Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08987/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:INJUNÇÃO – USO INDEVIDO – LEGITIMIDADE PASSIVA - ESTADO PORTUGUÊS
Sumário:I – Sendo a pretensão da requerente o pagamento do valor de faturas correspondentes a transações comerciais, decorrentes de um Contrato de Fornecimento de equipamento de telecomunicações e outros serviços complementares de apoio técnico pode aquela lançar mão do mecanismo de injunção, através da apresentação do respetivo requerimento de injunção junto do Balcão Nacional de Injunções.

II – Se for deduzida oposição no processo de injunção, o processo passa a seguir os termos da ação declarativa, a qual seguirá os termos do processo comum (ação administrativa comum).

III - Está afastada para as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais (e de responsabilidade civil extracontratual) a extensão da personalidade judiciária aos ministérios prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, mantendo-se, por conseguinte, neste tipo de ações a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas.

III – Respeitando o objeto do litígio a “interpretação, validade ou execução de contratos”, a que alude a alínea h) do nº 2 do artigo 37º do CPTA, ou, de outro modo, a “relações contratuais”, na expressão usada no nº 2 do artigo 11º do CPTA, seguindo o processo a forma da ação administrativa comum, parte demandada deve ser o Estado Português.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
T…….. - Telecomunicações ………….., S.A. (devidamente identificada nos autos), inconformada com a sentença de 21/12/2011 proferida pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa (no Proc. nº 3004/11.4BEBLS) pela qual foi se indeferiu o requerimento de injunção nº 235396/11.7IIPRT que a recorrente havia apresentado junto do Balcão Nacional de Injunções identificando como requerido o Estado Português - Presidência Conselho de Ministros, tendo em vista o pagamento à requerente da quantia total de 32.066,79 € (capital e juros de mora, desde 22/02/2009), referente a faturação vencida emitida no âmbito de Contrato de Fornecimento de equipamento de telecomunicações e outros serviços complementares de apoio técnico, com fundamento na verificação de exceção de utilização indevida do procedimento de injunção, vem dela interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida.

Nas suas alegações a Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos:
«1. A Douta Sentença proferida fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, porquanto julgou procedente a exceção de utilização indevida do procedimento de injunção conexa com a ilegal representação do Estado pelo Ministério Público, indeferindo assim, o requerimento de injunção nº 235396/ 11.7YIPRT apresentado pela ora Recorrente.

2. A Recorrente apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, uma injunção contra o ora Recorrido Estado Português - Presidência do Conselho de Ministros, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 32.066,79 (trinta e dois mil e sessenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) .

3. Tal pedido foi apresentado ao abrigo da norma que permite o recurso a processo de injunção para exigir o cumprimento "(...) das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto- Lei nº 32 / 2003, de 17 de Fevereiro" (cfr. artigo 7° do Anexo ao Decreto-Lei nº 269 / 98, de 1 de Setembro com alterações introduzidas pelo DL nº 107/ 2005, de 01 de Julho).

4. De acordo com o disposto no artigo 7° do Anexo ao Decreto-Lei nº 269 / 98, de 1 de Setembro, "considera-se injunção a providência que tem ·por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/ 2003, de 17 de Fevereiro".

5. Como bem decidiu o Tribunal Central Administrativo no âmbito do Processo nº 05635/ 09, de 14/01/ 2010, in www.dgsi.pt "como decorre quer do disposto no DL nº 269/ 98, de 1/ 9, que aprovou o regime jurídico da injunção, quer do disposto no DL nº 32/ 2003, de 17/ 2, se for deduzida oposição no processo de injunção, o processo passa a seguir os termos da ação declarativa, a qual, no caso concreto da dívida reclamada ser superior à alçada do tribunal de 1a instância, seguirá os termos do processo comum, com a forma que lhe competir em função do valor do pedido (cfr. o nº 2 do já citado artigo 7° do DL nº 32/ 2003,de 17/2)".

6. No caso dos autos, ao contrário do D. entendimento do Tribunal "a quo", o procedimento de injunção é meio processual idóneo para a Recorrente fazer valer a sua pretensão emergente do atraso no pagamento de transações comerciais.

7. Aliás, a aplicação informática CITIUS permite a distribuição dos requerimentos de injunção aos Tribunais Administrativos.

8. O Tribunal "a quo" considerou ainda que a entidade Recorrida não pode ser representada em juízo pelo Ministério Público.

9. Ora, a Presidência do Conselho de Ministros tem atualmente a sua orgânica definida pelo Dec.-Lei nº 126-A/2011, de 29 de Dezembro que se caracteriza como sendo o departamento central do Governo que tem por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos demais membros do Governo aí integrados organicamente e promover a coordenação interministerial dos diversos departamentos.

10. Mas em lado algum deste diploma ou dos que o precederam lhe é atribuída personalidade jurídica.

11. A Presidência do Conselho de Ministros tem antes a natureza de um serviço administrativo integrado na pessoa coletiva pública que é o Estado Português.

12. Ora, não tendo personalidade jurídica também não tem personalidade judiciária, nos termos do art. 5° nº 2 do CPC, não integrando também qualquer uma das exceções constantes dos art. 6° e 7° do CPC.

13. Consequentemente, a Presidência do Conselho de Ministros não goza de personalidade judiciária, não sendo, portanto, suscetível de ser parte em juízo (art. 5° nº 1 do CPC).

14. Motivo pelo qual deverá o Estado intervir como Réu.

15. Sendo assim competente o Ministério Público para representar o Estado e defender os respetivos interesses - arts. nº 219º, nº 1 CRP e 20º, nº 1 do CPC.

16. Ademais, tendo por objeto uma relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido, conforme disposto no art. 11º, nº2 do CPTA, o Ministério Público é competente para representar o Estado nos presentes autos após distribuição do requerimento de injunção.

17. Neste sentido decidiu já o Tribunal da Relação de Lisboa, no Ac. nº 4048/ 2007 - 4, de 04 de Julho de 2007, in www.dgsi.pt, no âmbito do qual se discutia a legitimidade processual passiva da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros, "Quem podia e devia ser demandado era o Estado, que é representado em juízo pelo Ministério Público - art. 20º do CPC.".

18. Sendo assim o Ministério Público competente para representar o Estado nos presentes autos.»


Notificado o Recorrido Estado Português, representado pela Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo, apresentou contra-alegações (fls. 88 ss.) pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir)
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, são colocadas a este Tribunal as seguintes questões:
1. - saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, fazendo incorreta aplicação do direito, ao considerar ter sido indevidamente utilizado o procedimento de injunção (conclusões 1ª a 7ª das alegações da recorrente);
2. – saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com errada aplicação do direito, ao considerar que parte legitima é a Presidência do Conselho de Ministros e não o Estado Português, e que assim não cabe a sua representação em juízo ao Ministério Público (conclusões 8ª a 18ª das alegações da recorrente).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

Da decisão recorrida
É o seguinte o segmento decisório da sentença recorrida, proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo em 21/12/2011:
«Termos em que:
i) Julgo improcedente a exceção de incompetência absoluta suscitada pelo Ministério Público;
ii) Julgo procedente a exceção de utilização indevida do procedimento de injunção;
iii) E, consequentemente, indefiro o Requerimento de Injunção n.º 235396/ll.7YIPRT»

Sendo a seguinte a fundamentação externada na sentença recorrida, no que para o objeto do presente recurso releva, que se passa a transcrever:
«Retomando, pois, a análise da excepção dilatória inominada convocada pelo Ministério Público, verifica-se, com efeito, no caso sub judice, que a requerente demandou o Estado - Presidência do Conselho de Ministros, mediante requerimento de injunção, por falta de pagamento das facturas que discrimina na data do respectivo vencimento, obrigação emergente de "transacção comercial", cujo valor total supera o da alçada do Tribunal da Relação (de € 30 000,01), não tendo junto quaisquer elementos probatórios (nem carecia de o fazer, em sede de procedimento de injunção, o mesmo já não se verifica em sede de acção administrativa comum - forma ordinária - cfr. art.ºs 467.º e 523.º/1/CPC, ex vi art.º 42.º/l/CPTA).

Sucede que, também nas acções administrativas comuns (a par das acções administrativas especiais), a legitimidade passiva pertence à pessoa colectiva pública que seja demandada, no caso do Estado, ao respectivo Ministério - cfr. art.º 10.º/2/CPTA -, excepto se o demandado for a própria pessoa Estado Português, a quem pertença a legitimidade passiva, sendo, então, representado em juízo pelo Ministério Público (cfr. art.º 11.º/2/ab initio/CPT A e art.º 51.º/1/ETAF), não se confundindo a representação em juízo com a legitimidade processual.

Ora, in casu, requerida é a Presidência do Conselho de Ministros, que se integra no órgão Conselho de Ministros, o qual é parte do órgão de soberania "Governo" - cfr. art.ºs 110.º, 184.º e 200.º, todos da Lei Fundamental - CRP), logo, não só se evidencia a inidoneidade do meio utilizado pela requerente (o procedimento especial de injunção) para lograr obter junto deste Tribunal a tutela judicial pretendida, como também que aquela pretende demandar, não a própria pessoa Estado, mas antes a Presidência do Conselho de Ministros, a quem terá fornecido o equipamento de telecomunicações e prestado os serviços complementares objecto do aludido contrato, o que implica, desde logo, ser a referida entidade a parte legítima passiva nos autos, contudo, não pode ser representada em juízo pelo Ministério Público, como resulta dos termos conjugados dos art.ºs 10.º/2 e 11.º/2, ambos do CPTA, antes por advogado constituído ou por licenciado em Direito designado para o efeito.

Do exposto resulta não ser este um caso de suprimento através da correcção oficiosa (cfr. art.º 10.º/4/CPTA), em virtude da ilegal representação da entidade requerida (a Presidência do Conselho de Ministros) pelo Ministério Público, nem haver lugar a convite ao aperfeiçoamento, tendente à convolação do requerimento em causa em acção administrativa comum (traduzida tal "convolação" na anulação dos actos que não possam ser aproveitados e devendo praticar-se os tidos por estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei), posto que não se trata aquí de um mero erro na forma de processo - art.º 199.º/CPC -, sendo que, anulando-se os actos praticados no processo (ou seja, o requerimento de injunção e a oposição do MP, insusceptíveis de aproveitamento, caso o tipo de acção e a forma de processo adequadas a fazer valer em juízo a pretensão da requerente - que se afigura ser a condenação do co-contratante no pagamento das facturas em dívida pelo fornecimento de bens e prestação de serviços no âmbito das telecomunicações -, seja aquela na qual os presentes autos foram distribuídos, não dispondo o Tribunal de elementos que lhe permitam alcançar tal conclusão), nada resta do processado, que permita o prosseguimento dos autos.

Assim, verificando-se excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, como aquela que vimos de conhecer, nesta fase, impõe-se o indeferimento liminar do requerimento de injunção em apreço, nos termos conjugados dos art.ºs 234.º-A/1, 493.º/2, 494.º e 495.º, todos do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, o que não significa a denegação de tutela judicial efectiva à ora requerente, desde logo atento o disposto no art.º 476.º/CPC, para o qual remete expressamente o art.º 234.º-A/1/in fine/C PC.

O que não pode é o Tribunal substituir-se à parte (atento o princípio da igualdade, plasmado no art.º 6.º/CPTA), a quem compete usar do meio processual adequado a fazer valer em juízo o direito ou interesse legalmente protegido que se arroga - cfr. art.º 2.º/2/CPTA -, carreando ao processo os elementos probatórios indispensáveis a suportar a sua pretensão.»


~
1. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, fazendo incorreta aplicação do direito, ao considerar ter sido indevidamente utilizado o procedimento de injunção (conclusões 1ª a 7ª das alegações da recorrente);
Da tese da recorrente
Pugna pela recorrente pela revogação da decisão recorrida por nela ter sido feita uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao julgar procedente a exceção de utilização indevida do procedimento de injunção, sustentando que apresentou junto do Balcão Nacional de Injunções, uma injunção contra o ora recorrido Estado Português - Presidência do Conselho de Ministros, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 32.066,79 (trinta e dois mil e sessenta e seis euros e setenta e nove cêntimos); que tal pedido foi apresentado ao abrigo da norma que permite o recurso a processo de injunção para exigir o cumprimento "(...) das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto- Lei nº 32/ 2003, de 17 de Fevereiro", em conformidade com o artigo 7° do Anexo ao Decreto-Lei nº 269 / 98, de 1 de Setembro com alterações introduzidas pelo DL nº 107/ 2005, de 01 de Julho; que de acordo com o disposto no artigo 7° do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, "considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro"; que de acordo com o nº 2 do artigo 7º DL. nº 32/ 2003,de 17/2) se for deduzida oposição no processo de injunção, o processo passa a seguir os termos da ação declarativa, a qual, no caso concreto da dívida reclamada ser superior à alçada do tribunal de 1ª instância, seguirá os termos do processo comum, com a forma que lhe competir em função do valor do pedido; que no caso dos autos, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, o procedimento de injunção é meio processual idóneo para a Recorrente fazer valer a sua pretensão emergente do atraso no pagamento de transações comerciais permitindo aliás a aplicação informática CITIUS a distribuição dos requerimentos de injunção aos Tribunais Administrativos.
~
Da análise e apreciação da questão
Na situação dos autos temos que a recorrente lançou mão do procedimento de injunção previsto no artigo 7º do DL. nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que prevê que o atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos nele previstos, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. E não há dúvida que a situação se encontra abrangida na previsão daquele diploma, que transpôs para o direito interno a Diretiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que veio estabelecer medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transações comerciais, regulamentando todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas coletivas privadas – a estas se equiparando os profissionais liberais – ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas, regulamentando deste modo todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes. Como aliás resulta plasmado no preâmbulo daquele diploma.
Tendo o requerimento de injunção merecido oposição por parte do Estado Português (representado pelo Ministério Público), como decorre dos autos, tal conduziu a que o requerimento de injunção e respetiva oposição tivesse sido remetida ao Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, tribunal indicado pelo requerente no requerimento de injunção como o competente, onde foram autuados e apresentados à distribuição na espécie “ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário”, em face do valor em causa.
E bem, diga-se, perante a remissão contida no artigo 35º nº 1 do CPTA, já que o CPC antigo (anterior ao que veio a ser aprovado pela Lei nº 41/2013), em vigor à data, previa para a ação declarativa comum três formas de processo, o ordinário, o sumário e o sumaríssimo em função do valor da causa.
É que, como decorre quer do disposto no DL nº 269/98, de 1 de Setembro, que aprovou o regime jurídico da injunção, quer do disposto no DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, se for deduzida oposição no processo de injunção, o processo passa a seguir os termos da ação declarativa, a qual, no caso concreto da dívida reclamada ser superior à alçada do tribunal de 1ª instância, seguirá os termos do processo comum, com a forma que lhe competir em função do valor do pedido. É o que decorre do disposto do artigo 7º nº 2 do DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
Assim sendo, em face da pretensão da recorrente, o pagamento do valor de faturas correspondentes a transações comerciais, e da natureza do contrato subjacente, um Contrato de Fornecimento de equipamento de telecomunicações e outros serviços complementares de apoio técnico nada a impedia de lançar mão do mecanismo de injunção previsto nos indicados diplomas através da apresentação do respetivo requerimento de injunção junto do Balcão Nacional de Injunções, não ocorrendo assim qualquer utilização indevida do procedimento de injunção.
Sendo que tendo sido deduzida oposição ao requerimento de injunção, circunstância que determinou a remessa dos autos ao Tribunal indicado no requerimento de injunção, então, deveriam os mesmos passar a seguir os termos da ação administrativa comum sob a forma de processo ordinário, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 7º nº 2 do DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, 35º nº 1 e 37º ss. do CPTA e artigos 461º e 462º do CPC antigo (anterior ao novo CPC aprovado pela Lei nº 41/2013) em vigor à data.
Nesse sentido, veja-se, entre outros, os Acórdãos deste TCA Sul de 20/11/2014, Proc. 05608/09; de 29/09/2011, Proc. 05854/10; de 14/01/2010, Proc. 05635/09, in, www.dgsi.pt/jtcas.
Errou, pois, a sentença recorrida ao decidir diferentemente, devendo ser revogada.

*
2. Da questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com errada aplicação do direito, ao considerar que parte legitima é a Presidência do Conselho de Ministros e não o Estado Português, e que assim não cabe a sua representação em juízo ao Ministério Público (conclusões 8ª a 18ª das alegações da recorrente).

Da tese da recorrente
Pugna pela recorrente pela revogação da decisão recorrida por nela ter sido feita uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao considerar que parte legitima é a Presidência do Conselho de Ministros e não o Estado Português, e que assim não cabe a sua representação em juízo ao Ministério Público, sustentando que é o Estado Português que é o Estado Português que deve intervir como réu na ação, sendo assim competente o Ministério Público para representar o Estado e defender os respetivos interesses nos termos dos artigos nº 219º, nº 1 da CRP e 20º nº 1 do CPC; que tendo o processo por objeto uma relação contratual estabelecida entre Recorrente e Recorrido é o Ministério Público competente para representar o Estado Português nos termos do disposto no art. 11º, nº2 do CPTA; que a Presidência do Conselho de Ministros tem atualmente a sua orgânica definida pelo Dec.-Lei nº 126-A/2011, de 29 de Dezembro que se caracteriza como sendo o departamento central do Governo que tem por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos demais membros do Governo aí integrados organicamente e promover a coordenação interministerial dos diversos departamentos, mas que em lado algum deste diploma ou dos que o precederam lhe é atribuída personalidade jurídica; que a Presidência do Conselho de Ministros tem antes a natureza de um serviço administrativo integrado na pessoa coletiva pública que é o Estado Português; que não tendo personalidade jurídica também não tem personalidade judiciária, nos termos do art. 5° nº 2 do CPC, não integrando também qualquer uma das exceções constantes dos art. 6° e 7° do CPC e que assim, consequentemente, a Presidência do Conselho de Ministros não goza de personalidade judiciária, não sendo, portanto, suscetível de ser parte em juízo (art. 5° nº 1 do CPC).
~
Da análise e apreciação da questão
Na situação dos autos temos que a recorrente lançou mão do procedimento de injunção (previsto no artigo 7º do DL. nº 32/2003, de 17 de Fevereiro), apresentando o respetivo requerimento de injunção no Balcão Nacional de Injunções visando à obtenção do pagamento do valor de faturas respeitantes a Contrato de Fornecimento de equipamento de telecomunicações e outros serviços complementares de apoio técnico. Nesse requerimento procedeu à identificação do requerido do seguinte modo «Estado Português - Presidência Conselho de Ministros».
Tendo o requerimento de injunção merecido oposição por parte do Estado Português (representado pelo Ministério Público), como decorre dos autos, tal conduziu a que os autos tivessem sido remetidos ao Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, tribunal indicado pelo requerente no requerimento de injunção como o competente, já que no caso de ser deduzida oposição à injunção, como sucedeu, o processo é remetido ao tribunal onde passa a seguir os termos da ação declarativa.
Sendo que a questão da incompetência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos para apreciarem e decidirem o objeto da ação, que havia também sido suscitada pelo Ministério Público na oposição apresentada, foi respondida negativamente, e bem, diga-se, não sendo de todo modo objeto do presente recurso.
Já não sucede assim, todavia, no demais.
Vejamos porquê.
Dispõe o artigo 10º do CPTA o seguinte:
“Artigo 10.º
Legitimidade passiva
1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 - Quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 - Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 - O disposto nos dois números anteriores não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o ato impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a ação proposta contra a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.
5 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas coletivas ou ministérios, devem ser demandados as pessoas coletivas ou os ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.
6 - Nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva, a ação é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio.
7 - Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.
8 - Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra a Administração exija a colaboração de outra ou outras entidades, para além daquela contra a qual é dirigido o pedido principal, cabe a esta última promover a respetiva intervenção no processo.”

E dispõe o artigo 11º do CPTA o seguinte:
“Artigo 11.º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - Nos processos da competência dos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de advogado.
2 - Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 - Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério.
4 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.
5 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.”

Na verdade a questão de saber qual a entidade pública que deve ser demandada como ré numa ação administrativa é a maior parte das vezes encarada apenas como um problema de legitimidade passiva, desde logo, porque essa é a epígrafe do artigo 10º do CPTA: “legitimidade passiva”.
Porém tal epígrafe pode ser enganadora, já que, na verdade, as regras ali previstas respeitam não apenas à determinação da legitimidade passiva, mas também às respeitantes à personalidade judiciária das entidades públicas.
Quando, como é bom de ver, uma e outra constituem pressupostos processuais distintos entre si, não se podendo confundir, sendo pois essencial ao correto enquadramento da questão a compreensão dos pressupostos processuais, de personalidade judiciária e de legitimidade processual. Sendo certo que, um e outro, também não se confundem com a capacidade judiciária, (que consiste na suscetibilidade de estar por si em juízo, a qual tem por base e por medida a capacidade do exercício direitos - cfr. artigo 9º nºs 1 e 2 do CPC antigo, correspondente ao artigo 15º do CPC novo).
Com efeito, enquanto a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte em juízo (cfr. artigo 5º nº 1 do CPC antigo, correspondente ao artigo 11º nº 1 do CPC novo), traduzindo-se assim numa qualidade pessoal da parte, a legitimidade processual não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas uma qualidade do sujeito em relação a uma determinada ação com um certo objeto, consistindo na suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação, tratando-se, por conseguinte, de um conceito de relação (vide, entre outros, V. ANTUNES VARELA,J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, 179 e ss.).
Ora, no que tange à personalidade judiciária cumpre evidenciar que o CPTA não autonomizou tal pressuposto, o que não facilita a resolução das questões respeitantes à personalidade judiciária das entidades administrativas em sede de contencioso administrativo.
Pode, no entanto, retirar-se do disposto na 1ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas, ao estatuir ali que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público”. Princípio da coincidência que é acolhido, também, no processo civil, dispondo o nº 2 do artigo 5º nº 2 do CPC antigo (a que corresponde o nº 2 do artigo 11º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013), de aplicação subsidiária nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1º do CPTA), que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Porém, a 2ª parte do mesmo nº 2 daquele artigo 10º salvaguarda logo uma exceção, nos termos da qual “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é (…), no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Trata-se, aqui, na verdade, de um caso de extensão de personalidade judiciária (ainda que para alcançar tal desiderato não seja sido usada técnica idêntica à que foi seguida para os casos de extensão de personalidade judiciária previstos nos artigos 6º e 7º do CPC antigo, correspondentes aos atuais artigos 12º e 13º do CPC novo) atribuindo-se personalidade judiciária aos ministérios, em vez do Estado.
Assim, consubstanciam ilegitimidade passiva em sentido próprio os casos em que o autor demanda uma entidade pública que não é a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada na petição inicial.
E consubstanciam situação de falta de personalidade judiciária da entidade pública demandada aquelas em que a ação é instaurada contra uma entidade sem personalidade jurídica para a qual a lei não estende (excecionalmente), a suscetibilidade de ser parte em juízo.
A extensão de personalidade jurídica aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, apenas ocorre quando se esteja perante processo que “tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”, como expressamente ali se prevê. Do que tem que entender-se que não se estabeleceu ali uma cláusula geral de extensão da personalidade judiciária aos ministérios.
Importa, pois, definir o alcance deste segmento normativo, precisando para que situações se encontra reservada a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios (os quais não têm personalidade jurídica).
Não pode ser inócuo, antes constituindo um importante contributo para a solução da questão, o segmento inserto na parte final do nº 2 do artigo 10º do CPTA, nos termos do qual, em tal situação (quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública), parte demandada é, no caso do Estado, o ministério “a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Com efeito, daqui deve retirar-se que a expressão “ação ou omissão de uma entidade pública”, usada no nº 2 do artigo 10º do CPTA, está desde logo associada às ações ou omissões de entidade pública que impliquem o exercício de poderes de autoridade para a emissão de normas ou atos administrativos. Pelo que tal regra é de aplicar, desde logo, no âmbito da ação administrativa especial prevista no Título III do CPTA, a qual constitui o meio processo processual a utilizar (forma de processo a seguir) para as ações judiciais “cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo” (cfr. artigo 46º nº 1 do CPTA). Meio processual a usar para a formulação dos seguintes pedidos principais: anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica; condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido; declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo; declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr. nº 2 do artigo 46º do CPTA).
Mas será que tal implica que essa regra não possa ser seguida quando o meio processual em causa é o da ação administrativa comum, a que alude o artigo 37º do CPTA? Ou de outro modo, será que a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, não vigora para o meio processual ação administrativa comum, de modo que nesta forma de processo se mantém apenas a regra de coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas?
É conhecida a discussão em torno deste problema, designadamente em face das dificuldades resultantes da amplitude, diversidade e distinta natureza dos litígios que podem constituir objeto de uma ação administrativa comum.
O desde logo decorre da circunstância de, numa matriz essencialmente dualista das formas de processo acolhida no atual CPTA, que estabelece duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (vide, a este propósito, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda Pedro Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs), a ação administrativa comum assumir uma natureza subsidiária, constituindo, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 37º do CPTA, a forma de processo a seguir quando para o objeto do litígio não se encontre prevista uma forma de processo especial, seja no CPTA, seja em legislação avulsa.
O que é também evidenciado pelo nº 2 do mesmo artigo, quando ali se enumeram (a título exemplificativo, lembre-se) os objetos de litígio a que deve corresponder a forma de ação administrativa comum, a saber:
“a) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo;
d) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
f) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
i) Enriquecimento sem causa;
j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”

Os problemas de interpretação da norma do nº 2 do artigo 10º do CPTA, são muitos, nomeadamente quanto à sua aplicabilidade no âmbito dos processos que seguem a forma de ação administrativa comum (vide, para maiores desenvolvimentos, Esperança Mealha, in, “Personalidade judiciária e legitimidade passiva das entidades públicas”, Publicações CEDIPRE Online 2; Coimbra, Novembro, 2010, in, htpp://www.cedipre.fd.uc.pt).
Cingemo-nos, todavia, ao que releva para a resolução da questão em causa nos autos, que é o que importa.
Na presente situação tem de considerar-se que o objeto do litigio, tal como se mostra configurado, respeita a “interpretação, validade ou execução de contratos”, a que alude a alínea h) do nº 2 do artigo 37º do CPTA, ou, de outro modo, a relações contratuais”, na expressão usada no nº 2 do artigo 11º do CPTA.
Ora não há divergência de entendimento, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de que as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual devem ser interpostas contra o Estado, representado em juízo pelo Ministério Público (e não contra os ministérios) - vide, designadamente, na jurisprudência os Acórdãos deste TCA Sul, de 01/10/2009, Proc. 02405/07; de 15/01/2015, Proc. 11502/14; e de 12/02/2015, Proc. 11740/14; do TCA Norte de 21/02/2008, Proc. 00639/06.0BEBRG‐A.; de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT; de 30/10/2008, Proc. 01170/05.7BEBRG, e do STA de 03/03/2010, Proc. 0278/09, todos in, www.dgsi.pt, e na doutrina, designadamente Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005; PEDRO GONÇALVES, in, “A ação administrativa comum”, A Reforma da Justiça Administrativa, Studia Iuridica 86, Colloquia – 15, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 127‐167, 161.
Entendimento que começou por ser extraído do artigo 11º nº 2 do CPTA, que dispõe que “sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico”, e assente, também, em certa medida, na sua raiz histórica, decorrente dos termos em que na LPTA, se encontravam estabelecidas as “ações sobre contratos e responsabilidade” (cfr. secção II, do Capítulo VI, da LPTA).
Estamos em crer, no entanto, que o que a norma do nº 2 do artigo 11º do CPTA visa é a representação em juízo, estabelecendo possibilidades distintas para as entidades públicas (face à obrigação-regra de constituição de advogado prevista no nº 1 do mesmo artigo 11º). Nada dizendo, na verdade, sobre quem pode ser parte (demandada) em juízo nas ações sobre contratos ou de responsabilidade civil de entidades públicas.
Não pode, no entanto, negar-se que da ressalva feita no segmento normativo inserto na 1ª parte do nº 2 do artigo 11º do CPTA (“sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade”), tem também que derivar, em conjugação com o nº 2 do artigo 10º do CPTA (na parte que alude à demanda do “ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”) que apenas a pessoa coletiva Estado pode ser demandada neste tipo de ações (sobre contratos ou de responsabilidade civil), estando, também por isso, afastada nelas a extensão da personalidade judiciária aos ministérios prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA.
É que, se assim não fosse, entendendo-se, como parece ter sido o entendimento da Mmª Juiz do Tribunal a quo, que mesmo nas ações de responsabilidade e sobre contratos, por estar em causa uma ação ou omissão da pessoa coletiva Estado, em alusão à 1ª parte do nº 2 do artigo 10º (“quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”) parte demandada deve ser o Ministério a “cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” (cfr. 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA), então seria desprovida de qualquer utilidade a norma do nº 2 do artigo 11º, na qual se encontra ressalvada a representação em juízo do Estado pelo Ministério Pública nas ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, esvaziando-se esta de qualquer sentido. O que não terá sido querido pelo legislador.
O que explica que seja entendido (e que justifica que assim o seja), que o nº 2 do artigo 10º do CPTA deve ser interpretado restritivamente, no sentido de não ser de aplicar às ações administrativas comuns que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade a extensão da personalidade judiciária aos ministérios (prevista na 2ª parte daquele nº 2), reservada para distinto âmbito. Nesse sentido, vide, na doutrina, nomeadamente, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Edição, 2010, págs. 85 e 86, em anotação ao art. 10º n.º 2 e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2006, pág. 167. Entendimento que foi também o seguido nos recentes acórdãos deste TCA Sul de 15/01/2015, Proc. 11502/14; e de 12/02/2015, Proc. 11740/14; e de 06/11/2014, Proc. 10627/13, bem como nos anteriores acórdãos de 16/12/2013, Proc. 10159/13 e de 22/04/2010, Proc. 05901/10, disponíveis in, www.dgsi.pt/jcas.
Mantem-se, por conseguinte, naquele tipo de ações (que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade), a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas. Pelo que, para elas, não detêm os ministérios (em que se integrem os órgãos administrativos parte num contrato, no caso de ações sobre contratos, ou a quem sejam imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso de ações referentes a responsabilidade civil) personalidade judiciária.
Aqui chegados, e considerando que, como se viu, é de configurar que o processo aqui em causa respeita a ação sobre contrato, quem pode estar em juízo como réu é a pessoa coletiva Estado Português.
Errou pois a sentença recorrida ao entender diferentemente.
Merece, pois, também neste aspeto, provimento o recurso.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder total provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, baixando os autos ao Tribunal a quo para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
~
Custas pelo Recorrido Estado Português - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015
_____________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)

____________________________________________________
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

_____________________________________________________
Pedro José Marchão Marques