tribunal quanto à sua ocorrência, desde logo pelo facto de o contrato de mútuo consubstanciar um contrato formal (“Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.”, cf. art. 1143.º do CC) e o Impugnante não ter procedido à junção de qualquer documento comprovativo da respetiva celebração.»


*

2. QUESTÃO PRÉVIA: Da junção de documentos com as alegações de recurso

O Recorrente juntou com as alegações um documento, pelo que previamente ao exame das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso.

O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do CPC).

Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.

Vejamos, então, o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.

De acordo com o preceituado no artigo 651.º, n.º 1 do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

O artigo 425.º do CPC dispõe o seguinte:

Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – cfr. entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.; Ac. STA de 27/05/2015, proc. n.º 0570/14, disponível em www.dgsi.pt/).

No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artigo 693.º-B do VCP, actual artigo 651.º, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª Instância, isto é, se a decisão da 1.ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1.ª Instância ser proferida (cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).

Sobre esta questão pronunciou-se, entre muitos outros, este Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 08/05/2019, proferido no processo n.º 838/17.0BELRS, a cujo discurso fundamentador aderimos sem reserva, e do qual se transcreve a seguinte passagem:

«No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230).» (vide ainda, a título de exemplo, no mesmo sentido Ac. do STJ, de 30/04/2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

No caso dos autos, o Recorrente procedeu à junção de 1 documento, com as alegações, consubstanciado em cópias de duas (2) certidões extraídas do processo 1936/15.0T8VFX do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, V.F.Xira – Juízo Comercio – Juiz 3, com datas de emissão de 22/10/2021, justificando a sua junção com a alegação de que a devedora originária pagou na integra a dívida exequenda no âmbito do processo de insolvência (cfr. pontos 2, 3 e 4 da alegação de recurso).

Todos os referidos documentos foram produzidos em data anterior à prolação da sentença recorrida (30/04/2022).

Nesta conformidade, não se verifica a circunstância que a lei considera, a título excepcional, como justificativa da apresentação de documentos com as alegações de recurso, pelo que a junção não será admitida.

Acresce referir que o pagamento do imposto apenas tem a ver com a exigibilidade da dívida, levando à extinção da execução por concretizar a cobrança, mas não determina a extinção da instância do processo de impugnação por nada ter a ver com a legalidade da liquidação impugnada.

Termos em que não se admite a junção aos autos o documento n.º 1 apresentado com as alegações, por inadmissibilidade legal, determinando-se o seu desentranhamento e devolução ao Recorrente.

Custas do incidente pelo Recorrente, que se fixa pelo mínimo legal (artigo 7.º, n.º 4 do RCP).


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3. DO MÉRITO DO RECURSO

3.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

O Recorrente começa por suscitar erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto (conclusões I, III, XLI e XLII da alegação de recurso).

Na conclusão III da alegação de recurso, o Recorrente sustenta que com base nos documentos juntos com a petição inicial o Tribunal recorrido deveria ter dado como provado os factos que se indicam:

«•A liquidação impugnada teve origem na Ordem de Serviço ……47, emitida pelos Serviços do Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal em 2010-01-20, relativamente aos anos de 2007 e 2008.

• A inspeção se iniciou em 2011-05-02, com a assinatura da Ordem de Serviço por parte do sujeito passivo, na pessoa do seu gerente, Sr. F.......

• O prazo para a conclusão do procedimento de inspeção tributária foi ampliado por um período adicional de três meses, ao obrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36. ° do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT), tendo-se procedido à notificação do sujeito passivo conforme Ofício n.º 031064, datado de 2011-10-18, através de carta registada com AR, sob o registo n.º RM 6732 9328 9 PT, recebida em 2011-10-20.

• O prazo para a conclusão do procedimento de inspeção tributária foi ampliado, por um segundo período adicional de três meses, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 36. ° do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT), tendo-se procedido à notificação do sujeito passivo conforme Ofício n.º 001071, datado de 2012-01-12, através de carta registada com AR, sob o registo n.º RM 6737 8924 5 PT, recebida em 2012-01 - 16.

• Os atos de inspeção terminaram em 2013-07-29, com o envio da Nota de Diligência ao sujeito passivo, bem como para o representante, o gerente Sr. F...... e do sócio Sr. R......, através de cartas registadas com aviso de receção.

• A notificação da liquidação do imposto em sede de IRS foi remetida para: R…— Bairro da Encarnação, nº…., 1800-….. Lisboa.

• Conforme se pode verificar pela consulta da certidão comercial da sociedade, a D...... Lda tinha sede na Rua Natá1ia Correia, nº … —…, 2680-… Camarate.»

Nas conclusões XLI e XLII o Recorrente sustenta ainda que em função dos registos da contabilidade e por força da veracidade das declarações contabilísticas que deve ser dado como provado o seguinte:

«Em 2007 foi transferido o montante de €827.000,00 (oitocentos e vinte e sete mil euros) e em 2008, o montante de €1.l89.450,00 (um milhão cento e oitenta e nove mil quatrocentos e cinquenta euros).»

O Recorrente pretende ver aditados esses factos com base em documentos que afirma ter junto com a petição inicial e que não identifica e em registos contabilísticos.

Vejamos.

No que concerne aos facto que o Recorrente almeja ver aditados ao probatório, importa notar que a alteração pelo Tribunal Central Administrativo da decisão da matéria de facto fixada em primeira instância pressupõe, não só a indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, como também, os concretos meios de prova constantes do processo e/ou da gravação dos depoimentos das testemunhas, que imponham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC, sob pena de rejeição nesta parte do recurso (vide neste sentido Acórdão do TCA Sul de 13/03/3012, processo n.º 05275/12, disponível em www.dgsi.pt).

Com efeito, os n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º, dispõem o seguinte:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Assim, para legitimar o TCA a corrigir a matéria de facto dada como provada na primeira instância por erro de apreciação das provas seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.

António Santos Abrantes Geraldes, sintetiza o sistema que agora vigora, que concretizou de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, alargando os poderes de cognição do tribunal de segunda instância, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da seguinte forma:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos e facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)

e) O Recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág.165 a 166).

As provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).

Analisadas as conclusões e alegações de recurso constata-se que o Recorrente não cumpre com o referido ónus que lhe é imposto por lei, uma vez que, no que respeita aos meios de prova aludiu genericamente “com base nos documentos juntos com a petição inicial” e “em função dos registos contabilísticos”, e, quanto às transferências indica um valor total sem estabelecer qualquer correspondência com cada uma das entidades envolvidas e respectivos valores.

Assim, não podemos deixar de concluir que o Recorrente não concretizou por referência a cada facto que pretende ver aditado, quais os concretos meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dado pelo Tribunal de 1.ª instância, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco.

Contudo, sempre se dirá que as transferências de valores de contas bancárias (conclusão XLII), bem como os factos constantes do ponto III. das conclusões pretendidos aditar, com excepção dos indicados em último lugar, já constam dos factos dados como provados (cfr. pontos 12 a 20, 22, 23 e 24 do probatório) e do documento neles referido (RIT).

Por último, no que respeita à sede da sociedade “D......” e morada onde foi concretizada a notificação da liquidação, a sentença recorrida considerou «prejudicada a apreciação do momento e forma pela qual a devedora originária foi notificada das liquidações ora impugnadas e revertidas contra o impugnante.», julgamento que será apreciado mais à frente, uma vez que vem invocado erro de julgamento na aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT.

Nesta conformidade, rejeita-se o recurso, nesta parte, por o Recorrente não ter cumprindo o ónus exigido pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.


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A decisão da matéria de facto mantém-se estabilizada, por não ter sido alterada mediante qualquer aditamento aos factos provados.

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3.2. DE DIREITO

3.2.1. Do erro de julgamento por ter considerado que não se verifica a caducidade do direito à liquidação

Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou não verificada a caducidade do direito à liquidação, no entendimento, em síntese, que o prazo de caducidade foi alargado, ao abrigo do artigo 45.º, n.º 5 da LGT.

O Recorrente não se conforma com esta decisão argumentando que a sentença recorrida padece de violação de lei por a existência de um inquérito crime de “per si” não suspende o curso do prazo de qualquer liquidação, a “D......” e o Recorrendo foram constituídos arguidos, respectivamente, em 19/04/2013 e 30/05/2013, datas em que há muito tinha caducado o direito à liquidação, por não bastar associar o inquérito criminal a uma pessoa determinada.

Mais invoca que a interpretação do Tribunal a quo do artigo 45.º da LGT no sentido que a mera instauração do inquérito criminal, sem que haja arguidos constituídos alarga o prazo de caducidade do direito à liquidação até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano é também inconstitucional, por violação de princípios constitucionais.

A questão que importa apreciar é então a de saber se, à luz da factualidade supra referida a sentença recorrida incorreu no invocado erro de julgamento

Vejamos, então.

Sobre o prazo de caducidade do direito à liquidação de IRS (retenção na fonte), dos anos de 2007 e 2008 há que atender, designadamente, às seguintes normas:

De acordo com o estipulado no artigo 92.º do CIRS, a liquidação, ainda que adicional, efecuta-se no prazo e nos termos previsto nos artigos 45.ºe 46.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Preceitua o artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT que o direito à liquidação do imposto caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.

Por sua vez o n.º 5, do artigo 45.º da LGT (redacção aditada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) estiputa sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

A Jurisprudência dos tribunais superiores é do entendimento que a aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT está dependente, tão só, de o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, sendo a data relevante a da instauração do inquérito criminal (vide Acs. do STA de 21/10/2015, processo n.º 01477/13 e de 11/11/2015, processo n.º 0190/14, disponíveis www.dgsi.pt/).

Como emerge com clareza do quadro factológico da sentença, que não vem impugnado, a acção inspectiva teve origem no processo de inquérito n.º 3026/09.5TAALM, havendo coincidência entre os factos que consubstanciam a liquidação emitida na sequência da acção inspectiva e os factos objecto de investigação criminal (cfr. pontos 21, 22, 23 e 24 da matéria de facto dada como assente).

A este propósito escreveu-se na sentença recorrida:

«(…) na esteira do entendimento jurisprudencial predominante que “[n]ão resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, uma identidade subjetiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto” – cfr. Ac. STA de 06.12.2017, proc. n.º 073/16; vide, entre outros, Acs. STA de 05.09.2018, proc. n.º 0777/18 e de 11.05.2016, proc. n.º 1071/14 e Acs. TCAS de 07.05.2020, proc. n.º 666/10.3BELRA e de 05.03.2020, proc. n.º 1445/10.3BELRS, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Com efeito, “ainda que não exista uma identidade de sujeitos, o alargamento do prazo de caducidade nos termos do n.º 5 do artigo 45.º da LGT não conduz, de per se, a uma indefinição do prazo de caducidade, mas apenas ao seu alargamento até ao encerramento do processo-crime, acrescido de um ano” – cfr. Ac. STA de 06.12.2017, proc. n.º 073/16 e Ac. TCAN de 11.01.2018, proc. n.º 00657/16.0BEPNF, disponível em www.dgsi.pt.

Confrontada a factualidade assente, verifica-se que corre termos, no Tribunal Judicial de Almada, o Processo de Inquérito NIUPC 3026/09.5TAALM, no âmbito do qual F...... e o aqui Impugnante, R....., figuram como arguidos, tendo sido pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b), 104.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do RGIT, relativo a IRS, IRC e IVA dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 (cf. ponto 6. da factualidade assente).

E que, nessa sequência, veio a ser desencadeado o procedimento inspetivo externo realizado à sociedade D....., Lda. (NIF 50…..), da qual o Impugnante era sócio, que esteve na base da emissão das liquidações adicionais ora em crise (cf. pontos 7. a 9. da factualidade assente).

Verifica-se, assim, que o inquérito criminal em apreço foi instaurado em relação a factos com relevância criminal e tributária, pois os factos que estiveram na base da investigação criminal são coincidentes com a factualidade concreta que motivou as liquidações adicionais questionadas no caso sub judice.

Deste modo, tendo os factos tributários subjacentes às liquidações impugnadas sido objeto de uma investigação criminal e, tendo, quanto a eles, sido instaurado um processo de inquérito, conclui-se pela existência de uma identidade objetiva entre o processo de inquérito NIUPC 3026/09.5TAALM e os pressupostos de facto subjacentes às liquidações em apreço, pelo que o alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º 5, da LGT, tem aplicação in casu.

Em face do exposto, uma vez que o prazo geral de caducidade a que se refere o art. 45.º, n.º 1 é concretamente alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, conclui-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação ora em apreciação ainda não se completou.

Consequentemente, considera-se prejudicada a apreciação do momento e forma pela qual a devedora originária foi notificada das liquidações ora impugnadas e revertidas contra o Impugnante.»

O assim decidido não nos merece qualquer censura.

Na situação dos autos ocorre a necessária identidade entre os factos relativos às liquidações adicionais de IRS dos anos de 2007 e 2008 impugnadas com os factos que foram objecto de investigação criminal corporizado no processo de inquérito n.º 3026/09.5TAALM.

Sobre a data relevante para o alargamento do prazo de caducidade, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 08/10/2015, proferido no processo n.º 05086/11, sumariado nos seguintes termos «(…) Todavia, a aplicação do artigo 45.º, n.º 5 da LGT basta-se com a instauração de inquérito criminal, ou seja, para que se verifique o alargamento do prazo de caducidade ditado pelo preceito é imperioso que os factos tributários subjacentes à (s) liquidação (ões) em causa tenham sido objecto de uma investigação em sede criminal e quanto a eles instaurado inquérito criminal.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Como resulta da factualidade apurada, os factos tributários que deram origem às liquidações de IRS dos anos de 2007 e 2008 são provenientes de acção de inspecção e estão sob a alçada de procedimento criminal instaurado em data anterior, pelo que emitidas no decurso do prazo de quatro anos legalmente exigível (cfr. pontos 21, 22 e 24 do probatório).

Nesta conformidade, o prazo de 4 anos foi alargado até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, por força do estatuído na norma ínsita no n.º 5 do artigo 45.º da LGT.

Concluindo, uma vez que os impostos se reportam aos anos de 2007 e de 2008, que o inquérito criminal foi instaurado no prazo de quatro anos, que os factos subjacentes à liquidação foram objecto de investigação criminal, que o processo de inquérito se mantém suspenso, impõe-se concluir que aquando da notificação da liquidação ainda não tinha decorrido o prazo previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, pelo que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação.

Em suma, a sentença recorrida que concluiu pela improcedência da caducidade do direito à liquidação de IRS dos anos de 2007 e 2008 não incorreu nos erros de julgamento que lhe são imputados, decidindo em conformidade com a lei aplicável, mormente o artigo 45.º, n.º 1 e 5 da LGT, pelo que deve ser confirmada.

Aliás, esta questão já foi apreciada por este TCAS em acórdão de 11/03/2020, no âmbito do processo de oposição n.º 1762/14.3BELRS, com as mesmas partes e em que estava em causa o IRS de 2008, no qual a presente relatora teve intervenção como 2.ª Adjunta (disponível em www.dgsi.pt/).

No que diz respeito à conformidade constitucional seguida na sentença recorrida, relativamente aos preceitos constitucionais, importa desde logo notar que o Recorrente se limita reproduzir o que já havia dito na petição inicial, sem atacar os fundamentos do já decidido pela primeira instância.

Sendo certo que esta questão não é nova, tendo sido apreciado por este Tribunal Central Administrativo no sentido que o artigo 45.º, n.º 5 da LGT, na interpretação de que a mera instauração do inquérito criminal, sem arguidos constituídos alarga o prazo de caducidade do direito à liquidação, não viola princípios constitucionais, designadamente os indicados pelo Recorrente.

Cita-se, por todos, o acórdão deste TCAS de 06/04/2017, proferido no processo n.º 164/12.0BEBJA, que sobre esta questão decidiu nos seguintes termos:

«Aduz, igualmente, o recorrente que a interpretação da norma constante do artº.45, nº.5, da L.G.T., efectuada pela decisão recorrida, padece de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo, o direito a não autoincriminação, o princípio da legalidade fiscal e os princípios da segurança e certeza jurídicas.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12).

Apesar do acabado de mencionar, não lobriga este Tribunal no que possa ter violado os citados princípios constitucionais do direito a um processo equitativo, o direito a não autoincriminação, da legalidade fiscal e da segurança e certeza jurídicas (o recorrente também nada concretiza neste domínio), pelo que se julga improcedente o presente vector do recurso.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

Acompanhamos, assim, o discurso fundamentador da sentença recorrida quando ponderou o seguinte:

«Importa, contudo, referir que, contrariamente ao entendimento do Impugnante, a norma ínsita no n.º 5 do art. 45.º da LGT não padece das alegadas ilegalidades e inconstitucionalidades por violação de princípios constitucionais, porquanto assenta em razões estritamente objetivas, justificadas e não excessivamente onerosas do contribuinte, que visam garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, promovendo a descoberta da verdade material e a estabilização da matéria de facto subjacente às decisões judiciais fiscais e penais, que em nada contende com as garantias do sujeito passivo, maxime numa vertente de segurança jurídica, desde logo pelo facto de o próprio alargamento do prazo de caducidade não constituir uma “intolerável indefinição da situação do obrigado tributário” (cf. alegado pelo Impugnante no ponto §78.º da p.i.), em virtude de se mostrar limitado no tempo (“até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”).

Ora, conforme resulta do entendimento doutrinal seguido pela jurisprudência do STA, citando J…., G……, V….. e M….. (in Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 2015, p. 412), que a ratio subjacente à norma consagrada n.º 5 do art. 45.º da LGT, que permite o alargamento do prazo de caducidade até ao arquivamento do inquérito ou ao trânsito em julgado da sentença acrescido de um ano, “destina-se a impedir o decurso do prazo de caducidade na pendência do processo criminal por se entender que encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo tal liquidação não pode ser prejudicada pela demora da decisão judicial”. Resultando a mencionada norma, como referido pela mesma jurisprudência, da “necessidade de garantir uma boa decisão da causa em matéria fiscal, aguardando-se assim o desfecho dos inquéritos ou dos processos-crime em que o facto tributário se encontra em discussão”, ainda que o agente que alegadamente praticou o crime não seja o sujeito passivo do imposto – cfr. Ac. STA de 06.12.2017, proc. n.º 073/16, disponível em www.dgsi.pt.»

Face ao exposto, a decisão recorrida não merece censura, não assistindo razão ao Recorrente.

Improcede, neste segmento, o recurso.


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3.2.2. Do erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito que sustentam as correcções e por violação do 100.º, n.º 1 do CPPT

O Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação no entendimento que constituindo os rendimentos em análise proveitos da sociedade “D......, Lda.” colocados à disposição dos respetivos sócios, sem que o Impugnante tenha logrado demonstrar a sua causa ou a respectiva (intenção de) restituição à sociedade, concluiu que andou bem a AT ao considerar os mesmos feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros, qualificando-os como rendimentos de capital, para efeitos de tributação ao abrigo da alínea h) do n.º 2, do artig 5.º do CIRS, como tal sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 20%, nos termos da alínea c), do n.º 3, do artigo 71.º do CIRS.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido alegando, em suma, que as importâncias objecto das transferências foram relevadas na contabilidade da “D......” como mútuos concedidos às entidades identificadas no RIT e que os indícios recolhidos pela AT não são susceptíveis de abalar a presunção de verdade de que gozam as declarações do sujeito passivo.

Mais alega que a invocada falta de forma dos mútuos não está suficientemente ancorada com vista a concluir-se que as transferências em causa não constituíram empréstimos ainda que destituídos da forma legalmente exigível como de resto resulta do RIT.

Invoca que as transferências estão registadas na contabilidade como “empréstimos”, os circuitos de dinheiro estão provados por documento e coincidem com o que está na contabilidade e está provado por documento as dificuldades de uma beneficiária (Impéravis), pelo que só se pode concluir que correspondem a empréstimos feitos pela mutuante a terceiros.

Alega ainda que os fundamentos aduzidos pela AT são plenamente contrariados com os elementos e documentos da contabilidade vertido no RIT, existindo uma dúvida sobre a existência do facto tributário.

A sentença recorrida para julgar improcedente estes fundamentos de impugnação, estruturou o seguinte discurso fundamentador:

«(…) as correções em causa assentaram no facto de, nos exercícios de 2007 e 2008, o sujeito passivo ter transferido os montantes de €827.000,00 e de €1.189.450,00, respetivamente, para as contas do aqui Impugnante e do sócio gerente F......, bem como para outras contas consideradas do seu interesse económico, transferências estas consideradas pela AT como tendo sido feitas a título de lucros ou de adiantamento de lucros, qualificados como rendimentos de capitais, para efeitos de tributação ao abrigo da alínea h) do n.º 2 do art. 5.º do Código do IRS, sujeitos a retenção na fonte a titulo definitivo, à taxa de 20%, nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 71.º do Código do IRS.

Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber se a matéria factual recolhida pela Administração Tributária ao longo do procedimento inspetivo é susceptível de sustentar a legalidade da sua atuação, permitindo concluir que foram postos à disposição dos sócios da sociedade D....., Lda. proveitos por esta auferidos, constituindo adiantamentos por conta de lucros e, nessa medida, saber se tais rendimentos devem ser qualificados como rendimento de capitais, ao abrigo do disposto no art. 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS.

Confrontada a factualidade assente e o teor do relatório de inspeção tributária (cfr. ponto 23. a factualidade assente), verifica-se que a AT, através dos elementos recolhidos pelos serviços de inspeção tributária, em sede de ação inspetiva, reuniu, entre outros, os factos índice seguidamente enunciados, os quais, quando apreciados de forma conjugada, são suscetíveis fundamentar o juízo formulado pela Administração Fiscal quanto aos rendimentos em análise, mais concretamente, a respetiva qualificação como rendimentos de capitais, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no art. 5.º, n.º 2 al. h) do CIRS:

i. No ano de 2007, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18…… do Banco P......, por si titulada e refletida na sua contabilidade, os seguintes montantes (cf. ponto 12. da factualidade assente);:

a. Em 18.05.2007, €30.000,00 a favor da sociedade S......, Lda.;

b. Em 30.05.2007, €300.000,00 a favor da sociedade I......, S.A.;

c. Em 31.07.2007, €300.000,00 a favor da sociedade I......, S.A..

ii. Relações entre a sociedade D....., Lda. e a sociedade I......, S.A.: (i) entre ambas inexistia qualquer relação comercial e/ou jurídica; (ii) F......, sócio gerente da primeira, foi administrador da segunda entre 2006 e 18.11.2008; objetos sociais diversos, enquanto a primeira se dedicava à «realização de todas as operações inerentes à exploração comercial de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de abastecimento de combustíveis, bem como a gestão de centros comerciais», a segunda dedicava-se à «compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim, exercício da construção civil, empreitadas de obras públicas e privadas» (pontos 3., 4., 8. e 9. da factualidade assente);

iii. A sociedade I......, S.A. foi declarada insolvente, não figurando a sociedade D....., Lda. na respetiva lista de credores (cf. ponto 10. da factualidade assente);

iv. Em 31.12.2007, o saldo devedor existente na conta POC “26.8.1.102 – Devedores Diversos – I......”, que era de €300.000,00, foi transferido para a conta “25.5.1.2.2. – Sócios – Empréstimos concedidos – F......” (cf. ponto 14. da factualidade assente);

v. Relações entre a sociedade D....., Lda. e a sociedade S......, Lda.: o Impugnante, sócio da primeira, foi sócio gerente da segunda entre 21.12.2005 e 08.07.2008 (cf. ponto 11. da factualidade assente);

vi. Em 2008, F...... recebeu €648.642,37 da sociedade D......, SGPS, sociedade detentora da S......, Lda. (cf. ponto 13. da factualidade assente);

vii. No exercício de 2007, foi transferido um montante total de €142.000,00 da conta n.º 18….. do Banco P...... (titulada pela sociedade D....., Lda. e não revelada na sua contabilidade), sem que tais movimentos tenham sido registados na contabilidade da sociedade D......, nos seguintes termos (cf. ponto 15. da factualidade assente):

a. Em 09.05.2007, €50.000,00 a favor de C......;

b. Em 09.01.2007, €7.000,00 a favor de F......;

c. Em 10.12.2007, €50.000,00 a favor de F......;

d. Em 27.02.2007, €30.000,00, a favor do Impugnante R.....;

e. Em 08.11.2007, €5.000,00, a favor do Impugnante R......

viii. F...... declarou em Auto de Declarações, datado de 18.07.2011, que a conta n.º 18….. do Banco P...... «se trata de uma conta da sociedade, utilizada pelo sócio gerente Sr. F...... para fins pessoais» (cf. ponto 16. da factualidade assente);

ix. No exercício de 2007, foi transferido um montante total de €55.000,00 da conta n.º 18….. do Banco P......, titulada pelo sócio F......, refletida na contabilidade da sociedade D...... – S….., Lda. e na qual eram creditados os recebimentos dos TPA’s provenientes da atividade da sociedade, para a conta bancária da sociedade I......, S.A., sem que tais movimentos tenham sido registados na contabilidade da sociedade D...... (cf. ponto 17. da factualidade assente);

x. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18….. do Banco P......, um total de €600.450,00 a favor do sócio F...... (cf. ponto 18. da factualidade assente);

xi. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 08…. do B...... (titulada pela sociedade D....., Lda. e não revelada na sua contabilidade), um montante total de €294.000,00 a favor do sócio F...... (cf. ponto 19. da factualidade assente);

xii. No ano de 2008, a sociedade D....., Lda. transferiu da conta bancária n.º 18…. do Banco P......, um montante total de €295.000,00 a favor do sócio F...... (cf. ponto 20. da factualidade assente);

xiii. O lucro tributável proposto para a sociedade D....., Lda., nos anos de 2007 e de 2008, foi de €1.092.854,84 e de 1.126.101,26, respetivamente (cf. I.2.1. do R.I.T., ponto 23. da factualidade assente);

xiv. Inexistência de prova da celebração dos alegados contratos de mútuo (cf. matéria de facto não provada);

xv. Inexistência de alegação e prova no sentido de os montantes transferidos para as contas bancárias dos sócios e das entidades externas supra enunciadas terem sido restituídos à sociedade D....., Lda. ou de, pelo menos, existir tal intenção.

Através de uma apreciação conjunta dos factos e indícios supra enunciados, recolhidos pela Administração Tributária em sede de procedimento inspetivo desencadeado à sociedade D....., Lda., é forçoso concluir que a AT demonstrou a legalidade do seu agir, uma vez que, como vimos, os montantes em referência pertenciam à mencionada sociedade, constituindo seus proveitos, e foram disponibilizados aos sócios da mesma, que deles se apropriaram, sem que tenha sido revelada uma qualquer causa para as transferências realizadas, e sem que os respetivos montantes tenham sido restituídos à sociedade.

Ademais, constituem, também, indícios fundados de que a contabilidade do sujeito passivo não reflete a matéria tributável real, revelando inexatidões e omissões, cessando, por conseguinte, a presunção legal de veracidade que sobre a mesma recaía, cf. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

Consequentemente, e uma vez que a AT demonstrou cabalmente a legalidade do seu agir, era ao Impugnante que incumbia demonstrar a causa subjacente às transferências dos montantes em referência, indiscutivelmente depositados em contas bancárias da sua titularidade, da titularidade do sócio F...... e nas contas bancárias de entidades terceiras com as quais se relacionavam especialmente, ou que os mesmos foram devolvidos à sociedade.

Acontece que, o Impugnante, pese embora alegue que as transferências bancárias em análise consubstanciaram verdadeiros mútuos concedidos por razões de emergência financeira das entidades beneficiárias, nada logrou provar a este respeito (cf. facto não provado I.).

Veja-se que o mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, cf. art. 1143.º do CC. E que, o mútuo de valor superior a €25.000,00 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a €2.500,00 se o for por documento assinado pelo mutuário, cf. art. 1144.º do CC.

Não obstante, o Impugnante não só não juntou ao procedimento inspetivo, ou aos presentes autos, quaisquer documentos comprovativos da celebração dos alegados mútuos, como nem sequer alega, nem demonstra, a restituição efetiva ou a intenção de restituição por parte dos alegados mutuários, dos montantes em causa transmitidos pela sociedade D....., Lda.. Ademais, também não concretiza minimamente em que consistiram as alegadas «razões de emergência financeira», nem quais as entidades beneficiárias a que dizem respeito.

Conclui-se, assim, que não logrou demonstrar que as transferências bancárias efetuadas pela sociedade D....., Lda., nos exercícios de 2007 e de 2008, supra descritas, constituíram verdadeiros mútuos concedidos por razões de emergência financeira das entidades beneficiárias, conforme alegado.

Esclarece-se, por fim, que não tendo o Impugnante cumprido cabalmente os ónus probatórios que sobre si impendiam, não poderá vir a beneficiar de uma eventual situação de incerteza subsistente, ao abrigo do disposto no art. 100.º.

Nos termos e com os fundamentos expostos, constituindo os rendimentos em análise proveitos da sociedade D....., Lda. colocados à disposição dos respetivos sócios, sem que o Impugnante tenha logrado demonstrar a sua causa ou a respetiva (intenção de) restituição à sociedade, conclui-se que andou bem a Administração Fiscal ao considerar os mesmos feitos a título de lucros ou adiantamentos de lucros, qualificando-os como rendimentos de capitais, para efeitos de tributação ao abrigo da alínea h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS, como tal, sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 20%, nos termos da al. c), do n.º 3 doa rt. 71.º do CIRS, tendo atuado em respeito pelas normas a princípios constitucionais legalmente vigentes, maxime os princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da justiça.»

Vejamos.

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), tal como consta do preâmbulo do Código e veio a ter consagração expressa ao logo do mesmo, acolhe o termo rendimento em sentido amplo, de carácter regular ou não, ou seja, um rendimento com uma concepção patrimonial, que alarga a base de incidência a todo o aumento do poder aquisitivo.

O artigo 5.º, n.º 1, alínea h) do CIRS (à data dos factos) dispunha, consideram-se rendimentos de capitais os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º.

Nos termos do artigo 71.º, n.º 3, alínea c) do CIRS os rendimentos a que se refere a alínea h), n.º 1, do artigo 5.º estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 20%.

Por sua vez, o n.º 4, do artigo 6.º do citado diploma legal preceitua Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.

Trata-se de uma presunção legal, a qual para ser destruída, nos casos em que a lei o permite, têm de ser ilidida mediante prova em contrário (cfr. artigos 73.º da LGT e 6.º, n.º 5 do CIRS).

Assim, a presunção inverte o ónus da prova, consagrada no n.º 4, do artigo 6.º do CIRS, não se aplicado a regra geral do artigo 74.º da LGT.

Porém, a AT não alicerçou as correcções em rendimento presumido, ao abrigo do citado artigo 6.º, n.º 4 do CIRS (cfr. ponto 23 do probatório).

Quanto ao momento relevante para efeitos de tributação, dispõe o artigo 7.º, n.º 3, alínea a), subalínea 2), do CIRS, que os rendimentos tributados como adiantamento por conta de lucros ficam sujeitos a tributação desde o momento da sua colocação à disposição do beneficiário.

Como supra se concluiu, o Recorrente não logrou impugnar a matéria de facto com sucesso, pelo que perante a prova levada ao probatório importa verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.

Conforme já se deixou expresso supra, a Administração Tributária efectuou correcções técnicas referentes a retenção na fonte - IRS, à taxa liberatória de 20%,assentes no facto de nos exercícios de 2007 e 2008, a sociedade “D....” ter transferido montantes monetários das suas contas para contas tituladas pelos sócios, através de conta não revelada na contabilidade e de contas reveladas na contabilidade, neste caso os montantes transferidos foram objecto de lançamento nas contas dos sócios, por falta de justificação para os movimentos financeiros que suportam as transferências em causa e a existência de relações especiais entre a “D...... “ e as beneficiárias das transferências, que considerou adiantamentos por conta de lucros, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, alínea h), consubstanciadas nas liquidações em crise nos presentes autos.

Como consta da matéria provada dos pontos 12, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da sentença recorrida a sociedade “D......, Lda.” transferiu os montantes monetários indicados para as contas do ora Recorrente e do sócio gerente F......, sendo que nem todos os montantes foram relevados na contabilidade da sociedade, não se tendo provado que tais transferências bancárias, nos exercícios de 2007 e 2008, consubstanciam mútuos concedidos por razões de emergência financeira das entidades beneficiárias, matéria que não foi validamente colocada em causa pelo ora recorrente.

Resulta da matéria de facto dada como assente, factos não provados e respectiva motivação, que a Impugnante não produziu prova no sentido de pôr em causa as identificadas correcções.

Com efeito, não logrou provar que os valores alvo de transferências bancárias para a conta do Impugnante foram efectuados como empréstimos.

Como bem refere a Mma. Juiz a quo, o Impugnante não só não juntou ao procedimento inspectivo, ou aos presentes autos, quaisquer documentos comprovativos da celebração dos alegados mútuos, como sem sequer alega, nem demonstra, a restituição efectiva ou a intenção de restituição por parte dos alegados mutuários, dos montantes em causa transmitidos pela sociedade D...... (…) também não concretiza minimamente em que consistem as alegadas «razões de emergência financeira», nem quais as entidades beneficiárias a que dizem respeito.

Ao contrário do pretendido pelo Recorrente, à situação dos autos não se aplica a presunção contida no artigo 75.º da LGT, segundo a qual se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previsto na lei, bem como os dados e apuramento inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiveram organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, uma vez que, por força do estatuído no n.º 2 da citada norma, tal presunção não se verifica quando as declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de não reflectirem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

No tocante às obrigações de natureza contabilística, nos termos da lei, a escrituração comercial, é simultaneamente, o meio descritivo dos factos patrimoniais e o modo formal da respectiva comprovação.

Como se escreveu no Acórdão deste TCAS de 23/04/2002, prolatado no processo n.º 5153/01 «Nos termos legais, os documentos são a base de todo o lançamento contabilístico, sem os quais o mesmo não poderá ser processado, dividindo-se em documentos de origem interna - elaborados na empresa e de uso exclusivamente interno, como sejam as folhas de férias, as notas de lançamento - e documentos de origem externa - os que provêm ou se destinam ao exterior, como sejam as facturas, recibos e notas de débito.

A inexistência de documento externo comprovativo do registo do facto patrimonial que o exige afecta, naturalmente, o valor probatório da contabilidade, enunciado no art° 44° do C. Comercial, muito embora a falta possa ser suprida, nos termos gerais de direito, por outros meios de prova que suportem a justeza do lançamento contabilístico, isto é, a demonstração da operação comercial subjacente ao lançamento; e o mesmo se passa quanto aos documentos, sejam eles internos ou externos.

Todos estes elementos têm como finalidade, para além do controlo interno, confirmar o nexo de adequação entre os lançamentos contabilísticos e os suportes documentais dos concretos inputs e outputs efectuados no exercício.» (disponível em www.dgsi.pt/).

No mesmo sentido se entendeu no Acórdão deste TCAS de 13/04/2010, prolatado no processo n.º 02800/09, onde se escreveu: «Ora um dos primeiros e essenciais pressupostos à presunção da veracidade da contabilidade é que os movimentos e operações que ela ateste sejam evidenciados em adequados documentos de suporte, sendo que nessa documentação se inserem todos aqueles que, ainda que não concretamente nomeados pela lei, se mostrem relevantes ao apurar da realidade acontecida, ou como se doutrinou no acórdão deste tribunal tirado no Proc. n.º 2.597/99 «... a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respectiva comprovação.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Como dispunha à data dos factos a alínea a) do n.º 3 do artigo 115.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), na execução da contabilidade todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário.

No relatório da IT aí se explana a situação ocorrida e se fundamenta legalmente as correcções efectuadas no facto de tais montantes pertença da sociedade terem sido transferidos para as contas individuais do Recorrente e do outro sócio-gerente, entendendo dever tributá-los como rendimentos de capital, por falta de justificação das aludidas transferências bancárias.

In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que a Administração Tributária recolheu indícios concretos e objectivos, como lhe competia, ou seja, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência comum, fundamentam a qualificação que atribuiu aos valores concretamente transferidos para as contas bancárias do Recorrente.

Cabe, então, ao contribuinte alegar e demonstrar os factos relevantes da inexistência de facto tributário.

Efectivamente, o Impugnante estava onerado com a prova da justificação das quantias transferidas para a sua conta bancária (artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

Acontece que o Recorrente não demonstrou a inexistência do facto tributário.

Com efeito, não chega alegar que se trata de empréstimos, e que assim foram relevados contabilisticamente, para afastar os indícios recolhidos pela AT de que tratam-se de rendimentos de capitais, subsumíveis no disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, é necessário provar tal factualidade e a prova há-de ser feita pela forma legal exigida para esse efeito, ou seja, escritura pública ou documento particular autenticado ou documento assinado pelo mutuário, consoante os valores que estejam em causa (cfr. artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil), sendo certo também que o ora Recorrente prescindiu da prova testemunhal arrolada na petição inicial.

A prova da substância económica (efectivação dos mútuos) não foi produzida pelo sujeito passivo em sede do procedimento inspectivo, nem nos presentes autos pelo Impugnante, como consta da sentença recorrida.

Como tal, as transferências bancárias da sociedade “D......” para o Impugnante e demais entidades beneficiárias estão apenas registados contabilisticamente, mas já não o alegado contrato de mútuo.

Assim, o Impugnante não logrou contrariar as conclusões dos SIT uma vez que não demonstrou que as transferências bancárias decorreram de mútuos e não de adiantamento por conta de lucros (vide Ac. do TCN, de 12/04/2018, processo n.º 00527/16, disponível em www.dgsi.pt/).

Portanto, não tendo o recorrente cumprindo com o seu ónus da prova, não procede a invocação de erro de julgamento.

Alega o Recorrente que da prova carreada para os autos resulta uma dúvida sobre a existência do facto tributário, por os fundamentos aduzidos pela AT serem plenamente contrariados com os elementos e documentos da contabilidade vertidos no RIT e, que existindo fundada dúvida a mesma terá de beneficiar o Recorrente.

Como já se deixou expresso, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.

Ao contribuinte cabe fazer prova da inexistência do facto tributário ou que houve erro ou excesso na qualificação do facto tributário.

Dispõe o n.º 1, do artigo 100.º do CPPT que «Sempre que da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.»

Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, regra que também encontramos no artigo 414.º do CPC (anterior artigo 516.º), que faz recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.

A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).

A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, sobre quem recai o dever de comprovar os factos do direito alegado.

Na situação dos autos estamos perante correcções técnicas, como é bem salientado na sentença recorrida.

Ora, a AT demonstrou os factos constitutivos do direito à liquidação que se arroga, como lhe competia, de acordo com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT

Cabia ao Recorrente fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da inexistência dos rendimentos apurada pela AT, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova. Esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil e que também decorre do artigo 100º, nº 1 do CPPT.

«É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos.» (Ac. do TCAS de 16/06/2009, processo n.º 03073/09, disponível em www.dgsi.pt/).

Acontece que o Recorrente não foi diligente na produção de contraprova destina a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, daí que não pode reclamar a aplicação do disposto no n.º 1, do artigo 100.º do CPPT.

Como concluiu a sentença recorrida, não tendo o Impugnante cumprido cabalmente os ónus probatórios que sobre si impediam, não poderá beneficiar de uma eventual situação de incerteza subsistente, ao abrigo do disposto no artigo 100.º da LGT.

Improcede, neste segmento, o recurso.


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3.2.3. Do erro de julgamento sobre o efeito do pedido de revisão (artigo 91.º, n.º 2 da LGT).

Por fim, a questão a conhecer é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que o pedido de revisão da matéria colectável apresentado pelo Impugnante não tem efeito suspensivo da liquidação de IRS de 2007 e 2008 em crise nos presentes autos.

Alega o Recorrente que a apresentação do pedido de revisão tem efeito suspensivo de todas as liquidações no processo inspectivo, nos termos do n.º 2, do artigo 91.º da LGT, pelo que com a dedução do pedido de revisão ficaram automaticamente suspensas todas as liquidações, nomeadamente por efeito do princípio da impugnação unitária.

O Tribunal a quo para julgar improcedente este fundamento alinhou o seguinte discurso fundamentador:

Nos termos do disposto no art. 91.º da LGT (na redação vigente à data dos factos), o sujeito passivo pode, salvo em caso de aplicação de regime simplificado de tributação, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa (n.º 1), tendo o referido pedido efeito suspensivo do tributo (n.º 2).

Confrontada a factualidade assente (ponto 27.), verifica-se que o Impugnante, em 20.08.2014, apresentou junto da Direção de Finanças de Lisboa um «PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL», referente à fixação pela AT, com recurso a métodos indiretos, da matéria coletável de IRC e IVA da sociedade D....., Lda., relativa aos exercícios de 2007 e de 2008.

Acontece que, no caso dos autos, para além de se discutir somente a legalidade das liquidações de IRS (Retenção na Fonte) n.ºs …..03 e ……04, respeitantes aos mesmos exercícios, as quais não foram objeto do pedido de revisão formulado pelo Impugnante, as mesmas resultaram de correções de natureza meramente aritméticas e técnicas, efetuadas pela Autoridade Tributária, conforme resulta do relatório de inspeção tributária, e não de correções com recurso a métodos indiretos.

Secundamos o entendimento vertido na sentença sob recurso.

O acto de liquidação que tenha como suporte a matéria colectável fixada por métodos indirectos não pode ser emitida imediatamente ao procedimento de inspecção, havendo que aguardar o prazo de 30 dias para apresentação do pedido de revisão e enquanto decorrer esse procedimento (cfr. artigo 91.º da LGT)

Efectivamente, a AT está inibida de proceder à liquidação do tributo enquanto não estiver definitivamente fixada a matéria colectável por métodos indirectos.

Ora, as liquidações dos autos – IRS (retenção na fonte) dos anos de 2007 e 2008 - resultaram de correcções técnicas e aritméticas e não com base em método indirecto, pelo que não lhes é aplicável o disposto no n.º 2, do artigo 91.º da LGT, e, por isso, não padecem da ilegalidade que lhes é imputada, por a AT não estar inibida de emitir a liquidação após a notificação do RIT.

Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.

Por último, não poderá deixar de se registar que o Recorrente nas suas alegações de recurso alheia-se em algumas das questões apreciadas dos fundamentos determinantes da decisão de improcedência da impugnação, não ensaiando tão pouco demonstrar o desacerto da respectiva fundamentação, limitando-se a repisar os argumentos invocados na petição inicial, pelo que também por aqui, o presente recurso sempre estaria votado ao insucesso, já que as alegações e conclusões se revelam ineficazes, como se viu, para suscitar qualquer tipo de censura à decisão recorrida.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação do Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


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3.3. Dispensa pagamento do remanescente da taxa de justiça

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efectivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 495.509,20, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já amplamente tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I. O pagamento do imposto apenas tem a ver com a exigibilidade da dívida, levando à extinção da execução por concretizar a cobrança, mas não determina a extinção da instância do processo de impugnação por nada ter a ver com a legalidade da liquidação impugnada.

II. A aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT está dependente, tão só, de o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, sendo a data relevante a da instauração do inquérito criminal.

III. Não chega alegar que se trata de empréstimos, e que assim foram relevados contabilisticamente, para afastar os indícios recolhidos pela AT de que tratam-se de rendimentos de capitais, subsumíveis no disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, é necessário provar tal factualidade e a prova há-de ser feita pela forma legal exigida para esse efeito, ou seja, escritura pública ou documento particular autenticado ou documento assinado pelo mutuário, consoante os valores que estejam em causa (cfr. artigos 1142.º e 1143.º do Código Civil), sendo certo também que o ora Recorrente prescindiu da prova testemunhal arrolada na petição inicial.

IV. A norma ínsita no n.º 1 do artigo 100.º da LGT é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam as juízas da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Julgar inadmissível, porque ilegal, a junção aos autos dos documentos anexos às alegações de recurso e, em consequência, determina-se o desentranhamento de tais documentos e a sua devolução ao apresentante;

b) Negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 1 de Junho de 2023.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 3026/09.5TAALM, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 3.

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Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)