Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03147/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/05/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA
ARTIGO 18.º, N.º 1, DO CIVA, SEXTA DIRECTIVA DO CONSELHO, DE 17 DE MAIO DE 1977.
Sumário:I-Quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços.

II- Perante uma prestação complexa única (confecção e comercialização de produtos alimentares), para se saber se deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrola a operação, para encontrar todos os elementos característicos e identificar os elementos predominantes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I.RELATÓRIO
………………………………., EIRL e a EXCELENTÍSSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, dizendo-se inconformadas com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 30 de Janeiro de 2009, na parte em que para cada uma delas a mesma lhes foi desfavorável, na impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e Juros Compensatórios relativas ao ano de 1996 (períodos 9609T e 9612T) vieram da mesma recorrer para este Tribunal Central Administrativo.

A Recorrente, …………………….., EIRL nas respectivas alegações apresentou o seguinte quadro conclusivo: (nossa renumeração)

«1º Os factos alegados nos art.s 33 a 39º, ambos inclusive, da p.i permitem concluir em definitivo que a impugnante exerce a actividade de prestação de serviços de alimentação e bebidas.
Dado que tais factos foram confirmados pelas testemunhas Joaquim …………. (fls. 88), Paulo ……….. ( fls.88 e 89) e Joaquim ……. ( fls.89), que revelaram ter conhecimento pessoal dos mesmos, tendo deposto de forma isenta e credível, devem ser considerados provados.
Pela douta sentença proferida nos autos à margem identificados foi decidido, além do mais, que a venda de alimentos e bebidas destinados a serem consumidos fora do local do estabelecimento constitui uma transmissão de bens e, para isso, está sujeita à taxa de IVA de 17% nos termos do art. 18º, n.º1, al.c) do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos.
Conforme foi alegado na p.i. e deve ser dado como provado, os alimentos fornecidos pela impugnante são, em regar, confeccionados na ocasião, de acordo com as quantidades solicitadas pelos respectivos clientes, apos o que, estes optam por consumi-los no estabelecimento, onde existe um balção, uma mesa, cadeiras, pratos, talheres, toalhas, guardanapos e empregados, ou levá-los.
Desde modo, a actividade da impugnante deve caracterizar-se exclusivamente como prestação de serviços de alimentação e bebidas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 18º, n.º1, a.b) com referência ao ponto 3.1 da Lista II, pelo que a taxa do IVA a aplicara em toda essa actividade deve ser de 12%.
Contudo, a própria Administração Tributária diz que nas lojas de impugnante são confeccionados e comercializados múltiplos produtos alimentares (vd. facto 4 da douta sentença), tendo também sido considerado provado que as refeições consumidas fora do estabelecimento são confeccionadas neste ( vf. facto 5).
Pelo que, a actividade da impugnante é, essencialmente, a confecção das refeições que vende aos seus clientes, sob encomenda destes, ou seja, trata-se de uma prestação de uma prestação de serviços de alimentação.
De resto, como decidiu o STA, no seu douto Acórdão de 24 de Março de 2004, « é de 12% e não de 17%, a taxa intermédia a que se refere o ponto 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, a taxa de IVA aplicável a transacções comerciais de refeições confeccionadas e vendidas em estabelecimento comercial de restauração – fornecimento de comidas e bebidas -, ainda que não consumidas naquele estabelecimento, porque adquiridas em sistema de take away».
Assim a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 18º, n.º1 al.b), com referência ao ponto 3.1 da Lista II, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação totalmente procedente e, em consequência, determine a anulação da liquidação in totum.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, decidindo-se como se propugna nas conclusões, com o que se fará a necessária e costumada Justiça!
A Recorrente, Fazenda Pública apresentou as seguintes conclusões:

A) A decisão sob recurso acolheu a seguinte formulação: "Termos em que julgo procedente a impugnação e em consequência determinou a anulação da liquidação na parte em que não tributou à taxa de 12% as refeições servidas no interior dos estabelecimentos da impugnante".
B) A impugnante exerce a actividade de comércio a retalho de produtos alimentares para consumo fora dos três estabelecimentos que possui - CAE 052272.
C) Os estabelecimentos inserem-se no vulgarmente conhecido "Take away", em que o cliente se limita a escolher a sua refeição de entre as variedades postas à sua disposição para consumir fora do estabelecimento.
D) É do conhecimento geral que o consumo fora deste tipo de estabelecimentos constitui o seu traço característico mais marcante.
E) Como bem entendeu o Mmo Juiz, este serviço assim recortado, não integra as prestações de serviços de alimentação e bebidas sujeitos taxa intermédia de IVA de 12%.
F) Não obstante, desconsiderando o depoimento das testemunhas da Administração Fiscal que apontavam no sentido de não serem visíveis mesas, cadeiras ou pessoas a tomar a sua refeição ao balcão e o facto de nada nos autos evidenciar que a impugnante detivesse alguma estrutura organizada e montada que permitisse acompanhar os seus serviços com a finalidade do consumo no local do foenecimento, o Mmo Juiz a quo veio a considerar como provado que a impugnante servia refeições à mesa e ao balcão.
G) Com todo o respeito, a decisão sob recurso não acolhe a verdade material dos autos.
H) A comida pronta a levar não se pode, assim, considerar-se como prestação de serviços para efeitos de IVA, sujeita à taxa intermédia, pelo que nas suas operações activas a impugnante deveria ter liquidado IVA à taxa normal e não o tendo feito, impunha-se a sua liquidação adicional, como foi feito pela AF.
I) Donde que a douta sentença sob recurso deveria ter decidido no sentido da improcedência total e não tendo adoptado tal sentido de decisão, fez errada aplicação do art. 18° /1 -c) do CIVA e da verba 3.1 da Lista 11, em anexo ao CIVA, pelo que não deve manter-se.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre

JUSTIÇA

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A EXMA. PROCURADORA - GERAL ADJUNTA junto deste Tribunal Central Administrativo, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

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Foram colhidos os vistos dos EXMOS. JUÍZES ADJUNTOS, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
(i) -saber se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido propugnado pela impugnante
(ii) - saber se no regime do IVA vigente em 1996, ano a que se refere as liquidações impugnadas, as vendas de alimentação confeccionada e bebidas, efectuadas pela Impugnante devem ser consideradas prestações de serviços de alimentação e bebidas, e como tal sujeitas à taxa de IVA de 12 % ou devem ser consideradas transmissões de bens sujeitas à taxa de 17%;
(iii) - saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que as refeições servidas no interior dos estabelecimentos da Impugnante estavam sujeitas à aplicação da taxa de 12%.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
Em sede de probatório o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
«1. A impugnante encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, com o n.º …………….., pela Ap.…………….. (fls. 14 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. No dia 31/1/1997 foi lavrado o auto de notícia junto a fls. 18 dando notícia de que Anabela …………….. não liquidou IVA no montante de 1.384.236$ referente ao 3º trimestre de 1996 e em relação ao 4º trimestre não liquidou IVA no montante de 1.300.000$.
3. O imposto assim apurado resultou da diferença entre a taxa de 12% liquidada pela impugnante e a taxa de 17% por se referir a serviços prestados de alimentação – produtos alimentares para consumo foro do estabelecimento (fls. 18 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
4. O auto de notícia faz ainda referência à informação junta a fls.19 cujo conteúdo se dá por reproduzido. Segundo esta informação, « O sujeito passivo acima identificado exerce a actividade de comercio a retalho de produtos alimentares . CAE – 52272 para consumo fora do estabelecimento. Para o efeito, dispõe de 3 lojas em seu nome, denominadas por loja 1, loja2 e loja 3, situadas em Leiria, respectivamente na Rua (…) Nas referidas lojas, além do frango assado, também são confeccionados e comercializados outros produtos alimentares, designadamente, entrecosto assado espetadas, rissóis de peixe e de carne, sobremesas, coelho assado, arroz branco, arroz de cenoura e ervilha, arroz de feijão, doces, frango e entrecosto assado para revenda, saladas, sopas, lombo assado, etc. Da análise efectuada aos seus elementos de escrita, verificamos que aqueles produtos estavam a ser aplicados a taxa de 12%, desde 96-12-31, quando o correcto seria a taxa de 17% conforme se comprova através dos mapas de s.p. analíticos ou diários de vendas, que constituem o ANEXO A. Actualmente, tal situação ainda persiste como se observa por meio dos talões de venda a dinheiro emitidas pelas máquinas registadoras, uma vez, que estes produtos alimentares, consumidos fora do estabelecimento não se enquadram na verba 3.1 da lista II, anexa ao Código do IVA ( fls. 19 cujo conteúdo se dá por reproduzida).
5. Nos estabelecimentos da impugnante são consumidas refeições ao balção e numa mesa que neles existe, contudo, a maior parte das refeições confeccionadas são consumidos fora do estabelecimento, em proporção que não foi possível apurar.
6. A liquidação impugnada foi efectuada pelo SF de Leiria 1.
7. Com data de 22/12/1995, Anabela……………….. apresentou declaração de inicio de actividade, nos termos que constam de fls. 72 e segs., cujo conteúdo de dá por reproduzido.
8. Em 26/3/1996 ……………………….., EIRL apresentou declaração de inico de actividade, ao qual foi atribuído o n.º ……………. ( fls.49 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
9. Em 13/8/1996 ………………………….., EIRL apresentou declaração de alterações à declaração de início de actividade. Nesta declaração, a administração fiscal menciona que o «cartão de RN Colectivas tem o n.º …………………» ( fls. 52 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
10. As declarações mencionadas foram apresentados no SF Leiria 2.

MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:

PROVA DOCUMENTAL
Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram. No que respeita à questão controvertida de saber se os produtos são consumidos, ou não, no interior do estabelecimento, releva, também os «Diários de movimentos dos artigos», onde se verifica o consumo de « garfos, copos e guardanapos» (fls. 112), e «toalhas de mesa» (fls.115), bem como «pratos» (fls.121 e 124). Estes objectos indiciaram a existência de refeições servidas no estabelecimento.

PROVA TESTEMUNHAL
Quanto a este meio de prova, relevaram os depoimentos das testemunhas oferecidas pela impugnante que confirmam o consumo de refeições no estabelecimento. O consumo destas refeições é compatível com a aquisição de toalhas, pratos, copos grafos e guardanapos, pelo que o depoimento mereceu total credibilidade. As testemunhas da AF nunca viram as pessoas a tomarem refeições ao balção, ou na mesa.
Mas o facto de não terem presenciado a tomada de refeições, não quer dizer que tal não aconteça.»

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B.DE DIREITO
Tendo sido interpostos dois recursos da mesma sentença final, relativamente à parte em que cada um dos recorrentes decaiu, desde logo importa decidir por qual dos recursos deve começar o respectivo conhecimento neste Tribunal, tendo em conta a sua relação de autonomia ou de prejudicialidade entre o objecto de ambos.
No caso, como melhor se extrai das alegações recursórias ambos os recursos têm um carácter completamente autónomo, em que, mesmo a proceder o recurso interposto pela impugnante, os seus efeitos não se podem estender à parte do recurso interposto pela Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo 684.º, n.º 4 do mesmo CPC, em suma, é absolutamente indiferente para a economia do presente por qual deles se inicie o respectivo conhecimento, pelo que passaremos a conhecer do recurso interposto pela impugnante apenas por uma questão de ordem cronológica, já que foi deles o primeiro a ser interposto.
A Impugnante ora Recorrente vem interpor o presente recurso jurisdicional da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, contra os actos de liquidação adicional de IVA referentes 3º e 4º trimestre o ano de 1996, actos que provém da correcção, levada a cabo pela Administração Tributária e Aduaneira (ATA), da taxa reduzida de 12% de IVA aplicada pela Impugnante na comercialização dos produtos alimentares, para a taxa normal de 17%, dado trata-se de produtos, que era, consumidos fora dos estabelecimento, não se enquadrando por isso na verba 3.1, da Lista II, anexa ao Código do IVA, na redacção vigente à data dos factos.
Alega a Recorrente (…………………………………., EIRL) que a decisão em crise falhou ao excluir, da matéria de facto dada como provada, os factos vertidos nos artigo 33º a 39º da petição inicial, que em seu entender «tais factos foram confirmados pelas testemunhas Joaquim …………… (fls. 88), Paulo………… (fls.88 e 89) e Joaquim………. (fls.89), que revelaram ter conhecimento pessoal dos mesmos, tendo deposto de forma isenta e credível, devem ser considerados provados» que
«(…) permitem concluir em definitivo que a impugnante exerce a actividade de prestação de serviços de alimentação e bebidas». [conclusão 1º, 2º e 3]

Vejamos, se lhe assiste razão.
O erro de julgamento de facto ocorre, como se diz no Acórdão do TCA Sul de 31.10.2013, proferido no processo n.º 06531/13: «(…) quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.» (acessível no sitio http://www.dgsi.pt/ )
Ora, de acordo com o disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC (anterior artigo 685º-B nº 1), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
- Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no CPC com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artigo 690º-A, posterior artigo 685º-B e actual artigo 640º, nº1 do mesmo compêndio, quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artigo 655º, do CPC, o qual dispõe que “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Dito isto, é inquestionável que, pretendendo a Recorrente que a 2ª Instância aprecie do acerto da decisão da 1ª Instância proferida sobre a matéria de facto, tem ela de observar determinadas regras e ónus processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.
Assim, como já referimos, de acordo com o disposto no artigo 640º nº 1 do CPC (anterior artº 685º-B, nº 1), em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ; quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E, no caso previsto no artigo 640º nº 1, al. b) do CPC, obriga ainda o nº 2 do mesmo preceito legal, que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, que o recorrente deva, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Postas estas breves considerações, há que verificar se logrou a Recorrente cumprir a sua obrigação processual.
A nosso ver, com o devido respeito, a Recorrente, em sede de alegações da instância recursória, não cumpriu aquilo que lhe era exigido no que respeita à transcrição das passagens dos depoimentos das testemunhas, em que se funda o seu recurso, limitando-se a remeter para a Acta de Inquirição de Testemunhas na qual se encontra lavrado os depoimentos das testemunhas Joaquim………….. e Paulo ……… e Joaquim ……….
Assim, embora tenha indicado os concretos pontos da materialidade fáctica que considera incorrectamente julgados, com referência ao que foi decidido na sentença recorrida, e tenha também referido os concretos meios de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, in casu os depoimentos das testemunhas inquiridas, não indicou as passagens dos depoimentos prestados nos quais funda a sua discordância com a decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a retirar conclusões do que alegadamente terão dito aquelas testemunhas.
A inobservância, por parte da Recorrente, do que lhe é imposto pelo artigo 685-B, nº 2 do CPC (actual artigo 640º, n.º2 do), determina a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração será feita na mesma.
As liquidações adicionais aqui em questão, tal como já demos conta, decorrem da Administração Tributária e Aduaneira (ATA) ter considerado após análise aos elementos de escrita da Impugnante que estavam a ser aplicados aos produtos alimentares comercializados a taxa de 12% quando o correcto seria 17%, uma vez que eram consumidos fora dos estabelecimentos, não se enquadrando, assim, na verba 3.1, da Lista II, anexa ao CIVA.
Para decidir a improcedência parcial da impugnação judicial deduzida pela Recorrente tendo por objecto as liquidações adicionais de IVA, o Mmº Juiz “a quo”, ancorando-se no entendimento corporizado no Acórdão do STA de 03.12.2008, proferido no processo n.º 0587/08, expendeu a seguinte argumentação: «( …) confirma-se a aplicação da taxa normal às transmissões de bens, isto é, à venda de comida não consumida no estabelecimento.
Mas a actividade da impugnante não era caracterizada só pela transmissão de bens, antes sendo, também integrada pela actividade de prestação de serviços de alimentação e bebidas, incluídas na Lista II, n.º 3.1.. Com efeito, demonstrou-se que a impugnante servia refeições ao balção e na mesa de que dispunha nos seus estabelecimentos, e esta facto traduz a prestação de serviços de alimentação e bebidas.
Esta actividade está sujeita a taxa de IVA de 12%.»
E, foi com este pano de fundo que, o Mmº Juiz “a quo” considerou que os actos de liquidação sindicados não podiam manter-se na totalidade, já que aplicaram a taxa de 17% a todo o volume de negócios, quando parte dele está sujeito à taxa de 12%, determinando «a anulação da liquidação na parte em que não tributou à taxa de 12% as refeições servidas no interior dos estabelecimentos da impugnante.»
Diz a Recorrente (…………………………, EIRL) que aplicou a todas as vendas a taxa intermédia de 12%, por entender que a actividade exercida deve caracterizar-se exclusivamente como prestação de serviços de alimentos e bebidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º, n.º1, al.b), com referência ao ponto 3.1. da Lista II, uma vez que, os alimentos são confeccionados em regra na ocasião, de acordo com as quantidades solicitadas pelos clientes que posteriormente optam por consumi-los no estabelecimento, onde existe um balção, uma mesa, cadeiras, pratos, talheres, guardanapos e empregados os levá-los.
A título preliminar, face á alegação da Impugnante há que determinar se, do ponto de vista do IVA, as diversas actividades em causa (confecção dos produtos e comercialização) devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas de vários elementos.
Vejamos, então.
Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de actos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar, por um lado, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços (vide: Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 25.10.2005, Levob Verzekeringen BV, OV Bank NV contra Staatssecretaris van Financiën- Processo C-41/04, disponível no endereçohttp://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=58098&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=234660).
O Tribunal de Justiça da União Europeia considerou igualmente que, por força do artigo 2.° da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, [relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme], que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estejam tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição teria carácter artificial. (Neste sentido: Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 27.10.2005, Levob Verzekeringen BV e OV Bank NV contra Staatssecretaris van Financiën, C-41/04).
Estáse, em presença de uma prestação única, quando um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal.
A prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas sim um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (Neste sentido: Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de Junho de 2009, RLRE Tellmer Property sro v Finanèní øeditelství v Ústí nad Labem, Processo C572/07, disponível no endereço http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=en&num=C-572/07)
No que respeita ao conceito de «entrega de bens», o artigo 5.°, n.° 1, da Sexta Directiva dispõe, que por tal entrega se entende a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário. Na mesma perspectiva, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia precisa que este conceito inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira à outra parte o poder de dispor desse bem como se fosse o seu proprietário. (Neste sentido: Acórdão do Tribuna de Justiça da União Europeia de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax Halifax plc, Leeds Permanent Development Services Ltd e County Wide Property Investments, disponível no endereço http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=pt&jur=C,T,F&num=C-255/02,&td=ALL.)
Todavia, e porque a distinção entre os termos «entrega» e «prestação de serviços» não pode ser dispensada nestes autos, impõe-se, chamar à colação o artigo 6º, n.º1, da Sexta Directiva, nos termos do qual, o conceito de «prestação de serviços» abrange qualquer prestação que não constitua uma entrega de bens na acepção do artigo 5.° dessa Directiva.
No caso em apreço, estamos perante uma prestação complexa única (confecção e comercialização de produtos alimentares), assim, para se saber se deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenrola a operação, para encontrar todos os elementos característicos e identificar os elementos predominantes (Neste sentido, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de Fevereiro de 2010, Graphic Procédé v Ministère du Budget, Processo C88/09 - http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=en&num)
Há que lembrar que, uma vez que a comercialização de um bem é sempre acompanhada de uma prestação de serviços mínima, como a apresentação de produtos em expositores ou a emissão de uma factura, só os serviços diferentes dos necessariamente associados à comercialização de um bem podem ser tidos em conta para se determinar a parte que a prestação de serviços representa no conjunto de uma transacção complexa que inclui também a entrega de um bem (Neste sentido, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Março de 2005, Ottmar Hermann v Stadt Frankfurt am Main, ProcessoC491/03 -, disponível no endereço http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=pt&jur=C,T,F&num=C-231/94&td=ALL).
No acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de Maio de 1996 - Faaborg-Gelting Linien A/S contra Finanzamt Flensburg - Processo C-231/94 -, disponível no endereço http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=pt&jur=C,T,F&num=C231/94&td=ALL)
considerou-se, que a restauração se caracteriza por um conjunto de elementos e de actos, do qual o fornecimento de comida é apenas uma componente e no qual os serviços predominam largamente, devendo por conseguinte considerar-se como prestação de serviços, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Sexta Directiva. Em contrapartida, já não será o caso «quando a operação incide sobre comida «pronta a levar», que não é acompanha de serviços destinados a facilitar
o consumo no local do fornecimento, num quadro adequado.» (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de Maio de 1996 - Faaborg-Gelting Linien A/S contra Finanzamt Flensburg - Processo C-231/94)
Ponderando então todos os dados/legislativos/jurisprudenciais que ficaram apontados importa, apurar se as operações activas efectuadas se enquadram no conceito de «transmissão de bens» ou «prestação de serviços», ou ainda em ambas.
Ora, face à matéria de facto ficou provada: - a Impugnante exerce a actividade de comércio a retalho de produtos alimentares - CAE - 52272 para consumo fora do estabelecimento;- a impugnante vende produtos alimentares confeccionados a fim de serem consumidos nos estabelecimentos; - as refeições confeccionadas são consumidas ao balção e numa mesa existente nos ditos estabelecimentos;- a maior parte das refeições confeccionadas são consumidos fora do estabelecimento, não pode deixar de concluir-se que o elemento preponderante das operações activas praticadas pela Impugnante não poderá deixar ser enquadrado no termo «transmissão de bens», na medida em que o elemento característico e preponderante que ressalta da factualidade apurada é o fornecimento da comida e bebidas destinadas a serem consumidas fora dos estabelecimentos.
Além disso, e acima de tudo, não resultou a apurado a existência nos estabelecimentos de uma estrutura de meios humanos e de equipamento que permita o consumo no local do fornecimento. Com efeito, muito embora resulte provado, o consumo de refeições ao balção e na mesa existente nos estabelecimentos, este elemento desvanece-se perante a actividade dominante consistente no fornecimento da comida e bebidas destinada a serem consumidas fora dos estabelecimentos. Dito de outro modo, a componente dos serviços prestados não é a predominante.
Daí que se entenda que, contrariamente ao sustentado pela Impugnante as suas operações activas não se enquadram na verba 3.1. da Lista II, em anexo ao CIVA, aditada pelo Decreto - Lei n.º 91/96, de 12 de Junho, sujeitas à taxa intermédia de 12%, uma vez que constituem «transmissões de bens» e não «prestações de serviços».
Improcede, pois, nos termos expostos, o recurso interposto pela Impugnante.
Visto que está o recurso interposto pela ……………………….. EIRL é altura de passar à apreciação e decisão da única questão que nos vem colocada no recurso interposto pela Fazenda Pública: saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que as refeições servidas no interior dos estabelecimentos da Impugnante estavam sujeitas à aplicação da taxa de 12%.
A questão que ora se impõe conhecer mostra-se facilitada atendendo ao destino dado ao recurso apresentado pela Impugnante, na mediada em que se considerou que as operações activas praticadas pela Impugnante não se podem considerar como prestação de serviços para efeitos de IVA.
Dito isto, apreciemos então a concreta questão suscitada pela Recorrente, Fazenda Pública.
O artigo 18.º, n.º 1, do CIVA, na redacção dada pelo DL n.º 91/96, de 12 de Julho, estabelece que «as taxas do imposto são as seguintes:
a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da Lista I anexa a este diploma, a taxa de 5%;
b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da Lista II anexa a este diploma, a taxa de 12%;
c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 17%.»
Por sua vez o ponto 3.1 da Lista II, em anexo ao CIVA (aditada pelo Decreto Lei n.º 91/06, de 12 de Julho) refere-se como sujeitas à taxa intermédia de 12%, as:
«3.1. – Prestações de serviços de alimentação e bebidas.»
Ora, constituindo o fornecimento ao público de comida e bebidas destinadas a serem consumidas fora do estabelecimento uma «entrega de bens», na acepção do referido artigo 5.° da Sexta Directiva, dúvidas não restam, que a taxa aplicável às operações activas da Impugnante é de 17% (taxa normal).
Neste sentido, refere o Acórdão do STA de 03.12.2008, proferido no processo n.º 0587/08: «(…), adoptou-se o entendimento de que não deve considerar-se como prestação de serviços a operação incidente sobre comida «pronta a levar». ( ( ) Refere-se no ponto 14 do citado acórdão:
«O serviço de restauração se caracteriza por ser um conjunto de elementos e de actos, dos quais o fornecimento de comida é apenas um componente, e que, nesse conjunto, os serviços predominam largamente. Deve, por conseguinte, considerar-se como prestação de serviços, na acepção do artigo 6.º, n.º1, da Sexta Directiva. Já não é esse o caso quando a operação incide sobre comida "pronta a levar", que não é acompanhada de serviços destinados a facilitar o consumo no local do fornecimento, num quadro adequado.)
Neste acórdão, estava-se perante uma situação essencialmente idêntica, sendo clara a posição assumida de que a operação incidente sobre comida «pronta a levar» não se pode considerar como prestação de serviços para efeitos de IVA, independentemente de a comida ser ou não confeccionada por quem a transacciona.
De resto, a correcção deste entendimento é confirmada pela redacção da Lista II anexa ao CIVA, na redacção dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que incluiu nessa Lista o ponto 1.8, relativo a «Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio». Na verdade, este ponto 1.8 foi incluído na parte da Lista relativa à transacção de bens e não à de prestação de serviços, que continuou a conter apenas o referido ponto 3.1, relativo às «Prestações de serviços de alimentação e bebidas».
A jurisprudência do TJCE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, nas matérias abrangidas pelo direito comunitário, como tem vindo a ser pacificamente aceite e é corolário da obrigatoriedade de reenvio imposta pelo art. 234.º do Tratado de Roma (art. 177.º na redacção inicial). ( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
– de 25-10-2000, recurso n.º 25128, AP-DR de 31-1-2003, página 3757;
– de 7-11-2001, recurso n.º 26432, AP-DR de 13-10-2003, página 2602;
– de 7-11-2001, recurso n.º 26404, AP-DR de 13-10-2003, página 2593. )»
Em consequência, será de julgar procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, razão pela qual se revoga a sentença recorrida que em contrário decidiu.


IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Impugnante;
- conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Púbica, revogando a sentença recorrida na parte em que anulou as liquidações adicionais, determinando-se, em substituição, a manutenção de tais actos tributários.

Custas a cargo da Recorrente (…………………………………., EIRL) em ambas as instâncias.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015.
[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]