Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 160/22.0BCLSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 01/26/2023 |
Relator: | DORA LUCAS NETO |
Descritores: | TAD; ARBITRAGEM; INFRAÇÃO DISCIPLINAR; ART. 112.º DO RDLPFP 2021; LIBERDADE DE EXPRESSÃO |
Sumário: | i) O comentário técnico do jogo e das decisões de arbitragem nele praticadas, sempre que se limite a apontar erros técnicos, não consubstancia uma violação das normas regulamentares que protegem o direito à honra dos agentes desportivos.
ii) O ilícito disciplinar, previsto e punido pelo art. 112.º do RDLPFP 2021, terá de consubstanciar-se numa afirmação de que os erros técnicos de arbitragem se fundaram numa intencionalidade dolosa dos agentes desportivos com o intuito de favorecer ou prejudicar alguma das equipas. iii) A liberdade de expressão se não permitir a insensatez de pouco vale, havendo que ser justo e cuidadoso na necessária conformação deste direito fundamental com outros direitos fundamentais. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório A R., Federação Portuguesa de Futebol, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral de Desporto, em 12.09.2022, no âmbito do processo n.º47/2021 que julgou procedente a ação arbitral deduzida pela F. – F. SAD e J. C., sendo ali Contrainteressada a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, revogando a decisão proferida pelo seu Conselho de Disciplina, em 17.08.2021, no âmbito do processo disciplinar n.° 66 - 2020/2021, que os havia condenado, pela prática das infrações disciplinares por «declarações injuriosas, difamatórias ou grosseiras», p. e p. no n.º 1 do art. 112.º e no n.º 1 do art. 136.º do RDLPFP,(1)respetivamente, em pena de multa no valor de € 8.570,00, e penas de suspensão por um período de 35 e multa no valor de € 5.610,00. A Recorrente concluiu, em sede de alegações de recurso, como se segue - cfr. fls. 44 e ss., do SITAF: «(…) 1. O presente recurso tem por objeto o proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 13 de setembro de 2022, que julgou procedente o recurso apresentado pelos ora Recorridos, que correu termos sob o n.º 47/2021. A decisão que ora se impugna é passível de censura porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, conforme se passa a demonstrar. 2. O valor protegido pelos ilícitos disciplinares em causa nos autos, à semelhança do que é previsto nos artigos 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; mas tais artigos do RD da LPFP visam, ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play. 3. A nível disciplinar os valores protegidos com estas normas são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem. 4. Em concreto, as normas em causa visam prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos, visando tutelar a ética desportiva, a urbanidade, a probidade e a lealdade, enquanto princípios e valores que norteiam a prática de desporto em contexto de competição, sob um eixo de ética desportiva, associada, naturalmente, à necessária tutela da reputação, bom nome, consideração, credibilidade e profissionalismo dos diversos agentes desportivos e outros intervenientes, que, sob qualquer veste e independentemente do tipo de intervenção concreta, participam nas competições, em particular dos elementos que integram a equipa de arbitragem. 5. As normas em crise, impõem aos dirigentes de clubes, o escrupuloso cumprimento de deveres de correção e de urbanidade nas suas relações desportivas, nomeadamente quando tecem considerações e juízos e/ou formulam e dirigem imputações aos elementos da equipa de arbitragem que são suscetíveis de abalar e ofender a reputação, o bom nome e a credibilidade dos visados, bem como quanto a juízos e/ou imputações dirigidos contra órgãos sociais da FPF, nomeadamente o Conselho de Arbitragem. 6. O que se verificou foi que, sem qualquer base factual concreta e real, os Recorrentes formularam juízos de valor lesivos da honra dos agentes de arbitragem em questão, colocando em causa o interesse público e privado da preservação das competições de futebol. 7. Com efeito, como Presidente do Conselho de Administração de uma das maiores instituições desportivas nacionais, o Recorrido J. C. sabe que as declarações que profere são aptas as influenciar a comunidade e a imagem que a mesma tem das competições e dos agentes desportivos nelas envolvidos. Pelo que, impende sobre si, um dever de zelo para prevenir fenómenos de violência e intolerância no desporto. 8. Tomando a opção de proferir declarações que proferiu, olvidando propositada e voluntariamente os deveres regulamentares a que está adstrito, designadamente, o de cuidar de não proferir declarações que possam potenciar fenómenos de intolerância, desrespeito e violência no desporto, ou lesivas da honra e bom nome dos visados, ou ainda que coloquem em causa a estabilidade e a imagem das competições. 9. Os Recorridos sabiam ser o conteúdo das declarações proferidas adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos elementos da equipa de arbitragem e órgãos federativos, na medida em que indiciam uma atuação dos mesmos a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação. 10. Lançar suspeitas, manifestamente infundadas, de que a atuação de determinado agente de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do respetivo elemento de arbitragem, consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão. 11. O Recorrido imputa a um terceiro não identificado, mas que seria uma pessoa responsável do futebol português, as alegações de existência de complôs da Federação e da APAF para que o F. B descesse de divisão, de modo a os jogos passarem para o Canal ... O Recorrido não assume a autoria das referidas informações, bem como refere não acreditar nas mesmas. Contudo, não podemos deixar de interpretar a utilização deste tipo de discurso como uma ferramenta para expor ideias a respeito da existência de complôs, suscitando no ouvinte a dúvida sobre a sua existência e permitindo fomentar especulações sobre vícios na arbitragem. 12. O Recorrido coloca em dúvida determinadas atuações dos árbitros e, assim, faz uma crítica ao Conselho de Arbitragem e ao desempenho da arbitragem no jogo em questão, fazendo especulações sobre a origem e fundamentos dos referidos erros de arbitragem ocorridos, lançando, assim, uma crítica a uma conduta, mas também à própria instituição e às pessoas, acabando por atingir a honra e consideração dos visados. 13. O Recorrido insinua que as decisões em causa foram tomadas de forma premeditada tendo em vista o favorecimento de um clube em concreto, inculcando na comunidade em geral a ideia de um agir parcial por parte de uma entidade que tem a sua essência vital assente na imparcialidade e a isenção. 14. É certo que no âmbito do futebol não pode haver uma exigência desmedida e desmesurada na análise do que se inclui ou não dentro do direito à liberdade de expressão. 15. Com efeito, sem prejuízo de a liberdade de expressão ser um valor e princípio protegido pela referida norma, haverá que atentar no que dispõe o n.º 2 do referido artigo 10.º da CEDH. Com efeito, ali se refere que certas pessoas ou grupos, pela natureza das suas funções e responsabilidades, poderão ver a sua liberdade de expressão limitada. 16. Com o devido respeito, a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, a ser levada em conta por este Tribunal – o que se admite por dever de patrocínio - levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos, até porque, “bastará” alegar o exercício da liberdade de expressão como causa de exclusão da ilicitude, para a partir daí, tecer considerações como as em crise nestes autos, para que se coloque em crise a tutela disciplinar, entendimento que não se pode acompanhar. 17. Reitera-se nesta sede que andou bem o CD ao sancionar o Recorrido e andou mal o TAD ao revogar o Acórdão do Conselho de Disciplina da Recorrente, pelo que deve ser revogado o Acórdão recorrido. (…).»
O Recorrido F. – F. SAD (F._SAD) contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões - cfr. fls. 74 e ss., do SITAF: – I – A. Inconformada com o douto acórdão do Tribunal Arbitral datado de 12/09/2022, o qual julgou procedente o pedido de arbitragem apresentado aos autos, assim revogando a decisão condenatória proferida no âmbito do processo disciplinar n.º 66-2020/2021, veio agora a Demandada interpor recurso dessa decisão, considerando, em suma, que “a decisão que ora se impugna é passivel de censura porquanto existe um erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito invocado.” B. Afigura-se, porém, que nenhuma razão assiste à Demandada, ora Recorrente, devendo improceder na íntegra o recurso apresentado aos autos, porquanto nenhuma censura ou reparo merece o acórdão recorrido na parte em que decidiu afastar a aplicação, in casu, dos normativos ínsitos nos arts. 112.º-1 e 136- 1 e 3.º do RDLPFP, assim concluindo pela ausência de responsabilização disciplinar dos Demandantes, ora Recorridos. – II – C. Ao contrário do que pretende fazer valer a Recorrente, nunca foi propósito dos Recorridos atentar contra a honra e consideração dos agentes de arbitragem visados, nem, muito menos, atingir as suas “qualidades morais”. Mas, tão só, criticar o seu desempenho profissional – chamando à atenção para aquilo que se consideram ser erros crassos e falta de qualidade profissional. D. Face a uma concreta arbitragem que esteve longe de ser isenta de censura, o Recorrido mais não fez do que expressar publicamente a sua indignação (e saturação) face a falhas da arbitragem nacional que considera como inadmissíveis, e que, evidentemente, alteram/ condicionam directamente o resultado dos jogos, influindo assim no são funcionamento da competição desportiva. E. Não se compreende como pode a Recorrente advogar que o apontar de erros, grosseiros ou não, tem total arrimo na crítica objectiva, mas concluir depois, em sentido totalmente antagónico, que o mesmo já não sucede quando se apelida o profissional que cometeu esses erros de “incapaz” ou “incompetente”. F. Salvo o devido respeito, se um determinado árbitro comete erros que entram pelos olhos dentro de qualquer cidadão médio, e se o apontar desses erros se reputa por admissível, então não há como censurar disciplinarmente a conclusão (lógica) que daí deriva no sentido da incompetência e/ou incapacidade para o exercício das funções do profissional de arbitragem que incorre nesses mesmos erros! G. E nem se diga que adjectivar o árbitro como “incapaz” e/ou “incompetente” equivale a emitir um juízo global de carácter que atinge as suas qualidades morais enquanto pessoa, pois que, como é evidente, a censura inerente à qualificação utilizada dirige-se, única e exclusivamente, à actuação profissional do visado! H. Bastará atentar na subjectividade dialéctica inerente às afirmações propaladas, e bem assim no concreto contextualismo que as envolve, para forçosamente concluir não serem as mesmas susceptíveis de atingir o âmago do mínimo de respeito e correcção indispensável ao espírito desportivo, revelando-se, pois, como disciplinarmente atípicas. I. Jamais foi propósito de J. C. pôr em causa a honra e bom nome pessoal dos elementos da equipa de arbitragem e observadores designados para os jogos em referência, até porque as declarações aqui em sindicância não foram sequer propaladas de forma gratuita ou inopinada. J. Tudo o que o Recorrido fez foi expressar – em resposta às concretas perguntas que lhe foram dirigidas – o seu ponto de vista técnico e pessoal acerca da actuação (generalizada) das equipas de arbitragem na II Liga e do contributo da ausência do VAR para a perpetuação de erros que o mesmo tem por injustificáveis. K. Não pode a denúncia de erros crassos, e por essa via, da falta de competência para o desempenho da actividade profissional de determinados elementos da arbitragem ser confundida – como o faz erradamente a Recorrente – com a afirmação da existência de actuações prejudiciais dolosas e intencionais ou com uma qualquer cabala montada contra a F. SAD! L. Uma análise objectiva do propalado leva, pois, à necessária conclusão de que conduta do Recorrido se circunscreve à censura, directa e frontal, da actuação do árbitro assistente R. L. no que diz respeito a um concreto lance ocorrido no jogo de 1../../2021 disputado entre a C. C. – F., SAD e a equipa B da F. – F., SAD, nomeadamente por considerar que a anulação do golo que daria a vitória à equipa (por alegado fora de jogo) é um erro crasso que salta à vista de qualquer cidadão médio – o que o levou assim a pôr em causa a capacidade do visado para o cumprimento das suas funções (ao menos com o rigor e exigência que se impõe a qualquer profissional da área). M. Sendo certo, sublinhe-se!, que o Recorrido não questiona sequer a imparcialidade ou honestidade do árbitro visado, mas sim a sua incapacidade e/ou incompetência – o que é perfeitamente natural, e legitimo, em face das falhas técnicas constatadas. N. Nada, porém, que detenha sequer revelo jurídico suficiente para se poder considerar como disciplinarmente censurável! O. A “dualidade de critérios” empregue pela equipa de arbitragem no decurso de um jogo – ainda que de forma perfeitamente inadvertida – nunca poderá deixar de ser um facto objectivo e concretizável cuja inevitável consequência lógica é uma equipa ser beneficiada em detrimento da outra. P. O que não pode admitir-se é que, da mera denúncia de factos que se têm por inteiramente lógicos e notórios, pretenda a Recorrente retirar a imputação de quaisquer juizos de parcialidade subjectiva pré-existente! Q. Objectivamente consideradas, as afirmações aqui em apreço não comportam uma grosseria intrínseca que represente um atentado (sério e relevante!) contra o direito à reputação ou honra dos elementos das equipas de arbitragem visados; tampouco podem considerar-se de tal modo difamatórias ou injuriosas que justifiquem a intervenção do direito sancionatório disciplinar. R. Pelo que, sempre haverá de se concluir que as afirmações em apreço não são sequer aptas a preencher os ilícitos disciplinares previstos nos arts. 136.º-1 e 112.º do RDLPFP, nenhuma censura merecendo por isso o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal a quo – o qual deve manter-se in totum. – III – S. Acresce que, ainda que contrariando o douto juízo formulado pelo Tribunal Arbitral, se viesse a considerar a conduta em apreço como típica à luz das normas consagradas nos arts 112.º e 136.º do RDLPFP – o que não se consente e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona – certo é que a sua ilicitude sempre estará excluída por ser o facto praticado no legítimo exercício de um direito, concretamente o direito à liberdade de expressão (art. 31.º-1 e 2, al. b) do CP e art. 37.º da CRP). T. A tese sufragada pela Recorrente contraria aquilo que vem sendo entendido pelo TEDH quanto à prevalência do direito fundamental à liberdade de expressão face ao bom-nome e à honra de terceiros, sempre que exista uma base factual mínima que suporte as afirmações propaladas. U. Basta atentar nos Relatórios técnicos de observação dos árbitros juntos pela Demandada/ Recorrente aos presentes autos para facilmente constatar que as afirmações veiculadas (referentes às falhas da equipa de arbitragem, ao menos, no jogo disputado a 1./../2021 entre a C. C. – F., SAD e a equipa B da F. – F., SAD) são providas de factos que as suportam. V. A verdade é que, independentemente do desagrado que as afirmações propaladas possam ter causado, a actuação dos Recorridos enquadra-se, e não extrapola, o âmbito do direito à sua liberdade de expressão, na sua vertente de direito de crítica. W. Face a todo o exposto, outra não poderá ser a conclusão senão a de que a conduta dos Recorridos não consubstanciou a prática de qualquer ilícito disciplinar, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão. X. Por nenhuma responsabilidade disciplinar poder ser assacada aos aqui Recorridos, impõe-se, assim, manter na íntegra o teor e sentido do acórdão recorrido. (…)».
O DMMP junto deste tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 147.º, ambos do CPTA, pronunciou-se no sentido de que se «defira o requerido pelo F.- F., SAD sobre a sua não responsabilidade em matéria de infração disciplinar, prevista no artigo 112.° do RDLPFP», atualmente em vigor.
Com dispensa dos vistos, atenta a natureza urgente dos autos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
I. 1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pela Recorrente Federação Portuguesa de Futebol (FPF), delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, reconduzem-se, essencialmente, à verificação da correta ou incorreta qualificação das declarações do Recorrido dirigente desportivo e, consequentemente, a respetiva subsunção ao ilícito disciplinar previsto e punido nos citados art.s 112.º e 136.º do RDLPFP 2021.
II. Fundamentação II.1. De Facto A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis - cfr. fls. 4 e ss., do SITAF: «(…) 1. No dia .. de .. de 2021, pelas 1.h00, realizou-se o jogo oficialmente identificado com o n.º 2.. disputado entre a G. C. – F., SAD e a F. – F. SAD (F., doravante), equipa B desta, no Estádio T.., a contar para a Liga Portugal SABSEG (II Liga); 2. No dia .. de . de 2021, em entrevista ao “P. C.”, por este transmitida em direto, no âmbito do seu programa denominado “N. I.”, o Demandante J. C., Presidente do Conselho de Administração da F., questionado sobre a situação da Equipa B da F., sobre o risco de despromoção, e sobre a sua avaliação da situação, respondeu e declarou o seguinte: 3. «Eu hoje falei com um responsável do futebol português, e falámos disso, porque disseram-nos (disseram-nos, e eu tenho a certeza, até pela garantia que ele me deu e, também, porque não acreditava nisso) que havia vários complôs para que o F. B descesse de divisão. Um deles, que até foi dito em C., a um dos responsáveis do F., que a Federação tinha interesse em que o F. descesse para, indo para a terceira divisão, os jogos passarem para o canal ... E o outro é que haveria um complô da APAF, em relação àqueles árbitros menos conhecidos e de menos categoria, que são os que a APAF dominaria, e que havia um complô. Eu não acredito nem numa coisa nem noutra, até porque a Federação tem os jogos do F., estão no, também passam, da B, também passam, quando são em casa é no P. C., mas quando são fora, os que quiser, passa no canal ... (…) O que eu disse à pessoa com quem falei, aliás, falei deste tema com vários responsáveis, e disse “eu não acredito em nenhum”. Agora, o que é certo é que, domingo após domingo, jornada após jornada, o F. perde pontos por, unicamente, erros dos árbitros. E as pessoas concordam! E eu disse “bem, se não é pelo canal .., que é um absurdo, se não é pelo complô da APAF, que é outro absurdo, então diga-me porque é! Eu em bruxas não acredito. Em milagres, só em Fátima e não são muito frequentes. Como é que no O. e onde o F. se desloca, há sempre um milagre de, no último minuto (…)?”. Olhe! O último jogo em C. o F. faz o golo da vitória, faltam três minutos. Dito pelos responsáveis, o jogador estava mais de meio metro atrás do defesa, e o Senhor L., que era o fiscal de linha, levantou a bandeira! Pronto! Foi a pensar no canal ..? Não. Foi a pensar no complô da APAF, mesmo sendo o seu chefe presidente da mesa da Assembleia Geral da APAF? Também não. Foi por incapacidade? Se calhar, foi. Foi por incompetência? Se calhar, foi. Mas o que é certo: seja incapaz ou incompetente ele está lá! Agora, milagre, não foi. Bruxas, também não acredito. Em C. não é terra de bruxas, portanto, não acredito. Agora, que é assim, é. E que os responsáveis bem que é assim e também não te encontram solução… Eu acho que uma das maneiras (…), acreditando na seriedade, e não tenho dúvida na boa intenção do Conselho de Arbitragem, em que as coisas corram bem, acho que muitos destes erros, por exemplo, este golo anulado pelo Senhor L., foi tão flagrante, tão escandaloso… é a falta do VAR. É fundamental que na B, na segunda Liga, haja VAR! Porque, se houvesse VAR, são tão flagrantes os erros, são tão incompreensíveis. Como é que o Senhor L. levanta a bandeira, depois da bola entrar?! É que os jogadores vêm de trás, adianta-se, faz golo, e só depois do golo é que o Senhor L.» (neste momento, gesticula em jeito de erguer uma bandeira) «(…) Evidente que o VAR, numa situação dessas, de certeza absoluta que o golo era considerado e o F. tinha mais dois pontos.» 4. As declarações transcritas no ponto 2 foram objeto de várias notícias na imprensa; 5. A A. A. – S., SA (NIPC 507 …), é uma sociedade comercial que tem por objeto a exploração do serviço de programas televisivo por cabo denominado “P. C.”, e está integrada no grupo de empresas “F.”, sendo 81,42% do respetivo capital social detido pela Demandante F. – F., SAD; 6. Os Arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária; 7. À data dos factos, a Arguida FCP tinha os antecedentes disciplinares constantes do registo disciplinar, verificando-se que foi anteriormente punida, várias vezes, pela mesma infração de que vem acusada nos autos, por decisões transitadas em julgado, desde a terceira época desportiva anterior à dos factos; 8. À data dos factos, o Demandante J. C. tinha os antecedentes disciplinares constantes do registo disciplinar, verificando-se que foi anteriormente punido, várias vezes, pela mesma infração de que vem acusado nos autos, por decisões transitadas em julgado, desde a terceira época desportiva anterior à dos factos.
Nada mais foi considerado provado relativamente à matéria relevante para a decisão.
Uma primeira parte em que este afirma que «um responsável do futebol português» lhe comunicou que «havia vários complôs para que o F. B descesse de divisão» e que «a Federação tinha interesse em que o F. descesse para, indo para a terceira divisão, os jogos passarem para o canal ..», conjugado com a afirmação de que ele próprio não acreditava no que lhe foi comunicado, «até porque a Federação tem os jogos do F.» - (10 - “não acreditava nisso”, “Eu não acredito nem numa coisa nem noutra, até porque a Federação tem os jogos do F., estão no, também passam, da B, também passam, quando são em casa é no P. C., mas quando são fora, os que quiser, passa no canal B (…)». O que se pode e deve ler, e reter, como mera questão de estilo, o dizer que alguém lhe disse, que em nada diminuiria a culpa e a ilicitude da conduta do agente. E, uma segunda parte em que, aquele mesmo dirigente desportivo afirma que, «domingo após domingo, jornada após jornada, o F. perde pontos por, unicamente, erros dos árbitros. E as pessoas concordam!», seguido de afirmações de «milagres de último minuto»; de conjeturas e especulações sobre possíveis fundamentos para os referidos erros «(11 - (bem, se não é pelo canal .., que é um absurdo, se não é pelo complô da APAF, que é outro absurdo, então diga-me porque é! Eu em bruxas não acredito. Em milagres, só em Fátima e não são muito frequentes. Como é que no O. e onde o F. se desloca, há sempre um milagre de, no último minuto (…)?», de críticas ao desempenho de arbitragem no jogo entre o F. B e o D. C., «(12 - “(…) o jogador estava mais de meio metro atrás do defesa, e o Senhor L., que era o fiscal de linha, levantou a bandeira! Pronto! Foi a pensar no canal ..? Não. Foi a pensar no complô da APAF, mesmo sendo o seu chefe presidente da mesa da Assembleia Geral da APAF? Também não. Foi por incapacidade? Se calhar, foi. Foi por incompetência? Se calhar, foi. Mas o que é certo: seja incapaz ou incompetente ele está lá! Agora, milagre, não foi. Bruxas, também não acredito. Em C. não é terra de bruxas, portanto, não acredito. Agora, que é assim, é.», assim como a promoção declarada da adoção do VAR na segunda Liga, «(13 - “os responsáveis bem que é assim e também não te encontram solução… Eu acho que uma das maneiras (…), acreditando na seriedade, e não tenho dúvida na boa intenção do Conselho de Arbitragem, em que as coisas corram bem, acho que muitos destes erros, por exemplo, este golo anulado pelo Senhor L., foi tão flagrante, tão escandaloso… é a falta do VAR. É fundamental que na B, na segunda Liga, haja VAR! Porque, se houvesse VAR, são tão flagrantes os erros, são tão incompreensíveis. Como é que o Senhor L. levanta a bandeira, depois da bola entrar?! É que os jogadores vêm de trás, adianta-se, faz golo, e só depois do golo é que o Senhor L.» (neste momento, gesticula em jeito de erguer uma bandeira) «(…) Evidente que o VAR, numa situação dessas, de certeza absoluta que o golo era considerado e o F. tinha mais dois pontos.». Em face do que, e transpondo a aplicação do parâmetro normativo de decisão que resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra enunciado e transcrito, para a factualidade descrita, não se pode concluir que o elemento intencional, de favorecer ou de prejudicar alguma das equipas, esteja presente nas declarações em causa, para além das críticas que foram genericamente dirigidas a desempenhos da arbitragem, tais como «domingo após domingo, jornada após jornada, o F. perde pontos por, unicamente, erros dos árbitros. E as pessoas concordam!» claramente a coberto do seu direito de liberdade de expressão. Mas também quando usou outras expressões mais sugestivas, tais como, como: «[f]oi por incapacidade? Se calhar, foi. Foi por incompetência? Se calhar, foi. Mas o que é certo: seja incapaz ou incompetente ele está lá! Agora, milagre, não foi. Bruxas, também não acredito. Em C. não é terra de bruxas, portanto, não acredito», pois que se traduzem mais num juízo especulativo sobre o fundamento do alegado carácter sistemático dos erros de arbitragem, do que numa clara afirmação de que tais erros se haviam fundado numa intencionalidade dolosa para favorecer ou prejudicar qualquer equipa, isto mesmo valendo para a parte em que o declarante afirma ainda que «são tão flagrantes os erros, são tão incompreensíveis. Como é que o Senhor L. levanta a bandeira, depois da bola entrar?! É que os jogadores vêm de trás, adianta-se, faz golo, e só depois do golo é que o Senhor L.» (neste momento, gesticula em jeito de erguer uma bandeira) «(…) Evidente que o VAR, numa situação dessas, de certeza absoluta que o golo era considerado e o F. tinha mais dois pontos.», ou mesmo quando afirma «que é assim, é. E que os responsáveis bem que é assim e também não te encontram solução… Eu acho que uma das maneiras (…), acreditando na seriedade, e não tenho dúvida na boa intenção do Conselho de Arbitragem, em que as coisas corram bem, acho que muitos destes erros, por exemplo, este golo anulado pelo Senhor L., foi tão flagrante, tão escandaloso… é a falta do VAR.» Com isto não estamos a dizer que se trata de afirmações sensatas, mas a liberdade de expressão se não permitir a insensatez de pouco vale, havendo que ser justo e cuidadoso na necessária conformação deste direito fundamental com outros direitos fundamentais, no caso, com o direito à honra e ao bom nome do Conselho de Arbitragem e dos árbitros, nos termos do n.º 2 do art. 18.º da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, considera este tribunal de recurso ser de manter a decisão recorrida, que considerou as declarações proferidas como mero discurso desportivo, com fundamento em erros técnicos da arbitragem, potencialmente prejudiciais para o seu clube, o que não se subsume ao ilícito do n.º 1 do art. 112.º e art. 136.º do RDLPFP 2021, por não se poder qualificar tais declarações como injuriosas, difamatórias ou grosseiras, e nem como sendo incitadoras da prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina.
III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recuso e em manter a decisão arbitral recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 26.01.2023 Dora Lucas Neto Pedro Nuno Figueiredo Ana Cristina Lameira
|