Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:480/21.0 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA EM PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO
EFEITO SUSPENSIVO 
Sumário:I. A impugnação judicial de actos de liquidação só tem efeito suspensivo se for garantido o pagamento da dívida liquidada, em conformidade com o estatuído no artigo 199.º do CPPT (cfr. artigo 169.º do CPPT).
II. O artigo 103.º, n.º 4 do CPPT confere a faculdade ao impugnante de prestar garantia no processo de impugnação, no prazo de 10 dias, após a notificação feita pelo Tribunal para o efeito, e caso a impugnação tenha sido apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, obsta à instauração do processo de execução fiscal.

III. Nada obsta, antes se impõe, atento um pedido formulado na impugnação para prestação de garantia, que esta seja prestada junto do Tribunal, faculdade que assiste ao impugnante nos termos legais aplicáveis (cfr. artigos 103.º, n.º 4 e 183.º, n.º 1, ambos do CPPT). Porém, o Tribunal a quo esquivou-se a apreciar o pedido que lhe estava dirigido, não podendo ignorar que a ausência de decisão, de deferimento ou indeferimento, poderia acarentar prejuízo para os interesses dos contribuintes.

IV. Efectivamente, a suspensão da impugnação, apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, com prestação de garantia, nos termos do artigo 103.º, n.º 4 do CPPT obsta a que seja instaurado processo de execução fiscal, enquanto a garantia prestada fora destas circunstâncias e no âmbito do processo de execução fiscal só suspende os termos da execução fiscal a partir do momento da sua prestação, mantendo intocáveis os actos praticados até esse momento.

V. Enquanto o executado/impugnante não for notificado pelo Tribunal, do montante fixado pelo Serviços de Finanças para prestar a garantia, nos termos requeridos na petição inicial, o processo de execução fiscal, ainda que possa ser sido instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido, ficando suspenso dentro do condicionalismo do disposto no artigo 169.º do CPPT.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

1. I. M. F. C. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente improcedente a reclamação por si apresentada contra o acto de penhora levado a cabo pelo Serviço de Finanças (SF) de Abrantes em 12/09/2018, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.° 1929201801059068 e apensos, referente ao prédio urbano sito na freguesia de F. Z., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3.. e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 3...

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A decisão constante da sentença de que se recorre, é errada, porquanto:

i) Na data em que foi instaurado o PEF, em 2018.07.12 [articulado 8°];

ii) Na legislação então em vigor, o n° 4 do artigo 103° do CPPT dizia: 4 - A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n. 1 a 6 e 10 do artigo 199.° (Redação dada pela Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro)/Articulados 9° a 12°]

iii) Por sua vez, o n° 8 do artigo 92° da LGT determinava: “8 - No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo. /Articulads 13 a 15]”;

iv) Não nos restam quaisquer dúvidas quanto ao parecer do PI e quanto à justa expetativa do contribuinte quando ele [PI] disse: O PI desvaloriza vários dos factos invocados pelos serviços para o recurso a métodos indiretos e considera que os mesmos não são enquadráveis na alínea d) do art.° 88° da Lei Geral Tributária. Não obstante, o RI apresenta um exercício coerente que poderá indiciar a omissão de vendas, assente contudo em dados subjetivos e não sindicáveis pelo PI, não tendo o Perito do Contribuinte apresentado dados contraditórios aos apresentados pela AT

v) Quando foi instaurada a execução fiscal, foi-o com infração à lei, já que não podia sequer existir execução fiscal, pelo simples facto de que a impugnação e o pedido feito ao Tribunal, para a dispensa ou a fixação da garantia, não permitia que a cobrança passa-se para execução fiscal [articulado 16°];

vi) E, a penhora do prédio nunca foi notificada à executada, e teria de o ser sempre, na pessoa o seu procurador, já então constituído [articulados 2° a 4°]

vii) e a penhora foi registada em 2018.09.18, é fácil concluir que a penhora terá sido feita antes;

viii) O contribuinte não fez prova da data da penhora, nem tinha de o fazer, pelo simples facto de que não foi dela notificado, e do auto de penhora é um documento de que a AT não deu conhecimento ao executado;

ix) Não há entendimento de que a data do registo corresponde à data da penhora

x) E, tanto que assim é que, o auto de penhora, teria sido remetido à CRP em 2018.09.10, ilegalmente, assim entendemos;

xi) O mandado de penhora a que se refere o n° 1 do artigo 215° do CPPT, manda que o auto de penhora deve ter um momento preciso para ser cumprido no prazo de 15 dias;

xii) O n° 4 do artigo 103° do CPPT ao atribuir ‘efeito suspensivo’ à impugnação, só pode ser aquele que, de resto, é o mais intuitivo ao intérprete: suspende-se todo o procedimento posterior de cobrança na fase em que se encontrar à data de apresentação do requerimento e até que a garantia seja prestada ou decorra o prazo para esse efeito fixado pelo tribunal;

xiii) Assim foi decidido, se bem que para a reclamação graciosa, no Ac. do STA de 2017.08.02, proferido no processo n° 0177/15, que aqui se chama à colação;

xiv) Pelo que vem dito, entendemos que errou, quer de facto, quer de direito, a decisão aqui sob recurso jurisdicional.


17°

DO PEDIDO:

A decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por que considere nula a penhora efetuada, bem como o respetivo processo executivo em que foi efetuada, por ter sido instaurado em data em que os devedores não se encontravam remissos.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA, por ser de:

LEI, DIREITO, E JUSTIÇA.»

3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi apresentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÃO A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença padece de erro de julgamento de direito ao julgar improcedente a reclamação e manter o acto de penhora, por violação do n.º 4, do artigo 103.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

«1. A Reclamante é casada com P. J. F. C. sob o regime de comunhão de adquiridos desde data concretamente não determinada, mas anterior a 26.11.2010 (cf. certidão a fls. 11 do SITAF);

2. Em 26.11.2010 foi registada a aquisição, pela Reclamante, do prédio urbano sito na freguesia de F. Z., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3.. e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 3.. (cf. certidão a fls. 11 do SITAF);

3. Em 15.05.2018 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da Reclamante e de P. J. F. C. a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.° 2018 5003686898, referente ao exercício de 2013, da qual resultou o valor a pagar de €54.969,90, até ao dia 25.06.2018 (cf. liquidação e acerto de fls. 32 e seguintes do Proc. n.° 671/18.1BELRA no SITAF);

4. Em 12.06.2018 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal impugnação judicial deduzida por P. J. F. C. contra a liquidação referida em 3., que aqui passou a correr termos sob o n.° 671/18.1BELRA (cf. registo de fls. 1 do Proc. n.° 671/18.1BELRA no SITAF);

5. Da impugnação referida em 4. constavam, entre outras, as seguintes menções (cf. petição de fls. 4 e seguintes do Proc. n.° 671/18.1BELRA no SITAF):

“(…)

O Impugnante vem, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 103o do Código de Procedimento e de Processo Tributário, requerer que lhe seja fixado o valor a garantir, para efeitos suspensivos do procedimento de cobrança, com os seguintes fundamentos:

i) Este pedido e a impugnação são apresentados dentro do prazo de cobrança voluntária;

ii) No procedimento de revisão da matéria coletável interveio perito independente, requerido pelo aqui impugnante;

iii No seu laudo, o perito independente disse: ‘O PI desvaloriza vários dos factos invocados pelos serviços para o recurso a métodos indiretos e considera que os mesmos não são enquadráveis na alínea d) do art.° 88° da Lei Geral Tributária. Não obstante, o RI apresenta um exercício coerente que poderá indiciar a omissão de vendas, assente contudo em dados subjetivos e não sindicáveis pelo PI, não tendo o Perito do Contribuinte apresentado dados contraditórios aos apresentados pela AT’;

iv) Apesar do ofício n° 1501, de 2018.04.15 conter a seguinte expressão: ‘Esta decisão, foi proferida nos termos do n° 7 do já referido art.° 92° da Lei Geral Tributária, não tendo o perito independente aderido à posição do contribuinte.’

v) Entende o aqui impugnante que o parecer do perito independente foi, totalmente, conforme ao do perito do contribuinte;

vi) E, que, assim, não haverá valor a garantir;

vii) Mas por que poderá não ser este o melhor entendimento, vem requerer a V. Exa. a fixação do valor a garantir, se for caso disso, para ser prestada garantia nos precisos termos dos números 1 ou 2 do artigo 199° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, nos 10 dias posteriores à notificação para o efeito a fazer por esse Tribunal.

viii) Espera deferimento.

(…)’’

6. Em 02.07.2018 o SF de Abrantes instaurou contra P. J. F. C. o PEF n.° 1929201801061046, para cobrança coerciva da liquidação referida em 3. (cf. auto e certidões de fls. 1 e seguintes do processo executivo);

7. Em 02.07.2018 o SF de Abrantes dirigiu à Reclamante Citação Pessoal no âmbito do PEF n.° 1929201801061046 (cf. citação de fls. 241 do SITAF);

8. Em 03.07.2018 o SF de Abrantes depositou na caixa postal eletrónica de P. J. F. C. do ViaCTT Citação Pessoal no âmbito do PEF n.° 1929201801061046 (cf. citação de fls. 137 do Proc. n.° 878/18.1BELRA);

9. Em 09.07.2018 P. J. F. C. acedeu à sua caixa postal eletrónica do ViaCTT (cf. print de fls. 137 verso do Proc. n.° 878/18.1BELRA);

10. Em 10.07.2018 a Reclamante rececionou o ofício referido em 7. (cf. data e assinatura apostas no aviso de receção de fls. 242 do SITAF);

11. Em 24.07.2018 P. J. F. C. apresentou, junto do SF de Abrantes, oposição ao PEF n.° 1929201801061046, que neste Tribunal Administrativo e Fiscal corre termos sob o n.° 878/18.1BELRA (cf. correio eletrónico de fls. 2 do Proc. n.° 878/18.1BELRA);

12. Em 09.08.2018 o SF de Abrantes dirigiu ao mandatário de P. J. F. C. o ofício n.° 699/JT/18, pelo qual lhe comunicava que dispunha do prazo de quinze dias para prestar garantia, no valor de €70.092,24, a fim de assegurar a suspensão do PEF n.° 1929201801061046 (cf. ofício junto como doc. n.° 2 da resposta);

13. O ofício referido em 12. foi remetido através de correio registado com o n.° RH 0931 5453 7 PT (cf. registo junto como doc. n.° 2 da resposta);

14. Em 20.08.2018 P. J. F. C. apresentou, junto do SF de Abrantes, pedido de suspensão do PEF n.° 1929201801061046, por ter apresentado impugnação judicial da liquidação de IRS referente ao exercício de 2013, na qual pediu ao Tribunal a fixação do valor a garantir para efeitos de suspensão da cobrança (cf. requerimento de fls. 11 e seguintes do processo executivo);

15. Em 03.09.2018 foi proferido despacho no âmbito do processo de impugnação judicial n.° 671/18.1BELRA, com o seguinte teor (cf. despacho de fls. 308 e seguintes do SITAF):

“(…)

Do pedido de atribuição de efeito suspensivo à presente Impugnação, sem prestação de garantia, ou assim não se entendendo da indicação do valor da garantia a prestar.

A título de questão prévia, ao abrigo o disposto no artigo 103.°, n.° 4 do CPPT, o Impugnante requer ao Tribunal a atribuição de efeito suspensivo à presente Impugnação, alegando que o parecer do perito independente no procedimento de revisão foi, totalmente, conforme ao do perito do contribuinte, pelo que o referido efeito suspensivo deve a seu ver ser determinado com dispensa de prestação de garantia, nos termos do disposto no n.° 8 do artigo 92.° da LGT, ou, assim não se entendendo, requer que seja fixado o valor para prestação de garantia, nos termos do disposto no artigo 199.° do CPPT [juntando cópias da notificação da decisão do pedido de revisão e laudos dos peritos].

A Fazenda Pública, notificada para o exercício do contraditório, relativamente aos pedidos supra sintetizados, veio dizer que o parecer do perito independente não foi conforme ao do perito do sujeito passivo, pelo que não existe fundamento legal para o efeito suspensivo ao abrigo do disposto no n.° 8 do artigo 92.° da LGT, informando ter sido extraída certidão de dívida e instaurada a execução fiscal correspondente.

(...)

(...), sempre que o parecer do perito independente seja conforme com o parecer do perito do contribuinte e o órgão competente da administração tributária resolver em sentido diferente, a eventual reclamação graciosa ou impugnação judicial apresentadas pelo contribuinte contra o ato de liquidação têm efeito suspensivo, sem ser necessária a prestação de uma garantia idónea, relativamente à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos acordaram ser excessiva, nos termos do artigo 92.°, n.° 8, da LGT, afastando-se assim o regime de suspensão da execução fiscal, previsto no artigo 52.°, n.°s 1 e 2, da LGT e nos artigos 169.°, n.°s 1, 2 e 13, 199.° e 195.° do CPPT.

(...)

Ora, considerando os factos assentes, quanto ao essencial do teor dos pareceres do perito independente e do perito do contribuinte ali acolhidos por transcrição, verifica-se que o teor do parecer do perito independente não se mostra conforme ao do perito do contribuinte e nem se pode dizer que aqueles pareceres, não sendo conformes, coincidam parcialmente no seu resultado quanto à não inclusão de determinado valor na matéria coletável.

Da análise dos respetivos pareceres, apenas para efeitos do que aqui importa resolver - conformidade ou coincidência do que resulta do parecer do perito independente e do parecer do perito do contribuinte - conclui-se que o primeiro não excluiu a existência de um contexto válido para o apuramento da matéria coletável de forma indiciária, considerando que o relatório inspetivo integra um exercício coerente que poderá indiciar a omissão de vendas, assente contudo em dados subjetivos e por si não sindicáveis, sendo que o perito do contribuinte não apresentou dados contraditórios aos apresentados pela AT.

Deste modo, a presente impugnação da liquidação não tem efeito suspensivo, independentemente de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no artigo 92.°, n.° 8 da LGT, porque não se verifica que exista uma parte da liquidação que tenha por base matéria coletável em relação à qual o perito independente e o perito do contribuinte tenham dado pareceres conformes em sentido contrário ao decidido no ato de fixação.

Face ao que antecede, não reconheço à presente impugnação judicial efeito suspensivo sem ser necessária a prestação de uma garantia idónea, nos termos do n.° 8 do artigo 92.° da LGT e, não se encontrando por esta via afastado o regime de suspensão da execução fiscal previsto no artigo 52.°, n.°s 1 e 2, da LGT e nos artigos 169.°, n.°s 1, 2 e 13, 199.°e 195.°do CPPTe, tendo sido instaurada execução fiscal com vista à respetiva cobrança, o pedido de determinação do valor da garantia a prestar com vista à suspensão da execução deve ser dirigido ao órgão de execução fiscal.

(…)’’

16. Em 10.09.2018 P. J. F. C. apresentou reclamação do despacho referido em 15. (cf. reclamação de fls. 318 e seguintes do Proc. n.° 671/18.1BELRA no SITAF);

17. Em 12.09.2018 o prédio urbano sito na freguesia de F. Z., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3.. e registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 3.. foi penhorado à ordem do PEF n.° 1929201801061046 e a favor da Fazenda Nacional, pelo valor de €56.242,04 (cf. certidão a fls. 12 do SITAF);

18. Em 25.09.2018 o SF de Abrantes depositou na caixa postal eletrónica de P. J. F. C. no ViaCTT Citação Pessoal e Notificação de penhora no âmbito do PEF n.° 1929201801061046, relativa à penhora referida em 17. (cf. ofício de fls. 239 do SITAF e comprovativo junto como doc. n.° 1 da resposta);

19. Em 25.09.2018 o documento referido em 18. foi aberto (cf. comprovativo junto como doc. n.° 1 da resposta);

20. Em 09.10.2018 a reclamação referida em 16. foi indeferida (cf. despacho de fls. 331 do Proc. n.° 671/18.1BELRA no SITAF);

21. Em 24.10.2018 o Chefe de Finanças Adjunto do SF de Abrantes indeferiu o pedido de suspensão formulado por P. J. F. C. e referido em 14. (cf. despacho de fls. 31 do processo executivo).


*

Com interesse para a decisão da reclamação, não logrou provar-se:

A. Que a Reclamante tenha, por qualquer forma, sido notificada da penhora referida em 17..


*

De acordo com o disposto no n.° 4 do artigo 607.° do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.° do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.

Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 21., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pela Reclamante com o seu articulado inicial, mas também pelo órgão da execução fiscal ao remeter ao Tribunal os elementos solicitados na pendência do processo, sem que qualquer das partes tivesse apresentado oposição à sua junção ou por qualquer forma procedido à sua impugnação, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório - cf. artigos 374.° e 376.° do Código Civil.

Determinante se revelou também a consulta à plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, SITAF, à qual a signatária tem acesso por força do exercício das suas funções, e que permitiu a consulta dos processos pendentes neste Tribunal em nome da Reclamante e do seu cônjuge, designadamente os referentes a dívidas de IRS referentes ao ano de 2013, que aqui relevam.


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No que ao facto dado como não provado concerne, verifica-se que seria o mesmo um facto essencial respeitante à matéria de exceção alegada pela Fazenda Pública, que não vem comprovado por qualquer dos elementos juntos aos autos, matéria que será retomada em sede de fundamentação de direito.

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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.»

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2. ADITAMENTO OFICIOSO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

22. Na impugnação judicial identificada no ponto 4 supra foi requerido ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 103.º do CPPT, a fixação de valor para prestação de garantia para efeitos suspensivos do procedimento de cobrança da liquidação de IRS impugnada, nos termos do artigo 199.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT, cuja fundamentação e pedido são transcritos na integra no ponto 5 supra (cfr. ponto 4 p.i., processo electrónico na plataforma informática do SITAF);

23. O prédio penhorado no âmbito do processo de execução fiscal e melhor identificado no ponto 17 supra, tem o valor patrimonial de € 30.711,95 (cfr. fls. 311 a 313 do processo electrónico na plataforma informática SITAF).


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3. DE DIREITO

Está em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a Reclamação interposta pela ora Recorrente do acto de penhora, efectuado no âmbito do processo executivo que corre termos no Serviço de Finanças de Abrantes, por ter concluindo inexistir motivos para o anular.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido insistindo, em síntese, que o PEF não podia ter sido instaurado na data em que o foi, por o seu marido P. J. F. C. ter deduzido impugnação contra a liquidação de IRS, com efeito suspensivo nos termos do n.º 4, do artigo 103.º do CPPT, no âmbito da qual foi pedido a dispensa ou a fixação da garantia, e que encontrando-se suspenso todo o procedimento posterior à cobrança até que a garantia seja prestada ou decorra o prazo para esse efeito fixado pelo tribunal, não podia ter sido penhorado o prédio, pretendo, assim, a revogação da sentença recorrida e a declaração de nulidade da penhora efectuada, bem como o respectivo processo executivo em que aquela foi efectuada.

Vejamos, então.

A cobrança coerciva das dívidas tributárias é realizada através do processo de execução fiscal, regulado nos termos dos artigos 103.º da LGT e 148.º e segs. do CPPT.

Aos serviços da administração tributária cabe, nomeadamente, instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os actos jurisdicionais previstos no n.º 1 do artigo 151.º do CPPT (artigo 10,.º, n.º 1, alínea f) do CPPT).

Findo o prazo de pagamento voluntário do imposto, sem que tal pagamento se mostre efectuado, é extraída certidão de dívida pelos serviços competentes, após o que compete aos serviços de finanças instaurar o processo de execução fiscal e realizar os actos a este respeitantes (cfr. artigos 10.º, n.º 1, alínea f) e 88.º, n.ºs 1 e 4, ambos do CPPT).

O artigo 36.º, n.ºs 2 e 3 da LGT estabelecem que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a Administração Tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias ou suspender a execução fiscal, salvo nos casos expressamente previsto na lei (cfr. artigo 85.º, n.º 3 do CPPT).

O processo de execução fiscal só poderá ser suspenso dentro do circunstancialismo previsto artigo 169.º do CPPT.

Das normas transcritas resulta que com a extracção de certidão de dívida, após o decurso do prazo voluntário de pagamento, os competentes serviços de finanças deverão proceder obrigatoriamente à instauração do processo de execução fiscal, independentemente da pendência de acção de impugnação da liquidação da dívida tributária.

A instauração da execução fiscal não obriga à imediata apreensão de bens do executado, antes deve verificar-se entre esses dois momentos distintos e definidos claramente na lei a pratica de outros actos, designadamente, o chamamento do executado, através da citação, ao processo executivo.

No que respeita à apreensão de bens e sua afectação aos fins da execução fiscal, regulam os artigos 215.º e segs. do CPPT

Quanto ao momento em que se deve realizar a penhora, a regra é a de que só se praticam actos desta natureza após o decurso do prazo de 30 dias concedido ao executado para deduzir oposição à execução fiscal (cfr. artigos 194.º, 203.º, n.º 1 e 215.º, n.º 1, todos do CPPT).

Porém, a situação dos autos tem particularidades que importa enquadrar.

Como já se viu, em regra, a impugnação judicial de actos de liquidação só tem efeito suspensivo se for garantido o pagamento da dívida liquidada, em conformidade com o estatuído no artigo 199.º do CPPT (cfr. artigo 169.º do CPPT).

O artigo 103.º, n.º 4 do CPPT confere a faculdade ao impugnante de prestar garantia no processo de impugnação, no prazo de 10 dias, após a notificação feita pelo Tribunal para o efeito, e caso a impugnação tenha sido apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, obsta à instauração do processo de execução fiscal (vide neste Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, nota 8 ao artigo 103.º, págs. 175 a 176).

O executado P. J. F. C., marido da ora Recorrente, apresentou impugnação judicial contra a liquidação de IRS ainda dentro do prazo de pagamento voluntário do tributo, aí requerendo o efeito suspensivo da impugnação da liquidação, nos termos do artigo 199.º do CPPT, e a notificação do valor para prestação da garantia no prazo de 10 dias, ao abrigo do disposto n.º 4, do artigo 103.º do CPPT.

Nesta situação, a prestação de garantia obsta a que seja instaurado processo de execução fiscal.

Porém, o TAF de Leiria não reconheceu efeito suspensivo à impugnação judicial sem ser necessária a prestação de garantia (artigo 92.º, n.º 7 da LGT), e quanto ao segundo pedido formulado pelo Impugnante relativo à prestação de garantia junto do tribunal, entendeu que o pedido de prestação de garantia deveria ser dirigido ao órgão de execução fiscal, por à data já se encontrar instaurada execução fiscal (cfr. ponto 15 do probatório).

Adianta-se, desde já, que é nosso entendimento que apesar de já se encontrar instaurada execução fiscal à data da apreciação do pedido de prestação de garantia, tal não impede que a garantia seja prestada perante o Tribunal e no prazo, mais curto, de 10 dias, em obediência ao preceituado no artigo 103.º, n.º 4, do CPPT, faltando base legal para a não apreciação do pedido pelo tribunal.

Aliás, se o Tribunal tivesse sido diligente na apreciação do aludido requerimento do impugnante, eventualmente a prestação de garantia obstaria a que fosse instaurado o processo de execução fiscal.

Os autos não esclarecem a razão de ter sido instaurado o processo de execução fiscal, com base na certidão da dívida, extraída nos termos dos artigos 88.º, n.ºs 1 e 4 e 162.º do CPPT, ao invés de aguardar pela decisão judicial que iria recair sobre o pedido de prestação de garantia do impugnante.

Para que tal ocorresse seria necessário que o órgão de execução fiscal tivesse conhecimento da apresentação da impugnação judicial e do pedido de prestação de garantia aí formulado.

Não resulta dos autos que tenha sido dado conhecimento em momento anterior à emissão da certidão e subsequente instauração da execução fiscal, reforçado pela proximidade das datas do termo do pagamento voluntário, apresentação da petição inicial de impugnação judicial no tribunal e instauração do processo de execução fiscal.

De realçar que, apesar de já se encontrar instaurada execução fiscal, esta poderá ser suspensa com a prestação de garantia também no âmbito do processo de execução fiscal, não obstante o pedido formulado na impugnação judicial (cfr. 52.º, n.º 4 da LGT, 170.º e 199.º do CPPT). Todavia, os efeitos da suspensão da execução fiscal são diferentes.

Na verdade, nada obsta, antes se impõe, atento um pedido formulado na impugnação para prestação de garantia, que esta seja prestada junto do Tribunal, faculdade que assiste ao impugnante nos termos legais aplicáveis (cfr. artigos 103.º, n.º 4 e 183.º, n.º 1, ambos do CPPT). Porém, o Tribunal a quo esquivou-se a apreciar o pedido que lhe estava dirigido, não podendo ignorar que a ausência de decisão, de deferimento ou indeferimento, poderia acarentar prejuízo para os interesses dos contribuintes.

Por outro lado, em 09/08/2018, o órgão de execução fiscal notificou o executado P. J. F. C. de que dispunha do prazo de 15 para prestar garantia, no valor de € 70.092,24, a fim de assegurar a suspensão do PEF (ponto 12 do probatório).

No entanto, tal notificação não devia ter ocorrido, atento o requerimento constante da impugnação judicial, pois, era ao tribunal que competia a notificação do interessado para prestar garantia (cfr. artigo 103.º, n.º 4 do CPPT), e na data de 09/08/2018 ainda não tinha sido proferido despacho judicial sobre o pedido de prestação de garantia no âmbito da impugnação judicial, o que só veio a ocorrer em 03/09/2018, nos moldes supra referidos (cfr. ponto 15 do probatório).

Assim, como já se viu, foi instaurada impugnação judicial contra a liquidação de IRS em momento anterior ao termo do prazo de pagamento voluntário, na qual em 03/09/2018 não foi reconhecimento o efeito suspensivo à impugnação da liquidação sem a prestação de garantia, remetendo o impugnante para os serviços de finanças para aí ser prestada garantia a fim do impugnante obter a suspensão da execução fiscal. Posteriormente, foi penhorado em 12/09/2018 o prédio urbano, melhor identificado no ponto 17 do probatório, cujo valor patrimonial é inferior ao valor da divida exequenda e acrescido.

Relembremos o que consta do probatório:

- em 25/06/2018 terminou o prazo voluntário de pagamento do IRS do ano de 2013 (cfr. ponto 3 do probatório);

- - em 12/06/2018 foi apresentada no TAF de Leiria impugnação contra a liquidação de IRS, do exercício de 2013, na qual foi requerida a prestação de garantia nos termos do artigo 199.º do CPPT (cfr. pontos 4 e 5 do probatório);

- em 02/07/2018, o Serviço de Finanças de Abrantes instaurou o PEF para cobrança da referida liquidação de IRS (cfr. ponto 6 do probatório);

- em 09/07/2018, P. J. F. C. foi citado para os termos da execução fiscal (cfr. pontos 8 e 10 do probatório);

- em 10/7/2018, a ora Recorrente foi citada para os termos da execução fiscal (cfr. pontos 7 e 10 do probatório);

- em 09/08/2018, o Serviço de Finanças de Abrantes notificou P. C., na pessoa do seu mandatário, de que dispunha do prazo de 15 dias para prestar garantia a fim de assegurar a suspensão do PEF (cfr. pontos 12 e 13 do probatório);

- em 03/09/2018, foi proferido despacho no âmbito do processo de impugnação judicial que indeferiu o pedido de reconhecimento do efeito suspensivo sem prestação de garantia, ao abrigo no n.º 4, do artigo 103.º do CPPT, e que o pedido de determinação do valor da garantia deveria ser dirigido ao processo de execução fiscal (cfr. ponto 15 do probatório);

- em 12/09/2018 foi realizada a penhora sobre o prédio urbano inscrito na matriz predical sob o artigo 3231 (cfr. ponto 17 do probatório);

- em 25/09/2018, P. C. foi notificado da penhora do prédio urbano (cfr. pontos 18 e 19 do probatório).

Em resumo, da matéria de facto dada como assente, resulta que a penhora foi realizada depois do indeferimento do pedido de efeito suspensivo à impugnação judicial sem prestação de garantia, e que o Tribunal se demitiu da sua obrigação de averiguar junto do competente serviço de finanças qual o montante da garantia a prestar, a que estava adstrito nos termos do preceituado no n.º 4, do artigo 103.º do CPPT, decidido em conformidade.

É quanto basta para concluir que a Reclamante tem razão no que alega, designadamente, que à data da realização da penhora o processo de execução fiscal ainda se encontrava suspenso, por força do estatuído no n.º 4, do artigo 103.º do CPPT.

Reitera-se que não se concorda com o entendimento vertido no despacho proferido na impugnação judicial de que por motivo de se encontrar instaurada execução fiscal o pedido de determinação do valor da garantia a prestar com vista à suspensão devia ser dirigido ao órgão de execução fiscal (cfr. ponto 15 do probatório).

Efectivamente, a suspensão da impugnação, apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, com prestação de garantia, nos termos do artigo 103.º, n.º 4 do CPPT obsta a que seja instaurado processo de execução fiscal, enquanto a garantia prestada fora destas circunstâncias e no âmbito do processo de execução fiscal só suspende os termos da execução fiscal a partir do momento da sua prestação, mantendo intocáveis os actos praticados até esse momento.

Mas, importa não perder de vista que a questão em apreciação nos autos é a de saber se o Tribunal a quo errou ao manter o acto de penhora por não padecer de qualquer ilegalidade.

Atentemos com maior acuidade sobre cada uma das questões suscitadas nos autos e como as mesmas foram apreciadas pela 1.ª instância.

A decisão a quo para decidir pela legalidade do acto de penhora proferiu o seguinte discurso fundamentador:

(…) a questão que a Reclamante traz ao conhecimento do Tribunal se prende com a legalidade da penhora efetuada sobre o bem imóvel de que é proprietária, no âmbito de processo executivo que no SF de Abrantes. Está em causa, em concreto, um pedido formulado pelo seu cônjuge em processo de impugnação da liquidação que está na base da instauração desse mesmo processo de que fosse reconhecido efeito suspensivo a esse mesmo processo de impugnação, nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 103.° do CPPT.

Vejamos então antes de mais o que dispunha aquele preceito legal, sob a epígrafe Apresentação. Local. Efeito suspensivo, na redação aplicável durante o ano de 2018, por ser o ano de apresentação daquela impugnação:

“4 - A impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.os 1 a 6 e 10 do artigo 199.°”

E aquilo que pedia o cônjuge da Reclamante no âmbito do Proc. n.° 671/18.1BELRA era, portanto, a atribuição de efeito suspensivo à impugnação por via deste normativo, com dispensa de prestação de garantia ou com notificação do Tribunal para prestar essa mesma garantia. Entende a Reclamante então que, até ao momento em que o Tribunal decidisse a atribuição de efeito suspensivo, ou a sua denegação, deveria o órgão da execução fiscal aguardar, abstendo-se designadamente de praticar atos lesivos da sua propriedade, como é o caso do ato de penhora que aqui está em crise.

Cumpre desde já referir que não se ignora que este Tribunal, em reclamações apresentadas pelo cônjuge da Reclamante acerca de questão idêntica à que ora se discute, propendeu no sentido de conceder provimento à sua pretensão, o que sucedeu nos processos n.° 974/18.5BELRA e n.° 1327/18.0BELRA.

Aí foi entendido que os atos da execução fiscal deveriam ter ficado suspensos até à decisão judicial sobre aquele pedido de concessão de efeito suspensivo à impugnação, entendimento que aliás encontra apoio na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a qual tem decidido no sentido da existência de um efeito paralisante e transitório da impugnação em relação à exequibilidade da dívida quando acompanhada do pedido de prestação de garantia ou da sua dispensa (cf. os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29.01.2013, Proc. n.° 06205/12, e do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.12.2014, Proc. n.° 00852/13.4BECBR, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Não ignorando nem discordando do entendimento seguido por este Tribunal em casos anteriores e perfilhado nos acórdãos supra referidos, temos de reconhecer ser substancialmente diferente daqueles casos a situação fáctica que aqui nos é apresentada, o que implicará como veremos uma solução diferente para este caso concreto.

De facto, aquilo que temos no caso concreto é um ato de penhora praticado em momento posterior ao momento em que o Tribunal decidiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo à impugnação judicial, tendo como é sabido decidido no sentido do seu indeferimento.

Efetivamente, a penhora foi levada a cabo no dia 12.09.2018, e a decisão de indeferimento da atribuição do referido efeito suspensivo data de 03.09.2018, o que significa que, no momento em que foi efetivada a penhora, já não se verificava aquele efeito paralisante transitório que acima identificámos, por já não existir pedido de efeito suspensivo pendente, que neste momento tinha já sido decidido pelo Tribunal.

Poderia argumentar-se, ainda assim, que o despacho proferido no âmbito da impugnação n.° 671/18.1BELRA não tinha ainda transitado em julgado, por ser passível de recurso ordinário, nos termos do artigo 285.° do CPPT, que à data ainda se encontrava em rigor - mas sem razão, como veremos.

Na verdade, sem prejuízo de o despacho de indeferimento acima melhor identificado ser passível de recurso nos termos supra enunciados, a verdade é que o recurso sempre teria efeito meramente devolutivo, por ser essa a regra no processo judicial tributário, nos termos do n.° 2 do artigo 286.° do CPPT, o que significa que não existiria, legalmente, qualquer óbice a que o processo de execução fiscal prosseguisse os seus trâmites, designadamente através da prática de atos de penhora como é aquele que nos presentes é reclamado.

Também a reclamação apresentada pelo cônjuge da Reclamante, por não ser legalmente admissível e por esse motivo ter sido indeferida, nunca poderia ser tomada como um obstáculo à regular tramitação do processo executivo e à levada a cabo de atos tendentes a garantir a dívida exequenda, pelo que também por este prisma não podemos considerar assistir razão à Reclamante.

Também não assiste razão à Reclamante quando afirma que, tendo em 09.08.2018 sido o seu cônjuge notificado para prestar garantia no prazo de 15 dias, não poderia ter a penhora ocorrido antes de decorrido esse mesmo prazo.

Com efeito, como resulta do artigo 39.° do CPPT, as notificações feitas através de correio registado, como é o caso daquela notificação para efeitos de prestação de garantia, presumem- se feitas no terceiro dia útil posterior ao do registo, que corresponde no caso concreto ao dia 13.08.2018. Significa isto que o cônjuge da Reclamante tinha até ao dia 28.08.2018 para prestar garantia, uma vez que este prazo se conta nos termos do n.° 2 do artigo 20.° do CPPT, por ser o processo de execução fiscal um processo judicial (v., por todos, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2012, Proc. n.° 059/12, disponível em www.dgsi.pt).

E, calhando o último dia do prazo em dia correspondente a férias judiciais, nos termos do artigo 28.° da Lei n.° 62/2013, de 26 de agosto, transfere-se o mesmo para o primeiro dia após essas férias, correspondente no caso concreto ao dia 03.09.2018, nos termos do n.° 2 do artigo 138.° do CPC.

Assim, também por este prisma nada obstaria à penhora ocorrida no dia 12.09.2018, por já ter decorrido o prazo concedido para o efeito da prestação de garantia ao cônjuge da Reclamante.

Atento o que vimos expondo, não se verifica a ilegalidade apontada pela Reclamante ao ato de penhora, inexistindo motivos para o anular, pelo que haverá que julgar a reclamação totalmente improcedente, conforme a final se determinará.

O assim fundamentado e decidido, embora se compreenda o esforço argumentativo, não merece a nossa concordância.

Em primeiro lugar, não se acompanha o entendimento de que à data de 12/09/2018 já não se verificava o efeito paralisante transitório da suspensão da execução fiscal, uma vez que, o que foi indeferido foi o efeito suspensivo da impugnação sem prestação de garantia, tendo a Mma. Juiz a quo titular da impugnação n.º 671/18.1BELRA remetido o impugnante, a nosso ver mal, para o procedimento de prestação de garantia perante a administração tributária, tendo referido que não se encontrando por esta via afastado o regime de suspensão da execução fiscal previsto no artigo 52.°, n.°s 1 e 2, da LGT e nos artigos 169.°, n.°s 1, 2 e 13, 199.°e 195.°do CPPT e, tendo sido instaurada execução fiscal com vista à respetiva cobrança, o pedido de determinação do valor da garantia a prestar com vista à suspensão da execução deve ser dirigido ao órgão de execução fiscal (cfr. ponto 15 do probatório).

Ora, a aceitar-se o assim decidido tinha o interessado o prazo de 10 dias para requerer a determinação do valor da garantia ao órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 199.º do CPPT. Contudo, antes mesmo de ter decorrido o referido prazo de 10 dias, já o órgão de execução fiscal tinha procedido à penhora do bem imóvel.

Com efeito, atento que o despacho em apreço foi proferido em 03/09/2018, notificado no dia seguinte, presume-se a sua notificação no dia 07/09/2018, ocorrendo o termo do prazo de 10 dias em 17/09/2018, ou seja, em data posterior à da realização da penhora do prédio urbano.

Ocorre, assim, um motivo para a suspensão provisória da execução fiscal até à decisão do pedido de fixação do montante da garantia que o impugnante pediu para prestar na impugnação judicial, onde deve ser prestada, a que se seguirá, no caso de ele a prestar, uma suspensão definitiva da execução fiscal, e caso não preste a garantia e venha a ser penhorado um bem que garanta a dívida exequenda e acrescido poderá igualmente a execução fiscal ser suspensa.

Em segundo lugar, a prestação de garantia embora se destine a obter directamente o efeito suspensivo do processo de execução fiscal, também pode destinar-se a atribuir efeito suspensivo a um recurso jurisdicional, nos termos do artigo 286.º, n.º 2 do CPPT.

Sobre um caso em tudo semelhante ao dos presentes autos pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Norte em acórdão de 27/03/2008, proferido no processo n.º 01832/07, cujo discurso fundamentador perfilhamos e, com a devida vénia, transcrevemos o seguinte excerto:

«Versando, em particular, a previsão do art. 103.º n.º 4 CPPT, é tautológico afirmar estarmos em presença de uma faculdade concedida ao contribuinte de pedir, requerer, ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar, de fixar, o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir, outorgar, efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida. Esta conclusão deriva de o normativo em apreço estabelecer que o requerimento para prestação de garantia seja formulado no âmbito do processo de impugnação judicial e, sobretudo, da previsão de que esta venha a ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para tanto, concretizada pelo tribunal.

Já no que tange às incidências e repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa, destacadamente, ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4.ª Edição, Vislis, pág. 467.
Balizada, desta forma, a normatividade que emerge do
art. 103.º n.º 4 CPPT, sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal possibilidade, faculdade, legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para accionar o versado mecanismo de lei. Logo, se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos Embora fora do âmbito deste recurso, entendemos que, estando em causa a prestação de uma garantia, se deve seguir a via de processar o respectivo incidente por apenso, à semelhança, com as necessárias adaptações, do previsto, para a figura próxima da prestação espontânea de caução, nos arts. 988.º e 990.º CPC. e diligências Porque a prestação da garantia tem de respeitar os critérios e termos previstos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, necessariamente, uma das diligências a promover passa por solicitar ao órgão da execução fiscal o apuramento do quantum em que se deve fixar a garantia adequada, por aí residir a informação a considerar para o efeito. pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo, em princípio, com o ordenar da notificação do representante da Fazenda Pública, nos termos e para os efeitos do art. 110.º n.º 1 CPPT.

Assim se devendo actuar, para cumprimento da lei, em face do supra já mencionado, não restam dúvidas que, na situação julganda, o TAF do Porto, a que foi apresentada uma petição de impugnação judicial com pedido, incorporado, de prestação de garantia nos termos e para os efeitos do art. 103.º n.º 4 CPPT, descurou o tratamento imediato e decisão prévia, liminar, da pretensão em causa, como se lhe impunha. Ora, in casu, esta omissão de imediata e atempada pronúncia foi determinante, decisiva, para que, não se possibilitando a prestação da proposta garantia, a impugnação judicial fosse coberta, desde a data da respectiva apresentação, pelo almejado efeito suspensivo, o que seria fundamento, apoio, bastante para, como acima assentámos, impedir a extracção da certidão de dívida e sequente instauração do processo de execução fiscal, no âmbito do qual veio a ser proferido o despacho reclamado. Obviamente, não colhe, como se argumentou na sentença recorrida, atribuir a culpa do sucedido ao facto de o impugnante apenas em 25.5.2007 ter dado conhecimento ao órgão da execução fiscal da apresentação do processo de impugnação judicial. Esta comunicação podendo encerrar, por exemplo, os efeitos previstos no art. 169.º n.º 4 CPPT, jamais dispensava ou substituía a actuação imposta, por lei e vinda de caracterizar, ao tribunal receptor do processo de impugnação.

Neste cenário, o despacho sob reclamação, apesar de não desrespeitar, de forma directa, a previsão do escalpelizado art. 103.º n.º 4 CPPT, apresenta-se-nos, reflexamente, inquinado pelo facto de o tribunal competente, para os termos do apresentado processo de impugnação judicial, se ter, ostensivamente, demitido da imposição do mesmo decorrente de deferir ou indeferir a requerida, pelo aí impugnante, ora Rte, prestação de garantia, susceptível de induzir eficácia suspensiva nesse processo, a qual, além do mais, seria capaz de impedir a instauração do presente processo de execução fiscal. Deste modo, o contribuinte/impugnante viu, por efeito da actuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um acto (a emissão do despacho reclamado) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, à qual importa pôr cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório. Após, em função do que vier a ser decidido e produzido com relação a tal aspecto, impor-se-á retirar e actuar todas as implicações, designadamente, ao nível dos termos deste processo de execução fiscal, não se olvidando que, a existir efeito suspensivo, se têm de reportar as respectivas consequências à data em que foi apresentada a impugnação judicial.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Nos presentes autos, o procedimento de prestação de garantia mostra-se também inquinado a partir do momento em que o requerimento do impugnante não teve no processo de impugnação judicial o tratamento previsto na lei.

Assim, enquanto o executado P. C. não for notificado pelo Tribunal, do montante fixado pelo Serviços de Finanças para prestar a garantia, nos termos requeridos na petição inicial, o processo de execução fiscal, ainda que possa ser sido instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido, ficando suspenso dentro do condicionalismo do disposto no artigo 169.º do CPPT.

Concluindo, o requerimento apresentado para prestação de garantia na impugnação judicial devia ter originado uma decisão de deferimento ou indeferimento, e como ainda não ocorreu uma decisão sobre o pedido de prestação de garantia, tal impede o desenvolvimento dos termos processuais do processo de execução fiscal, determinando a anulação da penhora efectuada, acto em crise nos presentes autos.

Termos em que não se pode confirmar a sentença recorrida.

A Recorrente peticiona a extinção do processo de execução fiscal, porém, tal questão e pedido não foram suscitados na petição inicial e, por isso, também não foram apreciados pelo Tribunal a quo.

Constitui, assim, uma questão nova.

Ora, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores (visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma ou de fundo), e não a criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal e que se recorre.

Acresce que o processo de reclamação previsto no artigo 276.º e segs. do CPPT, tem natureza meramente impugnatória, pelo que o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ocorreu, estando impedido de substitui-se ao órgão de execução fiscal e proferir decisões sobre questões não integrantes do acto impugnado, nem anteriormente apreciadas (vide ac. do STA de27/01/2016, proc. 043/16, disponível em www.dgsi.pt/).

Em todo o caso, sempre se dirá que o meio processual adequado a obter a extinção do processo de execução fiscal é a oposição (cfr. artigo 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT).

Nos termos supra expostos, impõe-se revogar a decisão da primeira instância, que assim não decidiu e anular o acto de penhora do imóvel identificado no ponto 17 dos factos provados.


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Conclusões/Sumário:

I. A impugnação judicial de actos de liquidação só tem efeito suspensivo se for garantido o pagamento da dívida liquidada, em conformidade com o estatuído no artigo 199.º do CPPT (cfr. artigo 169.º do CPPT).

II. O artigo 103.º, n.º 4 do CPPT confere a faculdade ao impugnante de prestar garantia no processo de impugnação, no prazo de 10 dias, após a notificação feita pelo Tribunal para o efeito, e caso a impugnação tenha sido apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, obsta à instauração do processo de execução fiscal.

III. Nada obsta, antes se impõe, atento um pedido formulado na impugnação para prestação de garantia, que esta seja prestada junto do Tribunal, faculdade que assiste ao impugnante nos termos legais aplicáveis (cfr. artigos 103.º, n.º 4 e 183.º, n.º 1, ambos do CPPT). Porém, o Tribunal a quo esquivou-se a apreciar o pedido que lhe estava dirigido, não podendo ignorar que a ausência de decisão, de deferimento ou indeferimento, poderia acarentar prejuízo para os interesses dos contribuintes.

IV. Efectivamente, a suspensão da impugnação, apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, com prestação de garantia, nos termos do artigo 103.º, n.º 4 do CPPT obsta a que seja instaurado processo de execução fiscal, enquanto a garantia prestada fora destas circunstâncias e no âmbito do processo de execução fiscal só suspende os termos da execução fiscal a partir do momento da sua prestação, mantendo intocáveis os actos praticados até esse momento.

V. Enquanto o executado/impugnante não for notificado pelo Tribunal, do montante fixado pelo Serviços de Finanças para prestar a garantia, nos termos requeridos na petição inicial, o processo de execução fiscal, ainda que possa ser sido instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido, ficando suspenso dentro do condicionalismo do disposto no artigo 169.º do CPPT.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a reclamação e anular o acto de penhora identificado no ponto 17 da matéria de facto dada como assente.

Custas pela Recorrida, com dispensa do pagamento da taxa de justiça nesta instância, por não ter apresentado contra-alegações.

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão proc. n.º 671/18.1BELRA a correr termos no TAF de Leiria.

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Lisboa, 25 de Novembro de 2021.

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Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta