Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6514/13.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:REVISÃO MATÉRIA COLECTÁVEL
ACORDO DOS PERITOS
INIMPUGNABILIDADE
Sumário:I. A 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 86.º da LGT repete a regra de que na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, porém, quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, essa possibilidade de invocar qualquer ilegalidade sofre uma limitação, pois, não há a possibilidade de invocar ilegalidades quanto a matérias que foram objecto de revisão relativas à fixação por acordo da matéria colectável determinada por métodos indirectos.
II. As ilegalidades que podem ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação com origem em acordo obtido na comissão de revisão são, designadamente, a ilegalidade do procedimento, o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte, a violação de competências legais, a falta de fundamentação formal dos actos de liquidação ou outros elementos da liquidação (v.g. taxa, deduções, etc.), não abrangidos na preclusão supra referida, por força do estatuídos nos artigos 86. ° n. °4 e 92. ° n.º 3 da LGT.
III. Acolhendo a jurisprudência do STA, temos por indemonstrada a violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, visto que o entendimento supra explanado é o que decorre da formulação legislativa e dos princípios supra referidos, que não violam qualquer princípio constitucional, não se descortinando, igualmente, que da inimpugnabilidade em apreço, atento o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, resulte qualquer injustiça e iniquidade tributáveis graves e irresolúveis.
IV. Ora, não tendo a Impugnante alegado que o seu perito agiu fora dos seus poderes de representação na petição inicial, tal matéria é, neste recurso, apresentada como uma questão nova.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. C..., LDA. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 22/10/2012, que julgou verificada a excepção da inimpugnabilidade das liquidações adicionais de IRC n.ºs 8... e 83... relativas aos exercícios de 1998 e 1999, respectivamente nos valores de € 85.497,68 e € 39.787,33, na impugnação judicial por si deduzida contra aquelas liquidações.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, e na sequência de convite para apresentar a sua alegação na qual conclua de forma sintética, formulou as seguintes conclusões:

«1.ª O presente recurso é deduzido contra a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente com referência às liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) relativas aos exercícios de 1998 e de 1999, com fundamento na exceção de inimpugnabilidade daquelas liquidações, em virtude de (i) ter sido obtido acordo no procedimento de revisão da matéria coletável quanto à fixação da mesma e de o mesmo ser vinculativo para o sujeito passivo e de (ii) a Recorrente alegadamente não ter invocado, nem provado, que houve excesso de representação por parte do perito designado para intervenção no aludido procedimento;

2.ª No que concerne ao fundamento mencionado em (i) da conclusão 1.ª supra, não assiste razão ao Tribunal recorrido, já que o acordo alcançado na comissão de revisão não obsta à dedução de impugnação judicial com fundamento na inexistência de pressupostos que legitimam o recurso à aplicação de métodos indiretos;

3.ª Com efeito, como decorre do artigo 86.º, n. º 4, da LGT, aquele acordo circunscreve-se apenas à ilegalidade da matéria tributável determinada através de métodos indiretos, ficando de fora, pois, a ilegalidade decorrente da inexistência de pressupostos que determinam a aplicação dos métodos indiretos;

4.ª Deste modo, sendo evidente que a intenção do legislador é inviabilizar a possibilidade de se renovar, em sede judicial, a discussão de aspetos quantitativos, como, aliás, já foi propugnado pela administração tributária no parecer emitido pelo Centro de Estudos e Apoio às Políticas Tributárias em 04.07.2001, assim como pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo n.º 550/12, de 24.10.2012, é inequívoca a impugnabilidade da liquidação nos casos em que, embora resulte de acordo obtido no âmbito do procedimento de revisão, o que está em causa é a inexistência de pressupostos que determinaram a aplicação de métodos indiretos;

5.ª Efetivamente, a interpretação do disposto no artigo 86.º, n.º 4, da LGT, no sentido de que o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria coletável abrange a verificação dos pressupostos que legitimam a aplicação de métodos indiretos, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;

6.ª Acresce ainda que, face ao disposto no artigo 20.º da CRP e nos artigos 95.º e 96.º da LGT, a limitação ao direito de impugnar só pode resultar de renúncia do próprio contribuinte lesado nos casos em que a lei expressamente o preveja e mediante instrumento ou declaração formal, pelo que, não constando nem da ata da primeira reunião, nem da segunda reunião para apreciação do pedido de revisão, a expressa menção por parte da Recorrente de que renunciava ao seu legítimo direito de impugnar a liquidação que posteriormente viesse a ser emitida, é evidente que não houve qualquer renúncia por parte da Recorrente;

7.ª Improcede, assim, o decidido neste segmento da sentença recorrida;

8.ª Sem prejuízo do acima exposto, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, também não assiste razão ao Tribunal recorrido quanto ao fundamento mencionado em (ii) da conclusão 1.ª supra;

9.ª Isto porque, numa situação em que, com o no caso sub judice, a atuação do perito do sujeito passivo seguiu num sentido divergente ao que vinha consignado no pedido de revisão da matéria coletável efetuado pelo contribuinte (cf. documentação junta aos autos), é por demais evidente que o mesmo agiu fora dos seus poderes de representação, como resulta, desde logo, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 30.11.2004, proferido no âmbito do processo n.º 232/04 e do acórdão do TCAS datado de 16.10.2012, proferido no processo n .º 05090/11;

10.ª Com efeito, e conforme se alude nos referidos acórdãos, apenas quando a administração tributária demonstre, em cumprimento do disposto do artigo 74.º da LGT, que o representante agiu dentro dos seus poderes de representação, é que o contribuinte se considera vinculado pelo acordo obtido, pelo que, na falta dessa demonstração e havendo evidente divergência entre o que consta do pedido de revisão da matéria coletável e o que resulta das atas de reunião, o contribuinte não se considera vinculado pelo acordo obtido por aquele representante;

11.ª Qualquer interpretação do artigo 86.º, n.º 4, da LGT que pugne pela vinculatividade do acordo obtido na comissão de revisão da matéria coletável quando o mesmo tenha sido alcançado com base em formulações distintas daquelas que foram defendidas no pedido de revisão da matéria coletável é, está a Recorrente em crer, manifestamente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;

12.ª Razão pela qual, atento todo o acima exposto, improcede também o decidido neste segmento da sentença recorrida;

13.ª Por último, refira-se que a inimpugnabilidade da liquidação em apreço com os fundamentos invocados pela administração tributária, a ser admitida, o que só a beneficio de raciocínio se concede, não deixaria de encerrar em si uma questão de injustiça e iniquidade tributárias graves e irresolúveis, já que estar-se-ia a admitir que numa situação manifestamente excecional, como é o caso da tributação por métodos indiretos se, porventura, existisse acordo entre a administração tributária e o contribuinte quanto à fixação da matéria tributável, a qual, por mais próxima que seja da real, nunca o é, pois será sempre presumida, a mesma consolidar-se-ia de imediato tornando-se imodificável, quer por parle da administração tributária, quer por parte do contribuinte, o que deve ter-se por inadmissível

14.ª Resulta assim evidente, também com este fundamento, que deve determinar-se a revogação da sentença recorrida;

15.ª Sendo o presente recurso julgado procedente, e considerando esse Ilustre Tribunal que, para além da revogação da sentença recorrida, nada obsta à apreciação das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, já que a matéria de facto dada como provada na mesma é manifestamente insuficiente para a prolação de decisão sobre as questões que ficaram prejudicadas aquando da solução dada ao litígio pelo Tribunal a quo, quais sejam: a existência de erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos e de erro na quantificação da matéria coletável;

16.ª Assim, impõe-se a esse Ilustre Tribunal, por força do disposto nos artigos 712.º, n.º 4 e 715.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por via do artigo 749.º daquele Código (cf. artigo 281.º do CPPT), que ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição, uma vez que o pedido e a causa de pedir formulados pela ora Recorrente impunham o conhecimento de matéria de facto para além da fixada no probatório da sentença proferida, caso esse Ilustre Tribunal não disponha dos elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto;

17.ª Admitindo que esse Ilustre Tribunal entende, ao invés, que do processo constam todos os elementos necessários à prolação de nova decisão sobre a matéria de facto, como preveem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC, aplicável ex vi artigo 749.º do CPC, ainda assim a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é manifestamente insuficiente, devendo ser ampliada;

18.ª Efetivamente, para além dos factos dados como provados na sentença recorrida, deverão ser dados como provados com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos os factos constantes das alíneas a) a g) e respetivas subalíneas da parte iii) das alegações de recurso, dos quais se enunciam, designadamente, os seguintes:

a. A administração tributária suportou a decisão de fixação da matéria coletável dos exercícios de 1998 e de 1999 (i) na impossibilidade de com provação de que os tratamentos efetuados pela Recorrente foram faturados ou na falta de discriminação no valor faturado da parte correspondente a consulta e da parte referente a tratamento, bem como (ii) na falta de credibilidade dos inventários e, consequentemente, da presunção das vendas dos respetivos produtos, o que, no seu entendimento, determina a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação das matérias coletáveis do IRC daqueles exercícios (cf. docs. n.ºs 3 e 4 da p.i.);

b. Já em sede de apreciação do pedido de revisão da matéria coletável fixada por métodos indiretos formulado pela Recorrente (cf. doc. n.º 5 da p.i.), foi realizada uma ação de inspeção, limitada à consulta, recolha e cruzamento de elementos, nos termos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 46.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), na qual se concluiu que os elementos adicionalmente recolhidos (não mencionados na fundamentação vertida no relatório final de inspeção tributária) não só não permitem esclarecer a questão fundamental que levou à aplicação de métodos indiretos, como, ainda, alicerçam mais os fundamentos já invocados na ação inspetiva (cf. doc. n.º 4 da p.i .), os quais consistiam nos seguintes:

i. A impossibilidade de, através da contabilidade, se comprovar que a faturação emitida, ainda que sob o descritivo de "consulta médica" possa incluir o preço do tratamento;

ii. A falta de informação, quer pela contabilidade, quer por informações prestadas pelo sujeito passivo, relativamente à percentagem, ainda que aproximada, correspondente às consultas médicas e aos tratamentos administrados;

iii. A falta de credibilidade oferecida pelos inventários, a qual decorre quer do confronto do de 1998 com o de 1997, quer de supostas irregularidades detetadas na referida ação de consulta, recolha e cruzamento de elementos, relativamente aos produtos D..., A…, S… e P… e a omissão de faturação de "tratamentos de implante capilar";

c. Da inquirição de testemunhas realizada nos presentes autos resultaram como provados, conforme meios probatórios melhor indicados nas alegações de recurso, designadamente os seguintes factos,:

i. Os produtos e materiais adquiridos pela Recorrente e registados contabilisticamente na conta 31 ("Compras") são efetivamente consumidos na realização dos tratamentos por si efetuados, ainda que os mesmos sejam globalmente faturados apenas sob o descritivo de "consulta médica", e as quantidades de produto administradas aos clientes são registadas nas fichas clínicas de cada cliente pelo médico responsável pelo tratamento;

ii. Para suportar a alegada falta de credibilidade dos inventários a administração tributária socorre-se, no que concerne ao exercício de 1997, de documento que não constitui um inventário e, no que concerne ao exercício de 1998, de inventário incompleto o qual não permite que se alcancem as conclusões (através do confronto com o inventário de 1997) que dele extraem;

iii. A Recorrente emitia recibos de diversos valores, como sejam os de € 59,86, € 74,82, € 99,76, € 124,70, € 249,40 e 349,16, consoante a consulta e o tratamento em causa, e nunca apenas no valor de 49,88;

iv. O produto D... só começou a ser adquirido pela Recorrente no decurso do ano de 1999, pelo que a inexistência de elementos relativos a 1998 só se pode dever a uma decorrência lógica e não a uma irregularidade;

v. O produto A... teve um período de utilização muito reduzido em virtude de, imediatamente após o seu início ter sido imediatamente abandonada a sua aplicação;

vi. A utilização do S... implante circunscreveu-se a um teste para efeitos de demonstração e formação médica;

vii. Em qualquer circunstância não ocorreu qualquer venda de qualquer das unidades não utilizadas daqueles produtos;

viii. As unidades de P... não divergem das inventariadas, sendo que, ao contrário do que refere a administração tributária, o número de unidades constante do inventário de 31.12.1997 não é igual ao que consta do inventário a 31.12.1998;

ix. A inexistência de registo no inventário a 31.12.1999 do P... deve-se, apenas, à circunstância de nenhum ter sido adquirido no exercício de 1999 e de, nesse mesmo exercício, terem sido utilizadas as 180 embalagens sobrantes de 1998;

x. A Xylocaina s/a 1%, o GND 300 Ul/m, o Bepanthene, as Polivitaminas, a Biotina e o Plasmacell II, são substâncias utilizadas nos tratamentos capilares, sendo que as cirurgias de implantes capilares só começaram a ser realizadas em Novembro de 1999;

19.ª Em face do supra exposto, alenta a manifesta relevância dos factos indicados nas alíneas a) a g) e respetivas subalíneas da parte iii) das alegações de recurso para a boa decisão da causa, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos 1 ) a 8) do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que devem ser igualmente dados com o provados aqueles factos, bem como impugnar a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente com o não provados os factos acima indicados;

20.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente integralmente procedente;

21.ª Com efeito, tendo presente a factualidade acima indicada, resulta evidente a existência de erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, devendo os atos tributários impugnados ser anulados;

22.ª Efetivamente, e no que concerne à invocada impossibilidade de comprovação da faturação dos tratamentos ou da falta de distinção no valor da consulta da parte correspondente a esse tratamento, a Recorrente demonstrou, designadamente através da inquirição das testemunhas arroladas na impugnação judicial, que tal alegada circunstância não pode suportar o recurso a métodos indiretos, uma vez que os produtos contabilizados na conta 31 ("Compras") são efetivamente consumidos na realização das consultas médicas - como são habitual mente designadas as sessões de "mesoterapia ", tratamento em que a Recorrente é pioneira -, e as quantidades das substâncias ministradas eram perfeitamente controláveis, porquanto se encontravam registadas nas fichas clínicas dos clientes e, portanto, prescritas pelo médico responsável pelos tratamentos;

23.ª Demonstrou também a Recorrente, através da inquirição das aludidas testemunhas, que a circunstância de não ter procedido à apresentação das fichas clínicas dos seus clientes, quando instada para tanto no decurso do procedimento de inspeção tributária, não é igualmente fundamento para suportar o recurso a métodos indiretos, já que as referidas "fichas" não constituem quaisquer documentos de organização contabilística aos quais possa ser associada uma consequência de ordem fiscal e porquanto tal recusa decorre de regras legais - sigilo médico - que se sobrepõem à sua própria vontade, uma vez que nunca poderia ter facultado os referidos elementos sem as necessárias autorizações quer do corpo clínico, quer dos pacientes;

24.ª Atento todo o acima exposto, presumir, como fez a administração tributária, em condições de plena legalidade e regularidade da escrita, a existência de operações dissimuladas ou de condutas fraudulentas, com base na mera (e suposta) impossibilidade de comprovar a indispensabilidade de determinados encargos para a formação do lucro tributável, sem a demonstração de qualquer indício fundado das referidas operações, constitui , em suma, para além de um procedimento manifestamente ilegal e atentatório dos princípios da determinação da matéria colectável já expostos, uma conduta grave atendendo aos valores jurídicos e extra-jurídicos cm causa;

25.ª Tal conclusão também não é afetada, como se evidenciou, pela circunstância de se verificar uma alegada saída de stock de matérias-primas não refletidas nos recibos relativos aos tratamentos realizados pela Recorrente, já que, sendo o sistema de inventariação das matérias-primas adotado pela Recorrente o que lhe era imposto pelo Plano Oficial de Contabilidade, qualquer falta de informação contabilística é imputável à própria lei e porquanto, mesmo que assim não fosse, tal constatação constituiria, quanto muito, motivo para efetuar correções técnicas à matéria coletável da Recorrente, mas nunca para determinar a aplicação de métodos indiretos;

26.ª Deste modo, entende a Recorrente que se encontra plenamente evidenciada a impossibilidade do recurso à aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria coletável dos exercícios de 1998 e 1999, razão pela qual as liquidações adicionais subjudice não podem deixar de ser anuladas, por ilegalidade;

27.ª Também no que concerne à a legada falta de credibilidade dos inventários apresentados não assiste razão à administração tributária;

28.ª Com efeito, a Recorrente demonstrou, através da inquirição das testemunhas arroladas na impugnação judicial e tendo por base a documentação junta aos autos, que a administração tributária considerou como inventário a 31.12.1997 um documento que não correspondia a uma versão acabada do mesmo e, no que concerne ao exercício de 1998, socorre-se de inventário incompleto que não permite que se alcancem as conclusões (através do confronto com o inventário de 1997) que os serviços dele extraem;

29.ª Já no que concerne à invocação de que a Recorrente só emiti a recibos pelo valor de € 49,88 (Pte. 10.000$00), a que corresponderiam consultas de igual valor, também tal não corresponde à verdade, já que, conforme se alcança da documentação que se encontra junta aos autos e se atestou através da inquirição de testemunhas, a Recorrente emitia recibos de vários valores, consoante a consulta e o tratamento em causa;

30.ª Em face do exposto, resulta desde já evidente que não corresponde à verdade, nem a invocação de falta de credibilidade do inventário, nem que o valor das consultas e tratamentos efetuados pela Recorrente fosse sempre, em qualquer circunstância, de € 49,88 (Pte.10.000$00);

31.ª Também no que respeita às alegadas irregularidades específicas detetadas na ação de consulta, recolha e cruzamento de elementos no decurso do procedimento de revisão da matéria coletável, as mesmas não podem sustentar a aplicação de métodos indiretos, (i) quer por estas alegadas irregularidades não terem constituído fundamento para a decisão de determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos e, como tal, não serem suscetíveis de ser relevadas no referido procedimento de revisão da matéria tributável, (ii) quer por não compelir à comissão de revisão constituída para a revisão da matéria tributável a tomada de uma nova decisão sobre a aplicação de métodos indiretos, mas, apenas, a apreciação dos pressupostos de que depende o recurso a estes e, no limite, a obtenção de acordo quanto ao valor da matéria tribulável a considerar para efeitos da liquidação, (iii) quer, por fim, por aquelas alegadas irregularidades não constituírem, em concreto, quaisquer fundamentos para o recurso a métodos indiretos;

32.ª Mas ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sem conceder, resulta evidente que também os "novos" fundamentos invocados pela administração tributária são manifestamente improcedentes, como ficou demonstrado nos presentes autos;

33.ª Desde logo, e no que concerne ao produto D..., não tendo sido adquirido aquele produto no exercício de 1998, nem em exercícios anteriores, a inexistência de registo de qualquer unidade no inventário daquele exercício é uma consequência lógica e não uma irregularidade pelo que insuscetível de fundamentar qualquer correção à matéria coletável e, muito menos, a sua determinação mediante a aplicação de métodos indiretos;

34.ª Já no que se refere ao exercício de 1999, demonstrou a Recorrente que as 51 embalagens de D... a que a técnica de fiscalização se refere são, na verdade, 53 e começaram a ser adquiridas e utilizadas em tratamentos anti-rugas a parti r de 29 de Abril de 1999 (cf. docs. n.º 9 e n.º 1 O ela p.i .), restando em stock no final do exercício (cf. doc. n.º 3 da p.i.) 5 unidades das iniciais 53, pelo que também quanto a este exercício nenhuma irregularidade foi praticada;

35.ª Também no que respeita aos produtos A... e S... implante foi demonstrado que o valor das consultas e dos tratamentos era bastante variável, não se circunscrevendo ao valor redutor de € 49,88 (Pte. 10.000$00) e que a utilização de ambos os produtos foi rapidamente abandonada pela Recorrente;

36.ª De facto, e como se atestou na inquirição de testemunhas, no que concerne ao A..., aquele abandono verificou-se imediatamente após um período reduzido de utilização, pelo que as quantidades adquiridas e consumidas não são significativas e, no que respeita ao S..., a utilização do mesmo circunscreveu-se ao teste realizado com um voluntário para demonstração e formação médica que, em face do resultado negativo dos mesmos, não chegou a ser utilizado em tratamentos;

37.ª Em face de todo o exposto, não corresponde à verdade o fundamento invocado pela administração tributária, pelo que o mesmo não pode ser relevado para efeitos da aplicação de métodos indiretos;

38.ª No que concerne ao P..., não existe qualquer coincidência entre as quantidades do produto em 31.12. 1997 e em 31.12. 1998 (cf. docs. n.ºs 6 e 7 da p.i.) e, conforme se demonstrou em sede de inquirição de testemunhas, a utilização do produto em apreço ocorreu sempre nos tratamentos ministrados pela Recorrente aos seus clientes e foi incorporado no valor do tratamento constante dos recibos respeitantes às mencionadas 23.910 consultas;

39.ª Foi igualmente evidenciado em sede de inquirição de testemunhas a impossibilidade de venda do produto fora do tratamento ministrado pela Recorrente, bem como a exclusividade de aplicação dos produtos ministrados pela própria Recorrente e, a inda, que as quantidades ministradas por tratamento de mesoterapia dependem inevitavelmente da área em que o tratamento é aplicado, donde decorre, pois, que cada tratamento não poderia deixar de ter em consideração quer o tipo de material utilizado, quer as substâncias e produtos utilizados no âmbito do mesmo;

40.ª Já no que concerne ao exercício de 1999, foi evidenciado que o consumo/utilização do P... neste exercício se circunscreveu às 180 embalagens que transitaram de 1998, conclusão que se extrai em face da ausência daquele produto no inventário em 31.12.1999 e do facto de a última aquisição do mesmo por parte da Recorrente ter sido em 27 de Agosto de 1998 (cf. doc. n.º 15 da p.i.);

41.ª Pelo que, alento lodo o acima exposto, a invocação daquela irregularidade não pode proceder, nem, muito menos, constituir fundamento para o recurso a métodos indiretos;

42.ª No que respeita a alegadas omissões de faturação de implantes capilares, demonstrou-se que os produtos Xylocaina s/a a 1% -1 GND 300 UI/m, Bepanthene, Polivitaminas, Biotina e Plasmacell II (cf. doc. n.º 16 da p.i.) são utilizados em "tratamentos capilares", os quais a Recorrente já efetuava mesmo antes de 1998;

43.ª Efetivamente, foi comprovada, através da documentação junta aos autos e da inquirição de testemunhas, a diferença entre o "tratamento capilar", que consiste na aplicação de microinjeções (mesoterapia) no couro cabeludo de uma mistura de nutrientes medicinais, tendo em vista a supressão de carências vitamínicas e minerais, e o "implante capilar'', que consiste numa técnica cirúrgica que consiste no implante de cabelo do próprio paciente, tendo em vista a obtenção de micro-tufos de um cabelo para a zona frontal e de 2 a 3 cabelos para a zona posterior (cf. doc. n .º 17 da p.i .), bem como ao nível dos próprios preços praticados (cf. docs n .º 18 e 19 da p.i.);

44.ª Assim, constatadas as diferenças entre estas duas realidades, não se descortina qualquer fundamento no que vem invocado pela administração tributária, no que se refere à alegada utilização de composição dos produtos usados em implantes capilares desde 02.01.1998;

45.ª Em suma, cumpre pois concluir que, ao corrigir pelo recurso a métodos indiretos o resultado fiscal apresentado pela Recorrente com referência aos exercícios de 1998 e 1999, sem provar a existência de erros, omissões ou inexatidões na contabilidade da mesma que impossibilitem a comprovação e quantificação direta da matéria coletável apresentada pela Recorrente, incorre a administração tributária em manifesta violação do disposto nos artigos 75.º, 85.º e 87.º da LGT, devendo, consequentemente, anular-se as correções efetuadas com aquele fundamento e, em consequência, as liquidações sub judice;

46.ª Ainda que se admitisse estarem reunidos, no caso vertente, os pressupostos de aplicação de métodos indiretos para a determinação da matéria coletável dos exercícios em questão, o que só por mera cautela se admite, sem conceder quanto ao exposto, resulta inequivocamente provado nos presentes autos que os critérios utilizados pelos serviços de inspeção tributária com vista àquela quantificação não só se encontram desfasados da realidade que visam reconstruir, como se encontram longe de satisfazer os princípios enformadores do procedimento, nomeadamente os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real, previstos no artigo 104.º da CRP;

47.ª Efetivamente, cabendo à Recorrente o ónus da prova do excesso na matéria coletável quantificada com recurso a métodos indiretos, como preceitua o n.º 3 do artigo 74.º da LGT, é inegável que esta invocou e demonstrou que os critérios adotados pelos serviços de inspeção tributária, bem como os resultados atingidos por força dos mesmos, encontram-se longe de satisfazer os referidos princípios enformadores do procedimento, quer por força da infiabilidade do critério utilizado pelos serviços de inspeção tributária, quer por força do desprezo das particularidades da atividade desenvolvida pela Recorrente e dos ratios objetivos disponíveis para o efeito, que deveriam ser atendidos nos termos da lei;

48.ª Com efeito, caso a Recorrente houvesse efetivamente faturado os serviços cujos proveitos lhe são imputados, com a mesma estrutura de custos, e com a margem aplicada pelos serviços da administração tributária, teria atingido níveis de rentabilidade operacional (resultados líquidos sobre vendas) na ordem dos 19,7 % e 14,6% para os anos de 1998 e 1999, quando a média deste ratio para o sector de atividade em questão (CAE 85120), de acordo com o print anexo ao relatório de inspeção, se cifrou em, apenas, 7,67%;

49.ª O mesmo se diria do critério de correção escolhido pela administração tributária, quando por força da sua aplicação, os ratios de rentabilidade fiscal (lucro tributável/Volume de negócios x 100) da Recorrente passariam a atingir valores próximos dos 17,76% e 12,35%, designadamente, para os exercícios de 1998 e 1999, quando o valor estatístico de referência dos ratios de rentabilidade obtidos pela própria Direcção-Geral dos Impostos a nível nacional, relativamente aos exercícios de 1994, 1995 e 1996, para efeitos de seleção dos sujeitos passivos a fiscalizar no ano de 1999 (e divulgados através de Ofício de 23 de Dezembro de 1998 daquela Direcção-Geral), se cifrou, no sector de atividade em questão (CAE 85120), em 8,19%;

50.ª Em suma, é inegável que a Recorrente carreou para os autos factos certos e concludentes suscetíveis de pôr em dúvida fundada os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela administração tributária para a quantificação do facto tributário, factos esses que ficaram inequivocamente provados com a documentação ora junta na p.i., a qual reforça o entendimento de que os critérios de quantificação utilizados conduzem a excesso nessa quantificação;

51.ª Ao desconsiderar, sem mais, os custos legitimamente reconhecidos pela Recorrente no exercício em causa, violam ainda os atos tributários sob censura o disposto nos artigos 23.º e 18.º do Código do IRC, devendo também, por esta razão, ser anulados;

52.ª Pelo que, face ao acima exposto, é pois inquestionável a ilegalidade dos atos tributários impugnados, devendo os mesmos, por essa razão, ser anulados.»

3. A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 649 (na numeração dos autos de suporte físico), no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 684º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ter julgado procedente a excepção de inimpugnabilidade, prevista no artigo 86.º, n.º 4 da LGT, e a inconstitucionalidade do disposto no artigo 86.º, n.º 4, da LGT, quando interpretado no sentido que o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável abrange a verificação dos pressupostos por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.

Em caso de procedência do recurso, este Tribunal ad quem conhecerá em substituição do Tribunal a quo das questões suscitadas na petição inicial e que a sentença recorrida julgou prejudicadas pela solução dada ao litígio. Nesta eventualidade, em face das conclusões formuladas pela Recorrente, competirá apreciar e decidir, em primeiro lugar, do imputado erro de julgamento da decisão matéria de facto e, depois, do erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos e do erro na quantificação e qualificação da matéria colectável.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1 - A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva, relativa aos exercícios de 1998 e 1999 e que incidiu sobre o imposto de IRC - Relatório de Inspecção de 18/12/2001, junto de fls. 60 a fls. 82 dos autos e respectivos anexos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

2 - Da acção de inspecção, referida no parágrafo antecedente, resultaram para os exercícios de 1998 e 1999, quanto ao IRC, correcções com recurso a métodos indirectos, de que resultou a seguinte fixação de matéria tributável:

- citado Relatório de Inspecção.

3 - Não se conformando com a matéria tributável apurada, na parte que resultou da aplicação dos métodos indirectos, em data não apurada do início do ano de 2002, a ora impugnante deduziu pedido de revisão da matéria tributável apurada com base em métodos indirectos, de acordo com o disposto nos artigos 86.º e 91.º da LGT - requerimento de fls. 124 e segs. dos autos e cuja data de entrada no Serviço de Finanças não é clara, encontrando-se rasurada, e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

4 - No procedimento de revisão referido no parágrafo antecedente, efectuado a solicitação da impugnante, foi designado perito por esta, que interveio em sua representação, nas reuniões agendadas para os dias 14 de Maio de 12 de Junho de 2002 - Acta de 12/06/2002 de fls. 104 e segs. e Acta de 14/05/2002 de fls. 118 e segs. dos autos, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.

5 - Nas reuniões realizadas em sede da Comissão de Revisão resulta, além do mais que, foi obtido acordo unânime do perito do contribuinte, do perito da administração tributária e do perito independente, no sentido da necessidade de recurso a métodos indirectos para a determinação do resultado dos exercícios de 1998 e 1999, por se encontrarem reunidos os pressupostos da alínea b) e da alínea a) do n.º 1 do artigo 88.º, ambos da LGT, uma vez que se apurou que a contabilidade não reflecte de forma fidedigna a actividade do contribuinte, não revelando o resultado efectivamente obtido nesses anos -citada Acta de fls. 104 e segs. dos autos.

6 - Em sede da Comissão de Revisão foi ainda obtido acordo unânime entre os três peritos: da Fazenda Pública, do Contribuinte e Independente, tendo sido deliberado alterar a matéria tributável para os anos de 1998 e 1999 para os seguintes valores:

- citada Acta n.º 03C/LGT junta de fls. 219 e segs. do PA e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

7 - Em 29/06/2002 foram efectuadas as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios, ora em crise, relativas aos exercícios de 1998 e 1999, com os n.ºs 8... e 83..., respectivamente nos valores de € 85.497,68 e € 39.787,33 - liquidações de fls. 54 e fls. 56 dos autos que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.

8 - As liquidações, referidas no parágrafo antecedente, são a concretização da matéria tributável acordada no processo de Revisão da Matéria Colectável requerido pela impugnante, conforme referido no ponto 4.1.6.- citadas liquidações de fls. 54 a fls. 56 dos autos e citada Acta de fls. 104 e segs. dos autos.

4.3.

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, supra ids., na análise genérica dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, conforme descriminado nos vários parágrafos do ponto 4.1. do probatório.

4.4.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Não há factos não provados com relevância para o conhecimento da excepção de que cumpre conhecer.»


*

2. DE DIREITO

Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a excepção invocada pela Fazenda Pública, prevista no artigo 86.º, n.º 4 da LGT, de inadmissibilidade de impugnação das liquidações de IRC e respetivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 1998 e 1999 resultantes do Acordo alcançado na Comissão de Revisão quanto à fixação da matéria colectável com recurso à aplicação de métodos indirectos.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, em suma, por entender que o acordo obtido na comissão de revisão não obsta à dedução de impugnação judicial com fundamento na inexistência de pressupostos que legitimam o recurso à aplicação de métodos indirectos, por aquele acordo circunscrever-se apenas à ilegalidade da matéria tributável determinada através de métodos indirectos, ficando de fora a ilegalidade decorrente da inexistência de pressupostos ­­­­que determinam a aplicação dos métodos indirectos (Conlusões 2.ª a 13.ª da alegação de recurso).

Vejamos.

Resulta da matéria de facto dada como provada que a Administração Tributária, na sequência de uma acção de fiscalização, relativa aos exercícios de 1998 e 1999, que incidiu sobre o IRC, concluiu que estava legitimado o recurso à avaliação indirecta, nos termos dos artigos 87.º, alínea b), 88.º, n.º 1, alínea a) e 90.º, todos da LGT e 52.º e 54.º do CIRC, vindo a proceder à fixação da matéria tributável por aplicação dos métodos indirectos (pontos 1 e 2 do probatório).
A contribuinte, ora Recorrente, requereu a revisão da matéria tributável assim fixada ao abrigo do disposto no artigo 91.º da LGT, neste procedimento concluiu-se «(…) que a Contabilidade não merece absoluta credibilidade, estando, assim, reunidos os pressupostos de aplicação de Métodos Indirectos previstos na al. b) do Art. 87.º e al. a) do n.º 1 do Art. 88.º, ambos da LGT, e já atrás referidos, facto que mereceu a concordância unânime dos três peritos intervenientes.»

A Comissão deliberou, por acordo entre os peritos da Fazenda Pública, do Conctribuinte, e Independente, alterar o Lucto Tributávél de 1998 e 1999 (pontos 3, 4, 5 e 6 do probatório).

Não obstante, o acordo alcançado na Comissão entre os peritos da Adminsitração Tributária e da Contribuinte, no âmbito do procedimento de revisão, no que concerne à existência de pressupostos de aplicação dos métodos indirectos e no que concerne à determinação do quantum da matéria colectável, advoga a Recorrente que o acordo circunscreve-se apenas à ilegalidade da matéria tributável através de métodos indirectos, ficando de fora a ilegalidade decorrente da inexistância de pressupostos que determinam a aplicação dos métodos indirectos.

A Mma. Juiz sobre esta matéria ponderou o seguinte:

Para o conhecimento desta questão importa ter presente que, as liquidações em causa, têm na sua génese uma inspecção à contribuinte e que conforme decorre dos factos alegados na douta p.i., apenas foi posta em causa a matéria tributável apurada através do método de apuramento indirecto.

Cumpre ainda ter em conta que, as liquidações em causa se reportam a rendimentos obtidos em 1998 e 1999 e que o procedimento de revisão teve lugar em 2002, sendo portanto aplicável às vicissitudes inerentes ao procedimento de revisão, o regime da LGT, que, nos termos conjugados dos artigos 6.º e 3.º do DL n.º 398/98 de 17/12 se aplica aos factos tributários ocorridos após 01/01/1999 e se aplica aos processos de revisão instaurados após a sua entrada em vigor.

Assim e, ainda que uma das liquidações impugnadas se refira a rendimentos obtidos em 1998, por força do artigo 3.º do diploma supra citado, que aprovou a LGT, o regime desta Lei, na parte relativa ao procedimento de revisão, é aplicável às duas liquidações porquanto o procedimento de revisão, que se iniciou em 2002, já ocorreu após a entrada em vigor da LGT.

Analisemos então, em traços gerais, o regime do procedimento de revisão, previsto na LGT.

Dispõe o artigo 92.º, n.º 3 da LGT que, havendo acordo entre os peritos o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada (sobre este assunto vide ainda os Acórdãos do TCA Sul, Recursos n.ºs 805/03 e 980/00, em www.dgsi.pt).

Por sua vez, dispõe o artigo 86.º, n.º 4 da LGT que, na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável.

De facto, bem se compreende que assim seja.

Na verdade, se o contribuinte não aceita o acto tributário por a matéria tributável ter sido apurada por métodos indirectos, deve ser-lhe reconhecido o direito de impugnar o acto com invocação de quaisquer ilegalidades de que o mesmo padeça.

Contudo, o mesmo não se justifica em caso de acordo. (…) Deste modo, se do lado da administração tributária é vedado liquidar tributo com base em matéria tributável diferente do acordo, salvo a excepção referida na parte final do n.º 5 do artigo 92.º da LGT, do lado do contribuinte há o beneficio de poder ver liquidado imposto inferior ao que seria devido, impondo-se-lhe, em contrapartida, a renúncia a ver discutido judicialmente o acto tributário de liquidação subsequente.

E, assim sendo, voltando agora ao caso sub júdice, não tem razão a impugnante, que já não pode vir discutir a ilegalidade do recurso a métodos indiciários, pois que, conforme supra se referiu, o Acordo obtido na Comissão de Revisão determina a impossibilidade de o contribuinte invocar quaisquer vícios do acto tributário de liquidação baseado na matéria tributável fixada com base naquele Acordo.

Aliás, consta da própria Acta da Comissão de Revisão, conforme referido supra no probatório, que houve acordo unânime dos três peritos, no sentido de se verificarem os pressupostos do recurso aos métodos indiciários: " (...) foi obtido acordo unânime do perito do contribuinte, do perito da administração tributária e do perito independente, no sentido da necessidade de recurso a métodos indirectos para a determinação do resultado dos exercícios de 1998 e 1999, por se encontrarem reunidos os pressupostos da alínea b) e da alínea a) do n.º1 do artigo 88, ambos da LGT, uma vez que se apurou que a contabilidade não reflecte de forma fidedigna a actividade do contribuinte, não revelando o resultado efectivamente obtido nesses anos - citada Acta de fls. 104 e segs. dos autos (...)".

Cabe ainda ressaltar que, não obstante o sujeito passivo não ter intervenção pessoal na elaboração do acordo, este é vinculativo para ele como decorre do n.º 4 do artigo 86.º da LGT, ressalvadas as restrições que a lei civil prevê quanto à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, como se prevê no n.º 1 do artigo 16.º da mesma Lei. (Neste sentido vide o Ac. do TCA Sul de 30/11/2004, proferido no Proc. n. º 232/04, cuja fundamentação parcialmente se transcreve: "É assim que, quando o mandatário é representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste quando praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (cfr. artigos 258.º nº 1, e 268º n.º 1, "ex-vi" dos artigos 1178.º nº 1 e 1163º todos do CC), regime que decorre expressamente do nº 1 do artigo 16.º da LGT. Vale isto por dizer que só nos casos em que o mandatário do sujeito passivo defenda ou aceite posições no procedimento de avaliação indirecta distintas das defendidas pelo mandante na formulação do pedido de revisão da matéria colectável, é que não poderá haver-se como vinculado pelo acordo que se alcance, pois só alegando e provando que o representante excedeu os limites dos seus poderes de representação e agiu em sentido contrário a tais poderes é que o acordo poderá ser infirmado").

Outra situação em que o contribuinte poderá impugnar a liquidação que vier a ser efectuada com base no acordo é a que resulta do preceituado no artigo 62.º do CPPT, em que se prevê, para quaisquer casos em que a fixação ou a revisão da matéria tributável se faz em procedimento próprio, a liquidação poderá não ser efectuada de acordo com o nele decidido se for declarada a existência de violação manifesta de competências legais (neste sentido vide Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária, anotada e comentada, Vislis Editores, 3.ª ed. Setembro de 2003)

Ora, nos presentes autos a impugnante não invoca nem prova que, o seu perito defendeu ou aceitou posições no procedimento de avaliação indirecta distinta da defendida por si na formulação do pedido de revisão; também não alega violação manifesta de competências legais.

Do exposto se conclui que o acordo alcançado na Comissão de Revisão fez precludir o direito de a impugnante impugnar as liquidações, na parte em que a matéria tributável, obtida por recurso a métodos indirectos, se baseou naquele Acordo - única que foi impugnada nos presentes autos.

Adiantamos, desde já, que a decisão da primeira instância merece a nossa inteira concordância.

Decorre do artigo 54.º do CPPT o princípio de impugnação unitária, que é transversal ao ordenamento jurídico-tributário, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, na qual pode ser invocada qualquer ilegalidade desta.

De acordo com o preceituado no artigo 268.º, n.º 4 da CRP não pode deixar de admitir-se a possibilidade de impugnação contenciosa de todos os actos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

A 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 86.º da LGT repete a regra de que na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, porém, quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, essa possibilidade de invocar qualquer ilegalidade sofre uma limitação, pois, não há a possibilidade de invocar ilegalidades quanto a matérias que foram objecto de revisão relativas à fixação por acordo da matéria colectável determinada por métodos indirectos.

Do regime legal aplicável resulta que a determinação da matéria colectável por métodos indirectos alcançada por acordo na comissão de revisão abrange a existência dos pressupostos para a utilização dos referidos métodos e as operações de quantificação, devendo o tributo ser liquidado com base na matéria colectável acordada (cfr. artigos 92.º, n.º 3 da LGT e 117.º do CPPT; neste sentido, entre outros, Ac. do STA 15/09/2010, de 15/09/2010, disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, a Administração Tributária, bem como o contribuinte estão vinculados a aceitar a liquidação que se efectue com base na matéria tributável acordada.

«Ora, se a administração tributária está vinculada a tal acordo, desde logo, pelo princípio de boa-fé, mas estando essa obrigação expressamente referida no artigo 92.º da LGT, é natural que por similitude de razões, também o contribuinte esteja vinculado a respeitar o acordo alcançado. Caso contrário, actuaria em violação do princípio da colaboração e da actuação em conformidade com a boa-fé que lhe é inerente (artigo 59.º da LGT). Desta forma, a parte final do n.º 4 do artigo 86.º impede a invocação de ilegalidades quanto à parte da matéria tributável que foi determinada por acordo.» (José Maria Fernandes Pires e Outros, in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, Almedina, 2015, nota 6 ao artigo 86.º, pág. 887).

Esta solução justifica-se com base nos princípios da segurança e estabilidade das relações jurídico-tributários, da confiança e da boa-fé, com que ambas as partes devem pautar o seu comportamento.

Este regime pressupõe, porém, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.

Não tem, pois, razão a Recorrente quando invoca que o acordo alcançado na reunião da comissão de revisão não pode obstar à dedução de impugnação judicial com fundamento na inexistência de pressupostos que legitimam o recurso à aplicação de métodos indirectos.

O Recorrente invoca em defesa da sua tese o acórdão do STA de 24/10/2012, proferido no processo n.º 0550/12. No entanto, este acórdão aprecia questão diferente do caso dos presentes autos, não beliscando o entendimento que na impugnação da liquidação resultante do acordo obtido no processo de revisão está proibida a apreciação do erro na quantificação e nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável compreendida no âmbito do acordo, antes o confirmando.

As ilegalidades que podem ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação com origem em acordo obtido na comissão de revisão são, designadamente, a ilegalidade do procedimento, o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte, a violação de competências legais, a falta de fundamentação formal dos actos de liquidação ou outros elementos da liquidação (v.g. taxa, deduções, etc.), não abrangidos na preclusão supra referida, por força do estatuídos nos artigos 86. ° n. °4 e 92. ° n.º 3 da LGT.

Como doutamente esclarece o identificado acórdão do STA citado pela Recorrente, sobre esta matéria, que sufragamos, e do qual se transcreve a seguinte passagem:

«Mas isto não quer dizer que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.

Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade - neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2010, recurso 62/10 e de 23-11-2004, recurso 656/04, ambos in www.dgsi.pt . De resto, como se sublinha no supra citado Acórdão 62/10, «o art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º)»

E também a doutrina vem afirmando que «a medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial). ( Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, fls. 749.)» (disponível em www.dgsi.pt/).

Ora, quanto à questão suscitada pela Recorrente no presente recurso, e em situação idêntica à que agora nos ocupa, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 25/01/2012, prolatado no processo n.º 02777/11, a cujo discurso fundamentador aderimos e com a devida vénia, pela pertinência, aqui transcrevemos a parte relevante:

Na sentença recorrida entendeu-se que resulta deste art. 86.º, n.º 4, da LGT que o contribuinte que tenha chegado a acordo com a Administração Tributária no âmbito da Comissão de Revisão não pode impugnar a fixação da matéria tributável.
É inequívoco, à face da parte final desta norma, que se afasta a possibilidade de impugnação judicial da fixação da matéria tributável quando a liquidação se tenha baseado no acordado no procedimento de revisão, previsto nos arts. 91.º e 92.º da LGT.

A estatuição no sentido de não poder ser invocada na impugnação do acto de liquidação a matéria tributável resultante de acordo obtido no procedimento de revisão tem o alcance de expressar que não é admitida quer a impugnação autónoma quer a impugnação do acordado.

Por outro lado, o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia o art. 117.º, n.º 1, do CPPT, ao estabelecer a regra de que «a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável». Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos.
Por isso, o acordo a que se referem os n.ºs 3 a 5 do art. 92.º da LGT, que, pondo termo ao procedimento, abrange necessariamente tudo o que nele pode ser questionado, implica concordância não só sobre a forma como foram aplicados os métodos indirectos, mas também sobre a existência de uma situação em que eles podem ser utilizados.

Assim, é de concluir que o regime que resulta da lei ordinária é o de que o acordo no procedimento de revisão da matéria tributável abrange tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados para quantificar a matéria tributável e que se proíbe, quanto a esses pontos, a impugnação da liquidação que for efectuada com base no acordo.

Mas, isto não significa que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.

Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade. (Neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 656/04, e de 15-9-2010, processo n.º 62/10.)

O art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º).

Por outro lado, assentando o acordo na intervenção de um representante do contribuinte, será aplicável o regime próprio da representação, quanto à vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil), o que tem suporte explícito no art. 16.º, n.º 1, da LGT que, com carácter geral, estabelece que «os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato». (Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 657/04.)

No caso em apreço, a Impugnante não alegou na petição inicial factos que permitam concluir que o seu representante excedeu os poderes que lhe foram conferidos, pelo que não pode, por este motivo, admitir-se a impugnação do acordado, quanto ao que é objecto do procedimento de revisão. (disponível em www.dgsi.pt/).

No caso dos autos a Recorrente apenas invocou na sua petição inicial a inexistência de pressupostos que determinaram a aplicação dos métodos indirectos e errónea quantificação da matéria colectável nos exercícios em apreço.

Reiteramos, pois, de acordo com a jurisprudência citada, que o contribuinte está inibido de suscitar na impugnação o erro quanto aos pressupostos que permitiram a fixação da matéria tributável através dos métodos indirectos alcançada por acordo.

A questão da constitucionalidade da interpretação aqui adoptada sobre o alcance do artigo 86.º, n.º 4, da CRP, à face os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 23/11/2004, processo n.º 0656/04, cujo discurso fundamentador se acompanha, e com a devida vênia, se transcreve nesta parte seguidamente:

Mas, no caso, não estamos perante um acto administrativo que afecte os direitos ou interesses da recorrente.

É que a fixação da matéria tributável, sendo assunto da competência da Administração Tributária, foi objecto de um pedido de revisão formulado pela ora recorrente, nos termos do artigo 91º da LGT, e a liquidação tomou por base o acordo a que chegaram os peritos da Administração e da agora recorrente, tudo como consta da matéria de facto fixada.

Ora, sendo, hoje, o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão um seu representante, o acordo em que ele intervenha vincula o contribuinte, projectando-se na sua esfera jurídica. Agindo o seu perito em representação do contribuinte, não pode este queixar-se senão de si – a não ser que o seu perito actue para além dos poderes que lhe conferiu, que é questão que, no caso, se não levanta.

Deste modo, estamos perante algo que não é um puro acto de autoridade, cujo resultado se imponha ao contribuinte independentemente da sua vontade, mas perante um acordo entre um seu representante e o da Administração, vinculativo, aliás, para esta, e insusceptível, com a já apontada ressalva, de afectar os seus direitos ou interesses – o acordo consubstancia, antes, a realização desses direitos ou interesses.

Não vemos, pelas razões expostas, que haja impedimento constitucional a que a lei não admita que se invoque, na impugnação judicial do acto de liquidação, a errónea determinação da matéria tributável com base em avaliação indirecta, nos casos em que aquela matéria tenha sido encontrada mediante acordo obtido no processo de revisão. (disponível em www.dgsi.pt/).

Acolhendo a jurisprudência do STA, temos por indemonstrada a violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, visto que o entendimento supra explanado é o que decorre da formulação legislativa e dos princípios supra referidos, que não violam qualquer princípio constitucional, não se descortinando, igualmente, que da inimpugnabilidade em apreço, atento o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, resulte qualquer injustiça e iniquidade tributáveis graves e irresolúveis.

Insurge-se ainda a Recorrente, alegando que contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, invocou e demonstrou excesso de representação por parte do perito que designou para intervir no procedimento de revisão da matéria colectável (conclusões 8.º a 12.ª da alegação de recurso).

Da leitura atenta da petição inicial que deu origem aos presente aos autos não vislumbramos qualquer invocação de excesso de representação por parte do perito da Recorrente e, da matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, não consta provado qualquer facto nesse sentido, pelo que nada há a censurar à sentença quando refere que «nos presentes autos a impugnante não invoca nem prova que, o seu perito defendeu ou aceitou posições no procedimento de avaliação indireta distinta da defendida por si na formulação do pedido de revisão; também não alega violação manifesta de competências legais.»

Ao contrário do alegado pela Recorrente, era a ela e não a Fazenda Pública que se impunha, não só o ónus de carrear para o processo os factos sobre esta matéria, como também o ónus de prova desses mesmo factos (artigo 74.º da LGT).

De salientar que os fundamentos da impugnação têm que ser evidenciados na petição inicial, e são as causas de pedir que delimitam a matéria de facto a considerar pelo juiz.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa Assim só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição (…), será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA.

(…) Em processos anulatórios, cada um dos vícios imputados ao acto impugnado constitui uma causa de pedir, como se conclui do preceituado na parte final do n.º 4 do art. 498.° do CPC, em que se estabelece nas acções de anulação a causa de pedir é «a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido» (in CPPT anotado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, págs. 209 e 319).

Ora, não tendo a Impugnante alegado que o seu perito agiu fora dos seus poderes de representação na petição inicial, tal matéria é, neste recurso, apresentada como uma questão nova.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam o reexame da decisão recorrida, dentro dos mesmos pressupostos em que se encontra o Tribunal a quo no momento em que a proferiu e não criar decisões sobre matéria nova.

Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado (vide neste sentido Acórdão do STA de 13/11/2013, proferido no processo n.º 01460/13, disponível em www.dgsi.pt/).

Visando o recurso a reapreciação da decisão de tribunal de grau hierárquico inferior, apenas pode ter por objecto questões decididas pelo tribunal recorrido, não podendo conhecer-se de questões novas suscitadas nas alegações, salvo se forem de conhecimento oficioso, pelo que não pode este Tribunal ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas na decisão de que se recorre, sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária.

Não obstante, sempre se dirá, para que não restem dúvidas, acolhendo o que se escreveu no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte «(…) não acompanhamos a tese de que os poderes do representante do contribuinte sejam limitados pelo pedido de revisão da matéria tributável. Parece-nos ser este mais próximo de uma petição inicial na qual a parte afirma as suas razões e pretensões, que ainda assim não a impedem de transigir sobre o objecto da causa (desde que não respeite a direitos indisponíveis – art. 289º/1 CPC) mediante recíprocas concessões (cfr. artigo 1248º do Código Civil).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Aqui chegados, em consonância com a jurisprudência que vimos de citar, a questão da ilegalidade da fixação da matéria tributária por métodos indirectos alegada pela ora Recorrente na petição inicial de impugnação, por erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, estando incluída no acordo a que se chegou no procedimento de revisão, não pode ser objecto de impugnação judicial do acto de liquidação que tem subjacente tal acordo (vide ainda neste sentido Acs. do STA de 10/03/2011, proc. 022/11 e do TCAN de 20/02/2020, proc. n.º 01177/05.4BEBRG, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Por tudo o exposto, só nos resta concluir que a sentença andou bem e deve ser mantida.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


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Conclusões/Sumário:

I. A 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 86.º da LGT repete a regra de que na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, porém, quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, essa possibilidade de invocar qualquer ilegalidade sofre uma limitação, pois, não há a possibilidade de invocar ilegalidades quanto a matérias que foram objecto de revisão relativas à fixação por acordo da matéria colectável determinada por métodos indirectos.

II. As ilegalidades que podem ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação com origem em acordo obtido na comissão de revisão são, designadamente, a ilegalidade do procedimento, o abuso de poderes de representação pelo perito do contribuinte, a violação de competências legais, a falta de fundamentação formal dos actos de liquidação ou outros elementos da liquidação (v.g. taxa, deduções, etc.), não abrangidos na preclusão supra referida, por força do estatuídos nos artigos 86. ° n. °4 e 92. ° n.º 3 da LGT.

III. Acolhendo a jurisprudência do STA, temos por indemonstrada a violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, visto que o entendimento supra explanado é o que decorre da formulação legislativa e dos princípios supra referidos, que não violam qualquer princípio constitucional, não se descortinando, igualmente, que da inimpugnabilidade em apreço, atento o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, resulte qualquer injustiça e iniquidade tributáveis graves e irresolúveis.

IV. Ora, não tendo a Impugnante alegado que o seu perito agiu fora dos seus poderes de representação na petição inicial, tal matéria é, neste recurso, apresentada como uma questão nova.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 11 de Marco de 2021.


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A Juíza Desembargadora,
Maria Cardoso

(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).