Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:504/23.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA IMÓVEL
OMISSÃO CITAÇÃO CÔNJUGE DO EXECUTADO
Sumário:I - Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.
II - A obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, nos termos do artigo 239.º, n.º 1 do CPPT, confere-lhe a qualidade de co-executado, com a possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado originário (cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, IV Vol., nota 4 ao artigo 239, pág. 29).
III - A omissão da falta de citação do cônjuge não determina o cancelamento da penhora, por se tratar de uma formalidade posterior à penhora. Conforme decorre do probatório, no despacho reclamado foi determinado a citação do ora Recorrente nos termos do artigo 239, n.º 1 do CPPT.
IV - Julgada em termos definitivos certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, mesmo incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária das Execuções Fiscais e de Recurso Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. L…, melhor identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa-3, de 22/05/2023, que julgou totalmente improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe de Finanças Serviço de Finanças de Lisboa - 3, datado de 09/10/2019, que indeferiu o seu pedido de cancelamento da penhora de imóvel inscrito na matriz predial da freguesia e Concelho de Olhão sob o artigo 1…, proferido no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 3085201201173740, em que é executada H…

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1- A Sentença de que aqui se Recorre foi, e está estruturada em dados e fundamentos falsos, completamente desatualizados; e, ainda, assim, viciados.

2- Quer quanto à alegada dívida, quer quanto ao seu valor, quer quanto à obrigatoriedade e cumprimento da mesma, porque a sua imputação á alegada executada está errada! E a aguardar decisão de que espera convictamente vir a ser ilibada.

3- Por outro lado, grande parte do valor da invocada execução no PEF atrás identificado, bem como os respetivos juros, já foram declarados prescritos. E daí que os valores que, na Sentença, são reportados estejam totalmente desfasados da realidade.

4- Estando nele em causa apenas um valor residual, de que já foi, igualmente, com os mesmos argumentos, que conduziu o Tribunal a decidir aquela prescrição, pedida igual decisão de prescrição; incluindo juros.

5- Sucede que tal PE já foi declarado suspenso, nele não se podendo, por efeito dessa decisão, serem efetuadas penhoras, compensações ou pagamentos; devendo ser levantados todos os que foram efetuados indevidamente pela AT nessa previsão. O mesmo devendo ocorrer às compensações e pagamentos que hajam sido praticados nessa mesma previsão.

6- Ou seja: HÁ CASO JULGADO sobre tal matéria. O PROCESSO ESTÁ SUSPENSO! Pelo que qualquer decisão que a ofenda, é nula! E nula deve ser declarada nessa previsão por se tratar de ofensa a “caso julgado” ou “Res judicata”.

7- O que, sublinha-se, constitui uma exceção perentória, que é de conhecimento oficioso; e que obvia que o Reclamante haja de ser chamado à penhora em questão; ou, no processo, a qualquer outra situação.

8- Ainda assim, o aqui Recorrente, e apesar da sua Reclamação ter levado 03 anos, e vários meses, a subir, não deixou, em resposta à s/contestação, de alertar a Mª Juiz para essa situação. Mas esta, ao que parece, ateve-se, apenas, aos despachos e informações inquinadas da AT sobre a matéria, e daí a inquinada decisão proferida sobre a questão em apreciação.

9- Pelo que, salvo mais douto entendimento, afigura-se, Senhores Desembargadores, ser de elementar justiça, reverter a inquinada e ilegal decisão aqui trazida à Vossa excelsa apreciação, e deliberação; e ordenar o cancelamento da penhora do prédio urbano art.º 1… da freguesia de OLHÃO. E, reforçando essa jurisprudência; ordenando, igualmente, o cancelamento das restantes eventuais penhoras efetuadas no âmbito do mesmo PE, incluindo as compensações, pagamentos e penhoras de créditos levadas ilegalmente a efeito pela AT no âmbito do mesmo PE subjacente a todos estes atropelos ofensivos dos legítimos direitos de qualquer cidadão que, eventualmente, se pudesse encontrar nesta mesma nefasta situação; o que se configura de coação moral.

Assim se fazendo, Senhores Desembargadores JUSTIÇA»


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3. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se a final no sentido da procedência do recurso.

4. Em 24/10/2023, foi proferido Despacho pela Exmª Senhora Desembargadora, Relatora, com seguinte teor:

«Notifique as partes para se pronunciarem quanto à questão prévia suscitada pelo DMMP, no seu parecer, juntando cópia do mesmo.

Mais notifique o Recorrente para vir juntar aos autos cópia das decisões judiciais proferidas no âmbito dos processos mencionados no referido parecer do DMMP, onde conste data do trânsito em julgado, sendo caso disso.

Prazo: 5 dias. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.»

5. Notificado do Douto Despacho, o Recorrente vem responder, juntando:

«a) Cópia da Sentença decretada no procº nº 1838/20.8BELRS da UO2.

b) Cópia do Ac. 8021/14 dado sobre a Sentença decretada no procº nº 722/21.2BELTS da UO3; por já não se ter acesso, através do SITAF, ao referido processo, conforme o que lhe foi ordenado.»

E termina da forma seguinte:

«(…)

Por último, e se tal ainda lhe for permitido, importa salientar que se legalmente alguma matéria dos autos, ou alguns documentos com ele correlacionados, forem ou deverem ser conhecidos dos Senhores Magistrados, tais provas não devem ser afastadas, postergadas ou obliteradas.

Assim sendo, e procurando, deste modo, poder estar a contribuir para que a Justiça se torne mais assertiva e justa, porque essa é a sua finalidade e nobre missão; fica-se disponível para o mais que no processo, se venha, eventualmente, a mostrar necessário e estiver ao alcance poder dar-lhe satisfação.»

6. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na sequência da junção de documentos e informações oficiais prestadas pela Recorrida, emitiu parecer no sentido do recurso ser julgado procedente quanto ao pedido de cancelamento da penhora do imóvel.

7. Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (artigo 657.º, n.º 4 do CPC e artigo 278.º, n.º 6 do CPPT), vêm os autos à Conferência para julgamento do recurso.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao julgar improcedente a reclamação e manter o acto de penhora de imóvel.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 03.09.2012, o IFAP, IP, extraiu CERTIDÃO DE DÍVIDA em nome de H…, no montante global de €83.301,48, relativo a ajudas indevidamente recebidas no âmbito do Programa Operacional POAGRO – cf. fls. 4 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

2. Em 04.10.2012, no Serviço de Finanças de Lisboa - 3, com base na CERTIDÃO DE DÍVIDA descrita na alínea anterior, foi instaurado contra H…, cônjuge do ora Reclamante, o PEF n.º 3085201201173740 – cf. fls. 1 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

3. A 17.12.2012, no âmbito do PEF n.º 3085201201173740, H…apresentou oposição à execução fiscal, a qual foi autuada sob o n.º 233/13.0BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa, e que, atualmente, se encontra na fase de recurso, tendo, no mesmo ato, requerido a suspensão do PEF, com dispensa de prestação de garantia – cf. fls. 12 a 24 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF e por consulta aos autos no SITAF com o n.º 233/13.0BELRS.

4. Em 05.06.2013, foi penhorado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, no âmbito do processo de execução identificado em 2., o bem imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, sito na Rua D…, n.ºs … e …, freguesia de Olhão, tendo a penhora sido objeto de registo em 02.07.2013, com o valor tributável de €9.970,00 – cf. doc. n.º 007653252 do SITAF.

5. Em 09.08.2013, a Direção de Serviço de Lisboa, prestou a seguinte informação:

“(…)


















(…).” – cf. fls. 148 a 156 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

6. Na mesma data (09.08.2013), pelo Diretor de Finanças foi proferido o seguinte despacho: “Concordo. Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia com a fundamentação constante da informação anexa. Notifique-se (…).” – cf. fls. 148 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

7. Em 29.08.2013, o cônjuge do ora Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3 requerimento com o seguinte teor: “(…)








(…).” – cf. fls. 452 a 453 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

8. Em 30.08.2013, no âmbito do PEF n.º 3095201201173740, H… apresentou reclamação judicial da decisão mencionada em 6., reclamação que foi autuada sob o Processo n.º 117/14.4BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa – cf. consulta no SITAF e fls. 374 a 384 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

9. Em 18.07.2014, no âmbito do Processo n.º 117/14.4BELRS, foi proferida sentença a julgar improcedente a reclamação judicial – cf. consulta no SITAF e fls. 386 a 396 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

10. Em 13.11.2014, foi proferido o Acórdão nº 08021/13 pelo TCAS, decorrente do recurso interposto por H… da sentença proferida em 18.07.2014 no processo n.º 117/14.4BELRS, que concedeu provimento ao recurso por preterição de formalidade essencial, com fundamento, no essencial: “(…) na informação de suporte da decisão de indeferimento consta a asserção nuclear para a rejeição do pedido da executada/recorrente de que a mesma é proprietária de bens imóveis e de bens móveis, os quais podem servir de garantia à dívida exequenda (…). Questão sobre a qual a executada/recorrente nunca foi ouvida no procedimento tributário em apreço.

Do exposto, flui, como consequência, que a preterição da audição prévia da executada/recorrente não tem fundamento no preceito do artigo 103º/1/a), do CPA, corporizando violação do disposto no artigo 60º/1/b), da LGT.” – cf. consulta ao SITAF e fls. 481 e 482 do PEF junto ao doc. n.º 007672905 do SITAF.

11. Em 03.02.2016, pronunciando-se sobre o pedido mencionado em 7., foi elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa a seguinte informação: “(…)






(…).” – cf. fls. 511 e 512 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

12. Sobre a informação reproduzida na alínea que antecede, foi proferido, em 05.02.2016, pela Chefe da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direção de Finanças de Lisboa, o seguinte despacho: “(…)

(…).” – cf. fls. 510 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

13. Através do ofício n.º 2957, de 27.02.2016, a Mandatária da executada H… foi notificada do seguinte: “(…)

(…).” – cf. fls. 515 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

14. Em 09.05.2016, no âmbito do PEF n.º 3095201201173740, H… apresentou reclamação judicial do despacho mencionada em 12., reclamação que foi autuada sob o Processo n.º 926/17.2BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa – cf. consulta ao SITAF e informação a fls. 532 a 536 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

15. Em 12.10.2017, foi proferida sentença no processo n.º 926/17.2BELRS, na qual se julgou improcedente a reclamação judicial, decisão que veio a ser confirmada por Acórdão do TCA Sul de 03.05.2018 – cf. consulta ao SITAF.

16. Em 17.05.2018, o ora Reclamante apresentou junto do serviço de Finanças de Lisboa 3 o requerimento com o seguinte teor: “(…)




(…).” – cf. fls. 537 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

17. Em 16.03.2019, o reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 3 o seguinte requerimento: “(…)





(…).” – cf. fls. 539 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

18. Em 30.09.2019, pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 foi emitida a informação com o seguinte teor: “(…)








(…).” – cf. fls. 543 a 545 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

19. Em 09.10.2019, pela Chefe do Serviço de Finanças foi proferido o despacho com o seguinte teor: “Concordo, pelo que de acordo com os fundamentos constantes da presente informação, respetivo Parecer que antecede, indefiro o pedido. Notifique-se.” – cf. fls. 543 do PEF junto ao doc. n.º 007672906 do SITAF.

20. Em 28.10.2019, foi apresentada nos serviços da Autoridade Tributária a presente reclamação, tendo a mesma dado entrada neste tribunal em 31.03.2023 – cf. docs. n.ºs 007653250 e 007653253 do SITAF.»

Factos não provados:

Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados

Motivação de facto:

A convicção do tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram os autos, o processo execução fiscal apenso aos autos (junto aos docs. n.ºs 007672905 e007672906 do SITAF) e por consulta no SITAF da tramitação dos processos n.º 233/13.0BELRS, n.º 117/14.4 e n.º 926/17.2BELRS, nos termos que se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.


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2. ADITAMENTO OFICIOSO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

21. No processo n.º 275/21.1BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, foi proferida sentença em 28/05/2021, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde para além do mais, se julgou procedente a reclamação quanto à declaração da prescrição das dívidas relativas às parcelas disponibilizadas em 15/04/2002, 30/11/2002 e 15/02/2003, e improcedente quanto às quantia disponibilizadas em 17/02/2004 e m 15/02/2005, respectivamente de € 9.136,31 e de € 14.494,91, em cobrança coerciva no PEF n.º 3085201201173740, em que é executada H… (cfr. processo electrónico na plataforma informática do SITAF e fls. 1028 dos presentes autos);

22. No processo n.º 1838/20.8BELRS – a que foram apensados os processos n.ºs 1839/20, 1841/20, 1842/20, 1843/20, 1844/20, 1845/20 e 1846/20 -, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, foi em 07/10/2021 proferida sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida, que julgou parcialmente procedente a reclamação e, em consequência, determinou a anulação dos actos aí sindicados relativos a actos de compensação, de penhora de imoveis inscritos na matriz predial rústica do concelho de Castelo Branco e de valores monetários efectuados no PEF n.º 3085201201173740 (cfr. processo electrónico na plataforma informática SITAF).

23. O Serviço de Finanças de Lisboa-3 informou em Março de 2023 que o processo de execução fiscal n.º 3085201201173740 não se encontra suspenso (cfr. fls. 1028 dos autos).


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2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

O Recorrente começa por suscitar, embora não o identifique como tal, conforme se retira do arrazoado da sua alegação e conclusões, erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, ao alegar que a sentença está estruturada em dados e fundamentos falsos, quer quanto à alegada divida, quer quanto ao seu valor e porque a sua imputação à executada está a aguardar decisão de que espera vir a ser ilibada (conclusões 1 e 2 da alegação de recurso).

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

A imposição das especificações previstas no n.º 1, do artigo 640.º do CPC traduz, nomeadamente, a necessidade de o recorrente delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual o segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento, bem como o ónus de fundamentar, em termos convincentes, as razões porque discorda do decidido, indicando os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal.

Como escreveu António Santos Abrantes Geraldes «As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 5 ao artigo 640.º, pág. 169).

Assim, a modificação da decisão da matéria de facto, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente introduzidas - e na presente situação foram aditados três factos oficiosamente -, está dependente da iniciativa do Recorrente e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados nas respectivas alegações, que circunscrevem o objecto do recurso.

Não basta, pois, ao Recorrente invocar que a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento, invocando factos não alegados na petição, sem qualquer prova produzida nos autos, e apresentar a sua própria convicção, sem a devida concretização, nos termos supra referidos.

Face à lei em vigor, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto o «recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;» (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 3 ao artigo 640.º, pág. 166).

Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).

Analisadas as conclusões em conjugação com a alegação de recurso constata-se que o Recorrente não cumpre com o ónus que é imposto por lei, o que significa que o recurso deve ser rejeitado, nesta parte.

Nesta conformidade, não tendo o Recorrente cumprido o ónus que lhe é imposto por lei, não há lugar à reapreciação da matéria de facto, restando apenas apreciar o imputado erro de julgamento de direito, por o Tribunal a quo, em face aos factos dados como provados, não ter determinado o cancelamento da penhora do imóvel em violação do disposto nos artigos 239.º, n.º 1 e 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.


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2.2. Estabilizada a matéria de facto, com os factos aditados oficiosamente, impõe-se agora analisar o quadro factual à luz do direito, e saber se permitem concluir pela improcedência da reclamação.

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2.3. DE DIREITO

A sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, sob recurso, julgou improcedente a reclamação apresentada pelo Recorrente, e manteve o acto de penhora do imóvel inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Olhão, sob o artigo 1…, com o valor patrimonial de € 9.970,00, encontrando-se actualmente em cobrança coerciva dividas no valor total de € 23.631,22, por posteriormente à data em que foi proferido o despacho do órgão de execução fiscal reclamado foi declarada por sentença a prescrição parcial da dívida exequenda (cfr. pontos 1, 4 e 21 do probatório).

A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo julgou a reclamação improcedente, por entender que o acto de penhora reclamado não sofre de qualquer ilegalidade.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido alegando, em síntese, que o valor da execução no PEF, bem como os respectivos juros já foram declarados prescritos, estando em causa no PEF apenas um valor residual, relativamente ao qual já foi pedido também a declaração da sua prescrição. Invoca que o processo de execução foi declarado suspenso, não podendo ser efectuadas penhoras, compensações ou pagamentos, devendo ser levantadas todas as eventuais penhoras efectuadas no âmbito do mesmo PEF.

Importa, então, apreciar e decidir quanto ao acerto do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo para julgar improcedente a reclamação.

Para decidir a improcedência da reclamação, a sentença recorrida apoiou-se no seguinte discurso fundamentador:

Como decorre da matéria de facto assente H…, executada no PEF n.º 3095201201173740 e cônjuge do Reclamante, apresentou, em 30.08.2013, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3, um requerimento a requerer que fosse proferida decisão no sentido de se suspender o processo de execução fiscal, por entender que já existia uma garantia prestada, dado que tinha sido penhorado o “prédio urbano inscrito sob o artigo 1…, da freguesia e concelho de Olhão” (cf. ponto 4. do probatório).

Com efeito, lê-se do requerimento que o cônjuge do ora Reclamante ofereceu, a título de garantia, o imóvel urbano inscrito sob o artigo 1… da freguesia e concelho de Olhão, imóvel esse já anteriormente penhorado.

Em 03.02.2016, foi emitida informação na qual se concluiu que a garantia prestada (o imóvel urbano inscrito sob o artigo 1… da freguesia e concelho de Olhão) era inidónea por ser insuficiente (cf. ponto 11. do probatório).

Em 05.02.2016, a Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa proferiu despacho a aceitar como garantia a penhora do imóvel, mas considerou-o insuficiente para suspender a execução, pelo que foi o cônjuge do ora Reclamante notificada de tal despacho, bem como para reforçar a garantia prestada, a fim de suspender a execução (cf. ponto 12. do probatório).

Por discordar, a mulher do Reclamante apresentou reclamação de atos do órgão de execução fiscal contra referido despacho de 05.02.2016, registada neste Tribunal sob o n.º de processo 926/17.2BELRS (cf. ponto 14. do probatório).

Em 13.10.2017, foi proferida sentença que julgou improcedente a referida reclamação, tendo essa decisão sido confirmada, em 03.05.2018, pelo Acórdão do TCAS, o qual negou provimento ao recurso que foi interposto (cf. ponto 15. do probatório).

Posteriormente, em 17.05.2018, o ora Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3 requerimento a arguir a nulidade da penhora, porquanto nunca foi citado e ou notificado da referida penhora (cf. ponto 16. do probatório).

Em 14.03.2014, o ora Reclamante voltou a requerer junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3 o cancelamento da penhora do imóvel inscrito na matriz com o artigo 1…, sito na freguesia e concelho de Olhão, referindo que conforme a Sentença proferida no processo n.º 926/17.2BELRS, a referida penhora é “nula, e de modo insanável, nos termos dos artºs 239 nº 1 e 165 nº 1 a) do CPPT, tal como aliás foi confirmada pelo Ac. STA de 14/5/2015 no proc.º nº 380/15. E daí que se aguarde, sem mais, o imediato cancelamento da penhora, em questão.” (cf. ponto 17. do probatório).

Sobre o pedido do Reclamante, o Serviço de Finanças de Lisboa 3, em 09.10.2019, proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que de acordo com os fundamentos constantes da presente informação, respectivo parecer que antecede, indefiro o pedido. Notifique-se”. Sendo que na informação que suportou o referido despacho foi proposto o seguinte: “1 – Em face do retro exposto, propõe-se o indeferimento da pretensão da requerente porquanto, tal como vem sendo expresso pela jurisprudência, a falta de citação do cônjuge do executado, após penhora do imóvel ou de bens sujeitos a registo, não colide com a legalidade da penhora efectuada mas tão só impede os actos subsequentes nos autos que possam pôr em causa os diretos do referido cônjuge sobre o imóvel penhorado

2 – Propõe-se que se promova a citação do requerente nos termos e para os efeitos do artº 239 nº 1 do CPPT, chamando-o aos autos na qualidade de cônjuge da executada por via da penhora de um imóvel, bem comum do casal”

Ora, é contra este despacho, com a fundamentação acima exposta, que o Reclamante se insurge, pedindo o cancelamento da penhora, por considerar que a mesma é “nula”, por falta da sua própria citação, na qualidade de cônjuge da executada, nos termos dos artigos 239.º n.º 1 e 165 n.º 1 alínea a) do CPPT, tal como aliás foi confirmada pelo Acórdão do STA de 14.5.2015, no processo n.º 380/15.

Apreciando.

No âmbito de um processo de execução fiscal, tal como previsto no artigo 239.º do CPPT, o cônjuge do executado é obrigatoriamente citado para intervir no processo sempre que a penhora recaia sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, e bem assim, quando, tratando-se de penhora sobre bens móveis não sujeitos a registo, se trate de execução de uma coima fiscal ou de dívida que tenha por base responsabilidade tributária exclusiva do outro cônjuge (artigo 220.º do CPPT).

Relativamente aos casos previstos no artigo 220.º do CPPT, a citação visa possibilitar ao cônjuge do executado requerer a separação de bens; por seu turno, a citação efetuada ao abrigo do artigo 239.º do CPPT, confere ao cônjuge a qualidade de co-executado, concedendo todos os direitos processuais atribuídos ao executado originário.

Como explicita Jorge Lopes de Sousa (in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, Volume IV, 6ª Edição, 2011, áreas Editora, págs. 28/9) “Houve no processo de execução fiscal, uma manifesta intenção de alargamento dos casos de obrigatoriedade de citação do cônjuge, em relação aos previstos no processo civil, sendo obrigatória a citação do cônjuge qualquer que seja o regime de bens do casamento (…)”, acrescentando que tal “alargamento parece conduzir à conclusão que a razão de ser da obrigatoriedade de citação do cônjuge, no processo de execução fiscal, não é, primacialmente, a defesa dos interesses patrimoniais deste mas “[a] proteção do interesse da segurança e estabilidade das vendas no processo de execução fiscal, que sai reforçada com a convocação para o processo do cônjuge, titular de múltiplos direitos patrimoniais conexionados com os do executado, que podem ser lesados no processo”.

Assim, no caso dos autos, tendo sido penhorado um imóvel pertencente ao património comum do casal, demonstrava-se obrigatória a citação do Reclamante, na qualidade de cônjuge do Executado, nos termos e para os efeitos do artigo 239.º do CPPT.

Porém, ao contrário do que refere o Reclamante a falta de citação do cônjuge não afeta a penhora, mas tão só os atos posteriores à mesma que possam colidir com os interesses do cônjuge, designadamente potenciais marcações de venda do imóvel, como refere a Autoridade Tributária.

Aliás, como refere o Acórdão do STA, datado de 14.05.2015, proferido no processo n.º 0380/15, disponível em www.dgsi.pt, citado pelo Reclamante no seu requerimento datado de 14.03.2014 (cf. ponto 17 do probatório) “(…) tendo sido penhorado um imóvel, a citação também teria que ser feita nos termos do disposto no art. 239° do CPPT, normativo que impõe a obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, para intervir no processo de execução fiscal (ficando o mesmo, desde então, na posição de co-executado e podendo usar todos os meios de defesa que a lei lhe confere nessa qualidade) quando e sempre que a penhora recaia sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.

Em suma a penhora efectuada não é ilegal, não sendo afectada pela falta de citação do cônjuge do executado, falta de citação essa que o tribunal “a quo” teve por verificada.

No entanto, e como se salienta no parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a inobservância dessa formalidade legal, sem a qual o processo de execução fiscal não poderia prosseguir, é geradora de nulidade, nos termos do n.º 1, al. a) do art. 165.º do CPPT, nulidade que é de conhecimento oficioso, tendo por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam absolutamente (nºs 2 e 4 do mesmo preceito), com eventual salvaguarda das vendas, adjudicações, remissões ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário.” (Destaques nossos).

Assim, in casu, não estamos perante uma penhora ilegal, como defende o Reclamante, estamos antes, perante a preterição de uma formalidade legal essencial (legalmente qualificada como nulidade insanável), posterior à penhora, sem a qual o processo executivo não pode prosseguir os seus ulteriores termos (tal como resulta do disposto no n.º 1, do artigo 239.º do CPPT, in fine), nomeadamente, a marcação da venda do bem penhorado.

Daí que, na informação que fundamentou o despacho aqui reclamado foi proposta a citação do Reclamante nos termos e para os efeitos do artigo 239.º, n.º 1 do CPPT.

Assim, atenta a jurisprudência acima citada, a nulidade insanável da falta de citação do cônjuge da executada, não determina o cancelamento da penhora do imóvel inscrito sob o artigo 1… da freguesia e concelho de Olhão, pelo que o pedido de cancelamento de tal penhora, formulado pelo Reclamante junto do órgão de execução fiscal, nunca poderia deixar de ser indeferido.

Face ao que antecede, nada há a apontar de ilegal na atuação do órgão de execução fiscal.

Diga-se, desde já, que o assim decidido não nos merece censura.

A questão suscitada pelo Recorrente ao órgão de execução fiscal foi a nulidade por falta de citação do cônjuge da executada, e tendo por base a arguição dessa nulidade invoca a nulidade da penhora e pede o cancelamento da penhora do imóvel, conforme decorre dos pontos 16 e 17 da matéria de facto dada como assente.

Sobre os aludidos requerimentos pronunciou-se o órgão de execução fiscal indeferido o pedido de cancelamento da penhora e determinando a citação do Recorrente (cfr. pontos 18 e 19 do probatório).

A questão apreciada e decidida na sentença aqui em crise, como já se viu, recaiu sobre a legalidade do despacho do órgão de execução fiscal, apreciada em face dos argumentos invocados.

A obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, nos termos do artigo 239.º, n.º 1 do CPPT, confere-lhe a qualidade de co-executado, com a possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado originário (cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, IV Vol., nota 4 ao artigo 239, pág. 29).

A omissão da falta de citação do cônjuge não determina o cancelamento da penhora, por se tratar de uma formalidade posterior à penhora. Conforme decorre do probatório, no despacho reclamado foi determinado a citação do ora Recorrente nos termos do artigo 239, n.º 1 do CPPT.

Não obstante no despacho do órgão de execução fiscal ter sido determinado a sua citação para os termos da execução fiscal, a fim de usar das faculdades processuais previstas na lei, o ora Recorrente deduziu reclamação judicial contra esse despacho com o objectivo de obter o cancelamento da penhora.

Como supra exposto, a sentença recorrida alicerçada em doutrina e jurisprudência julgou improcedente a reclamação, em síntese, por a omissão de citação do cônjuge não determinar o pedido de cancelamento da penhora.

O Recorrente em sede de recurso não ataca os fundamentos constantes da apreciação fáctico-juridica da sentença, para decidir como decidiu.

Para que o Tribunal de recurso tome conhecimento de uma questão é necessário que o Recorrente demonstre a sua discordância com a decisão proferida, referindo os fundamentos pelos quais a decisão deve ser anulada.

Se o Recorrente, em sede de recurso jurisdicional não ataca os fundamentos do já decidido pela primeira instância, não pode o tribunal de recurso alterar o decidido pelo tribunal a quo, por a isso se opor o disposto no n.º 5 do artigo 635.º do CPC.

O que o Recorrente pretende no presente recurso é usar das faculdades processuais que a lei lhe confere após a citação para os termos da execução e colocar em crise a decisão final proferida, em sede de recurso, no processo n.º 926/17.2BELRS.

Mas tal não lhe é permitido, por um lado, os argumentos invocados não foram alegados, nem apreciados pelo Tribunal da 1.ª instância, e em segundo lugar por pretender colocar em crise uma decisão judicial transitada em julgado sobre a penhora do imóvel sito em Olhão.

Todavia, sempre se dirá, de acordo com o que resulta da sentença, que a executada ofereceu como garantia do PEF subjacente ao presentes autos, o imóvel cujo cancelamento da penhora é almejado pelo ora Recorrente, e que a executada apresentou reclamação judicial contra a aceitação da garantia oferecida, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 926/17.2BELRS, e da sentença aí proferida que julgou improcedente a reclamação, foi interposto recurso para este TCAS que por acórdão de 03/05/2018, negou provimento ao recurso confirmando a sentença (cfr. pontos 11, 12, 13, 14 e 15 do probatório).

O referido arresto deste TCAS sobre a ilegalidade do despacho que aceitou como garantia o imóvel sito em Olhão penhorado no PEF, acompanhou o discurso fundamentador da sentença, que se transcreve:

«(…) Decorre do exposto que o despacho reclamado, proferido na sequência do requerimento da Reclamante, nos termos do qual solicita a prestação de garantia através da penhora do seu prédio urbano sito em Olhão (cfr. alínea E) da factualidade assente), não está ferido de nulidade por ocorrência de uma causa posterior que determinaria a impossibilidade do seu objecto. Na verdade, como resulta demonstrado nos autos, não só a invocada causa superveniente não se verificou, não estando a Reclamante, à data da prolação do despacho de aceitação da penhora como garantia, legalmente dispensada da sua prestação, como se afigura possível a produção dos efeitos jurídicos do acto, que consistem na prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal. Visando a prestação de garantia e a dispensa dessa prestação a produção do mesmo efeito jurídico – a suspensão da execução – o que seria impossível era a obtenção desse mesmo efeito, simultaneamente, através da concessão da dispensa e da aceitação de uma garantia. Mas tal, reitere-se, não se verificou no presente caso. Alega também a Reclamante a ilegalidade do acto reclamado de aceitação da penhora como garantia decorrente da inadmissibilidade da própria penhora, por consubstanciar um acto de execução praticado durante o período em que o processo de execução fiscal se encontrava suspenso. Ora, como se referiu supra, não constitui objecto da presente reclamação judicial a penhora a que a Reclamante se refere, não podendo aqui ser discutida a sua (i)legalidade. Se o que a Reclamante pretendia reagir contra o acto de penhora deveria tê-lo feito através de uma reclamação autónoma, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, não sendo possível obter a anulação da penhora através da anulação do despacho que a aceita como garantia, por nem sequer se estar perante um acto consequente de um acto que venha a ser anulado (e que constitui objecto da presente reclamação). Assim, em relação ao argumento exposto, conclui-se que o mesmo não contende com a legalidade do despacho aqui posto em crise mas, antes, com a legalidade da própria penhora que foi realizada no processo de execução fiscal. A executada, ora reclamante, se entendia que a penhora era ilegal por ser realizada na pendência de decisão judicial sobre a legalidade do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, então, deveria, oportunamente, ter apresentado reclamação judicial desse acto lesivo. Ao invés, conformou-se com a prática desse acto e dirigiu um requerimento ao órgão da execução fiscal solicitando a suspensão do processo por se encontrar prestada garantia idónea com a realização da penhora. Nessa medida, e atendendo ao conteúdo da decisão que mereceu o referido requerimento, que se revela parcialmente favorável, porquanto aceita a penhora como garantia mas exige um reforço, o que poderia estar a ser discutido nos presentes autos era a legalidade do despacho, designadamente, no que à invocada insuficiência da garantia concerne e não, como pretende a Reclamante, a legalidade da penhora oferecida como garantia. Resulta de todo o exposto que não assiste razão à Reclamante quanto à invocada nulidade do despacho por vício de violação de lei, por se fundamentar em acto com objecto impossível ou ininteligível e, bem assim, por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança, da legalidade, da justiça, da verdade material, da boa administração e do princípio da protecção jurídica, não merecendo o acto reclamado qualquer censura, neste ponto.”»

A decisão proferida no arresto que vimos de citar já transitou em julgado, não podendo ser alterada nos presentes autos.

Julgada em termos definitivos certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, mesmo incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção (cfr. acórdão do STJ de 24/04/2015, processo n.º 7770/07, disponível em www.dgsi.pt/).

Nas palavras de Manuel de Andrade, o caso julgado material «consiste em a definição dada à relação material controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.» (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 305).

A figura do caso julgado tem protecção constitucional alicerçada, quer no disposto no artigo 282.º, n.º 3, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição da República Portuguesa (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17/06/2013, disponível no www.tribunalconstitucional.pt/).

Cai, pois, sem qualquer amparo a invocada suspensão do PEF, que o Recorrente se limita a referir de forma genérica, para concluir, que não se podem efectuar penhoras, compensações ou pagamentos, sem qualquer concretização e identificação dos bens alegadamente apreendidos na execução fiscal, pedindo a final o cancelamento das restantes eventuais penhoras efectuadas no âmbito do mesmo PEF. Ora, os autos não esclarecerem se foram realizadas outras penhoras no âmbito do PEF, que são consideradas eventuais pelo Recorrente, todavia, caso resultassem provadas, não constituem objecto dos presentes autos.

Concluindo, no que respeita à penhora do imóvel sito em Olhão, a omissão da citação do cônjuge posterior à penhora não determina o cancelamento da penhora, e, ao Recorrente está vedado vir discutir no âmbito dos presentes autos a mesma questão que foi objecto de decisão final, já transitada em julgado, proferida no supra referido processo n.º 926/17.2BELRS, relativa ao mesmo imóvel, que foi oferecido pela executada como garantia no processo de execução.

Pelo exposto, na improcedência das conclusões da alegação de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida


*

Conclusões/Sumário:

I. Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

II. A obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, nos termos do artigo 239.º, n.º 1 do CPPT, confere-lhe a qualidade de co-executado, com a possibilidade de exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado originário (cfr. Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, IV Vol., nota 4 ao artigo 239, pág. 29).

III. A omissão da falta de citação do cônjuge não determina o cancelamento da penhora, por se tratar de uma formalidade posterior à penhora. Conforme decorre do probatório, no despacho reclamado foi determinado a citação do ora Recorrente nos termos do artigo 239, n.º 1 do CPPT.

IV. Julgada em termos definitivos certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, mesmo incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação depende decisivamente do objecto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção das Execuções Fiscais e de Recurso Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente

Notifique.

Lisboa, 14 de Março de 2024.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunto
Luísa Soares – 2.ª Adjunto

(assinaturas digitais)