Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2542/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SISA
PRESCRIÇÃO
DIES A QUO
Sumário:I- O prazo de prescrição conta-se, salvo o disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (artigo 48.º, nº1, da LGT).

II-O dies a quo da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de SISA (artigos 11.º nº 3, 16.° n° 1 ambos do CIMSISD e 48.º nº 1 da LGT) reporta-se à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por U….., LDA no âmbito do processo de execução fiscal nº ….., respeitante a dívida de SISA, do ano de 2001, cuja quantia exequenda ascende a €42.690,00.

O Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida por U…... LDA. à execução fiscal (PEF) nº ….., instaurada pelo Serviço de Finanças de Mafra, para a cobrança coerciva de dívida relativa a SISA devida pela aquisição de imóveis destinados a revenda, do ano de 2001, no montante de € 42.690,00, determinando a extinção da execução.

B) Em causa nos autos está a prescrição da obrigação tributária, in casu, SISA devida pela aquisição de imóveis destinados a revenda, no ano de 2001, que o Tribunal a quo considerou verificada, uma vez que aquando da citação, a 13.07.2010, já haviam decorrido os 8 anos constantes do art.º 48.º n.º 1 da LGT e 180.º do CIMSISSD.

C) A ora Recorrida adquiriu para revenda, em 07-09-2001, o prédio rústico, inscrito na matriz da freguesia de …..sob o artº ….., pelo preço de € 448.918,11, tendo beneficiado da isenção de Sisa, nos termos do artº 11º, nº 3 do CIMSISSD (conforme documento de fls. 22 do PEF apenso) – Cfr. ponto A dos factos dados como provado.

D) Tendo a ora Recorrida 3 (três) anos para proceder à revenda dos imóveis adquiridos, isto é, até 07.09.2004 para proceder à revenda do imóvel em causa, até esse momento nenhuma legitimidade teria a Autoridade Tributária para liquidar o imposto.

E) A isenção de SISA de que goza a aquisição de prédios para revenda, nos termos do art.º 11.º n.º 3 do CIMSISSD está sujeita a condição resolutiva, à revenda do prédio no prazo de 3 (três) anos, sob pena de caducidade da isenção (art.º 16.º n.º 1 do CIMSISSD)

F) A referida isenção caduca se não for efetuada a revenda no referido prazo de 3 (três) anos, ficando os efeitos fiscais da transmissão condicionados à revenda, a condição resolutiva da isenção (art.º 270.º do Código Civil). Só com a não verificação dessa condição é que se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão [Cfr. Acórdão do STA de 24/01/07, rec. N.º 1029/06]

G) A Administração Fiscal fica impedida de liquidar o imposto durante o período em que dura a isenção, bem como de promover a execução fiscal dos créditos tributários.

H) Logo, só a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de 3 anos, uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela AT (art.º 329º do Código Civil), é que se inicia o prazo de prescrição, atento o disposto no art.º 306.º do Código Civil, isto é, com a verificação do incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos, dado que estamos perante imposto de obrigação única.

I) Ficando a liquidação de Sisa dependente de uma condição legal resolutiva, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 1, do CIMSISSD, o prazo de prescrição só deverá contar-se a partir da data da caducidade da isenção, em conformidade com o disposto no artigo 306.º, nº1, do Código Civil, o qual determina que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, preceito aplicável, por inexistência de norma especial sobre a matéria.

J) Um dos elementos constitutivos essenciais do instituto da prescrição é a possibilidade legal de o credor exigir do devedor o pagamento da dívida, que encontra a sua previsão no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, norma que consagra um princípio de carácter geral inerente à própria teleologia intrínseca da prescrição e, por isso, de aplicação geral, independentemente da sua expressa consagração nas leis gerais tributárias.

K) O facto tributário ocorre na data da caducidade da isenção por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e de o integrar na sua esfera patrimonial, o que se justifica pela especificidade do imposto.

L) Não estamos perante uma isenção propriamente dita mas perante uma exclusão tributária condicionada. Daí a estatuição pelo Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações para estes prédios de um regime de não sujeição, especificamente, de exclusão

tributária, durante o período compreendido entre a sua aquisição e a revenda.

M) E porque se trata de uma não sujeição, o facto tributário ocorrerá na data da caducidade da “isenção”, ou melhor, da exclusão, por o legislador ter entendido que nessa data o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e de o integrar na sua esfera patrimonial.

N) Vários autores já se pronunciaram no sentido de que o prazo de prescrição se deve contar a partir da data do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, a revenda dos imóveis no prazo de 3 (três) anos, data da caducidade da isenção [Veja-se Diogo Leite de Campos, Aplicação no tempo da taxa da sisa/IMT, in Boletim da Ordem dos Advogados, n° 28, Setembro/Outubro, de 2003, pp. 28/29 e Nuno Sá Gomes, Tributação do Património, Lições Proferidas no 1° Curso de Pós- Graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2004), Almedina, 2004, pp. 142 a 148].

O) A lei confere relevância à data da cessação da isenção como início do prazo para liquidação da Sisa.

P) Nos termos do art.º 92.º n.º1 do CIMSISSD, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 119/94, de 07.05, só poderá ser liquidado imposto municipal de sisa ou imposto sobre sucessões e doações nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem

prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes, e quanto ao restante, no art.º 46.º da Lei Geral Tributária.

Q) Este prazo não se pode referir apenas à caducidade, pois não faz sentido afirmar que a Administração Fiscal tem direito de liquidar o tributo, na redação ao tempo, nos oito anos seguintes à data em que a isenção ficou sem efeito, estando a obrigação prescrita.

R) Fundando-se a prescrição na inércia do titular do direito, ela deve, logicamente, só começar a correr no momento em que o direito pode ser exercido. Neste sentido Vaz Serra, “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 1961, p 190.

S) Assim sendo, o prazo de prescrição da dívida exequenda apenas se inicia com a verificação da condição resolutiva de não verificação dos pressupostos que determinaram a atribuição da isenção, ou seja, a partir de 08.09.2004, pelo que, à data da citação do ora Recorrido, a 13.07.2010, a dívida exequenda ainda não tinha prescrito.

T) E tendo o incumprimento ocorrido a 09.09.2004, o decurso do prazo de prescrição, foi interrompido pela citação do ora Recorrido em 13.07.2010, nos termos do n.° 1, do art.º 49.°, da LGT, dessa forma inutilizando todo o tempo anteriormente decorrido, nos termos do artigo 326.°, do CC [Cfr. acórdão do STA de 28.11.2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0865/12].

U) Pelo exposto, não se acompanha a sentença do Tribunal a quo que considera verificada a prescrição da dívida relativa a SISA devida pela aquisição de imóveis destinados a revenda, do ano de 2001, no montante de € 42.690,00, determinando a extinção da execução.

V) Padece, a sentença do Tribunal a quo de erro de julgamento, de direito, por violar os artigos 11.º, n.º 3, 16.º, n.º 1, 92.º n.º 1 e 180.º do CIMSISSD e art.º 48.º n.º 1 da LGT.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente improcedente a presente Oposição, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.


***

A Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma:

“1 – O facto tributário que deu origem à divida ocorreu em 07/09/2201, aquando da compra do imóvel pelo qual era devido o pagamento de sisa.

2 – O prazo da prescrição da divida tributária de sisa era, à data dos factos

(artigo 48º nº1 da L.G.T.)

3 – O prazo de prescrição da divida tributária ocorreria em 07/09/2009.

4 – Até à data da prescrição da dívida tributária (7/9/2009) não ocorreu qualquer causa que interrompesse o decurso desta.

5 – A contribuinte foi notificada da execução para cobrança da dívida em 13/7/2009.

6 – À data da notificação, a divida tributária já se encontrava prescrita pois já haviam decorrido mais de 8 anos desde o nascimento da obrigação período, ocorresse qualquer causa interruptiva da prescrição.

- Termos em que deve a sentença recorrida ser mantida na íntegra.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A - A sociedade U…... LDA., adquiriu para revenda, em 07-09-2001, por escritura pública outorgada no 28º Cartório Notarial de Lisboa, o prédio rústico, inscrito na matriz da freguesia de …..sob o artº ….., pelo preço de € 448.918,11, tendo beneficiado da isenção de Sisa, nos termos do artº 11º, nº 3 do CIMSISSD (conforme documento de fls. 22 do PEF apenso).

B - Na sequência de acção inspectiva efectuada à Oponente, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ….., para o exercício de 2001, foi elaborado o relatório final, a 02-04-2009, no qual se concluiu, o seguinte (cfr. RIT junto ao PEF a fls. 15 e segs.):

«III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas O sujeito passivo acima identificado adquiriu o(s) imóvel(eis) constantes do quadro seguinte, o(s) qual(ais) beneficiou(aram) de isenção do imposto municipal de sisa, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do Código respectivo, conforme fotocópia(s) da(s) respectiva(s) escrituras) notarial(ais), a(s) qual(ais)constituem o anexo I:


De acordo com a base de dados do “Património – IMI”, o(s) imóvel(eis) em causa, continuam como propriedade do sujeito passivo – vide anexo II. Ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 50.º da Lei Geral Tributária (LGT), o sujeito passivo foi notificado através do ofício n.º ....., datado de 11-Fev-2009, a que corresponde o registo do CTT n.º ….., no sentido de apresentar as seguintes justificações, a qual motivam a situação de não incumprimento, relativamente à liquidação de sisa(vide anexo III)

a) – Ter procedido à revenda do(s) referido(s) imóvel(eis), dentro do prazo previsto não n,º 1 do artigo 16.º do Código do Imposto Municipal de Sisa, ou; b) – No caso de não ter revendido o(s) imóvel(eis) dentro do prazo anteriormente referido, situação em que cessa a isenção anteriormente concedida, prove ter procedido à sua regularização, conforme prevê o n.º 1 do artigo 16º do referido Código. Após o decurso do respectivo prazo concedido, sem que o sujeito passivo procedesse em conformidade, de forma a regularizar a sua situação tributária relativamente aos factos descritos anteriormente, propomos a correcção oficiosa do imposto municipal de SISA, com base nos pressupostos constantes do ponto seguinte: Pressupostos da Correcção a efectuar: Face aos factos descritos, a(s) aquisição(ões) do(s) imóvel(eis) beneficiou(aram) de isenção do imposto municipal de sisa, ao abrigo dio artigo 11.º n.º3 do CIMSISSD, uma vez que o sujeito passivo, declarou no acto notarial, que o destino a dar ao(s) referido(s) imóvel(eis) seria o da “Revenda”. O artigo 16.º do CIMSISSD, impõe um prazo de 3 (três) anos, para se proceder à revenda do(s) imóvel(eis) adquirido(s) nestas circunstâncias, findo o qual, cessa a isenção do imposto municipal de sisa, de que o(s) imóvel(eis) beneficiou(aram) aquando da sua aquisição.

Esgotados ao prazos previstos no referido artigo 16.º n.º 1, verifica-se que o(s) imóvel(eis) em causa e, de acordo com os elementos disponíveis nestes Serviços, continua(am) na posse do sujeito passivo, conforme se comprova do “print” respectivo, o qual constitui o anexo II. Assim, deveria o sujeito passivo, ter solicitado a liquidação oficiosa do imposto municipal de sisa, dentro dos prazos previstos no artigo 91.º do respectivo Código. Dado não ter feito até à presente data, propomos a liquidação oficiosa do imposto municipal de sisa, em falta, calculado de acordo com os artigos 33º e 45º do CIMSISSD, dando conhecimento de tais factos ao Serviço de Finanças competente para proceder à liquidação do mesmo. (…)»

C - Através do ofício nº …..de 24-06-2009 foi a Oponente notificada pelo Serviço de Finanças de Mafra, “ nos termos do artº 111 do Código da Sisa e do Imposto sobre as sucessões e Doações(CSISSD) e do artº 36º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), da liquidação da SISA, relativamente á aquisição do prédio rústico situado na freguesia do …..e inscrito sob o artigo ….., por escritura de 07/089/01 lavrada no 28º Cartório Notarial de Lisboa, de que deverá, nos termos do Artº 116º do CSISSD, no prazo de 10 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, proceder ao pagamento dos valores a seguir mencionados, em virtude de não ter revendido o prédio dentro do prazo referido no nº 1 do artº 16º do mesmo Código.

- SISA € 35.913,45

- Juros compensatórios (contados de 07/10/04 até 24/06/2009) € 6.777,31

Não sendo efectuado o pagamento no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo, nos termos do artº 117º(CSISSD) e artº(s) 88º e 162º do (CPPT).

Da liquidação, poderá reclamar no prazo de 120 dias nos termos do Artº 70º do CPPT ou impugnar no prazo de 90 dias nos termos do Artº 102º do CPPT, com os fundamentos referidos no Artº 99º do CPPT.

O apuramento das importâncias acima mencionadas resulta da operação que se demonstra:

Valor declarado --€ 448.918,11 X (taxa nº 1 artº 33º do CSISSD) 8% = € 35.913,45

SISA paga - € 0,00

SISA a pagar - € 35.913,45

Juros Compensatórios (contados de 07/10/04 a 24/06/09) (artº 113º CSISSD) - € 6.777,31

(…)» (cfr. Fls. 13 do PEF apenso)

D – Não tendo sido pago o montante referido na alínea anterior, em 06-10-2010 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Mafra, contra a Oponente, o processo de execução fiscal nº….., para a respectiva cobrança coerciva (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso).

E - A oponente foi citada no âmbito do PEF identificado na alínea precedente, em 13-07-2010 (cfr. Fls. 4 a 7 do PEF apenso).

F - A oposição foi remetida ao Serviço de Finanças de Torres Vedras por correio registado em 18-08-2010 (cfr. fls. 10 do suporte físico dos autos).


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A decisão recorrida deixou consignado ainda que:

“Com interesse para a decisão apenas se provaram os factos enunciados no probatório supra.”


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Contemplando quanto à motivação da matéria de facto que “[a] decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações, documentos não impugnados juntos aos autos, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.”

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De harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC, conjugado com o disposto artigo 249.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT, procede-se à retificação de um erro de escrita, constante na alínea D), relativo à identificação da data da instauração do processo executivo, passando a aludida alínea a contemplar a seguinte redação:

“D – Não tendo sido pago o montante referido na alínea anterior, em 27 de julho de 2009, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Mafra, contra a Oponente, o processo de execução fiscal nº….., para a respetiva cobrança coerciva (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso).


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução fiscal, tendo julgado prescrito o respetivo processo de execução fiscal nº ….., com a consequente extinção.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto e atentas as conclusões das alegações do recurso cumpre ao Tribunal ad quem aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que a dívida exequenda se encontrava prescrita, competindo, assim, aquilatar qual o dies a quo, e o respetivo cômputo do prazo prescricional.

Apreciando.

A Recorrente defende que a isenção de SISA de que goza a aquisição de prédios para revenda, nos termos do artigo 11.º n.º 3 do CIMSISSD está sujeita a condição resolutiva, à revenda do prédio no prazo de três anos, sob pena de caducidade da isenção (art.º 16.º n.º 1 do CIMSISSD).

Logo, a referida isenção caduca se não for efetuada a revenda no referido prazo de três anos, ficando os efeitos fiscais da transmissão condicionados à revenda, a condição resolutiva da isenção (art.º 270.º do Código Civil).

Nessa medida, sustenta que só com a não verificação dessa condição é que se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão, ou seja, a Administração Tributária fica impedida de liquidar o imposto durante o período em que dura a isenção, bem como de promover a execução fiscal dos créditos tributários.

Razão pela qual, só a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de 3 anos –porquanto só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela Administração Tributária (art.º 329º do Código Civil)- é que se inicia o prazo de prescrição, atento o disposto no art.º 306.º do Código Civil, isto é, com a verificação do incumprimento da obrigação de revenda no prazo de 3 anos, dado que estamos perante imposto de obrigação única.

Conclui, assim, que o prazo de prescrição da dívida exequenda apenas se iniciou com a verificação da condição resolutiva de não verificação dos pressupostos que determinaram a atribuição da isenção, ou seja, a partir de 08 de setembro de 2004, pelo que, à data da citação da ora Recorrida, a 13 de julho de 2010, a dívida exequenda ainda não tinha prescrito, incorrendo, por isso, o Tribunal a quo em erro de julgamento.

Dissente a Recorrida aderindo ao entendimento preconizado pelo Tribunal a quo no sentido de que a dívida tributária se encontra prescrita, porquanto o dies a quo ocorre na data da escritura pública e não na data da cessação da isenção.

Vejamos, então, a quem assiste a razão.

A primeira questão que importa apreciar, face ao supra aludido consiste em saber qual o prazo de prescrição da SISA e o seu dies a quo.

A declaração da prescrição está dependente, por um lado, de a obrigação tributária ainda não se encontrar paga e, por outro, de ser inquestionável, face aos elementos constantes do processo, a sua ocorrência.

Comecemos, então, por aferir qual o regime jurídico aplicável no caso dos autos.

A lei reguladora do regime de prescrição da dívida tributária (porque de direito substantivo) é a que vigorar à data da sua constituição[1].

No caso dos autos e porque nos encontramos face a SISA do ano de 2001, importa convocar o teor do artigo 180.º do CIMSISSD, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 472/99, de 8 de novembro , que passou a remeter para o consignado nos artigos 48.º e 49.º da LGT, e que dispunha nestes termos:

“O imposto municipal da sisa e o imposto sobre as sucessões e doações prescrevem nos termos do artigo 48º e 49º da lei geral tributária.”

Atenta a aludida remissão importa convocar os artigos 48.º e 49.º da LGT.

Dispunha o artigo 48.º da LGT, com a redação conferida pelo DL 398/98, de 17 de abril, sob a epígrafe de prescrição, que:

“1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.

2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.

3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.”

Por seu turno, o normativo 49.º da LGT, com a redação conferida pela Lei nº 100/99, de 26 de julho preceituava como causas interruptivas e suspensivas da prescrição as que infra se enumeram:

“1-A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.

3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”

Aqui chegados, deparamo-nos com a questão do dies a quo, na qual reside o diferendo, ou seja, qual o facto tributário que releva para efeitos do cômputo inicial do prazo de prescrição, concretamente se é de valorar a data da aquisição do bem imóvel destinado a revenda, conforme decidiu o Tribunal a quo, ou a data do não cumprimento da condição resolutiva de revenda no prazo de três anos, como defende a Recorrente.

Ora, vejamos.

Ab initio, cumpre relevar que a questão não reunia o consenso jurisprudencial, tendo, porém, sido objeto de pronúncia por parte do STA no Acórdão de 10 de abril de 2013, no âmbito do processo nº 1135/12, proferido em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes da secção tributária, no sentido de: “O termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. nº s. 11º nº 3, 16° n° 1 CIMSISD e 48.º nº 1 da LGT) reporta à data do facto tributário e não à data da revogação da isenção[2].” (sublinhado nosso).

Pelo que, é na posição sufragada em tal Acórdão do Pleno, onde se alinham vários argumentos em sentido contrário do defendido pela Recorrente, com os quais concordamos, que assenta a solução para a questão dos presentes autos e que, ora, se transcreve, na parte que se reputa relevante:

O aludido Aresto começa por delimitar e enquadrar a questão da seguinte forma:
“Importa, portanto, conhecer de fundo, ou seja, apreciar se o termo inicial da contagem do prazo de prescrição da obrigação tributária, em caso de verificação da condição resolutiva da isenção de Sisa (arts. nºs. 11º nº 3, 16° n° 1 CIMSISD e 48º da LGT). Ou seja, saber se, sobrevindo a caducidade da isenção, o termo inicial do prazo de prescrição da dívida que, porventura, resulte da consequente liquidação da sisa devida é o da data da aquisição ou o da data em que operou a dita caducidade da isenção.
4.1. Sobre a questão se debruçaram os acs. deste STA, de 22/9/2010, proferido no recurso nº 0383/10 (acórdão aqui invocado como acórdão fundamento), de 8/6/2011, proferido no recurso nº 0174/11 e de 28/11/2012, proferido no recurso nº 0865/12 (este, não por unanimidade), no sentido de que o prazo de prescrição só poderá começar a contar-se a partir da constatação do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, ou seja, o incumprimento da obrigação de revenda no prazo de três anos.
Em sentido diverso (embora não por unanimidade) se concluiu, porém, nos acs. de 26/10/2011, no processo nº 354/2011 e de 6/2/2013, no recurso nº 0728/12, por nós relatados.
E o acórdão recorrido aduz, no essencial, argumentação consonante com a deste acórdão de 26/10/2011, no recurso nº 354/11, no sentido de que o prazo de prescrição se conta a partir da data em que o facto tributário ocorreu e não a partir da data da declaração da caducidade da isenção.
E é este, a nosso ver, o entendimento que decorre da lei.
(…)

Esclarecendo, de seguida, o conceito de facto tributário, apelando ao Acórdão do STA, de 6 de fevereiro de 2013, proferido no processo nº 728/12 e dele extratando:
«O facto tributário pode definir-se como o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária; constituindo, portanto, o pressuposto de facto cuja realização origina um determinado efeito jurídico: no caso, o nascimento da obrigação tributária (art. 36º da LGT). Ou, nas palavras de Alberto Xavier, (Conceito e Natureza do Ato Tributário, Almedina, 1972, p. 316.) o facto tributável é o facto típico revelador de capacidade contributiva objeto dessa tipificação legal.
Por outro lado, as isenções (que não devem confundir-se com as situações de não incidência), configuram-se como benefícios fiscais, caracterizados, estes, como medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (art. 2º do EBF).”

Concretizando, quanto ao Imposto de SISA que:
“O facto tributário gerador da obrigação do imposto da Sisa consiste, especificamente, na transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis (art. 2º CSisa) estando a sujeição passiva imputada àqueles para quem se transmitirem os bens (art. 7º do mesmo código).
E a isenção de sisa de que goza a aquisição de prédios para revenda está sujeita a condição resolutiva (art. 270º do CCivil), caducando se os mesmos não forem vendidos no prazo de 3 anos (arts. 11º, nº 3 e 16º, nº 1, ambos do CSisa): o que significa que só com a não verificação dessa condição se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão – cfr. o ac. de 24/01/07, rec. nº 1029/06, deste STA.”

Mais doutrina que:
“Nem sempre a norma tributária material se limita a construir os factos a que respeita - constitutivos ou impeditivos - em termos de lhes imprimir uma eficácia plena e imediata. Em certos casos, quer o facto tributável, quer o facto isento, veem os seus efeitos dependentes da necessária verificação de um outro facto, previamente designado pela lei. É o que se passa nas isenções condicionais. Aqui, a lei submete a própria eficácia do facto impeditivo à verificação de um novo facto secundário, que é a conditio iuris, suspensiva ou resolutiva. Nos casos de isenção sujeita a condição suspensiva, a obrigação tributária nasce sujeita a condição resolutiva; e, paralelamente, nos casos de isenção sujeita a condição resolutiva, o facto tributário vê a sua eficácia dependente de uma condição suspensiva.» (Alberto Xavier, Ibidem, p. 115.)
Ou seja, como se escreve no ac. do STA, de 17/4/1996, rec. nº 014844 (in Apêndices ao DR, de 18/5/1998, pp. 1098 a 1104) «A obrigação de imposto, como obrigação ex lege, nasce com a ocorrência, na prática da vida, dos eventos naturais ou jurídicos que se ajustem aos pressupostos predeterminados, de forma geral e abstrata, pela lei de tributação: logo que se verifique o preenchimento do quadro dos pressupostos pré-estabelecidos na lei, a obrigação de imposto irrompe na Ordem Jurídica.

Relevando, contudo, que:
“[e]sta eficácia constitutiva do facto tributário definido pela norma tributária material pode ser paralisada pela previsão legal de um outro facto que impede a produção dos efeitos jurídicos daquele ou seja, do nascimento da obrigação de imposto.
Estamos, então, perante uma isenção, perante um facto impeditivo autónomo e originário, independente do facto tributário em cuja conformação ele não entra, distinguindo-se, assim, dos elementos que o possam delimitar negativamente.
Entre as isenções do imposto em causa previstas na lei contava-se precisamente aquela de que beneficiou o recorrente: as aquisições de prédios para revenda, nos termos do art. 13º A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no art. 111º do Código da Contribuição Industrial, relativa ao exercício da atividade de comprador de prédios para revenda (art. 11º, nº 3 C.S.I.S.D.).
Clarificando, neste particular, que “[e]sta isenção não estava definida em termos absolutos ou definitivos, em termos de ficar irrevogavelmente definida a situação do sujeito passivo do imposto quanto ao não despoletamento da eficácia constitutiva do facto tributário e, consequentemente, quanto, a jamais, poder ser devedor de imposto.
É que a lei – art. 16º, nº 1º, na redação original do C.S.I.S.D., tuteladora da situação -, tendo em conta a realização dos interesses que prosseguia com a concessão da isenção, que era a de evitar uma dupla tributação quando fosse de todo evidente que as aquisições dos prédios se inseriam no exercício da atividade comercial e industrial de aquisições de prédios para revenda, estabeleceu condições para tal isenção, sujeitando-a à não verificação de certos eventos futuros que constituiriam justificação legal da inexistência daqueles interesses: os beneficiários perderiam a isenção logo que os prédios adquiridos para revenda não fossem transacionados dentro do prazo de dois anos ou o fossem novamente para revenda.

Noutra formulação, clarifica que:
“[A] isenção estava sujeita a uma condição resolutiva cuja verificação, implicando que deixasse de existir obstáculo à produção dos efeitos constitutivos do facto tributário, determinava a imediata constituição da obrigação do imposto.

Mais elucidando quanto ao artigo 306.º do CC e contrariamente ao propugnado pela Recorrente, e a cuja de esteira de razão aderimos:
“Por outro lado é de salientar que, como refere o Cons. Jorge de Sousa,(Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª ed. 2010, pp. 44 e ss. ) enquanto nas obrigações civis o prazo da prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido (cfr. art. 306º, nº 1, do CCivil) sendo que se a dívida for ilíquida o prazo só se inicia após o seu apuramento (nº 4 do mesmo normativo), já nas obrigações tributárias decorrentes de impostos não é assim: nestas, salvo lei especial, a prescrição começa a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única (nº 1 do art. 48º da LGT, na redação da Lei nº 55-B/2004, de 30/12.

Sublinhando, quanto às diferenças conceptuais entre a caducidade do direito à liquidação e a prescrição da obrigação tributária-realidades também convocadas pela Recorrente mas sem lograr provimento face ao juízo de razão que infra se transcreve- que:
Isto, independentemente de estar ou não já liquidada a obrigação tributária pois a prescrição refere-se diretamente ao facto tributário, pelo que pode ter lugar sem que tenha ocorrido a respetiva liquidação. (Cfr. neste sentido, o Cons. Benjamim Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pág. 287, bem como, na jurisprudência, o ac. do STA, de 22/10/1997, rec. nº 21.813, in Apêndice ao DR, de 30/3/2001, pp. 2704 a 2707. )
E que o afastamento da regra prevista no nº 1 do citado art. 306º do CCivil, parece ter sido representado pelo legislador resulta, igualmente, do facto de, para efeitos de caducidade do direito à liquidação, a al c) do nº 2 do art. 46º da LGT prever que o respetivo prazo se suspende «Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal de cumprimento da condição», ao passo que, para efeitos de prescrição da obrigação tributária, o art. 49º da LGT nada prescreve a respeito dessa mesma situação, sendo que, no entanto, há outras situações em que, relativamente ao IMT e ao Imposto do Selo, se preveem termos iniciais especiais, como atualmente sucede no âmbito do IMT e do CIS [no âmbito do IMT, se for desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do art. 26° do CIMT, ao prazo de prescrição acresce o tempo por que o desconhecimento tiver durado (nº 2 do art. 40° do CIMT); no âmbito do Imposto do Selo, se forem entregues ao ausente quaisquer bens por cuja aquisição não tenha ainda sido liquidado imposto (cfr. nº 2 do art. 48º do CIS), o prazo de prescrição conta-se a partir do ano seguinte ao da entrega dos bens; se forem outorgados atos ou contratos celebrados por documento particular autenticado, ou qualquer outro título, quando essa forma seja admitida em alternativa à escritura pública, o prazo de prescrição conta-se a partir da data da promoção do registo predial (n° 4 do art. 48° do CIS, aditado pela Lei n° 64-A/2008, de 31/12); e se for desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do art. 26° do CIMT, ou tiver sido suspenso o processo de liquidação, nos termos dos arts. 34° e 35° do CIS, ao prazo de prescrição acresce o tempo por que o desconhecimento ou a suspensão tiver durado (art. 48°, n° 3, do CIS)].

Enfatizando, outrossim, que:
“[c]omo se salienta no ac. do Pleno desta Secção do STA, de 24/2/2010, rec. nº 0873/09, de acordo com o disposto na al. a) do nº 2 do art. 8º da LGT, «estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária “a liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e de caducidade”», daqui decorrendo que «as características da prescrição das obrigações tributárias estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal», ou seja, «todos os pressupostos da prescrição, incluindo, necessariamente, os relativos ao regime do seu prazo, têm de constar da legislação tributária, não sendo admissível a integração das suas lacunas por via analógica (cfr. art. 11º da LGT). Daí ressalta que vigora, nas relações jurídico-tributárias, o princípio de tipicidade fiscal, segundo o qual a tributação resulta, assim, da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstratamente, na lei de imposto. (…)

Extraindo, nessa medida, a esteira de entendimento de que:
“Daqui se extrai que as referidas leis tributárias sempre fixaram, como momento a atender para a contagem do início do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário e não ao despacho que declarou a caducidade dos benefícios fiscais e muito menos a sua notificação ao contribuinte, salvo o disposto em lei especial.

Sublinhando, por conseguinte, que:
“[p]or imposição do princípio da legalidade, a declaração da revogação da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize.”
Ora, no caso em apreço, a lei não o prevê, nomeadamente para “as situações em que por força da atribuição de uma isenção de imposto se impediu a norma de incidência de operar e se obstruiu a eclosão imediata da obrigação tributária”, como bem se anota no voto de vencido de fls. 145 e 146.

Voltando, ulteriormente, a frisar as diferenças existentes entre os institutos da prescrição e da caducidade, com as quais nos revemos, por inteiro, no sentido de que:
“[c]omo se salienta no Acórdão desta Secção do STA de 26/11/03, in rec. nº 1.113/03, em que Relator é o mesmo, “cabe notar que, mesmo no regime geral, ao contrário do que acontece no que concerne ao prazo de caducidade do direito à liquidação, que se suspende por força da concessão de benefícios fiscais suscetíveis de caducar, ao mesmo facto não confere a lei relevância quanto ao decurso do prazo de prescrição – vd. Artigos 46º nº 2 alíneas b) e c) e 49º nºs 1 e 3 da LGT, bem como os revogados artigos 27º do Código de Processo de Contribuições e Impostos e 34º do Código de Processo Tributário”.
No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, os acórdãos desta secção do STA de 28/5/03, in recs. nºs 424/03 e 425/03.
Sendo assim, referindo-se a prescrição à obrigação tributária, podemos concluir que o prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, se o regime aplicável for o do CPCI ou do CPT ou a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos impostos periódicos ou a partir da data em que o facto tributário ocorreu, nos impostos de obrigação única, se o regime aplicável for o previsto na LGT
Ora, não obstante a realidade factual subjacente à pronúncia deste aresto se reportar a uma situação de isenção de IA, IVA e direitos aduaneiros, relativos à introdução no consumo de um veículo automóvel, a argumentação dele constante não deixa de ser aplicável ao presente caso.

No concernente a entendimentos doutrinais diferentes, argumento, igualmente, apelado pela Recorrente, a questão é enfrentada e refutada da forma que infra se transcreve e que sufragamos:
“Não se desconhece, também, que para alguns autores, o facto tributário, no caso de isenção prevista no nº 3 do art. 11º do CSisa, ocorre na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial. (Cfr. Diogo Leite de Campos, Aplicação no tempo da taxa da sisa/IMT, in Boletim da Ordem dos Advogados, n° 28, setembro/outubro, de 2003, pp. 28/29; e Nuno Sá Gomes, Tributação do Património, Lições Proferidas no 1° Curso de Pós-Graduação em Direito Fiscal na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2004), Almedina, 2004, pp. 142 a 148. )
Partindo do princípio de que tal isenção se reconduz a uma verdadeira delimitação negativa da incidência (exclusão tributária) e não a uma isenção em sentido próprio, considera-se, então, que também o facto tributário ocorrerá na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial. Ou seja, nos casos de aquisição de imóveis para revenda, o adquirente encara o imóvel como mercadoria, como bem que não é contabilizado no imobilizado, como “mercadoria” para venda; e, assim sendo, o facto tributário (rectius a “transmissão”) só tem lugar quando o imóvel passa a fazer parte do imobilizado da empresa pela caducidade da chamada “isenção” (a qual não é – neste entendimento - uma verdadeira isenção). Assim, só quando o imóvel passou a integrar o imobilizado da empresa por força da caducidade referida, é que o contribuinte passou a revelar capacidade contributiva para adquirir imóveis e só nessa data, verdadeiramente, adquiriu aquele imóvel (até aí, apenas teve capacidade financeira de gerir a sua atividade comercial até à venda do imóvel, que não teve lugar no prazo de três anos). Daí que, sendo nessa data que o contribuinte passa a ser adquirente «de facto» e verdadeiro proprietário do imóvel, será também nessa data que o legislador entende que nasce o facto tributário, entendimento que se coaduna, quer com o atualmente disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 18º do CIMT (bem como com o disposto no art. 38º da Lei n° 26/2003, de 30/7, que aprovou o CIMI e o CIMT), ao disporem que o «imposto será liquidado pelas taxas em vigor ao tempo da ocorrência do facto tributário» e que «se ocorrer a caducidade da isenção, a taxa e o valor a considerar na liquidação serão os vigentes à data de liquidação», quer com o que já decorria do disposto na al. f) do nº 1 do art. 10º do Código da Contribuição Autárquica, quer, finalmente, com o que também se dispõe na al. e) do nº 1 do art. 9º do CIMI, pois que todos estes normativos configuram aquelas situações como delimitações negativas da incidência, uma vez que o imposto respetivo só é devido a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que o prédio tenha passado a figurar no ativo circulante de uma empresa que tenha por objeto a sua venda (sendo que, de acordo com o estabelecido nos nºs. 2 e 3 do mesmo art. 9º do CIMI, caso ao prédio seja dada diferente utilização, o imposto é liquidado por todo o período decorrido desde a sua aquisição e é devido a partir do ano, inclusive, em que a venda do prédio tenha sido retardada por facto imputável ao respetivo sujeito passivo).
Trata-se, porém, (com o devido respeito) de entendimento que nem se coaduna com a reafirmada natureza de uma isenção sujeita a condição resolutiva, nem com a consideração de que o facto de um prédio adquirido para revenda não ter sido vendido no prazo de 3 anos, não significa que o adquirente o tenha que inscrever, imperativamente, no ativo imobilizado, por o mesmo ter deixado de ser mercadoria: na verdade, o adquirente pode continuar a pretender revender o prédio e este pode vir a ser revendido em qualquer ano posterior.

Concluindo, assim, que:
“[p]ara além da relevância fiscal que a não revenda naquele prazo de 3 anos implica (em termos da liquidação da respetiva sisa – ou, atualmente, do IMT), não se vê que deva apelar-se também ao decurso desse prazo para efeitos de o considerar como fator determinativo da capacidade contributiva para a aquisição do imóvel e, por essa via, como fator determinativo da verdadeira transmissão, em ordem a considerar esta última data como momento da verificação do facto tributário.»
4.4. Não encontramos razões para divergir deste entendimento (que foi o acolhido no acórdão recorrido).
E também não se nos afigura que colham as asserções, por parte do MP, no sentido de que esta argumentação confunde, conceptualmente, facto tributário com obrigação tributária, desprezando o facto impeditivo autónomo da isenção, que se interpõe entre aqueles e que, por outro lado, a interpretação literal da norma constante do art. 48º, nº 1, da LGT, ignora o princípio geral de direito constante do nº 1 do art. 306º do CCivil, o qual se destina a prevenir situações de prescrição com perversão da teleologia do instituto: penalização do credor com a extinção da obrigação por negligência na cobrança do crédito.
Com efeito, e como salienta José Maria Fernandes Pires (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, ed. Almedina, 2010, p. 442. ) sendo certo que uma coisa é a transmissão sujeita a imposto e outra coisa diferente é o nascimento da obrigação do pagamento do imposto, também é certo que a transmissão ocorre, no caso, com a aquisição do prédio para revenda e é nessa data que ocorre o facto gerador da obrigação de imposto; e é nessa data, e em face desse facto, que nasce a relação jurídica tributária, sendo que, porém, a obrigação de liquidação e de pagamento do imposto só nasce quando decorrerem os 3 anos sem que o prédio tenha sido revendido.

Adensando, in fine, e ainda quanto ao artigo 306.º do CC que:
“E quanto à não relevância absoluta do princípio geral de direito constante do nº 1 do art. 306º do CCivil, é de referir, para além das razões acima já explicitadas, que, como lembra Alberto Xavier (embora no âmbito da eficácia do facto tributável e do ato tributário), apesar de poder dizer-se (como Tesoro) que o prazo de prescrição do débito tributário deve logicamente decorrer do momento em que a cobrança pode ser efetuada, ou seja, do momento em que a lei fixa o vencimento da obrigação - e que é simultâneo ou posterior ao ato tributário, «se esta proposição pode ser válida no campo das obrigações de Direito Privado, em que a prescrição sanciona uma inércia do credor, não o é necessariamente no das obrigações de imposto em que, dado o caráter indisponível do crédito, o fundamento da prescrição não reside tanto na inércia do credor, como em puras considerações de certeza e segurança jurídica». (Ob. cit., pp. 552/553, citando o autor, também neste sentido, Alexandre do Amaral, Direito Fiscal, pp. 224 e ss. e Cardoso da Costa, Curso ..., p. 309 e nota 2.)
Acresce que, não se vê que possa ignorar-se a relevância da própria interpretação literal da dita norma constante do art. 48º, nº 1, da LGT, pois que, apesar de a interpretação da lei não ser mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer (o escopo final para que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei, (Cfr. Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pp. 21 e 26. ) a letra representa, naturalmente, não só o ponto de partida, mas é também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionado o texto também como limite de busca do espírito. (Cfr. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.)»
Daí que não se sufrague o entendimento de que, apesar de a prescrição incidir sobre a obrigação tributária (da qual constitui causa extintiva) e não sobre o facto tributário, a norma constante do art. 48° n° 1 LGT se deva interpretar restritivamente, com o sentido de que nos impostos de obrigação única o prazo de prescrição se inicia a partir da data da ocorrência do facto tributário apenas quando este gerar a formação imediata da obrigação tributária, por inexistência de facto impeditivo configurado em isenção.”

Concluindo, nessa medida, que:
“ (i) não prevendo o nº 1 do art. 48º da LGT a suspensão do prazo de prescrição no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada (ao contrário do que sucede com o prazo de caducidade da liquidação do imposto – al. c) do nº 2 do art. 46º da LGT);
(ii) integrando a matéria da prescrição da obrigação tributária (quer os pressupostos da prescrição, quer os pressupostos relativos ao regime do respetivo prazo) o âmbito das garantias dos contribuintes e
(iii) fixando a LGT, como momento relevante para o termo inicial do prazo de prescrição, a ocorrência do facto tributário (sendo este o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária), não é de interpretar a norma contida no nº 1 do art. 48º da LGT com outro sentido que não seja o de que, no caso, o prazo de prescrição da sisa devida (imposto de obrigação única) se inicia a partir da data em que ocorreu o facto tributário substanciado na transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respetivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu.
Daí que, retornando ao caso vertente, tendo o acórdão recorrido julgado prescrita a obrigação tributária em questão por considerar que para a definição do termo inicial do respetivo prazo de prescrição se deve atender apenas à data do facto tributário (ocorrido em 8/1/1999) não relevando o momento da caducidade da isenção do imposto, seja, igualmente, de concluir que o mesmo aresto decidiu de acordo com a lei aplicável, improcedendo, portanto, as conclusões do recurso.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, aderindo à fundamentação jurídica constante no aludido Acórdão do Pleno, resulta que o dies a quo do prazo de prescrição se inicia com a data do facto tributário (aquisição do bem imóvel), não relevando o momento da caducidade da isenção do imposto, logo, in casu, e atenta a letra do artigo 48.º da LGT, o prazo de prescrição começou a contar a partir do dia 07 de setembro de 2001, portanto, se o prazo de 8 anos tivesse corrido ininterruptamente, o prazo de prescrição terminaria no dia 07 de setembro de 2009.

Importa, contudo, aferir da ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, suscetíveis de influir no decurso do prazo, sendo aplicáveis os previstos na lei vigente à data em que ocorreram, ex vi nº2 do artigo 12º do Código Civil.
“ (…) não é o art. 297º do CC que regula o regime de aplicação no tempo das leis sobre efeitos (interruptivos e suspensivos) que certos factos têm sobre o decurso dos prazos de prescrição.
Os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem, como decorre do nº2 do art.12º do CC” 

No âmbito da LGT, como visto, constituem factos interruptivos da prescrição, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação.

Do recorte probatório dos autos-não impugnado-, o único facto com efeito interruptivo do prazo de prescrição é a citação no processo de execução fiscal (alínea E) do probatório, a qual ocorreu em 13 de julho de 2010, não se vislumbrando qualquer facto suspensivo contemplado no citado artigo 49.º, nº3 da LGT.

Assim, tendo a primeira causa de interrupção apenas se verificado com a citação do processo de execução fiscal, a qual ocorreu em 13 de julho de 2010, conclui-se que à data em que a Recorrida foi citada a dívida tributária, ora, objeto de discussão nos presentes autos, já se encontrava prescrita.

Com efeito, tendo a decisão recorrida julgado prescrita a obrigação tributária em questão por considerar que para a definição do termo inicial do respetivo prazo de prescrição se deve atender apenas à data do facto tributário (ocorrido em 07 de setembro de 2001) não relevando o momento da caducidade da isenção do imposto, decidiu com acerto e de acordo com a lei aplicável.

Termos em que se conclui pela prescrição da dívida exequenda e pela consequente extinção do processo de execução fiscal, inexistindo o arguido erro de julgamento, por alegada violação dos artigos 11.º, n.º 3, 16.º, n.º 1, 92.º n.º 1 e 180.º do CIMSISSD e 48.º n.º 1 da LGT.

Destarte, a decisão recorrida que se fundou no entendimento plasmado no acórdão do Pleno que seguimos, fez uma correta aplicação dos factos ao direito que bem interpretou, determinando, por isso, a sua confirmação.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2020

 (Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

 (Vital Lopes)


_____________________
[1] cfr. Acórdão do STA de 21.06.2000, proferido no processo nº 24758, com sumário disponível em www.dgsi.pt, e que constitui jurisprudência uniforme, conforme os diversos Acórdãos nele citados.
[2] Neste sentido, se alinharam depois diversos Acórdãos de que são exemplo, os Arestos do STA, proferidos nos processos nºs 0287/15, e 01421/14, datados de 27.01.2016 e 29.04.2015, respetivamente e do TCAS, prolatados nos processos nºs 1733/13, e 07358/14, datados de 07.03.2019 e 09.02.2017, respetivamente.