Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1226/07.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:TARIFA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS;
TAXA
Sumário:I – A tarifa de conservação de esgotos é uma taxa e não um imposto.
II – A tarifa de conservação de esgotos representa a contrapartida por um bem público utilizado que se traduz na conservação da rede de esgotos instalada e à qual o prédio está ligado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

C... – Centro Comercial, SA, veio deduzir Impugnação Judicial contra o acto de liquidação de taxa de conservação de esgotos, cobrada pelo Município de Lisboa relativamente ao ano de 2005, bem como o indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 15 de Abril de 2015, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, o C... – Centro Comercial, SA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1.ª A existência de base legal em abstrato para a criação de taxas pelos municípios não basta para assegurar a legalidade do ato de criação da taxa de conservação de esgotos sendo necessário que este cumpra as respetivas exigências legais.

2.ª As normas de liquidação e cobrança da taxa de conservação de esgotos aprovadas a coberto da Deliberação n.º 2/AM/2005, publicadas no Boletim Municipal n.º 570, de 2005/01/20, e a Deliberação que aprovou a TTORM, publicada por Edital n.º Edital n.º 55/2005 não apresentam qualquer fundamentação económico- financeira para a determinação do quantum da taxa criada.

3.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de interpretação e aplicação do artigo 116.º do Código do Procedimento Administrativo e dos art.º 4.º e 22.º do DL 207/94 ao decidir que “o argumento da impugnante que considera que a TTORM da CML, não tem qualquer fundamentação tanto jurídica como administrativa que permita o controlo da legalidade do tributo liquidado, o mesmo é improcedente.” pois aqueles dispositivos exigiam que o regulamento tributário apresentasse fundamentação económico-financeira adequada ao seu conteúdo, detalhada na sua nota justificativa, o que não se verificou.

4.ª O juízo sobre o equilíbrio das prestações ou do sinalagma tributário só é possível quando se conheçam os custos efetivos ou reais suportados pela entidade administrativa na prestação do serviço, o que no caso em apreço não foi dado a conhecer.

5.ª O Tribunal não conhece quais são os encargos da conservação da rede de esgotos porque tal informação foi deliberadamente omitida no ato de criação da taxa em causa, onde deveria constar, por força do disposto no artigo 116.º do CPA e nos artigo 103.º e 266.º da CRP, enquanto garantia dos contribuintes.

6.ª Decidir sobre a observação do princípio da proporcionalidade ou da equivalência económica na criação de um tributo sem conhecer o custo real do serviço remunerado representa um cálculo impossível, por falta de um dos termos da equação.

7.ª Por força das regras de repartição do ónus da prova, a demonstração dos custos de prestação do serviço caberia à impugnada, a qual, ao desrespeitar o art.º 116.º do CPA, culposamente tornou impossível à impugnante a prova do custo do serviço (cf. art.º 344.º do Cód. Civil).

8.ª A sentença recorrida enferma de excesso de pronúncia quando conclui pela equivalência do sinalagma tributário sem conhecer o fundamento económico-financeiro da taxa liquidada que demonstre o custo efetivo do serviço prestado, pois o tribunal pronunciou-se sobre matéria que não lhe foi dada a conhecer: o custo efetivo ou real do serviço prestado, viciando assim a sentença de nulidade, nos termos do art.º 125.º do CPPT.

9.ª Ofende o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, adequação, e proporcionalidade stricto sensu, a utilização do valor patrimonial do imóvel como critério de liquidação da taxa de conservação de esgotos quando se pode dispor do valor concreto de águas residuais produzidas pelo utilizador-pagador.

10.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de interpretação e aplicação do principio da proporcionalidade e dos artigos 4.º e 22.º do DL 297/94, quando decide que “no que respeita ao cálculo do montante do tributo ser baseado no valor patrimonial dos imóveis, importa sublinhar que se trata de uma forma de determinação desse montante que não é desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes.".

11.ª Tal juízo não respeita o princípio da proporcionalidade, na vertente da exigibilidade nem da adequação, pois não existe qualquer necessidade de fazer um juízo de presunção ou conclusivo sobre a utilização do sistema de conservação de esgotos quando tal utilização é suscetível de ser medida diretamente ou em alternativa ser calculada por referência ao consumo real de água abastecido;

12.ª Se o propósito da taxa de conservação de esgotos é remunerar o município pela prestação de um serviço que a lei obriga seja medido, não pode ser julgado como necessário e adequado o critério de determinação daquela taxa que é o valor patrimonial dos imóveis.

13.ª É legalmente possível, materialmente desejável e até recomendado pela entidade reguladora que, para efeitos de faturação dos serviços prestado na área do saneamento ou tratamento de esgotos, se proceda à medição do caudal de águas residuais produzidas, pelo que não pode admitir-se que seja indispensável o emprego de um outro critério desfasado desta realidade como seja o valor patrimonial do prédio, para determinar a taxa de conservação de esgotos.

14.ª A margem de erro no cálculo da taxa de conservação de esgotos com base no critério do valor patrimonial do imóvel é seguramente maior do que com base nos volumes reais de águas residuais ou de água consumida, efetivamente medidos por instrumentos próprios, pelo que o valor da taxa que daí resultasse não poderia ser mais gravosa do património da impugnante que aquela que lhe foi exigida.

15.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de interpretação e aplicação dos art.º 22.º do Decreto-Lei 207/94, o art.º 8.º da Lei Geral Tributária e os art.º 103.º/2, 165.º/1, i) o art.º 266.º da CRP ao julgar “ajustado” que o cálculo do montante do tributo seja baseado no valor patrimonial do imóvel quando tal critério (i) não é indispensável para alcançar o fim proposto, existindo muito melhor alternativa, (i) não é suficientemente adequado à finalidade pretendida, obrigando a presunções de uso desprovidas de suporte de facto e (iii) conduz por fim a valores que dificilmente se podem compreender como sendo a menor lesão possível do património privado na prossecução do interesse público de remuneração do serviço de esgoto, resultado muito mais penalizador do contribuinte do que decorreria dos critérios de medição do caudal de águas residuais ou do consumo de água, indicados pelo legislador e a entidade reguladora.

16.ª Mesmo que se entenda tratar-se de uma taxa e não de um imposto, o certo é que a ausência de correlação proporcional entre o montante cobrado e o custo que representa a conservação dos esgotos a cargo do Município, viola os princípios da equivalência, da tutela da confiança, da proporcionalidade, da proibição do excesso e o princípio da justiça, consagrados nos arts. 18.º/2) e 266.º/2 da CRP, enfermando o regulamento e o ato impugnado de ilegalidade por violação dos citados princípios.

17.ª A decisão recorrida errou na interpretação e aplicação dos art.º 4.º e art.º 22 do DL 207/94 ao decidir que a taxa de conservação de esgotos não se sobrepõe a outros tributos, sendo hoje reconhecido que tem exatamente a mesma incidência objetiva da componente fixa da tarifa de saneamento que o Município de Lisboa também liquidou à impugnante nos termos do art.º 52.º, n.º 52.1.2 a) da TTORM.

18.ª Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a liquidação da tarifa de saneamento (fixa e variável) já obriga a entidade gestora à realização das tarefas e à prestação dos serviços que o tribunal entendeu só serem devidos com a liquidação da taxa e conservação de esgotos. Esta taxa resulta, assim, numa segunda remuneração de um serviço já retribuído pela componente fixa da tarifa de saneamento, conforme esclarecido pela entidade reguladora na “Recomendação tarifária” n.º 1/2009, provocando assim uma duplicação de coleta.

19.ª A Assembleia Municipal de Lisboa por Deliberação n.º 345/AML/2014, publicada no Boletim Municipal n.º 1088, 2.º suplemento, determinou o “fim da Taxa de Conservação de Esgotos” por ser “imperativa a conformação da prática do município de Lisboa nos domínios das Águas Residuais e dos Resíduos Urbanos com as orientações regulamentares e legislativas aplicáveis às tarifas”.

20.ª A decisão recorrida enferma de erro de julgamento e de apreciação da norma ínsita no art.º 22.º do DL n.º 207/94, e das normas que atribuem competências tributárias aos municípios (art.º 13.º da Lei 159/99; os art.º 4.º/1, 16.º, d), 19.º, l) e 20.º da Lei 42/98) pois tais competências são exercidas nos termos da lei e dentro dos seus limites e manifestamente a criação de uma taxa de conservação de esgotos sobre a mesma área de serviço da componente fixa da taxa de saneamento exorbitou os limites legais.

NESTES TERMOS,

Devem os erros de julgamento e de apreciação e aplicação das normas relevantes e a nulidade imputada à sentença recorrida ser julgados provadas e procedentes, dando- se provimento ao presente recurso.»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1. A Recorrente declara pretender a alteração da matéria de facto, que delimitou a forma do presente Recurso, deduzido ao abrigo do n.° 1, do art. 280.°, do CPPT, norma que determina a competência deste douto TCA para a apreciação dos recursos que incidam sobre matéria de facto;
2. Nessa medida, cabe à Recorrente delimitar o objeto do recurso, em ordem a permitir a esse douto Tribunal apreender as razões da sua discordância e, bem assim, de que forma pretende ver alterado o elenco de factos, necessariamente por referência à prova produzida nos autos;
3. A Recorrente não cumpriu tal ónus processual, limitando-se a declarar deverem ser aditados dois factos, que reputa revestirem interesse para a decisão da causa, sem que afirme a razão de tal interesse ou indique, direta ou indiretamente, que prova foi produzida nos autos, relativamente aos mesmos. Acresce que, nas conclusões que culminam as Alegações da Recorrente, que delimitam o objeto do Recurso, nenhuma se refere à matéria de facto e/ou se dedica à sua alteração, razão pela qual deverá a mesma ser considerada excluída do objeto dos presentes autos - cfr. art. 640.° do CPC, ex vi da al. e), do art. 2.°, do CPPT;
4. Aliás, ao invés do defendido pela Recorrente, sem qualquer apoio na prova produzida, considera a Recorrida que, dos autos, resulta provado um facto, constante de documento não impugnado pela Recorrente e que assume relevo para a questão sub judice (sobretudo face ao teor do alegado pela Recorrente no presente Recurso), cujo aditamento à matéria de facto se requer, da seguinte forma: 8. No ano de 2005, a receita municipal decorrente da taxa de conservação de esgotos foi inferior, em €2.313.150,46, aos custos associados ao serviço de conservação de esgotos, que aquela taxa visa remunerar (cfr., inf. n.° 119/DMF/DEPF/DIFAP, a fls. 42 e ss. da Reclamação Graciosa cuja cópia integra o processo administrativo e vd. inf. 122/DAJAF/DAT/07, a fls. 30 e ss da mesma Reclamação - documentação que integra o processo, foi expressamente referida, citada e invocada, e não impugnada, que atesta aquele facto);
5. Ao invés do raciocínio expendido pela Recorrente nestes autos, no qual defende a aplicação, a uma liquidação reportada ao ano de 2005, de legislação posteriormente entrada em vigor, importa antes de mais lembrar o regime jurídico que delimita a liquidação impugnada, apurado, como não pode deixar de ser, ao tempo da verificação do correlativo facto tributário - 31 de Dezembro de 2005;
6. Os municípios dispõem de atribuições no domínio do saneamento básico, de acordo com a previsão da alínea l), do n.° 1, do art. 13.°, da Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro, encontrando-se habilitados a cobrar taxas como contrapartida pela conservação de esgotos, nos termos do disposto na alínea l), do art. 19.° da Lei das Finanças Locais (LFL) em vigor para o período a que respeita a liquidação, a Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, constituindo tais taxas receitas municipais, de acordo com a alínea d), do art. 16.°, do mesmo diploma legal;
8. O estabelecimento das taxas e a definição dos respetivos quantitativos compete, em concreto, à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara, de harmonia com a alínea e), do n.° 2, do art. 53.°, da Lei das Autarquias Locais (LAL), cabendo ao mesmo órgão aprovar os regulamentos municipais com eficácia externa e, logo, o estabelecimento das normas de liquidação e cobrança dos tributos;
9. No âmbito de atuação definido por tais leis habilitantes, e no exercício do poder regulamentar próprio das autarquias locais (cfr. arts. 241° e 112°, n.° 8 da Constituição da República Portuguesa), a Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara, aprovou as Normas de Liquidação e Cobrança da Taxa de Conservação de Esgotos, que integram o Processo Administrativo (PA) junto aos autos. Para o ano de 2005, acresce a Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, publicada no Boletim Municipal n.° 595, de 14 de Julho de 2005 (Edital n.° 55/2005), com a retificação publicada no Boletim Municipal n.° 598, de 4 de Agosto de 2005 (igualmente juntas no PA);
10. A Taxa de Conservação de Esgotos tem o seu regime de liquidação e cobrança disciplinado em regulamento próprio que, ao invés do que a Recorrente alega, foi submetido a todo o procedimento previsto no CPA para a produção de normas regulamentares, nomeadamente contendo a nota justificativa, tal como exigida pelo art. 116.°, do CPA então em vigor, realidade que se constata da mera leitura do regulamento aprovado pela Deliberação n.° 2/AM/2005, de 11 de Janeiro, publicada no 2.° Suplemento ao Boletim Municipal n.° 570, de 20 de Janeiro de 2005 (cfr., cópia que integra o PA);
11. Vem a Recorrente invocar o disposto na Lei n.° 53-E/2006, afirmando que, aquela a nota justificativa deveria, na verdade, respeitar os ditames desta lei e, nessa medida, obedecer às exigências que a mesma impõe, em sede de justificação económico-financeira. Todavia, não poderá desconsiderar-se o facto, evidente, de aquela Lei, invocada pela Recorrente, ora dirctamente, ora com carácter interpretativo, ter entrado em vigor em 2007 e logo, após, tanto a aprovação e publicação do Regulamento efetivamente em causa, quanto da verificação do facto tributário subjacente à liquidação impugnada, sendo certo que, de acordo com o disposto no n.º 1, do art. 12.°, da LGT, as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor;
12. As normas regulamentares em que a liquidação impugnada se fundou obedeceram às exigências legais existentes à data da sua publicação, que se mantinham, aliás, ao tempo da liquidação impugnada, realidade notória e que a Recorrente visa contrariar, com recurso a Diplomas supervenientes!
13. Ademais, não pode deixar de apontar-se que, toda a argumentação da impugnante se dirige à demonstração de vício que, até ao presente, não havia sido invocado nos autos - cfr. inexistência de justificação económico-financeira do Regulamento aprovado pela Deliberação 2/AM/2005, em violação do art. 116.° do CPA, pois tal Regulamento em momento algum havia sido invocado pela Impugnante nos autos, que na douta PI dirigiu toda a sua argumentação à TTORM;
14. A taxa de conservação de esgotos e, concretamente, a liquidação impugnada, reportada ao ano de 2005, assenta no regime regulamentar estabelecido nas Normas aprovadas pela Deliberação n.° 2/AM/2005, que contêm nota justificativa, tal como a mesma era legalmente exigida, ao tempo da vigência da mesma, pelo art. 116.° do CPA, na versão então em vigor;
15. A Recorrente, salvo o devido respeito, desconsidera por completo o facto de a relação jurídico- tributária em apreço se ter constituído em 31 de Dezembro de 2005, logo, em momento prévio ao da entrada em vigor do RGTAL, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2007 (cfr., o art. 18.°) e ao próprio decurso do período concedido nesta lei para adaptação dos Regulamentos municipais então em vigor às exigências que impôs, reiterando-se que a fundamentação do regulamento, em sede de nota justificativa, foi plenamente comprida, tal como exigida no momento da sua publicação e entrada em vigor, bem como naquele que determinou a liquidação impugnada;
16. Da alegada falta de fundamento económico-financeiro, que não se verifica, parte a Recorrente para a demonstração da pretensa nulidade da sentença por excesso de pronúncia, pretendendo demonstrar, desde já se adiantando, sem razão, que a mesma não poderia conhecer da equivalência do sinalagma tributário sem que tivesse conhecido do custo efectivo do serviço prestado;
17. Inexiste qualquer excesso de pronúncia, porque o Tribunal a quo conheceu de questão suscitada nos autos pela então Impugnante, sendo certo que, para tal efeito, não se encontra obrigado a apreciar toda a argumentação das partes (neste sentido, o douto Acórdão do TCAS de 31/10/2013 (Proc. n.° 06832/13”);
18. Não ocorre qualquer excesso de pronúncia, pois a douta Sentença recorrida pronuncia-se, quanto à existência de sinalagma, relativamente a questão suscitada nos autos pelo que, o ponto ii) das suas Alegações de Recurso e, bem assim, a conclusão 8.a e as 4.a a 7.a, que pretendem fundamentar a nulidade da Sentença, consubstanciam, na verdade, a exposição das razões da sua discordância, que não acarretam qualquer nulidade do decidido, nem teriam tal virtualidade, aliás!
19. Não assiste razão à Recorrente relativamente ao alegado erro de julgamento, quanto ao sinalagma tributário, pois como decidiram, a douta Decisão sub judice e, antes dela, inúmera e uniforme jurisprudência nacional, a atividade municipal inerente à prestação dos serviços inerentes à manutenção/conservação (em condições de funcionamento) dos sistemas municipais de drenagem de águas residuais, vulgo rede de esgotos, enquadram-se nas atribuições municipais em matéria de saneamento, às quais subjaz, como a toda a atividade municipal, a prossecução do interesse público, inerente à própria natureza jurídica da recorrida;
20. De acordo com o art. 1.º do identificado Regulamento, a taxa de conservação de esgotos constitui a contrapartida pelos encargos decorrentes da disponibilização e manutenção dos sistemas de drenagem pública de águas residuais, sendo anual e devida a partir do ano seguinte ao da ligação do imóvel ao sistema predial de drenagem de águas residuais, (cfr. n.° 5 do mesmo artigo). São sujeitos passivos da taxa os proprietários, usufrutuários, superficiários e a herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal, dos prédios urbanos ou respectivas fracções em 31 de Dezembro do ano a que respeitar (cfr. n.° 5 do art. 2);
21. A taxa de conservação de esgotos incide sobre o valor patrimonial dos prédios, calculado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis17 - CIMI - (cfr. n.° 3 do art. 1o das mencionadas normas), correspondendo a taxa, nos prédios urbanos avaliados de acordo com o Código da Contribuição Autárquica, a um quarto da taxa aprovada pela assembleia municipal para efeitos de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e, nos prédios avaliados nos termos do CIMI, a um oitavo da mesma, como resulta do n.° 4 do art. 1º das citadas normas. Para o ano de 2005, as taxas aprovadas pela Assembleia Municipal de Lisboa para a liquidação do IMI correspondem a 0,7 e 0,4 do valor patrimonial dos prédios avaliados de acordo com o CCA ou o CIMI, respetivamente (cfr., a aludida Deliberação 131/AM/2004 - Boletim Municipal n.° 562, 3.° Suplemento, de 25/11/2004);
22. Do descrito regime legal e regulamentar decorre que a atividade/serviço prestada pelo município no âmbito da disponibilização e manutenção em condições de funcionamento da rede municipal de drenagem de águas residuais se dirige à satisfação de interesses públicos/coletivos, o que não significa que, por esse motivo, não existe satisfação de necessidades, ou obtenção de benefícios, para os sujeitos passivos daquela taxa, decorrentes da prestação do serviço de que a mesma constitui contrapartida. Como bem aponta a douta Sentença ora em crise, os beneficiários da serviço e, logo, do pagamento da taxa que constitui contrapartida do mesma são, no que importa ao caso vertente, os proprietários dos prédios, não só pelo serviço propriamente dito, de que usufruem diretamente, como ainda pela valorização que o mesmo atribui ao seu património;
23. Na verdade, a prestação de tais serviços, por parte do município, beneficia de forma individualizada cada utilizador, de cada prédio (ou fração) ligado ao sistema de drenagem de águas residuais e, logo, o respetivo proprietário. A simples ligação do prédio aos referidos sistema (realidade pública e notória, atento o prédio aqui em causa - C...), e a manutenção deste em condições de funcionamento servem, em permanência, não só os utilizadores do mesmo, como, mediata ou imediatamente, a Recorrente, quer pela utilização que possibilita, quer pela valorização que imprime ao seu património, só pelo facto de ser facultado e prestado;
24. Existindo tal prestação de serviços por parte do município e encontrando-se os prédios ligados ao sistema de drenagem de águas residuais - realidade que a Impugnante não pode negar ou ignorar existe para o proprietário dos mesmos e/ou sujeito passivo, enquanto beneficiário daquele serviço, a obrigação de pagamento da taxa que corresponde à contrapartida do mesmo, de acordo com a previsão legal que, entre outros pressupostos, assenta as taxas “na prestação concreta de um serviço público”, não podendo a Impugnante negar a mais-valia que retira do serviço prestado pelo município, em sede de disponibilização e manutenção em condições de funcionamento do sistema de drenagem de águas residuais, motivo pelo qual deve contribuir, mediante o pagamento da contrapartida inerente àquele serviço;
25. Na relação jurídico-tributária em causa nos presentes autos existe, sem dúvida, o sinalagma característico das taxas, sendo aliás público e notório, o uso intensivo do prédio da Recorrente e, logo, o impacto que o mesmo acarreta na rede municipal de drenagem, cuja manutenção em condições de funcionamento incumbe ao município, que assume o correspondente encargo, em beneficio, direto, da Recorrente (neste sentido, vd. a título de exemplo, o douto Acórdão do STA de 8 de Outubro de 2014 (Pro. 0221 /12);
26. A interpretação adotada pela Recorrente esvaziaria de conteúdo as já mencionadas normas constitucionais que atribuem poderes, tributário e regulamentar, às autarquias locais, interpretação que, a proceder, o que não se concebe, redundaria em verdadeira inconstitucionalidade, por violação daquelas disposições que, na CRP, atribuem aos municípios poderes regulamentar e tributário (arts. 241.° e 238.° da CRP), o que se argui, como já se fez nos autos, aliás, para todos os legais efeitos;
27. A decisão contestada nestes autos encontra-se alinhada com a jurisprudência de que constitui exemplo o identificado Acórdão do STA, relativamente à existência de sinalagma e aos pressupostos em que assentou tal apreciação e, bem assim, quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade, pelo critério eleito para a determinação do valor, igualmente considerado no Acórdão supra eleito a título meramente exemplificativo;
28. O legislador regulamentar adotou o valor patrimonial como critério para a liquidação da taxa de consen/ação de esgotos; critério que é expressamente aceite pelo próprio legislador ordinário, como se constata, designadamente no art. 14.° do Diploma que aprovou o CIMl (Decreto-Lei n.° 287/2003, de 12 de Novembro);
29. Deve ainda considerar-se a opinião, comummente aceite na doutrina e na jurisprudência nacionais, de que a natureza sinalagmática das taxas não implica equivalência económica entre o custo, para o município, da prestação do serviço, e o valor cobrado ao particular, a título de taxa (de conservação de esgotos) mas apenas equivalência jurídica, como firma o próprio Tribunal Constitucional, no douto Acórdão de 30 de Outubro de 1996 (Processo 430/93);
30. Os serviços de que a taxa de conservação de esgotos constitui contrapartida são prestados independentemente do uso efetivo dado ao sistema de drenagem de águas residuais pelos utilizadores dos prédios, não se verificando a falta de proporcionalidade que a Impugnante vem alegar, sobretudo quando se considera um edifício como o que está em causa nestes autos, o C..., e a sobrecarga que o seu uso constitui, necessária e imediatamente para o sistema municipal de drenagem de águas residuais, cuja manutenção em condições de funcionamento, assegurada pelos serviços do município, constitui notória necessidade de funcionamento do espaço servido e respetivos frequentadores e, logo, benefício direto da Recorrente;
31. Ainda no que concerne à alegada falta de proporcionalidade e em absoluta discordância com o que a Recorrente defende, realçam-se as conclusões do estudo vertido na Informação n.° 119/DMF/DEPF/DIFAP, que integra a cópia da reclamação graciosa junta aos autos (no PA) e que analisa, comparativamente, os valores cobrados e despendidos pelo Município, relativamente à taxa de conservação de esgotos - concretamente, são identificados os custos associados ao sistema de conservação de esgotos, apurados relativamente aos anos de 2000 a 2005 e efetuada a sua comparação com os montantes associados à liquidação da taxa de conservação de esgotos, sendo concluído, quanto ao ano de 2005, que a despesa foi superior à receita em 2.313.150,46€ e concluído: entre 2000-2005 verifica-se que o montante de receitas arrecadadas é insuficiente para fazer face aos encargos efectivamente suportados pelo município com a conservação do sistema de esgotos;
32. Não é o facto de a taxa incidir sobre o valor patrimonial dos prédios que lhe retira tal natureza, não correspondendo à verdade a constatação, que a Recorrente pretende efetuar, do total alheamento desse critério, face ao serviço prestado e respetivos custos. A base de incidência da taxa - o valor patrimonial dos prédios - constitui o critério eleito pelo legislador regulamentar (e, como se viu, expressamente aceite pelo legislador ordinário, nomeadamente no Diploma Preambular que aprovou o CIMI) para a liquidação da taxa de conservação de esgotos e não afeta, de qualquer modo, a sua natureza, ou a proporcionalidade necessariamente associada à mesma, questão relativamente à qual se pronunciou já o TC no douto Acórdão n.° 68/2007, proferido no Proc. n.° 215/05, que adotou, para a caracterização da taxa e aferição da adequação do valor patrimonial como critério para a determinação da mesma, raciocínio e argumentação em tudo semelhantes à expendida na douta Sentença objeto destes autos;
33. Na situação dos autos acresce o tipo de imóvel em causa e sua utilização, concretamente, o C... - equipamento frequentado, anualmente, por cerca de 20 milhões de utilizadores (para além dos lojistas e demais prestadores de serviços), facto que é público e notório -, sintomático da relação entre elevado valor patrimonial, por um lado e intensidade de utilização do sistema de drenagem de águas residuais, por outro...
34. A taxa de conservação de esgotos reveste natureza de verdadeira taxa, não estando sujeita ao princípio da reserva de lei formal consagrado no n.° 2, do art. 103.° e na alínea i), do art. 165.°, ambos da CRP, inexistindo qualquer violação de tais normas constitucionais,
35. Relativamente à alegada violação do princípio da proporcionalidade, vem a Recorrente invocar o disposto no DL 194/2009 (que inclusivamente afirma ter sido erradamente interpretado e aplicado pela douta Sentença recorrida), no RGTAL, e em recomendação da ERSAR (n.° 1/2009), mais uma vez sem que cuide, salvo o devido respeito, como deveria, de adequar a argumentação que defende e na qual apoia a sua pretensão, à liquidação a que concretamente se opõe e às normas efetivamente em vigor ao tempo da mesma, desconsiderando o disposto no art. 12.° da LGT;
36. No que concerne à alegada sobreposição de tributos, de igual modo carece a Recorrente de razão, voltando a assentar a interpretação que constrói, não só em normas que entraram em vigor posteriormente, como em recomendação da ERSAR posteriormente emitida e que tem como pressuposto, igualmente, legislação posterior, como ainda opções regulamentares do município, estas de 2014 e com entrada em vigor em 2015J...sendo certo que, mesmo tais normas, recomendação e regulamento, não assumem as consequências defendidas por aquela;
37. O DL 207/94 não assumia o alcance defendido pela Recorrente, no que respeita às taxas liquidadas na sequência dos serviços no mesmo disciplinado, entre os quais, os remunerados pela taxa de consen/ação de esgotos, pois a previsão do objeto daquele Diploma, no seu art. 1.", e a previsão do serviço, sob a responsabilidade da entidade gestora do sistema {in casu, de drenagem de águas residuais), na al. c), do art. 4.°, daquele DL, não significam que os municípios não disponham de habilitação legal para cobrar distintas taxas, pelos diversos serviços previstos no mencionado Decreto- Lei, realidade interpretativa que apenas pode ser aferida, in casu e como se viu já, na Lei das Finanças Locais em vigor, no caso concreto, a Lei n.° 42/98, de 6 de Agosto, na qual era expressamente prevista, não só a liquidação por parte das autarquias locais de taxas pela conservação e tratamento de esgotos, na al. I), do art. 19." da Lei n.° 42/98, como ainda de tarifas, pelas atividades de exploração dos sistemas, entre outros, de drenagem de águas residuais e de recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos, nas als. b) e c), do art. 20.°;
38. São inaplicáveis ao caso concreto, o disposto no DL n.° 194/2009 e a Recomendação da ERSAR 1/2009, fundada em tal alteração, e invocadas pela Recorrente na interpretação que erige, do disposto no art. 22.° do DL 207/94, do qual pretende retirar, sem qualquer base normativa, uma alegada proibição de cobrança de outra tarifa que não a de saneamento, na sua parte fixa, ou uma justaposição entre a mesma e a taxa de conservação de esgotos, que não ocorre, pois como se viu, e reconheceu a douta Sentença recorrida, os factos tributários em causa são absolutamente distintos e, para ambos, existye a correlativa habilitação legal;
39. Na taxa de conservação de esgotos, o facto determinante da tributação é a existência de ligação de um prédio urbano ao referido sistema municipal de drenagem de águas residuais, do que resulta para o respectivo beneficiário - proprietário /usufrutuário/superficiário - e sujeito passivo, a obrigação de pagamento da taxa de conservação de esgotos, nos termos citados, porquanto beneficia do sistema de drenagem de águas residuais e da manutenção em boas condições de funcionamento e utilização do mesmo, assegurada pelo municipio no exercício das suas atribuições;
40. Por seu turno, a tarifa de saneamento constitui contrapartida, por um lado, do serviço de recolha, depósito, tratamento de lixos e limpeza urbana (integrantes do denominado sistema de resíduos sólidos) e, por outro, do serviço de drenagem e tratamento de águas sujas e pluviais (o designado sistema de águas residuais), serviços prestados a todos os consumidores de água da EPAL, cujas habitações e estabelecimentos sejam servidos pelo sistema de drenagem de águas residuais. A tarifa de saneamento, respeitante àqueles serviços, é liquidada e cobrada em conjunto com a facturação da EPAL, o que foi autorizado pela Portaria n.° 399/85, de 28/06; 
41. A liquidação c cobrança da tarifa de saneamento tem por fundamento o Edital n.° 53/88, de 25/05, retificado pelo Edital n.° 55/88, com a redação dada pela Deliberação n.° 11/AM/96, publicada no Boletim Municipal de 5 de Março, cuja cópia se encontra junta aos autos de Impugnação (com as Alegações Instrutórias);
42. Sendo distintos os factos tributários subjacentes à taxa de conservação de esgotos e à tarifa de saneamento, como bem considerou a douta Sentença recorrida, se demonstrou nos autos e resulta assente, alias, em jurisprudência que analisou a natureza e (eventual) sobreposição de tributos invocada (sem razão) pela Recorrente, fácil é concluir pela inexistência da duplicação de coleta, igualmente evocada pela mesma;
43. A alteração regulamentar e a extinção da taxa de conservação de esgotos, consequente da mesma, igualmente alegada pela Recorrente para justificar a alegada sobreposição de tributos, de igual modo improcede por completo, correspondendo a uma opção do município, face a alterações legislativas ocorridas posteriormente as normas que vigoravam ao tempo da liquidação impugnada e a opção do município, tomada no uso do poder discricionário de que dispõem, no uso dos poderes e atribuições que lhe são cometidos por lei;
44. Não pode deixar de questionar-se, a final, de que erros de julgamento padecerá a douta Sentença recorrida, que aplicou aos factos provados em juízo o direito em vigor ao tempo da verificação dos mesmos e apoiada em doutrina e jurisprudência uniformes, sendo certo, alias, provavelmente pela apontada razão, que a Recorrente faz subsumir os erros de julgamento que invoca no presente a normas supervenientes, face à liquidação objeto da Impugnação Judicial de cuja decisão final vem o presente deduzido (cfr., o teor das conclusões 2.ª, 3.ª - estas, por se referirem a exigência legal que é fundamentada pela Recorrente com o RGTAL, 12.ª, 13.ª, 17.ª e 18.ª a 20.ª);
45. Razões pelas quais, não merece acolhimento o alegado, devendo improceder completo as conclusões do presente Recurso e, nessa medida, manter-se a douta Sentença recorrida, por não padecer de qualquer erro ou vicio.
Nestes termos e nos demais de Direito, invocando o Douto Suprimento de V. Exas, se requer seja negado provimento ao presente Recurso e, nessa medida, mantida a douta decisão Recorrida, assim se fazendo a devida, e costumada, JUSTIÇA.»

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. A impugnante é proprietária das frações do prédio designado “C...”, situado na Av. Do I..., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos 1...-AA a AZ; 1... A e B; 1... BA a BP, 1... C e 1... F a Z – cfr. fls. 33 dos presentes autos;

2. Em 16/10/2006, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu à impugnante a fatura com nº 560000523159, referente ao ano de 2005, para pagamento da taxa de conservação de esgotos no valor de € 136.935,85, relativa às frações indicadas no ponto anterior – cfr. fls. 18 dos presentes autos;

3. Em Novembro de 2006, a impugnante procedeu ao pagamento da primeira prestação da taxa de conservação de esgotos no valor de € 68.467,93 – cfr. fls. 18 dos presentes autos;

4. Em 30/03/2007, a impugnante procedeu ao pagamento da segunda prestação da taxa de conservação de esgotos no valor de € 68.467,92 – cfr. fls. 19 dos presentes autos;

5. Em 18/01/2007, a impugnante apresentou reclamação graciosa, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, invocando a ilegalidade da liquidação da taxa de conservação de esgotos do ano de 2005, pedindo que a mesma fosse declarada nula ou anulada – cfr. fls. 34 a 46 dos autos e v.d. Processo instrutor;

6. Em 03/05/2007, é apresentada neste Tribunal Tributário de Lisboa petição inicial que consubstancia a presente impugnação – cfr. fls. 2 e segs. dos autos;

7. Em 02/07/2007, a Comissão Administrativa ratificou, por unanimidade, o despacho de indeferimento da Presidente da mesma, exarado na informação nº 150/DAJAF/DAT/07, quanto à reclamação graciosa apresentada pelo C... – cfr. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 – MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Não obstante a Recorrente referir, no corpo das alegações de recurso, que deveriam ser aditados dois factos ao probatório, certo é que nas conclusões nada menciona a esse respeito, pelo que não será apreciado o pretendido aditamento.

Lidas as conclusões das alegações de recurso verificamos que são as seguintes as questões que para a Recorrente determinam a ilegalidade da liquidação em causa:

· Nulidade por excesso de pronúncia;

· Erro de julgamento quanto à legalidade da Deliberação nº 2/AM/2005 e a que aprovou a TTORM;

· Erro de julgamento quanto ao acatamento do princípio da proporcionalidade na determinação do critério de liquidação da taxa de conservação de esgotos;

Vejamos, então.

Da nulidade por excesso de pronúncia

Começa a Recorrente por afirmar que a sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia por ter concluído pela equivalência do sinalagma tributário sem conhecer o fundamento económico-financeiro da taxa liquidada.

Não tem razão.

O excesso de pronúncia é uma das nulidades que pode ser imputada à sentença, de acordo com o disposto no artigo 125.º nº 1 do CPPT quando ocorre (…) pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

O artigo 615.º alínea d) do CPC, em obediência ao determinado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, preceitua que: “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Assim, verifica-se excesso de pronúncia quando o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve em pedido não formulado.
O excesso de pronúncia é corolário do princípio do dispositivo, nos termos do qual o juiz está impedido de se ocupar de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou imponha por conhecimento oficioso.

Em suma, da conjugação dos artigos 615.º alínea d) e nº 2 do 608.º, do CPC, ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal aprecia e decide uma questão, isto é, um problema concreto que não tenha sido suscitado pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o seu conhecimento oficioso.

Ora, volvendo ao caso dos autos, constata-se que, na p.i., a ora Recorrente invocou a questão da falta de proporcionalidade do tributo que lhe foi cobrado, pelo que não se verifica o invocado excesso de pronúncia, pelo que improcede este segmento do recurso.


Do erro de julgamento quanto à legalidade da Deliberação nº 2/AM/2005 e a que aprovou a TTORM

A Recorrente fundamenta o erro de julgamento na circunstância de os regulamentos ao abrigo dos quais foi efectuada a liquidação e cobrança da taxa de conservação de esgotos não apresentarem qualquer estudo ou relatório de fundamentação económica ou financeira que permita conhecer os custos efectivos ou reais suportados pela entidade administrativa na prestação do serviço, nem a bondade do critério de liquidação da taxa em causa.

Afirma que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 116º do CPA, nos termos do qual se exigia ao regulamento tributário a adequada fundamentação económica-financeira, o que não se verifica.

Recorde-se que, nos presentes autos, está em causa a liquidação da taxa de conservação de esgotos cobrada pelo Município de Lisboa relativamente ao ano de 2005.

Ora, estando em causa uma liquidação relativa ao ano de 2005, carece de razão toda a argumentação da Recorrente que tem por base as exigências decorrentes da aplicação da Lei nº 53ºE/2006 uma vez que não estava em vigor à data dos factos, não sendo, por essa razão, aplicável.

É que, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, àquele diploma, concretamente a alínea c) do nº2 do artigo 8º, não foi atribuída natureza interpretativa.

Afirma, por outro lado, a Recorrente que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 116º do CPA, por esta norma exigir ao regulamento tributário uma fundamentação económico-financeira.

Dispunha o artigo 116ºdo CPA, na redacção aplicável:

A sentença recorrida entendeu não ocorrer violação do referido artigo, nos seguintes termos:

“(…) tendo o tributo impugnado a natureza de taxa, as normas regulamentares ao abrigo das quais é feita a respetiva liquidação e cobrança (TTORM da CML, publicado no Boletim Municipal nº 595, de 14/07/2005 [Edital nº 55/2005, retificado e publicado no B. M. nº 598, de 04/08/2005]), encontra-se prevista em regulamento próprio com a enunciação dos fins a que se destina.

Quanto ao argumento da impugnante que considera que a TTORM da CML, não tem qualquer fundamentação tanto jurídica como administrativa que permita o controlo da legalidade do tributo liquidado, o mesmo é improcedente.

Com efeito, o Município de Lisboa no âmbito da Lei 159/99, de 14 de Setembro, detém atribuições que o capacitam na conservação e manutenção da rede de esgotos da autarquia, habilitando-o a cobrar a correspetiva taxa pela prestação desses serviços, nestes termos os art.s 13º; 16º e 19º do referido diploma legal.

Também não existe qualquer violação ao art. 112º, nº 7 do CPA, na medida em que a TTORM/2005 remete para as normas de liquidação e cobrança da Taxa de Conservação de Esgotos, aprovadas pela deliberação nº 2/AM/2005, publicadas no Boletim Municipal nº 570, de 20 janeiro de 2005.(…)”

Entendemos que a sentença recorrida decidiu com acerto.

Como ressalta da Deliberação nº2/AM/2005, constante do PAT, que aprovou as normas de liquidação e cobrança da Taxa de Conservação de Esgotos a vigorar no ano de 2005, no seu Anexo I consta a Nota Justificativa das Normas de Liquidação e Cobrança da Taxa de Conservação de Esgotos (artigo 116º do Código de Procedimento Administrativo).

Ora, sendo certo que, como refere a sentença, que a TTORM/2005 remete para as normas de liquidação e cobrança da Taxa de Conservação de Esgotos, aprovadas pela Deliberação nº2/AM/2005, publicadas no Boletim Municipal nº 570, de 20 de Janeiro de 2005, a qual , como vimos, deu cumprimento ao preceituado no artigo 116º do CPA.

Já no que à pretendida justificação económico-financeira dos quantitativos a cobrar, exigida pela alínea c) do nº1 do artigo 8º da Lei nº 53-E/2006, não tem razão a Recorrente, já que não se vislumbra no diploma em causa nenhuma referência à alegada natureza interpretativa, sendo que, nos termos do preceituado no artigo 18º do mesmo, a entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2007.

Acresce que o artigo 17º do diploma estabeleceu um regime transitório, nos seguintes moldes, que não tem aplicação ao caso:

Improcede, assim, este segmento do recurso.

Do erro de julgamento quanto ao acatamento do princípio da proporcionalidade na determinação do critério de liquidação da taxa de conservação de esgotos

Dissente a Recorrente do decidido no que diz respeito à invocada falta de proporcionalidade da taxa cobrada e o serviço prestado pelo Recorrido.

A sentença recorrida entendeu, relativamente a este aspecto, o seguinte:

“(…) No que respeita ao cálculo do montante do tributo ser baseado no valor patrimonial dos imóveis, importa sublinhar que se trata de uma forma de determinação desse montante que não é desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados ou utilizados por maior número de utentes.

Conclui-se, o tributo, ora impugnado, é uma taxa e, por isso, não se encontra violado o disposto nº 2 do art. 103º, al. i), nº 1 do art. 165º da CRP.(…)”

Entendemos que a sentença decidiu com acerto, de acordo com a jurisprudência abundante e constante dos tribunais superiores, de que é exemplo o Acórdão do STA, de 10/09/2019, proferido no âmbito do processo nº 1445/11.6BESNT, onde se escreveu o seguinte, posição que acompanhamos:

“(…) A questão sub judice tem sido objecto de jurisprudência consolidada desta secção do Supremo Tribunal Administrativo a qual vem decidindo, de forma unânime, que a tarifa de conservação de esgotos, por ter natureza sinalagmática, é de qualificar como uma verdadeira taxa, e não como um imposto – vide, neste sentido, Acórdãos de 29-3-1995, recurso n.º 18725, AP-DR de 31-7-97, página 942 de 11-3-1998, recurso n.º 20485, AP-DR de 8-11-2001, página 773, de 25-11-1998, recurso n.º 22593, AP-DR de 21-1-2002, página 3276, de 22-5-2002, recurso n.º 26472, AP-DR de 8-3-2004, página 1626, de 31-3-2004, recurso n.º 1921/03, de 28-9-2006, recurso n.º 605/06 de 15-11-2006, recurso n.º 566/0, de 22-11-2006, recurso n.º 803/06 e de 27.06.2007, recurso 236/07, os cinco últimos in www.dgsi.pt.
Tal questão foi igualmente apreciada pelo Tribunal Constitucional que, nos seus Acórdãos de 652/2005, de 2-11-2005, Diário da República, II Série, de 5-1-2006, 52/2006, de 17-1-2006, e 68/07, de 30.01.2007, doutrinou que a prestação devida às Câmaras Municipais pela conservação da rede de esgotos configura um tributo com a natureza de taxa vincando, em abono da qualificação jurídica desse tributo como, que não se pode considerar que o critério da determinação do montante do tributo, ou seja, o valor patrimonial do prédio, seja completamente alheio à utilidade que o particular retira dele, justamente por evitar a depreciação do valor desse mesmo prédio (Acórdão 68/07).
A questão levantada pela recorrente implica que se esclareça explicite o conceito de taxa na vertente do seu carácter bilateral e sinalagmático.
Nesse sentido, expende Nuno Sá Gomes in Manual de Direito Fiscal, vol. I, pag. 76, que «a única característica distintiva das taxas em face ao imposto não está na utilidade, nem na voluntariedade nem na solicitação dos serviços pelos particulares, mas apenas no carácter sinalagmático das primeiras em termos de equivalência jurídica mas não também económica da prestação devida. Por isso na taxa não basta existir uma contrapartida jurídica de carácter genérico, como sucede nas contribuições especiais, sendo necessário que seja satisfeita uma contraprestação individual exigível pelo devedor, como tem sido jurisprudência do STA».
A relação sinalagmática, como se salienta no Acórdão Tribunal Constitucional 365/03 «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser “superior (e, porventura, até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado»”.
O que não pode é ocorrer uma «desproporção intolerável» (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1140/96, in DR II Série, de 10/2/97)”, ou seja, “manifesta” e comprometedora, “de modo inequívoco, da correspectividade pressuposta na relação sinalagmática”, sendo certo que a sua aferição há-de tomar em conta, não apenas o valor da quantia a pagar, mas também a utilidade do serviço prestado».
Flui dessa linha de entendimento que é pela natureza da contraprestação da entidade pública que terá de ser aferida a correspectividade distintiva da taxa.
In casu, é indubitável que existe equivalência jurídica das contraprestações, pois são os proprietários dos prédios quem retira vantagem directa do facto dos seus prédios disporem de rede geral de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, independentemente do grau, maior ou menor de utilização que dêem ao prédio em causa.
Doutra banda, no que respeita ao cálculo do montante do tributo ser baseado no valor patrimonial dos imóveis, releva que se trata de uma forma de determinação desse montante que não se demonstra ser desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes – cf. neste sentido, o já referido Acórdão 605/06.
Igualmente o Tribunal Constitucional (Acórdão 60/07 de 30.01.2007 in
http://www.tribunalconstitucional.pt) enfatiza a respeito da correspectividade entre a taxa e o benefício da utilização do bem, que «influindo na determinação do valor patrimonial circunstâncias como o tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto maior for o seu valor patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por ele aduzida ao colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor valor patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá, presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em zona menos densamente povoada; e se maior é a sobrecarga, maior serão, consequentemente, os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo, com o reforço das infra-estruturas).».
Aderindo de pleno a essa jurisprudência, impõe-se a conclusão de que a tarifa de conservação de esgotos, por ter natureza sinalagmática, é de qualificar como uma verdadeira taxa, e não como um imposto.(…)

No ponto e na senda da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo fixada, além de outros, no Acórdão 236/07 de 27.06.2007, a determinação do montante do tributo com base no valor patrimonial dos imóveis não se mostra desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, pois tendencialmente os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes.
Com efeito, já antes se deslindava na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que “I - A tarifa de ligação de esgotos representa a contrapartida pelo bem utilizado da ligação do prédio a uma rede de esgotos instalada. II - A tarifa fixada em 0,7% do valor patrimonial do prédio a cuja ligação se refere não é constitucionalmente desproporcionada. IV - As tarifas apenas estão sujeitas ao princípio de legalidade administrativa e não também ao da legalidade tributária." (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido, em 4 de Fevereiro de 1998, no processo n.º 021513).
Estamos em presença do fornecimento de bens por parte dos municípios que visam satisfazer essencialmente necessidades privadas, mas porque, segundo a concepção política dominante na sociedade se entende que esses bens deverão ser propiciados segundo uma lógica independente da do mercado, "fundando-se em razões distintas, como a justa distribuição dos encargos públicos, ou em considerações de ordem política, como a de facilitar ou dificultar o acesso a certos bens ou serviços”, o legislador confere a possibilidade aos municípios de subtraírem a fixação das contraprestações pela utilização desses serviços ou bens à lógica ou às regras do mercado e submeterem-nas a critérios diferentes, fixando-as autoritariamente, se bem que, - e aqui apela-se a um elemento comum na formação do preço na lógica do mercado -, não “devam, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços”, de acordo com o comando normativo ínsito no nº 3 do artº 20º da Lei nº 42/98.
Como consagrou o Tribunal Constitucional nos seus acórdãos nºs 1139/96 (D.R., II Série, de 10/02/1997) e 76/88 (DR, II Série, de 21/04/1988), “uma tarifa, no campo das finanças locais, se não delineia como uma figura em absoluto nova, ou seja, como uma espécie de tertium genus entre taxa e imposto”, apresentando-se «de facto, e sob todos os aspectos», como uma simples taxa, embora taxa sui generis «cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços a que se encontra ligada”, sendo que a «tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, pelo que, nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais».
Também este Supremo Tribunal, quer anteriormente àquele acórdão do TC (v., entre muitos, os acórdãos de 15.06.2000 – Processo nº 024153 e de 09.10.1996- Processo nº 019322- Apêndice ao DR, de 28.12.1998, págs. 2759 e segs.), quer posteriormente (v., entre outros, os acórdãos de 22.05.2002 -Processo nº 026472 e de 31.03.2004- Processo nº 01921/03), repetiu o mesmo entendimento de que a tarifa não constitui um tertium genus entre o imposto e a taxa, não tendo verdadeira autonomia conceitual, caracterizando-se, afinal, por não dever ser inferior ao preço do serviço prestado.
Na Doutrina, o Professor Casalta Nabais, por referência ao conceito de tarifas, expendeu o seguinte (Cadernos de Justiça Administrativa, nº 6, 1997, págs. 48 e segs.):
“…no concernente às tarifas, é de referir que elas integram um conceito polissémico, relativamente ao qual é possível detectar, pelo menos, quatro sentidos, que podemos designar por sentido normativo, sentido financeiro, sentido tributário e sentido fiscal (ou melhor, aduaneiro).
…Em sentido financeiro, por seu turno, as tarifas significam, ou podem significar, duas coisas. Umas vezes, referem-se elas aos quadros donde constam, de um lado, as unidades de consumo e, de outro, os respectivos preços: se em tais quadros figura apenas uma unidade de consumo por cada quadro, temos tarifas unitárias; se neles figuram mais do que uma unidade de consumo, então temos tarifas múltiplas. Nesta versão, as tarifas constituem quadros de unidades de consumo dos serviços públicos e dos correspondentes preços, ou seja, tabelas ou listas de preços (s). A maioria das vezes, porém, as tarifas em sentido financeiro referem-se, não aos mencionados quadros, listas ou tabelas, mas aos preços dos serviços públicos prestados pelas administrações públicas ou pelos concessionários, sejam os mesmos preços públicos ou privados, ou seja, trate-se de tarifas públicas ou privadas.

Neste caso, as tarifas reconduzem-se aos preços dos serviços públicos, relativamente aos quais se põe o problema de saber qual o exacto âmbito dessa figura financeira, ou seja, se abarcam todos e quaisquer preços dos serviços públicos, sejam estes voluntariamente estabelecidos ou autoritariamente fixados, se dizem respeito apenas aos preços voluntariamente estabelecidos, ou se integram somente os preços autoritariamente fixados. Enquanto na primeira hipótese as tarifas constituem uma figura complexa, pois integram, de um lado, um especial tipo de taxas ou preços públicos e, de outro, os preços, na segunda temos unicamente preços, e, na terceira, deparamo-nos com uma figura tributária em sentido estrito, ou seja, com um tributo bilateral ou uma taxa.
E aqui temos as tarifas em sentido tributário, constituídas assim pelos preços dos serviços públicos autoritariamente fixados. Em nossa opinião, este devia ser o sentido reservado para as tarifas, um sentido que, como vamos ver, de algum modo está subjacente à Lei das Finanças Locais (arts. 11º e 12º). Neste último sentido as tarifas, como dissemos, constituem um especial tipo de taxas ou preços públicos. Um especial tipo de taxas que tem de específico o facto de não dizerem respeito a serviços públicos que sejam por essência da titularidade do Estado, uma vez que não correspondem às funções institucionais fundamentais próprias da Administração Pública nem visam, por conseguinte, a realização dos fins estaduais primários. Por isso, podem tais serviços ser objecto de oferta e procura e susceptíveis, assim, de uma avaliação em termos de mercado. Por outras palavras, trata-se de taxas equivalentes, de taxas cujo montante não deve, assim, ser inferior ao efectivo custo do correspondente serviço. Um sentido que, acentue-se, está patente no mencionado artº. 12º da Lei das Finanças Locais, ao dispor, no nº 1, que as tarifas respeitam às actividades de abastecimento de água, de recolha, tratamento e depósito de lixos, de ligação, conservação e tratamento de esgotos e de transportes urbanos colectivos de pessoas e de mercadorias, e ao estabelecer, no n° 2, o princípio de que os montantes das tarifas não devem ser inferiores aos respectivos encargos provisionais de exploração e de administração, acrescidos do montante necessário à reintegração do equipamento. Assim as tarifas equiparam-se, de algum modo, às redevances do direito francês, aos precios publicos do direito espanhol, etc".
Como enfatiza Sérgio Vasques - Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 208 e segs., ainda que as taxas sejam exigidas em virtude da prestação de bens ou serviços, dando corpo a uma relação de troca com os contribuintes, elas não deixam de possuir natureza coativa, característica de todos os tributos públicos.
E acrescenta o mesmo autor que dois critérios materiais relevantes para a distinção entre preços e taxas são o do regime económico em que é realizada a prestação administrativa e o da indispensabilidade que essa prestação administrativa reveste para o particular.
Assim, estaremos perante uma taxa (como no caso concreto) quando, por razões de direito ou de facto, não se encontrem no mercado prestações sucedâneas daquelas que a administração realize e o particular se veja por isso verdadeiramente coagido ao seu consumo (ou, por outras palavras, quando o aproveitamento da prestação administrativa se revela imprescindível para a sobrevivência condigna do particular, atentos os padrões sociais de cada momento e de cada lugar).
Como é manifesto, no caso em análise é inquestionável a indispensabilidade do serviço de abastecimento de água e saneamento básico, tanto mais que a própria Assembleia Geral da ONU reconheceu como direito fundamental do cidadão o abastecimento de água potável e o saneamento básico, enquanto realização do direito à saúde e a um nível de vida adequado.

Em face do que ficou dito concluímos então no sentido de que não ocorre a compressão do direito de propriedade nos termos configurados pela recorrente, até porque tal direito não é absoluto estando legitimada a sua limitação.

Com efeito e como se enfatizou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2006, proferido no recurso 803/06 (publicado em www.dgsi.pt.), a quantificação da dita tarifa, em “0,25% do valor patrimonial do prédio”, «não pretende expressar a capacidade contributiva do proprietário mas apenas estabelecer um critério de remuneração que traduza monetariamente o serviço prestado. (…) «O legislador, no uso da sua ampla liberdade de conformação legislativa, e dentro dos parâmetros constitucionais, entendeu que a utilização (ou a possibilidade de utilização) da rede de esgotos devia ser “tarifada”, em vista do respectivo dever de conservação, por um quantitativo pecuniário correspondente àqueles 0,25%. Como poderia ter utilizado qualquer outro critério que não ferisse o princípio da proporcionalidade».
Trata-se, é certo, de um critério discutível, e bem poderia ter sido utilizado outro, v.g. indexação aos consumos de água de abastecimento público, porventura menos controverso.
Mas o certo é que não é a capacidade contributiva do proprietário que é taxada mas sim o serviço prestado pela Administração.

Outrossim, a determinação do montante do tributo com base no valor patrimonial dos imóveis, não se mostra arbitrária, desrazoável, ou desajustada para repartir os encargos da conservação da rede de esgotos pela generalidade dos munícipes, antes contempla uma correcta ponderação de interesses relevantes, pois tendencialmente, e por regra, os valores patrimoniais mais elevados corresponderão a imóveis de maior dimensão, habitados por maior número de utentes.

Quanto à proporcionalidade da Tarifa de Ligação de Esgotos, alega a Recorrente que “O imóvel sobre o qual incide é um centro comercial, no qual a intensidade da utilização de saneamento não é, de todo, coincidente ou proporcional à dimensão do imóvel. Ao utilizar-se o valor patrimonial como base de incidência, está a tratar-se um centro comercial, para efeitos de ligação de esgotos, como se fosse um prédio de habitação ou um imóvel afecto a uma indústria (cimenteira têxtil, etc.), em que a utilização do saneamento é bastante mais intensa” (cfr. pág. 12/36 das alegações de recurso).

Como bem nota a entidade recorrida, é certo que a comparação entre a intensidade de utilização de saneamento entre um prédio de habitação e um centro comercial não é comparável, mas em desfavor deste último uma vez que, contrariamente ao sucede num prédio que, no máximo, será utilizado por centenas de pessoas, o centro comercial é utilizado diariamente por milhares de pessoas, entre funcionários, clientes, fornecedores, entre outros. Conclui-se, pois, que evidentemente a intensidade de utilização do saneamento em centros comerciais — no caso concreto com cinco pisos de estacionamento e armazenamento -, como sucede no caso vertente, é muito superior a uma edificação habitacional e comparável a uma instalação industrial de grandes dimensões. Esta é aliás uma evidência que é esclarecida pela douta Sentença recorrida que sublinha, ao pronunciar-se sobre a proporcionalidade da Tarifa de Ligação de Esgotos, que “E quanto ao desrespeito do princípio da proporcionalidade, importa afastar, no caso, também a existência de um desproporção intolerável, visto que no caso que nos ocupa, em concreto, o prédio é utilizado como Superfície Comercial e visitado por milhares de pessoas, todas as semanas, o que é fácil depreender dos cinco pisos, destinados de estacionamento e armazenamento, pelo que não se oferece aquela taxa como de montante intolerável, visto que, como refere o relator do acórdão, também aqui o elevado VPT corresponde a um maior nível de ocupação, com sobrecarga para o sistema público de esgotos." (cfr. págs. 18 e 19 da Sentença recorrida).(…)”

Acolhemos na íntegra o assim decidido, improcedendo a linha argumentativa da Recorrente.

Do erro de julgamento quanto à sobreposição de tributos

A Recorrente não concorda com a solução acolhida pela sentença quanto à invocada sobreposição de tributos por entender que errou na interpretação e aplicação dos art.º 4.º e art.º 22 do DL 207/94 ao decidir que a taxa de conservação de esgotos não se sobrepõe a outros tributos, sendo hoje reconhecido que tem exatamente a mesma incidência objetiva da componente fixa da tarifa de saneamento que o Município de Lisboa também liquidou à impugnante nos termos do art.º 52.º, n.º 52.1.2 a) da TTORM.

Em abono da tese por si defendida afirma que a Assembleia Municipal de Lisboa por Deliberação n.º 345/AML/2014, publicada no Boletim Municipal n.º 1088, 2.º suplemento, determinou o “fim da Taxa de Conservação de Esgotos” por ser “imperativa a conformação da prática do município de Lisboa nos domínios das Águas Residuais e dos Resíduos Urbanos com as orientações regulamentares e legislativas aplicáveis às tarifas”.

E que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e de apreciação da norma ínsita no art.º 22.º do DL n.º 207/94, e das normas que atribuem competências tributárias aos municípios (art.º 13.º da Lei 159/99; os art.º 4.º/1, 16.º, d), 19.º, l) e 20.º da Lei 42/98) pois tais competências são exercidas nos termos da lei e dentro dos seus limites e manifestamente a criação de uma taxa de conservação de esgotos sobre a mesma área de serviço da componente fixa da taxa de saneamento exorbitou os limites legais.

A sentença recorrida entendeu que:

“(…) Note-se, ainda, que tal taxa não se sobrepõe a outros tributos que constituem receita municipal, designadamente, a tarifa de saneamento ou a taxa de realização de infraestruturas urbanísticas (TRIU), porque os factos tributários em que se fundam são distintos.

Com efeito, a tarifa de saneamento é a contrapartida pelo serviço de recolha, depósito e tratamento de lixos e pelo serviço de drenagem de águas sujas e pluviais, serviço prestado a todos os consumidores de água, cujas habitações e estabelecimentos sejam servidos pelo sistema de drenagem de águas residuais (cfr. Edital nº 53/88, de 25/05, retificado pelo Edital nº 55/88, com redação conferida pela Deliberação nº 11/AM/96, publicada no B.M. de 5 Março).

Quanto à TRIU, tem a sua origem no Regulamento TRIU, publicado no DR nº 186, II série de 13 de Agosto de 2003, Edital nº 122/95, de 5 Dezembro, a qual tem inerente o redimensionamento das infra-estruturas, necessidade de ampliação, adaptação ou reconversão das mesmas, enquanto na taxa de conservação de esgotos o facto determinante da tributação é a ligação à rede municipal de drenagem de águas residuais da qual resulta para a autarquia a obrigação de manutenção, conservação e propiciar as boas condições de funcionamento e utilização do sistema.(…)”

Vejamos.

Comecemos por apreciar a invocada violação do preceituado nos artigos 4º e 22º do Decreto-Lei nº 207/94, de 15 de Julho.

Nos termos do que consta do respectivo preâmbulo, o mencionado diploma legal, veio actualizar a legislação, quer em matéria de distribuição de água, quer em matéria de drenagem de águas residuais, disciplinando e orientando as actividades de concepção, projecto, construção e exploração dos sistemas públicos e prediais.

Preceituava o seu artigo 4º, sob a epígrafe “Entidade gestora”, concretamente a alínea c) do nº3 que competia àquela, entre outras, promover o estabelecimento e manter em bom estado de funcionamento e conservação os sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem e desembaraço final de águas residuais e de lamas.

Por seu turno, o artigo 22º do mesmo diploma, igualmente invocado pela Recorrente, determinava, quanto à facturação, que as facturas emitidas pela entidade gestora podem ser mensais e discriminar os serviços eventualmente prestados, as correspondentes tarifas e os volumes de água e de águas residuais que dão origem às verbas debitadas e os encargos de disponibilidade e de utilização.

São estas as normas que a Recorrente afirma terem sido violadas pela sentença recorrida.

Sucede, porém, que a argumentação da Recorrente tem como sustentação a invocação de normativos que não estavam em vigor ao tempo da liquidação sub judice, já que nada em concreto vem alegado relativamente às normas supra transcritas, antes se socorrendo do conteúdo de diplomas não existentes à data dos factos, de que é exemplo o Decreto-Lei nº 194/2009.

Ou seja, pretende a Recorrente que a sentença recorrida tivesse tido em consideração legislação e regulamentação inexistente à data da liquidação aqui impugnada, que não é aplicável.

E não se pode considerar argumento capaz de abalar o decidido a circunstância de, no ano de 2014, a CML, alegadamente, ter deliberado no sentido do fim da taxa de conservação dos esgotos, já que o enquadramento legal em 2014 nada tem que ver com o existente no ano de 2005.

Assim sendo, entendemos que a sentença recorrida decidiu com acerto, apoiada na jurisprudência consonante sobre a matéria, pelo que será de negar provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Março de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)