Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:636/12.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:CUSTOS FINANCEIROS
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I - Um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
II - A indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo de inserção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 18/01/2021, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “S....., SA”, contra a liquidação adicional de IRC nº .......07, a conexa liquidação de juros compensatórios nº .......46 e a liquidação de juros de mora nº .......47, referentes ao exercício de 2007, que após demonstração de acerto de contas (nº .......46), apuraram o montante total a pagar de € 45.132,81.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a ação de impugnação judicial à margem identificada, deduzida pela sociedade “S....., SA.”, NIPC 50……, contra a liquidação adicional de IRC nº .......07, a conexa liquidação de juros compensatórios nº .......46 e, ainda, a liquidação de juros de mora, nº .......47, referentes ao exercício de 2007, que após demonstração de acerto de contas (nº .......46), apuraram o montante total a pagar de € 45.132,81.

B) As questões a apreciar e a decidir no presente recurso versam sobre a análise da legalidade da desconsideração de certos custos levada a efeito pela Autoridade Tributária em sede de ação de inspeção tributária, (ordem de serviço nº .......21), cuja não aceitação está na origem das correções técnicas que fundamentam as liquidações adicionais de imposto, juros compensatórios e de mora que vêm impugnadas.

C) Seguindo a sequência lógico-expositiva da sentença recorrida, estruturamos este recurso em duas questões principais:

Ø Desconsideração de custos financeiros – incumprimento dos acionistas;

Ø Legalidade da liquidação de juros de mora

D) A sentença sob recurso procedeu à anulação da correção integrada na liquidação impugnada relativa à parcial desconsideração de encargos financeiros não aceites como custos fiscais, no valor de € 200.156,92.

E) Os fundamentos vertidos ao longo da douta sentença recorrida deveriam conduzir necessariamente a uma decisão de sentido diferente.

F) Para que os custos sejam aceites para efeitos fiscais é necessário que se comprovem com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos, implicando a falta de qualquer destes requisitos a sua não consideração e o seu adicionamento ao resultado contabilístico.

G) Os custos fiscais, em regra, são os gastos derivados da atividade da empresa que apresentam uma conexão fáctica ou económica com a organização, que não consubstanciem uma diminuição patrimonial ditada pela existência de uma participação social da parte do seu beneficiário direto ou indireto.

H) Dispõe o artigo 23°, n° 1 do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

I) Do que vem dito decorre que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, mas isso não quer dizer que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o ato, mas antes, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do ato à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

J) A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (art.ºs 74º e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.

K) Se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.

L) A Recorrida não logrou de forma alguma comprovar a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos ou ganhos, pois não conseguiu em qualquer momento demonstrar a relação de causalidade, direta ou indireta, para a obtenção de lucros a necessidade de incorrer nesses custos para a prossecução do seu objeto social.

M) Na verdade, a Recorrida não conseguiu demonstrar, qual teria sido o impacto nos seus proveitos ou ganhos, se não tivesse incorrido nestes custos de financiamento.

N) Todos os factos conhecidos pela administração fiscal apenas permitiram concluir pela dispensabilidade destes custos financeiros, uma vez que ficou por demonstrar que os empréstimos e correspondentes custos financeiros foram efetivamente contraídos no interesse da empresa, cabendo esse ónus à sociedade impugnante e não à Autoridade Tributária, como erradamente ficou decidido na sentença recorrida.

O) Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou na interpretação e consequente aplicação do disposto na norma prevista no artigo 23.º do CIRC, cuja violação desde já se invoca, devendo ser mantida no ordenamento jurídico, por conforme ao direito aplicável, a correção relativa à desconsideração dos custos financeiros.


Legalidade da liquidação de juros de mora

P) A sentença recorrida concluiu, ainda, pela ilegalidade da liquidação de juros de mora que, também, vinha impugnada, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, atenta a verificação de duplicação de coleta.

Q) A Fazenda Pública, discorda, também aqui, do sentido propugnado pela sentença recorrida, por não se ter verificado, in casu, a alegada e declarada duplicação de coleta.

R) Estatuía no nº 1, do art.º 112º do CIRC, em vigor, à data dos factos, que: “A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b), do nº 1 do artigo 109º deve ser enviada, anualmente, por transmissão eletrónica de dados, até ao último dia útil do mês de maio.”

S) Estando em causa nos autos, o exercício de 2007, decorre do citado normativo que o prazo limite para entrega da declaração periódica de rendimentos, Modelo 22 de IRC, do exercício de 2007, seria o dia 2008/05/30.

T) A Recorrida apesar de ter apresentado a declaração de rendimentos, referente ao exercício de 2007, dentro da data limite, posteriormente, viria a apresentar mais duas declarações de substituição, sendo a última datada de 2008/06/27, e sem que tivesse sido acompanhada de qualquer meio de pagamento.

U) De acordo com as alíneas b) e c), do nº 1, do art.º 96º do CIRC então em vigor, a Recorrida deveria ter procedido ao pagamento do imposto apurado na declaração de rendimentos referente ao exercício de 2007, nos seguintes termos:

“b) Até ao último dia útil do prazo fixado para o envio ou apresentação da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta; c) Até ao dia da apresentação da declaração de substituição a que se refere o artigo 114º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.”

V) Não ignora, pois, a Recorrida que, desde 2008/05/30 até à data de entrega da declaração de substituição (2008/06/27), da qual resultou imposto a liquidar no montante de € 194.331,16, esse imposto não se encontrava liquidado, e depois dessa data, apesar de liquidado, o mesmo não se encontrava pago.

W) Dispunha o art.º 101º do CIRC, na redação vigente à data (atual art.º 109º), que “Havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo efetuado o pagamento deste até ao termo do respetivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela Direção-Geral dos Impostos nos termos previstos no artigo seguinte”.

X) Por sua vez, o nº 1, do art.º 44º da LGT, estatui que “São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pagar o imposto devido no prazo legal.”

Y) A Recorrida foi notificada em 2008/08/26 da liquidação de IRC de 2007, com o nº .......72, que reflete os € 194.331,16 de imposto a pagar, acrescido de € 3.035,98 de juros compensatórios e € 5.921,01 de juros de mora, perfazendo um total de € 203.288,15.

Z) Da conjugação dos citados normativos, podemos concluir que a AT atuou corretamente ao proceder à liquidação de juros de mora, pois, não tendo o sujeito passivo efetuado o pagamento do imposto até ao termo do prazo respetivo, começaram a correr imediatamente juros de mora, nos termos do art.º 44º da LGT e art.º 101º (atual 109º) do CIRC.

AA) No que concerne à liquidação de juros de mora, emitidos relativamente à liquidação de IRC, que vem impugnada (nº .......07), emitida na sequência das correções efetuadas pelos SIT, em sede de ação inspetiva, aplica-se o disposto no nº 1, do art.º 102º do CIRC, na redação vigente à data, (atual art.º 110º), que prevê o seguinte:

“1- Nos casos de liquidação efetuada pela Direção-Geral dos Impostos, o contribuinte é notificado para pagar o imposto e juros que se mostrem devidos, no prazo de 30 dias a contar da notificação.”

BB) Conforme decorre da demonstração de acerto de contas nº .......46, os saldos a pagar pela Recorrida, apurados pela AT, correspondem, precisamente, ao diferencial entre a liquidação nº .......72 e a liquidação nº .......07 (impugnada), isto é, entre o imposto autoliquidado pelo sujeito passivo aquando da entrega da última declaração de substituição, com os correspondentes juros, e o imposto apurado após as correções efetuadas pelos SIT, também acrescidos dos devidos juros.

CC) Da leitura dos quadros 1, 2 e 3, enunciados no precedente ponto 66 destas alegações de recurso, que aqui se dão por reproduzidos, de imediato se depreende que não pode proceder a conclusão de que, houve duplicação de coleta, como aduz a sentença recorrida “…na liquidação de juros de mora impugnada repete o que fundara a liquidação que antes fora operada, e era já então exaurida, pelo que a Administração Tributária procedeu a uma mesma liquidação de juros por duas vezes, substantivamente visando um mesmo facto tributariamente relevante – um mesmo atraso na entrega de uma prestação tributária –, mesmo que as normas formalmente fossem diversas, ou a quantificação diversa, por aplicação de taxas diferentes…

DD) Isto porque, nem os juros de mora, nem quaisquer outros montantes, foram cobrados duas vezes.

EE) Conforme se discriminou no quadro 3, após as correções dos SIT, os montantes de imposto e de juros, exigidos à Recorrida, são apenas os diferenciais entre os montantes apurados em resultado da declaração de substituição (quadro 1) e em resultado das correções dos SIT (quadro 2).

FF) Ou seja, aos valores apurados com as correções resultantes da ação de inspeção, foram deduzidos todos os valores a pagar apurados anteriormente. Desta forma, não há qualquer duplicação dos valores a pagar pela Recorrida.

GG) Não se descortina, pois, qualquer ilegalidade, na liquidação de juros de mora impugnada, nem qualquer duplicação de pagamento de juros.

HH) Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

II) Não se vislumbrando qualquer ilegalidade nos atos de liquidação de imposto, juros compensatórios e de mora, que vinham impugnados, máxime, do alegado erro nos seus pressupostos de facto e de direito, e devendo a impugnação em apreço ser julgada improcedente, por não provada, impõe-se concluir, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais para que, seja reconhecido à Recorrida, o direito a juros indemnizatórios, previsto no art.º 43º da LGT. Pelo que, se impõe, também, a anulação, nesta parte, do segmento decisório sob recurso.

JJ) Finalmente, sendo a presente impugnação julgada totalmente improcedente, será a Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar o pagamento das custas, impondo-se, portanto, também neste segmento, a reforma da sentença recorrida.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por Acórdão que, julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!»

3. A Recorrida, S......., S.A., apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A. A Recorrente insurge-se contra a douta sentença por entender que existe “erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas e consequente erro na aplicação do disposto no art.º 23.º do CIRC, enfermando a sentença de nulidade nos termos do art.º 125.º do CPPT e art.º 615.º do CPC, ex vi da remissão estabelecida no art .2.º corpo e alínea d) do CPPT”

B. A sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente, não sendo, nessa medida, merecedora de qualquer censura;

C. A sentença recorrida nem incorre em qualquer erro de julgamento relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada, nem quanto à matéria de direito.

D. Com efeito, não só os autos já reuniam todos os elementos necessários à prolação de sentença, como também se verifica que a Recorrente não alegou quaisquer factos demonstrativos da dispensabilidade dos custos financeiros, limitando-se a invocar referências meramente conclusivas no seu recurso;

E. Decidiu o Tribunal a quo, e bem, anular a correção técnica efetuada pela AT ao IRC do exercício de 2007 da Recorrida, relativa à desconsideração de encargos financeiros como custos fiscais, na importância de € 200.156,92 euros;

F. Resulta da matéria de facto dada por assente que a AT não aceitou os custos incorridos com os encargos financeiros no exercício de 2007, tendo como fundamento único de que como os acionistas da Recorrida ainda não teriam realizado os aumentos de capital deliberados nos montantes de € 244.000,00, por escritura de 10 de Maio de 2004, e de € 250.000,00, por escritura de 13 de Dezembro de 2005, nem teriam efetuado as prestações acessórias reconhecidas em capital próprio, num valor global de € 1.004.000,00, - com base numa reserva formulada pelo Revisor Oficial de Contas para o ano 2006 - aquela teve de recorrer a “empréstimos bancários”, incorrendo em custos financeiros, ou seja, como os acionistas não cumpriram com as suas obrigações legais de entradas de capital, os custos com aqueles encargos não são aceites fiscalmente, na “proporção dos capitais e prestações acessória não realizadas”;

G. Ao contrário do propugnado pela Recorrente, a matéria assente como provada respeita unicamente aos fundamentos da liquidação adicional de IRC alegados pelos SIT constantes do respetivo Relatório Final para efetuar a correção aos custos financeiros aqui em causa, não fazendo prova plena dos factos declarados naquele Relatório, mas apenas sobre quais são os fundamentos ali expostos. Pelo que, a AT tem sempre de fazer a prova dos factos que indiciam ou sobre os quais assentam os pressupostos das suas correções efetuadas ao lucro tributável dos sujeitos passivo, em conformidade com o disposto no artigo 74.º da LGT, não podendo aquela olvidar que, no âmbito da prossecução das suas funções, tem a obrigação de proceder a todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, em obediência ao princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, ainda que não lhe seja favorável;

H. À luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, para que um custo incorrido por uma empresa (registado contabilisticamente) tenha relevância fiscal é necessário que o mesmo esteja suportado por um documento justificativo e em segundo lugar tem de ser realizado no interesse da sociedade, ou seja, tem estar relacionado com a sua atividade e objeto social, sendo que, em relação aos custos incorridos com encargos financeiros, a norma em referência prevê na al. c) do n. º 1 “encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração”, ou seja, serão dedutíveis fiscalmente tais encargos desde que despendidos no interesse e na atividade desenvolvida pela empresa;

I. Da matéria de facto assente resulta que os SIT não colocaram em causa a existência ou natureza dos custos impugnados, nem os respetivos montantes, nem nunca questionaram se tais despesas são adequadas à concretização do objeto societário da Recorrida, ao contrário do que agora a Recorrente alega nas suas conclusões. Aliás, a Recorrente nem sequer alega nas suas conclusões qual o motivo e fundamento que a levaram a AT desconsiderar fiscalmente os encargos financeiros;

J. Atento o preceituado no artigo 23.º, n.º 1, al. c), os SIT não podiam só alegar e concluir que, como o mencionado incumprimento dos acionistas determinou o recurso ao crédito da Recorrida, os respetivos encargos financeiros não são dedutíveis fiscalmente na correspetiva proporção. Pois, a AT tinha de demonstrar que o financiamento obtido em causa não foi realizado no interesse da Recorrida nem no desenvolvimento da sua atividade, para concluir que os custos com os encargos financeiros não são indispensáveis à obtenção de proveitos, pois, são esses os pressupostos que a lei fiscal exige de tais custos para não relevarem fiscalmente, devendo, nesta medida ser acrescidos à matéria coletável;

K. Ademais, os SIT nem sequer questionam que os empréstimos e demais financiamentos que estão na origem dos encargos financeiros pagos no exercício de 2007 não estão relacionados com o fim societário da Recorrida. Pois, os que SIT alegam é que o incumprimento dos acionistas em causa foi a causa direta e o financiamento da Recorrida, embora também não demonstre tal relação direta;

L. É que ao contrário do alegado pela Recorrente nas suas conclusões, não basta só à AT questionar a indispensabilidade de verbas contabilizadas como custos dedutíveis, é necessário que a mesma questione fundadamente aqueles custos, isto é, tem de demonstrar que aquelas verbas não se inscrevam no interesse societário, considerando o princípio da legalidade, bem como o princípio do inquisitório, que norteiam a atividade da AT, tendo em vista a descoberta da verdade material. Ou seja, a AT não pode questionar por questionar, só para colocar em causa os custos deduzidos, tem de o fazer fundamentadamente. O que não aconteceu no caso dos autos;

M. Tendo em vista a admissibilidade fiscal dos juros e demais encargos de financiamento pagos e suportados no exercício 2007, os SIT deveriam ter indagado e analisado se as operações de financiamento, como os contratos de mútuo e contratos de locação financeiro que lhes deram origem, à data em que estes foram contraídos, estão potencialmente em conexão com os proveitos da Recorrida. E só se os SIT o tivessem feito é que caberia à Recorrida provar o seu direito à dedução dos encargos com os custos financeiros, demonstrando efetivamente que tais financiamentos e correspetivos encargos foram aplicados e utilizados no âmbito do seu escopo social;

N. O que manifesta e inequivocamente não aconteceu no caso sub judice, dado que nem sequer foi posto em causa que os empréstimos e os correspondentes encargos financeiros não foram contraídos no interesse societário da Recorrida, o que não se pode ter por observado ao relevar como elemento objetivo para desconsideração do custo fiscal o incumprimento de obrigações legais e estatutárias dos acionistas (concretamente, o facto de os acionistas não terem realizado as entradas de capital conforme deliberado no aumentos de capital social e não terem realizados as prestações acessórias);

O. Ainda que se entendesse que, no caso dos autos, que SIT questionaram fundadamente a indispensabilidade dos custos em questão, nos termos e para os efeitos do artigo 23.º, n.º 1, al. c) do CIRC, o que não se concede, a verdade é que a Recorrida demonstrou nos autos a sua indispensabilidade.

P. Pois, a Recorrida dedica-se à atividade comercial de construção civil e no âmbito desta contraiu não só empréstimos bancários, como celebrou contratos de leasing ou locação financeira para fornecimento de imobilizado (ativo fixo tangível), que os SIT nem sequer questionaram.

Q. Ficou inequivocamente demonstrado que o financiamento obtido, seja na modalidade de crédito bancário ou locação financeira, foi aplicado inteiramente no exercício normal da sua atividade comercial, revelando-se essencial para a manutenção da sua fonte produtora, bem como para a obtenção de proveitos sujeitos a tributação da Recorrida, os custos financeiros suportados são normais e imprescindíveis à manutenção da fonte produtora, comprovando-se a sua adequação e conveniência à atividade exercida pela Recorrida. Aliás, tal como os SIT puderam verificar ao analisarem toda a documentação da contabilidade que lhe foi entregue, no âmbito do procedimento inspetivo;

R. A Recorrida não contraiu os financiamentos bancários em questão para financiar terceiras entidades ou qualquer outra atividade que não fosse a sua, ou seja, não suportou custos financeiros s sem qualquer tipo de justificação económica;

S. O crivo da indispensabilidade dos custos fiscais não passa por se exigir que os sujeitos passivos imputem diretamente os custos suportados a proveitos obtidos, o que só reitera a errada interpretação e aplicação do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC pela Recorrente;

T. A ampla doutrina e Jurisprudência vertida sobre a matéria em questão, responde claramente, no sentido de que basta que um custo esteja relacionado com a atividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros, para que seja fiscalmente dedutível;

U. A Recorrente vem ainda insurgir-se contra o julgamento da ilegalidade e consequente anulação da liquidação dos juros de mora n.º .......47, por entender que não se verifica a “a alegada e declarada duplicação de coleta”, mas sem razão;

V. A Recorrida quando submeteu a última Declaração Periódica de Rendimentos Modelo 22 de substituição do exercício de 2007, em 2008, fê-lo, sem que tivesse nesse momento, procedido de imediato ao pagamento do imposto devido que dali resultou, só o tendo feito mais tarde, já em sede de execução fiscal, através de sucessivas compensações de créditos efetuadas pela AT, o que implicou retardamento no pagamento da prestação;

W. A liquidação de juros de mora com o n.° .......73, no montante de € 5.921,01, resultante da liquidação de IRC n.° .......72, respeita ao período compreendido entre junho e agosto de 2008, ou seja, até à data em que a AT procedeu à emissão da compensação n.° .......60 (21 de agosto de 2008), tendo compensado, além do imposto devido, os juros de mora, na importância de 5.921,01 euros. Pelo que, esta liquidação foi integralmente paga em 2008.11.12, por meio de pagamento identificado pelo n.º .......90;

X. O juros de mora liquidados na importância 5.926,96 euros constam da própria liquidação impugnada nos presentes autos e da demonstração de acerto de contas n.° .......46, não conseguido a Recorrente justificar a que título foram liquidados novamente juros de mora referentes ao período de junho a agosto de 2008, já anteriormente cobrados, basta atentar no resultado final daquela demonstração de acerto de contas, considerando as somas das parcelas ali discriminadas;

Y. Em face do exposto, não existem dúvidas de que estamos perante uma duplicação de coleta, conforme previsto no artigo 205.º do CPPT, dado que a AT exige novamente o pagamento de um tributo que já se encontra integralmente pago, pois, a liquidação de juros de mora em crise é emitido “depois de paga a quantia, com base numa anterior liquidação relativa ao mesmo tributo e período de tempo”, conforme anteriormente demonstrado pela Recorrida e, como tal, é ilegal;

Z. Termos em que improcedem totalmente os argumentos da Recorrente, uma vez que não se verificou qualquer erro de julgamento, nem de facto nem de direito, não enfermando a decisão recorrida de qualquer errónea apreciação dos factos relevantes, nem de errada interpretação e aplicação da lei ao caso sub judice, devendo manter-se a douta sentença nos seus precisos termos.

TERMOS EM QUE, com o sempre mui suprimento de V. Exas. deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.

Com todas as consequências legais.»

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito por referência aos artigos 23.º do CIRC e 43.º da LGT, ao ter anulado a correcção efectuada à matéria colectável pela AT relativa à desconsideração de custos financeiros (incumprimento dos accionistas), e à liquidação de juros de mora, do exercício de 2007.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. A Impugnante, S....., S. A., [com o CAE 042990, construção de outras obras de engenharia civil], com esta designação iniciou atividade com o ano de 2003, sendo sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas desde então e de Imposto sobre o Valor Acrescentado desde o final de outubro desse ano, aqui sob o regime normal de periodicidade mensal.

2. A Impugnante teve sede na Quinta do Secretário, em Sobreda da Caparica, junto à Via Rápida da Caparica, no concelho de Almada, que depois mudaria para Lisboa, para a Rua Frei Luís de Granada loja ……

3. A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva externa [ordem de serviço nº.......21, de 4 de agosto de 2009], versando sobre os seus exercícios de 2006 e 20007 e sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e Imposto sobre o Valor Acrescentado, a qual foi iniciada em 14 de setembro de 2009 que, sobre prorrogação do prazo legal, viria a ser concluída em 20 de maio de 2010.

4. Na origem da tal inspeção parcial esteve a anterior, ao seu exercício de 2005 [ordem de serviço nº.......20], na qual haviam sido detetadas situações capazes de se repercutirem ou de continuarem nos exercícios seguintes.

5. Em 2007, a Impugnante tinha um capital social no montante de €500.000,00, que estava disperso por ações com o valor nominal de €2, detidas por um conjunto de cinco acionistas, pessoas singulares, duas delas, porém, com 65% e 28% do capital, respetivamente, evidenciando-se terem laços familiares entre si.

6. Durante os exercícios referidos, a Impugnante teve ao seu serviço 43 (2006) e 59 (2007) trabalhadores.

7. A ação inspetiva procedeu liminarmente a uma análise da contabilidade da Impugnante, que verificou mostrar-se devidamente organizada, sendo que a Impugnante também vinha cumprindo as suas diferentes obrigação declarativas.

8. Porém, no que tange a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no seu relatório final, de 14 de junho de 2010, para além de outras conclusões para as quais propôs as correspondentes correções, a ação inspetiva, tendo-se deparado com aumentos de capital nos montantes de €244.000,00 e de €250.000,00, em 19 de maio de 2004 e em 13 de dezembro de 2005, respetivamente, que todavia nunca haviam sido realizados, considerando que tal era, na verdade, uma dívida na conta de acionistas [25], não correspondendo por isso a meios líquidos de pagamento, concluiu que esses montantes – com base ainda na reserva formulada pelo Revisor Oficial de Contas para 2006, precisamente pelo facto de esse capital inexistir na disponibilidade da Impugnante –, bem como prestações acessórias incumpridas, tudo num valor global de €1.004.000,00, concluiu então que o recurso ao crédito pela Impugnante carecia de justificação enquanto encargo para prover à sua atividade, ou para manutenção da sua fonte produtiva, consubstanciando antes como que uma substituição dos acionistas pela Impugnante, que em face de cujo incumprimento providenciou pelo recurso ao crédito.

9. Com base nisso, a ação inspetiva propôs no relatório inspetivo a desconsideração dos custos financeiros por ela incorridos, na proporção do capital e das prestações acessórias por realizar; assim e relativamente a 2007:

· financiamento obtido: €1.002.336,57 (extraído do saldo médio mensal da conta 23) + €853.784,15 (extraído do saldo médio mensal da conta 2613) = €1.856.120,72;

· custo financiamento: €244.366,60 (conta 68);

· custo financeiro prima facie aceitável fiscalmente: €200.156,92, valor obtido do seguinte:

€244.366,60 – [€16.283,20 (juros de mora não aceites fiscalmente – valor já de si corrigido pela ação inspetiva) + €27.926,48 (custos financeiros debitados a clientes)] = €200.156,92.

10. Porém, como esse valor do custo financeiro fiscalmente aceitável era superior ao valor do capital e das prestações por realizar, a ação inspetiva propôs não fosse aceite esse custo de financiamento, porquanto ele representara uma alternativa àquele incumprimento por parte dos acionistas, sendo um custo por isso estanho à atividade da Impugnante.

11. Nesse sentido, propôs a ação inspetiva então um valor de custos financeiros aceites proporcional àquele financiamento incumprido, cifrando-se em €108.267,50, mediante a proporção achada; assim:

€200.158,92 (custos financeiros fiscalmente aceitáveis) / €1.856.120,72 (financiamento obtido) x €1.004.000,00 = €108.267,50

12. Elaborados os mapas de correção e aprovadas que foram as correções propostas no citado relatório inspetivo final, entre elas a descrita, por despacho de 21 de junho de 2010, notificada de tanto a Impugnante, a Administração Tributária elaboraria depois, a 5 de julho de 2010, liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, com o nº.......07 à Impugnante, referente ao seu ano de 2007, onde para além de imposto, foram liquidados juros [compensatórios: liquidação nº(2010)00001515148, no valor de €3.969,99; moratórios: liquidação nº(2010)00001515147, no valor de €5.926,76], derrama e tributações autónomas, o que originou uma dívida global de €248.420,96.

13. Feita em 30 de julho de 2010 a compensação [compensação nº.......69] com a liquidação originária do Imposto, pela demonstração de acerto de contas [nº(…..46], tudo isso redundou numa dívida global de €45.132,81, com prazo de pagamento com termo a 8 de setembro de 2010.

14. Notificada que foi da mencionada liquidação, a Impugnante reclamou graciosamente dela a 6 de janeiro de 2011, procedimento a que no Serviço de Finanças de Almada 3 coube o nº……37, a qual percorrida que foi a respetiva tramitação, contudo teria a 9 de março de 2011 decisão de indeferimento.

15. E, notificada que foi de tal decisão, a Impugnante recorreu hierarquicamente dela a 5 de maio de 2011.

16. Tal procedimento, a que foi atribuído o nº11/2011 na Direção-Geral dos Impostos, viria a ser igualmente indeferido por decisão de 3 de novembro de 2011, como aquela também uma decisão de mérito, prescindindo-se para isso de ouvir a Impugnante, sob a consideração que já o havia sido antes de o relatório final da ação inspetiva ser elaborado e que não exercera esse direito no decurso da reclamação graciosa e que, nesse recurso, invocava os mesmos fundamentos e provas que invocara na reclamação graciosa.

17. Nesta decisão, sobre a não aceitação dos custos financeiros acima referida, reiterou-se a fundamentação do relatório inspetivo, de que a sua necessidade decorrera do incumprimento das entradas de capital e de prestações acessórias por parte dos acionistas e, assim, que os custos em causa, na parte fiscalmente desconsiderada, houvessem sido «normais e imprescindíveis à manutenção da fonte produtora, nem [prova] da sua adequação e conveniência à atividade exercida pelo s. p.».

18. E, sobre os juros de mora de junho a agosto de 2008 contidos na liquidação adicional referida no ponto 12., manteve-se igualmente naquela decisão ser legal a sua liquidação, pois que com a autoliquidação a que a Impugnante procedeu deveria ter sido pago o imposto dela resultante, o que não fez.

19. Relativamente ao seu exercício de 2007, a Impugnante apresentara uma autoliquidação a 30 de maio de 2008, uma declaração de substituição a 4 de junho seguinte, outra ainda a 27 deste mês, sem nunca ter procedido ao pagamento do imposto que delas resultava.

20. Porém, a dívida de imposto determinada pela liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas originária, do seu exercício de 2007, a que aquelas declarações sucessivas deram origem, com o n……..72, no montante global de €203.288,15 – incluindo juros moratórios no montante de €5.921,01, com o nº….73, pelo período de tempo de 1 de junho a 21 de agosto de 2008 – foi paga pela Impugnante através de sucessivas compensações (aquela liquidação nunca foi contestada pela Impugnante) e, aqueles juros de mora, incluídos na compensação nº……60, de 12 de novembro de 2008.

21. Outrossim, no âmbito da execução nº……89, do referido Serviço de Finanças, procedeu a Impugnante ao pagamento coercivo da dívida de imposto mencionada no ponto 13..

Não há outros factos que tenham resultado provados com interesse para a decisão. Com essa pertinência não resultou provado:

1. Que os empréstimos contraídos pela Impugnante em 2007 se hajam destinado a outros fins que não a prover à sua capitalização, para exercer e desenvolver a sua atividade.

Não há outros factos não provados, relevantes para apreciação da causa.

A convicção do Tribunal para julgar provada a matéria de facto acima elencada formou-se com a análise na prova documental junta aos autos, designadamente, partindo do teor do relatório da ação inspetiva de que a Impugnante foi alvo, na parte respeitante ao exercício de 2007, onde de forma exaustiva, clara, linear e completa, na sua necessária conjugação com os respetivos anexos, a prova documental para que remete, retirada por sua vez da contabilidade da Impugnante. Por isso se concluiu pelos factos provados nos pontos 1.-11.. Em suma, do relatório e sua fundamentação documental probatória resultou a motivação, bem como a metodologia e os passos seguidos pela ação inspetiva aqui em causa e, obviamente, daí se extraiu a motivação para julgar provados os factos descritos. O teor dos pontos 12.-13., retirou-se da liquidação de fls.46 e compensação e acerto de contas de fls.48, também constantes do processo administrativo. O teor do consignado sob os pontos 14.-20. extraiu-se dos procedimentos citados. Já o vertido no ponto 21. extraiu-se do processo administrativo.

Tal documentação serve de suporte demonstrativo dos factos nela contidos na medida em que a sua fidedignidade não foi posta em causa, nem se mostra controvertida, sendo que sobre a sua correspondência com os originais não se suscitou dúvida, muito menos foi posta em xeque a sua fidedignidade em relação aos originais. Mereceu assim a força probatória que lhe conferem os arts.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº do Código Civil, quanto à de produção da própria Administração Tributária. Mostram-se assim tais suportes documentais meios idóneos para prova dos factos neles consignados.

Relativamente à matéria não provada, o juízo negativo sobre o seu conteúdo resultou da absoluta falta de prova acerca de um destino ou função outros dos empréstimos em causa que não os fins societários e respetiva atividade, o que de resto não é sequer posto em causa, muito menos invocado tanto na ação inspetiva como nos procedimentos ulteriores, antes sendo a sua desconsideração como custos atendíveis, para fins fiscais, funda em circunstâncias coevas da contração dos empréstimos, que leva a sejam entendidos como que de favor, ou em substituição e no interesse reflexo de terceiros.»


*

2. DE DIREITO

Vem sindicada a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios referentes ao exercício de 2007, e ainda a liquidação de juros de mora.

O objecto do presente recurso respeita à parte em que a sentença recorrida:

(i) anulou a correcção da desconsideração de custos financeiros – incumprimento dos accionistas; e

(ii) anulou a liquidação de juros de mora.

A recorrente coloca sob censura a decisão da primeira instância, invocando erro de direito referente aos artigos 23.º do CIRC e 43.º da LGT (cfr. conclusões A) a II) da alegação de recurso).

Como decorre da lei são as conclusões que identificam o que o recorrente pretende obter do tribunal superior, e, por isso, exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso.

Porém, lidas as alegações verifica-se que a Recorrente no ponto 5 invoca a nulidade da sentença nos termos do artigo 125.º do CPPT e artigo 615.º do CPC, erro de julgamento de facto e de direito, deficiente analise crítica das provas, sem tecer qualquer argumento que os sustente e sem que tenha feito constar tais vícios nas conclusões da alegação de recurso.

Com efeito, a Recorrente para além da enunciação incompleta dos referidos vícios, nada mais acrescenta com eficácia. Na verdade, não basta de forma genérica impugnar o facto dado como não provado, sem indicar os concretos meios de prova constantes do processo que imponham decisão diversa (cfr. ponto17 da alegação de recurso).

Assim sendo, no que respeita ao invocado erro de julgamento da matéria de facto a Recorrente não cumpre com o ónus que é imposto por lei, nos termos do artigo 640.º do CPC.

Nesta conformidade, não há lugar à reapreciação da matéria de facto, por não ter sido objecto de impugnação.

Por outro lado, não indica qual a nulidade de que a sentença padece, nem da sua leitura se vislumbra que padeça de alguma.

Não concretizando as razões da sua discordância, tal inviabiliza a apreciação dos referidos vícios pelo Tribunal ad quem.

Entende-se, pois, que esta invocação apenas tem subjacente o inconformismo em relação à decisão da matéria de facto ou antes se deve a manifesto lapso da Recorrente.

Nesta conformidade, considera-se assente a factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida, uma vez que não foi impugnada nos termos do artigo 640.º do CPC, e não ocorre as situações previstas no artigo 662.º do CPC, pelo que não pode ser modificada oficiosamente.

Resta apenas apreciar o imputado erro de julgamento de direito, de acordo com as conclusões da alegação.

A Recorrente no que respeita à anulação da desconsideração de custos financeiros alega que a Recorrida não logrou comprovar a indispensabilidade dos custos para a obtenção dos proveitos ou ganhos, nem o nexo de causalidade dos mesmos com a actividade da empresa demonstrando quais os benefícios que obteve com a sua realização e quais as consequências que teria no caso de incorrer nestes mesmos custos.

Vejamos.

De acordo com o artigo 23.°, n.° 1, do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, os custos ou perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.

Desta forma, um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

Sobre a temática dos custos e sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 14/01/2016, proferido no proc. n.º 00634/06, pela pertinência e clareza com que sintetiza a caracterização dos custos fiscais:

«A questão dos custos é uma matéria complexa, sobretudo devido à indeterminação do conceito de «indispensabilidade» (para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora) que a lei exige para a sua relevância fiscal.

Com efeito, os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados, e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr.artº.23, do CIRC).

A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico. (Ac. do TCAS n.º 04690/11 de 07-02-2012 Relator: JOAQUIM CONDESSO).

Não podem ser contabilizados como custos despesas que não têm qualquer relação direta com a atividade principal da empresa e não revelem indispensáveis à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora.

E também não basta que sejam indispensáveis segundo um critério subjectivo qualquer, mas sim que o sejam comprovadamente. Isto é que sejam susceptíveis de comprovação objectiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo, que os contabiliza.

O requisito da indispensabilidade dos custos também não deve ser aferido por citérios abstractos mas sim de racionalidade económica. Ou seja, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (Saldanha Sanches, Manual, pp. 385).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, a regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais e a noção legal de indispensabilidade tem de colocar-se numa perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.

O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, determinando como ela deve aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, por terem sido incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.

Portanto, o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário, e todo o gasto que contabilize como custo mas que se mostre estranho ao fim da empresa já não é custo fiscal, porque não é indispensável.

Como já se deixou expresso supra, em regra, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Deste modo, a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo de inserção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.

É com este entendimento que iremos apreciar o imputado erro de julgamento da sentença recorrida ao ter anulado a correcção efectuada pela Administração Tributária relativa à desconsideração de custos financeiros relativos a empréstimo contraído pela Recorrida.

A sentença em crise para anular a correcção efectuada pela AT ponderou o seguinte:

(…) a ação inspetiva propôs a desconsideração dos custos financeiros incorridos, desta feita com base num raciocínio elaborado num erro de princípio e numa confusão concetual. Com efeito, se em si mesma pode ter-se como verdadeira a proposição de que a não efetivação do aumento de capital, como o incumprimento das prestações ou obrigações acessórias, condiciona e precipita o recurso ao crédito bancário, já a assunção de que esse recurso ao crédito é como que um modo de subsidiar os acionistas, como que dispensando-os de cumprirem para com as suas obrigações societárias, substituindo-se a Impugnante a eles, é proposição que de todo pode ser sufragada. Maxime para efeitos tributários, em alteração da leitura da vinculação funcional real do crédito obtido, que foi o que a ação inspetiva fez. Com efeito, o fundamento da desconsideração desses custos baseia-se naquela assunção, sem que em parte alguma se ponha em causa que os empréstimos contraídos pela Impugnante se não hajam inscrito no âmbito do seu escopo social, ou por que razão dele se afastaram. Dando de barato que, cumprido o necessário para a capitalização deliberada pelo órgão competente da Impugnante, esta não teria de recorrer ao crédito como fez, ou pelo menos na medida em que o fez, a verdade é que a desconsideração dos custos financeiros se suporta naquele circunstancialismo, para daí concluir que os custos financeiros com os empréstimos não são, devido àquele incumprimento dos acionistas, fiscalmente atendíveis, porque nessa medida estranhos ao escopo social, nos termos do citado art.23ºnº1 corpo e alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Ora, para essa desconsideração mister era que a ação inspetiva demonstrasse um fim outro dos empréstimos, que não proporcionar manter ou desenvolver a atividade societária. E tal não decorre do facto de a capitalização através dos acionistas ser uma alternativa de capitalização, mas sim de uma função não inscrita na citada norma contida no art.23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para esses empréstimos, a qual sob a fundamentação invocada para a correção em apreço não se enxerga onde esteja, sequer se lhe aluda, muito menos se demonstre. Com efeito, a ação inspetiva não põe em causa a inscrição no escopo social da Impugnante, do financiamento por ela obtido, diz é que há uma causalidade direta entre o incumprimento dos acionistas e esse financiamento da Impugnante. Tal relação, além de indemonstrada, de todo modo não prescindiria de que se demonstrasse que o financiamento era alheio, inadequado ou inconveniente aos fins societários da Impugnante. E isto, no próprio discurso do relatório inspetivo se acha ser funcionalmente conforme o financiamento, no âmbito da atividade da Impugnante.

Em face do exposto, porque manifestamente violadora do disposto no art.23ºnº1 corpo e alínea c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito na aplicação dessa norma, ao abrigo do disposto no art.163ºn.os1 e 3 do Código do Procedimento Administrativo, aqui aplicável ex vi da remissão estabelecida no art.2º corpo e alínea d) do Código do Procedimento e do Processo Tributário, anulamos a liquidação adicional de imposto, bem como a conexa de juros compensatórios, na parte em que assentam na parcial desconsideração dos custos financeiros incorridos, na quantia elegível para efeitos fiscais de €200.156,92.

Diga-se, desde já, que o assim decidido não nos merece qualquer censura.

Sobre a questão colocada no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou, no âmbito do processo n.º 635/12.9BELRS, de 30/03/2023 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, sendo que as correcções em sede de IRC efectuadas pela Administração Tributária alicerçam-se em idêntica fundamentação, procedentes da mesma acção de inspecção, com a diferença de que os presentes autos respeitam à liquidação de IRC do ano de 2007 e no arresto citado estava em crise a liquidação de IRC do ano de 2006, e as alegações de recurso também são semelhantes.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço, e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, e por a questão aqui em análise não deferir, transcrevendo-se as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos.

«Está em causa custos financeiros referentes a um empréstimo contraído pela impugnante.

Considera a Inspeção Tributária que o mesmo foi concretizado com intuito de oferecer vantagens patrimoniais a terceiros, neste caso, acionistas que tendo levado a efeito aumentos de capital em 2004 e 2005, na o tinham, ate a data, realizado os respetivos montantes, mantendo-se a divida na conta 25 acionistas/sócios, ou seja não existiu entrada de valores na empresa quer dos aumentos de capital quer das prestações acessórias no montante de € 1004.000,00

Coloca-se assim a questão referente a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela impugnante na parte correspondente a divida dos acionistas.

Cumpre, assim indagar se a correção poderia ser efetuada com o fundamento em que o foi, ou seja, ao abrigo do disposto no artigo. 23.º do CIRC, por a AT considerar que não estava verificado um dos requisitos de que essa norma fazia depender a caracterização de um custo/gasto como custo fiscal e que é : a sua indispensabilidade.

Dizia, a data o n.º 1 da norma referida que: “Consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, (…)

(…) da fundamentação da correção levada a efeito no RIT não se retira a conclusão a que ali se chegou, ou seja, não se estabelece o nexo de causal entre financiamento (empréstimo) de que decorrem os custos em conflito e o intuito de oferecer vantagens patrimoniais a terceiros, nomeadamente aos seus acionistas/sócios detentores do capital social, a data na o realizado, ou que essas vantagens patrimoniais existam.

Não ignoramos que, em regra, todos os custos em que incorre uma empresa serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável e que a falta de realização do capital social não contribui para agilizar atividade financeira da empresa, aliás, qualquer atraso de pagamento é suscetível de contribuir para eventual falta de agilidade financeira.

Porém na situação em concreto, nada se diz quanto a atitude comportamental da impugnante face ao atraso da referida entrega do valor correspondente ao aumento do capital social.

Assim e porque “[O]o requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.” –cfr. aco rda o deste TCAS proferido em 23/02/2017 no processo n.º 05493/12

Competia a IT, no âmbito da ação inspetiva aferir da exata correlação entre o empréstimo de que decorrem os custos financeiros e falta de realização do capital social pelos acionistas e bem assim das circunstâncias porque se verificaram tais atrasos e da atitude da sociedade para com os mesmo, ou seja, impunha-se-lhe o tal juízo casuístico capaz de evidenciar, dentro da correspondente perspetiva económica se aquele comportamento (atraso na entrega do capital) pode, ou na o ser imputada a empresa ou, se pelo contrário, constitui um custo estranho a sua atividade.

Termos em que ficam, também, condenadas ao insucesso as conclusões recursivas que vimos apreciando.»

Concluímos, assim, pela improcedência das conclusões D) a O) da alegação de recurso.

Prosseguindo para a apreciação da última questão, respeitante à ilegalidade da liquidação de juros de mora.

Alega a Recorrente que não se verifica a declarada duplicação de colecta, por os saldos a pagar apurados pela AT, corresponderem ao diferencial entre a liquidação n.º .......72 e a liquidação n.º ……07 (impugnada), isto é, entre o imposto autoliquidado pelo sujeito passivo aquando da entrega da última declaração de substituição, com os correspondentes juros, e o imposto apurado após as correcções efectuadas pelos SIT, também acrescidos de juros (conclusões P) A II) da alegação de recurso).

Para concluir pela ilegalidade da liquidação de juros de mora, na sentença sob recurso escreveu-se o seguinte:

«(…) decorre dos factos que, aquando da autoliquidação que daria origem à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas originária, a Impugnante não prestou a correspondente quantia de imposto devido que apurou. E tal retardamento, daria origem a uma liquidação de juros de mora, pelo hiatode tempo até que foi pago tal imposto, nos exatos termos do art.109º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o que seria satisfeito, tal como a dívida de imposto originária, por meio de compensações sucessivas com créditos de imposto que a Impugnante detinha a seu favor perante o Fisco.

Assim, ao serem-lhe de novo liquidados de mora pelo mesmo período de tempo (e pelo mesmo atraso) aquando da elaboração da liquidação adicional aqui impugnada, forçoso é reconhecer que o confronto desta nova liquidação de juros de mora com a anteriormente elaborada encerra uma duplicação de atos motivados e visando o mesmo facto que autorizaria o vencimento desses juros por atraso no pagamento do mesmo imposto.

Ora, ocorre duplicação de coleta quando um ato tributa – ou, como no caso, compensa um atraso num pagamento de uma dívida de imposto – um facto relevante do direito tributário com base nas mesmas normas substantivas, aplicadas já antes por um outro ato que visou e objetivou essa mesma tributação – ou, no caso, aquela compensação ou remuneração do atraso no pagamento –, válida, desse mesmo facto, cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, nota 3- ao art.205º, Áreas Editora, 2007, vol.II, cfr. Ac.STA de 8X2014, tirado no processo nº01703/13, ibidem. Assim, a duplicação de coleta configura-se, como uma exceção de direito material do direito tributário, que impede uma nova tributação – uma nova liquidação dos mesmo juros –, com base na preexistência do ato já antes exaurido por satisfeito e, por isso mesmo, traduz invocação da exaustão da relação jurídico-tributária a propósito de um mesmo facto tributário. Assim, o art.205ºnº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário enuncia duplicação de coleta, apenas da sua perspetiva adjetiva, pois que o Legislador o enuncia ali como fundamento da oposição à execução, traduzindo a situação em que, depois de um tributo pago por inteiro, é exigido um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto e período de tempo, portanto, mas com fundamento em ato diverso, nas mais das vezes ulterior ao primeiro. Deste modo, duplicação de coleta verifica-se na identidade substantiva na tributação do facto que o ato novo retoma, em relação àquele da tributação já exaurida – é necessário que procedam a uma mesma tributação, não a uma liquidação de dívida de imposto equivalente ou, como aqui, de juros quantificados num mesmo quantum.

Resulta dos factos que foram liquidados juros de mora pelo mesmo atraso temporal no pagamento da liquidação originária – entre junho e 21 de agosto de 2008 –, num e no outro dos atos a esse propósito elaborados, no anterior como no ora impugnado, reportando-se assim ao mesmo facto e período temporal, já que em ambos casos tanto a identidade e natureza dos juros é una – juros de mora –, estando ambas dívidas deles emergentes pagas, sendo um mesmo o facto de base – o atraso na entrega da aprestação tributária autoliquidada.

Assim, parece ser forçoso reconhecer que a liquidação de juros de mora elaborada a 8 de novembro de 2008 à Impugnante se reporta àquele período temporal e que a liquidação de juros de mora impugnada retoma esse mesmo atraso como facto que despoleta o vencimento de juros moratórios. Do que decorre que na liquidação de juros de mora impugnada repete o que fundara a liquidação que antes fora operada, e era já então exaurida, pelo que a Administração Tributária procedeu a uma mesma liquidação de juros por duas vezes, substantivamente visando um mesmo facto tributariamente relevante – um mesmo atraso na entrega de uma prestação tributária –, mesmo que as normas formalmente fossem diversas, ou a quantificação diversa, por aplicação de taxas diferentes: sempre continuaria sendo o mesmo o período temporal e substancialmente a mesma relação tributária aquela sobre a qual os juros de mora haveriam de ser liquidados em cada um dos atos.

Na verificação da dupla tributação, concluímos, pois, pela ilegalidade da liquidação de juros de mora impugnada, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, in casu, a abstração da liquidação anterior, já satisfeita. Termos em que a anulamos ao abrigo do disposto no art.163ºn.os1 e 3 do Código do Procedimento Administrativo, ex vi da remissão estabelecida no art.2º corpo e alínea d) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.»

E o assim decidido não merece censura.

Analisadas as conclusões, auxiliada pela interpretação da motivação das alegações constata-se que a Recorrente não contraria os fundamentos, pois, limita-se a afirmar que os juros de mora correspondem ao diferencial entre a liquidação n.º .......72 e a liquidação n.º ……07 (impugnada), isto é, entre o imposto autoliquidado pelo sujeito passivo aquando da entrega da última declaração de substituição, com os correspondentes juros, e o imposto apurado após as correcções efectuadas pelos SIT, também acrescidos de juros.

Mas, não tem razão.

Conforme decorre dos pontos 12 e 20 do probatório, não impugnados, os juros moratórios calculados na liquidação de 2010 ascendem a € 5.926,76, e os juros moratórios relativos à liquidação de IRC do ano de 2008 foram computados em € 5.921,01, quantia já paga pela Impugnante em 12/11/2008, pelo que o diferencial a existir importaria em 5,55, e não no valor constante da liquidação impugnada.

Não sendo despiciendo lembrar que a correcçao relativa à desconsideração dos custos financeiros foi anulada.

Não vislumbramos qualquer erro na apreciação dos factos pelo tribunal a quo que, aliás, merece a nossa total concordância.

Assim, acompanhamos o decidido pela 1.ª instância quanto à ilegalidade da liquidação de juros de mora.

Tendo presente o expendido, conclui-se pela improcedência das conclusões Q) a JJ) da alegação da Recorrente.

Assim, improcedendo todas as conclusões, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. Um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

II. A indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo de inserção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 22 de Junho de 2023.






Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)