Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:506/08.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IVA
TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS
Sumário:I. Nas transacções intracomunitárias, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens; mas já é facultativa a dedução desse mesmo imposto suportado nas aquisições;
II. E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à Administração Tributária oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por C... Comércio de Automóveis, Lda. contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício fiscal de 2003, no montante total de €434.338,81, todas com data limite de pagamento a 31/01/2008.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, deduzida por C... Comércio de Automóveis, Soc. Unipessoal, Lda, contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2003, no valor total de € 434.338,81.

II. O Thema decidendum nos presentes autos prende-se com a questão de saber se no âmbito da liquidação do IVA nas transações intracomunitárias, deveria a AT ter tido em consideração o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo naquelas aquisições de bens, substituindo-se, assim, ao contribuinte no apuramento do imposto, violando o disposto no art.° 19.° e 20.° do RITI a contrario.

III. Nas transacções intracomunitárias de bens, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens, mas já é facultativa a dedução desse imposto suportado nas aquisições.

IV. E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à AT, oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.

V. Entendimento esse jurisprudencialmente sustentado pelo acórdão do TCA Sul, de 28/10/2003, proferido no processo n° 00229/03, cujas conclusões sufragamos, por ser aplicável mutati mutantis ao presente caso.

VI. A sentença a quo errou na aplicação do direito porquanto não apreciou a questão de saber se os bens adquiridos foram efectivamente utilizados na actividade empresarial do sujeito passivo, ao abrigo do disposto no n.° 1 do art.°s 20.° e 21.° do CIVA.

VII. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante à luz do mecanismo de funcionamento do IVA, uma vez que o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nos seus inputs constitui uma faculdade deste, e não um dever da AT, em violação do disposto no art.°s 19.° e 20.° do RITI e 19.°, 20.° e 21.° do CIVA.

VIII. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida errou ainda ao não avaliar os requisitos objectivos para o exercício do direito à dedução, questões que não foram analisadas na sentença, violando, assim, o disposto nos artigos 19.° e 20.° do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.° 615.° n.° 1 al. d) do Código de processo Civil (CPC).

IX. Cumprido o número 1 do artigo 19.° do CIVA, o IVA suportado a montante em “bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados", só pode ser deduzido se o sujeito passivo realizar as operações previstas nas alíneas a) e/ou b) do número 1 do artigo 20.° do CIVA.

X. O direito à dedução comporta restrições (art.° 21.° em conjugação com o art.° 20.° do CIVA), que se prendem, por exemplo, com o destino dado aos bens adquiridos (Ex: se os bens foram afectados ao activo fixo tangível do sujeito passivo, ou ao seu uso particular, não será permitida a dedução do imposto).

XI. A douta sentença a quo, decidindo com base em sentença referente a 2004 invocando a existência de caso julgado, incorreu em omissão de pronúncia geradora de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.° 125.° n.° 1 do CPPT e na alínea d) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC, bem como violação dos limites do caso julgado previstos no artigo 621° do CPC.

XII. Atento ao exposto, afigura-se a liquidação foi efetuada em cumprimento das normas legais vigentes, pelo que, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar parcialmente procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.°e 20.° do RITI e 19.°, 20.° e 21.° do Código do imposto sobre o valor acrescentado (CIVA) e art.° 615.° n.° 1 al.d) do Código de processo Civil (CPC).

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.»

3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões do recorrente, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença incorre em (i) nulidade por omissão de pronúncia e (II) erro de interpretação de lei, nomeadamente, dos artigos 19.º e 20.º do RITI e 19.º, 20.º e 21.º do CIVA.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A impugnante tem por objecto o comércio, importação e exportação de automóveis novos e usados, acessórios e equipamento, reparação e montagens de automóveis [cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 305 do PAT em apenso].

B) No decurso do ano de 2003 a ora impugnante efectuou, no decurso do exercício em apreço, a aquisição de diversas viaturas consideradas usadas, adquiridas na Alemanha, sendo os seus vendedores sujeitos passivos nesse país, e que foram isentas de IVA, tendo o sujeito passivo facultado o seu número de identificação fiscal para efectuar a aquisição automóveis [cf. cópia do relatório de inspecção a fls335 a 467 do PAT em apenso].

C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI200706130, com despacho de 09.08.2007, foi despoletado um procedimento de inspecção à sociedade C... Comércio de Automóveis, Lda., de âmbito geral, relativo ao exercício de 2003 [cf. cópia da ordem de serviço a fls. 30 dos autos].

D) A 16.10.2007 foi assinada a Ordem de Serviço n.° OI200706130, pelo representante legal da impugnante [cf. cópia da ordem de serviço a fls. 30 dos autos e fls. 296 do PAT em apenso].

E) Por ofício n.° 88365, de 29.10.2007, dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, dirigido à impugnante foi remetida notificação do teor do projecto de relatório de inspecção tributária [cf. cópia do ofício a fls. 31 dos autos].

F) Por requerimento datado de 12.11.2007 foi pela impugnante exercido o direito de audição prévia [cf. cópia do requerimento a fls. 32 dos autos].

G) A 15.11.2007 foi elaborado o relatório de inspecção tributária onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

III.1. Correcções em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

III.1.1 Apuramento do valor do IVA das aquisições intracomunitárias de bens (Campo 10 e 11 da Declaração periódica de IVA).

Para efeitos do exercício de actividade, o sujeito passivo efectuou a aquisição de diversas viaturas, nomeadamente as consideradas como viaturas usadas, nos termos do artigo 6° do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias, aprovado pelo Decreto Lei n°290/92 de 28/12, adiante designado por RITI.

Pelo disposto na alínea c) do n°1 do artigo 1° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto Lei n° 394-B/84 de 26 de Dezembro, adiante designado por CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos da alínea a) do n°1 do RITI, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n°1 do artigo 2°, agindo como tal quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA, noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n°2 do artigo 9°, nem os transmita nas condições previstas nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 11°.

Pela análise dos documentos de suporte das viaturas adquiridas, verifica-se:

a) Todas as viaturas foram adquiridas na Alemanha;

b) Os vendedores são sujeitos passivos na Alemanha;

c) As viaturas adquiridas foram isentas de IVA, conforme menção evidenciada na própria factura, ou evidência de que a venda da viatura foi sujeita à taxa de 0% na Alemanha;

d) O sujeito passivo facultou o respectivo número de identificação fiscal, para efectuar a aquisição.

Por outro lado, verifica-se que o sujeito passivo reconheceu as aquisições intracomunitárias nas respectivas declarações periódicas de IVA, embora os valores declarados, não correspondam à totalidade das aquisições efectuadas em cada um dos períodos de imposto.

Da análise ao RITI, verifica-se ainda pelo disposto no n°3 do artigo 17° que nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a imposto automóvel, o valor tributável será determinado com inclusão daquele imposto, ainda que não liquidado simultaneamente.

Nos termos do n°1 do artigo 19° do RITI, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 19° do CIVA, poder-se-á deduzir o imposto incidente sobre as operações tributáveis o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens.

Pelo exposto, os valores apurados referentes às aquisições intracomunitárias de bens efectuadas pelo sujeito passivo no exercício de 2003, são conforme quadro abaixo. (Ver folhas 1 a 50, Anexo I).

(…)

Na sequência dos valores da base tributável e respectivo IVA liquidado apurados no exercício, os valores a corrigir, são conforme quadro abaixo.

Pelo exposto, o valor do imposto em falta resultante das aquisições intracomunitárias ascende a €174 294,57, conforme quadro acima.

Refira-se ainda que pelo disposto no n° 15 do artigo 71° do CIVA, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução, ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução serão aceites sem quaisquer consequências, desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.

No entanto o sujeito passivo não pode deduzir o valor do IVA correspondente ao imposto automóvel, para as viaturas cujo documento de suporte do pagamento do imposto automóvel se encontra emitido em nome do respectivo adquirente da viatura.

Da análise a alguns dos documentos de suporte do pagamento do imposto automóvel, verifica-se que o mesmo foi pago pelo respectivo adquirente, pelo que o documento da alfandega (DAV), é emitido em nome daquele. (Ver folhas 12, Anexo I).

Refira-se ainda que pela análise dos documentos, as viaturas adquiridas na Alemanha, são na sua quase totalidade legalizadas pelo respectivo proprietário das mesmas.

Pelo que para as viaturas a seguir mencionadas que foram adquiridas no exercício de 2003, o sujeito passivo pode efectuar a dedução do valor do IVA correspondente ao Imposto automóvel, dado que só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, nos termos do n°3 do artigo 19° do CIVA.

III.1.2 — Viaturas adquiridas pelo regime geral e vendidas pelo regime especial de tributação dos bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção e antiguidades

Pela venda das viaturas mencionadas no ponto anterior, foi considerado o Regime especial de tributação dos bens em segunda mão, objectos de arte, de colecção e antiguidades, aprovado pelo Decreto Lei n.º 199/96 de 18 de Outubro (adiante designado por regime da margem).

De acordo com o artigo 1° do regime da margem, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens em 2a mão, efectuadas nos termos do mesmo regime por sujeitos passivos revendedores.

Neste contexto, o n.° 1 do artigo 3°, do regime da margem, diz que: "as transmissões de bens em segunda mão (...) efectuadas por um sujeito passivo revendedor, são sujeitas ao regime especial de tributação na margem, desde que este tenha adquirido esses bens no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:

a) A uma pessoa que não seja sujeito passivo;

b) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do n.° 33 do artigo 9.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado-membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

c) A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objecto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto, ao abrigo do artigo 53.° do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, ou de disposição legal idêntica vigente no Estado-membro onde tiver sido efectuada a transmissão;

d) A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado-membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada."

Conforme já evidenciado, as referidas viaturas (cujas matriculas se encontram evidenciadas nos quadros abaixo) foram adquiridas pelo regime geral das transacções intracomunitárias, pelo que, o sujeito passivo deveria ter considerado o regime geral, para efeitos de apuramento do valor do IVA.

Deste modo, e nos termos dos artigos 1° e 3° do Regime especial de tributação dos bens em segunda mão, bem como os artigos 19° a 26° do CIVA, vai ser efectuada correcção em sede de IVA, conforme se demonstra no quadro abaixo, relativamente às viaturas adquiridas pelo regime geral e vendidas pelo regime da margem, no exercício de 2003. (Ver folhas 51 a 90, Anexo I).

(…)

O apuramento do valor do IVA efectuado pelo sujeito passivo, encontra-se discriminado nas folhas 91 a 103, do Anexo I.

Da análise ao apuramento efectuado, verifica-se:

a) Algumas das viaturas foram vendidas no exercício de 2003, tendo sido registadas no exercício de 2004;

b) Algumas viaturas apresentam um valor de compra, superior ao valor evidenciado na respectiva factura de compra, emitida pelo vendedor do outro Estado membro.

Refira-se ainda que para apuramento do valor do IVA em falta, relativamente às viaturas adquiridas em 2002 e vendidas em 2003, juntam-se as respectivas facturas de compra, a folhas 104 a 110, Anexo I

Pelo exposto, foram infringidos os artigos conforme quadro abaixo.

III.1.3 — Apuramento do valor do IVA referente ao imposto automóvel das viaturas vendidas no exercício de 2003, cujo documento comprovativo se encontra em nome do sujeito passivo

Relativamente às viaturas abaixo mencionadas, vendidas no exercício de 2003, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação do valor do IVA sobre o imposto automóvel.

Refira-se que para determinação do valor tributável das viaturas, na aquisição intracomunitária, foi considerado o valor do imposto automóvel, nos termos do n°3 do artigo 17° do RITI, sendo que o sujeito passivo pode deduzir o valor do IVA liquidado, nos termos daquele artigo, pelo que na venda das viaturas, o sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação do valor do IVA sobre o valor do imposto automóvel, nos termos do artigo 1° e artigos 19° a 26° do CIVA.

(...)

Pelo exposto o valor ao IVA em falta referente ao imposto automóvel, ascende a € 6 963,04, infringindo o sujeito passivo, nomeadamente, o disposto nos artigos 1° e 19° a 26° do CIVA.

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado do projecto de conclusões do relatório, nos termos do artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPIT, mediante o ofício n° 88 365 de 2007-10-29.

Da análise ao exercício do direito de audição, destacam-se os factos abaixo mencionados.

1 — Refere o sujeito passivo que já liquidou IVA no momento da aquisição das viaturas e que legalmente deduziu, o que leva a questionar a Administração fiscal sobre a legalidade de nova liquidação que carece de fundamentação.

Relativamente a este ponto, temos a referir que o sujeito passivo deveria ter liquidado o valor do IVA sobre a totalidade das aquisições intracomunitárias efectuadas nos respectivos períodos de imposto, tendo-se verificado que embora tivesse declarado no campo 10 e 11 das respectivas declarações periódicas de IVA, os valores correspondentes às aquisições intracomunitárias, no entanto, o valor declarado não correspondeu à totalidade das mesmas.

Pelo que no apuramento do valor do IVA a liquidar por período de imposto, correspondente às aquisições intracomunitárias, foi deduzido o valor do IVA já liquidado pelo sujeito passivo, para os respectivos períodos de imposto.

Refira-se ainda que pelo disposto no artigo 12° do RITI, nas aquisições intracomunitárias de bens o imposto é devido no momento em que os bens são colocados à disposição do adquirente, sendo aplicável em idênticas condições o previsto no artigo 7° do CIVA para as transmissões de bens.

Pelo disposto no artigo 13° do RITI, nas aquisições intracomunitárias de bens o imposto torna-se exigível: a) No 15° dia do mês seguinte àquele em que o imposto é devido; b) Na data da emissão da factura ou documento equivalente se tiverem sido emitidos antes do prazo previsto na alínea a).

Refira-se por fim, que não foi apresentado documento comprovativo de que as respectivas aquisições intracomunitárias, efectuadas no exercício de 2003, fosse liquidado o respectivo valor do IVA, pela aquisição.

2 — Liquidação de IVA sobre o valor do Imposto Automóvel

Quanto a este ponto temos a referir que é disposto no n°3 do artigo 17° do RITI, que refere que nas aquisições intracomunitárias de bens sujeitos a imposto automóvel, o valor tributável será determinado com inclusão daquele imposto, ainda que não liquidado simultaneamente.

Pelo exposto, é a própria norma que impõe.

3 — Valores incorrectos do IA

O sujeito passivo refere que os valores do IA estão incorrectos, no entanto não faculta qualquer documento comprovativo de forma a demonstrar a respectiva incorrecção.

Refira-se que os valores foram apurados pelos serviços, com base nas tabelas definidas no orçamento de Estado para 2003.

Da análise efectuada aos cálculos do IA, verifica-se que relativamente a um número pouco significativo de viaturas, se verificou incorrecções também pouco significativas, nos valores do cálculo do IA.

Entretanto aqueles valores já se encontram corrigidos, conforme quadro abaixo.

Pelo exposto, o valor apurado com as correcções efectuadas ao valor do cálculo do imposto automóvel, é conforme quadro abaixo.

(…)

Na sequência das correcções efectuadas ao valor do IVA em falta, é conforme quadro abaixo:

(...) [cf. cópia do relatório de inspecção a fls. 335 a 467 do PAT em apenso].

H) Por despacho de 16.11.2007, do Chefe de Divisão do Serviço de Inspecção Tributária de Lisboa, foram sancionadas as conclusões apuradas no relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 336 do PAT em apenso].

I) Através do ofício n.° 096888, de 23.11.2007, dos Serviços de Inspecção Tributária, recebido a 29.11.2007, foi a impugnante notificada do teor do relatório de inspecção supra identificado [cf. cópia do ofício a fls. 326 do PAT em apenso, e cópia do print dos CTT com a menção de objecto entregue a fls. 327 e 328 do PAT em apenso].

J) A 13.12.2007 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA referentes ao exercício de 2003, identificadas com os n.°s 07330422, 07330736, 07330428, 07330738, no montante de €75.734,06, €92.106,21, €111.329,92 e €93.998,29, respectivamente, todas com data limite de pagamento a 31.01.2008 [cf. cópia das notificações a fls. 26 a 29 dos autos].

K) A 13.12.2007 foram emitidas as liquidações de juros compensatórios, em sede de IVA referentes ao exercício de 2003, identificadas com os n.°s 07330423, 07330737, 07330429 e 07330739, no montante de €13.652,88, 15.645,44, 17.800,59 e 14.071,42, com data limite de pagamento a 31.01.2008 [cf. cópia das notificações a fls. 273 a 275 dos autos].

L) A presente acção foi interposta a 30.04.2008 [cf. carimbo aposto a fls. 4 dos autos]


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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»


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2. DO MÉRITO DO RECURSO

A Recorrente inconformada com a procedência parcial da impugnação, veio nesta sede recursiva alegar e concluir conforme supra descrito sendo que no essencial vem alegar, em síntese, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e de erro na interpretação da lei.

2.1. DA NULIDADE DA SENTENÇA

A Recorrente assaca à sentença recorrida o vício de nulidade por omissão de pronúncia, prevista nos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por a Mma. Juiz a quo por ter decidido com base em sentença referente a 2004, invocando a existência de caso julgado da mesma, e por não ter apreciado a questão de saber se os bens adquiridos foram efectivamente utilizados na actividade empresarial do sujeito passivo, ao abrigo do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 21.º do CIVA, e, ainda, como se colhe das conclusões VI e XI das conclusões da alegação de recurso.

Assim, a primeira questão que importa apreciar é a se saber se a sentença comporta tal vício, por contender com a sua validade formal.

Os artigos 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC), preveem a nulidade da sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

É entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência de que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12, disponível em www.dgsi.pt/).

Porém, não deve confundir-se as questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes, pois, a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido.

Assim, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal «pura e simplesmente não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela conhecer.

No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões porque não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela.» (Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, ed. 2011).

A Mma. Juiz a quo apreciou as nulidades, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 617.º do CPC, nos seguintes termos:

Compulsados os autos, afigura-se-me que a sentença objecto de recurso não padece das alegadas nulidades identificadas pela Fazenda Pública, designadamente por se encontrar fixada a matéria prova e não provada com relevância para a decisão da causa, bem como por se encontrarem expostos os fundamentos que levaram à decisão, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, e terem sido apreciadas as questões de direito suscitadas pelas partes, susceptíveis de serem conhecidas.

Na sentença recorrida refere-se à decisão proferida em sede do processo de impugnação judicial n.º 1169/08 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, não como fazendo caso julgado nestes autos, mas sim apelando ao princípio ínsito no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, à luz do qual, “o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, bem como o que determina o artigo 94.º n.º 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos presentes autos por remissão do artigo 2.º alínea c) do CPPT.

Na sentença recorrida refere-se que as questões decidendas haviam sido já apreciadas em sede do processo de impugnação n.º 1169/08.1BESNT, decisão essa que transitou em julgado, sem qualquer das partes tenha interposto recurso da mesma. Consequentemente, aderindo à fundamentação nela vertida, foi a mesma adoptada nas matérias similares.

Desta forma, não tendo sido invocada a existência de qualquer caso julgado, não existe qualquer omissão de pronuncia geradora de nulidade da sentença, nos termos invocados pela Fazenda Pública.

Nestes termos, por entender que a decisão recorrida se baseia em critérios de legalidade, decido mantê-la.

Lida a sentença recorrida constatamos que se pronunciou sobre as questões decidendas, aderindo à fundamentação constante da sentença que transcreveu, proferida no processo n.º 1169/08.1BESNT, com as mesmas partes e em que foram apreciadas as mesmas questões (divergindo apenas o ano do IVA), como apontado pelo legislador ao julgador, como decorre do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

Não vislumbramos, assim, do texto da sentença que tenha incorrido na nulidade que lhe é imputada.

Sobre as questões colocadas no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo se pronunciou, no âmbito do processo n.º 8/09.0BESNT, de 16/12/2020 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, com a diferença de que os presentes autos respeitam à liquidação de IVA do ano de 2003 e no acórdão citado estava em crise a liquidação de IVA do ano de 2005, sendo que a fundamentação das correcções constantes dos respectivos RIT, as sentenças recorridas, bem como as alegações de recurso são idênticas.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos o discurso fundamentar constante do citado acórdão em relação à questão em apreciação, a que aderimos sem reservas, transcrevendo a parte relevante:

«Ora, compulsada a sentença recorrida, nela encontramos a seguinte alusão: « (…) [t]anto basta para anular as liquidações impugnadas na medida em que a AT não teve tal direito em consideração, aliás, tal como decidido na impugnação deduzida neste Tribunal, no processo n.º1169/08, que transitou em julgado, e cuja decisão foi junta aos autos.».

Assim, não vislumbramos onde falta a pronúncia.
Por outro lado, relativamente à segunda invocada omissão de pronúncia, também aqui, não se verifica o apontado vício formal assacado à sentença.

Com efeito, a questão a decidir respeitante ao direito de dedução de IVA foi apreciada, o eventual erro quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), não se enquadra na invocada nulidade.

Verifica-se, assim, que o Tribunal «a quo» conheceu da questão, por conseguinte, não existe, pois, a apontada nulidade.»

Termos em que improcede neste segmento o recurso.


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2.2. DE DIREITO

A Fazenda Pública discorda da decisão da primeira instância, alegando, em síntese, que contrariamente ao decidido em violação do disposto nos artigos 19.º e 20.º do RITI a contrario, o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nas aquisições de bens constitui uma faculdade deste, e não um dever da Administração Tributária.

Vejamos, prosseguindo com o discurso fundamentador do citado acórdão de 16/12/2020 deste TCAS, atenta a semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, pois, tratam-se das mesmas situações de facto e de direito (sendo de referir que a sentença no aludido processo também remeteu para a fundamentação vertida na sentença proferida no processo n.º 1169/08), pelo que permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:

«As liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) objecto dos presentes autos de impugnação judicial foram emitidas na sequência da correcção efectuada pelos Serviços da Inspecção Tributária, com base no entendimento de que o Impugnante adquiriu diversas viaturas a outros sujeitos passivos no Estado Alemão pelo regime geral de IVA, e posteriormente, nas suas vendas aplicou o regime especial de tributação dos bens em segunda mão, aprovado pelos Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro (regime da margem).

Na parte que para aqui mais releva, importa relembrar que o Tribunal «a quo» não obstante entender que (…) a liquidação deve ser efectuada pelo adquirente e que incide sobre o IA, logo no momento da exigibilidade do imposto nasce o direito à dedução, pois esta operação de liquidação é uma mera operação contabilística com intenção de ser neutra em termos fiscais», veio a considerar que não tendo a Administração Tributária levado em consideração a dedução de IVA, relativa às aquisições intracomunitárias, no valor de 93.076,12 € (2005), 71.481,05 € (2006), e, 43.710,89 €, (2007), as liquidações sindicadas não poderiam manter-se na Ordem Jurídica.

A Fazenda Pública discorda do decidido, defendendo, em suma, que contrariamente ao decidido o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo nos seus inputs constitui uma faculdade deste, e não um dever da Administração Tributária.

A questão que se coloca é a de saber se no âmbito da liquidação do IVA nas transacções intracomunitárias, deveria a Administração Tributária ter tido em consideração o direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo naquelas aquisições de bens, substituindo-se, assim, ao contribuinte no apuramento do imposto.

Vejamos.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, « o direito de os sujeitos passivos deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante, usados para efeitos das suas operações tributáveis a jusante, constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. Como o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente, o direito à dedução previsto nos artigos 167.o e seguintes da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.» (Acórdão de 4.06.2020, SC C.F. SRL contra A.J.F.P.M., D.G.R.F.P.C, C-430/19 http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=8FA74F9E2D998B64AE8DCE8446D53E46?text=&docid=226973&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=9328929).

No apuramento do imposto pelo sujeito passivo (cfr. artigo 19.° do CIVA), deverá o mesmo proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens (cfr. artigo 23.°, n.°1, alínea a) do RITI), ainda que, em simultâneo, possa deduzir o imposto suportado nas aquisições intracomunitárias de bens (cfr. artigo 19.° n.° 1 e n.º 2 do artigo 20.º do RITI), nada autorizando e nem a lei permitindo, que a Administração Tributária, se substitua ao sujeito passivo nesse apuramento.

Com efeito, à semelhança do que sucede no âmbito do CIVA, as obrigações dos contribuintes assumem em sede do RITI especial relevância como garantia do bom funcionamento do sistema e forma de obviar a eventuais situações de fraude e evasão fiscal e permitir o controlo pelas autoridades fiscais.

Neste sentido, escreveu-se no acórdão deste Tribunal Central Administrativo, no acórdão proferido no dia 28.10.2003, proferido no processo n.º 229/03, que: «À semelhança do que sucede no âmbito do CIVA, as obrigações dos contribuintes assumem em sede do RITI especial relevância como garantia do bom funcionamento do sistema e forma de obviar a eventuais situações de fraude e evasão fiscal e permitir o controlo pelas autoridades fiscais.

Nos termos do n.° 3 do artigo 17.° do R.I.T.I., o valor tributável das aquisições intracomunitárias de bens, no caso de bens sujeitos a imposto automóvel (para o que ao caso interessa), será determinado com inclusão daquele imposto, ainda que não liquidado simultaneamente.

O artigo 23° n.° 1 alínea a) estabelece como obrigação dos contribuintes: «Proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens».

A Impugnante nas declarações periódicas apresentadas não liquidou nem deduziu o Imposto sobre o Valor Acrescentado das aquisições intracomunitárias sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Quer isto dizer que violou o disposto no art.° 17.° n.° 3 do RITI, não cumprindo com a obrigação imposta no art.° 23°, n.° 1, alínea a) do mesmo diploma legal.

Em seu abono diz a Impugnante que se trata de uma mera operação contabilística, de cuja omissão não resultou qualquer prejuízo para a Fazenda Pública, e que tem apoio no n.° 4 do Preâmbulo do RITI.

É a seguinte a redacção do ponto 4 do Preâmbulo do RITI:

«(...) Assim, e referindo só o princípio geral aplicável nas transacções entre sujeitos passivos, dir-se-á que estes, sempre que adquirem bens a sujeitos passivos de outros Estados membros, realizam uma «aquisição intracomunitária», tributável nos termos do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, e que deverá ser levada à declaração periódica de IVA, conjuntamente com as demais operações do sujeito passivo. Em casos normais, o imposto liquidado e aí declarado será dedutível imediata e integralmente, pelo que o sujeito passivo não suportará qualquer ónus fiscal na operação da aquisição.»

Ora, nesta parte do Preâmbulo, o legislador limitou-se a explicar o regime que estabeleceu no artigo 19.° do diploma em causa, no que respeita à dedução do imposto.

Para dedução do imposto devido, nos termos do artigo 19.° dp CIVA o sujeito passivo poderá deduzir ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado nas aquisições intracomunitárias de bens e nas operações assimiladas (artigo 19.° n.°1 do RITI).

A dedução do imposto suportado a montante faz parte da própria essência do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

De facto, baseando-se o Imposto sobre o Valor Acrescentado num sistema de pagamentos fraccionados do imposto destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias d0 circuito económico é indispensável ao funcionamento do sistema e ao estabelecimento da cadeia que vai da importação, aquisição intracomunitária de bens, ou produção até ao consumo final, exportação ou transmissão intracomunitária de bens - E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 4.a Edição, página 498.

Nos termos do artigo 19.° o contribuinte pode deduzir o imposto incidente sobre as operações tributáveis (vulgarmente designado por Imposto sobre o Valor Acrescentado liquidado) o imposto pago nas aquisições intracomunitárias de bens, bem como nas operações assimiladas, contanto que os bens em causa sejam utilizados pelo sujeito passivo para a realização das suas operações tributáveis.

Ora, como já vimos, sobre o contribuinte recai nos termos do artigo 23° do RITI a obrigação de «autoliquidação» do imposto pago nas aquisições intracomunitárias.

Nas declarações periódicas relativas a esse período deverão mencionar o valor das aquisições, bem como o correspondente imposto a favor do Estado.

Simultaneamente deverão mencionar, a favor do sujeito passivo, um montante de igual valor, excepto quando os bens adquiridos não confiram direito à dedução nos termos do CIVA, ou o sujeito passivo se encontre abrangido por um regime de dedução parcial do imposto (artigo 20.° do RITI).

«Esta circunstância, isto é, a coincidência temporal entre o momento em que o imposto deve ser mencionado a favor do Estado e a favor do sujeito passivo, anula, como vimos, o financiamento do imposto à aquisição intracomunitária e transforma a liquidação do imposto devido nas aquisições intracomunitárias em mera operação contabilística, quando estivermos perante passivos com dedução total do imposto suportado a montante. Obviamente, que o não financiamento traduz-se no diferimento do pagamento do imposto, uma vez que, na prática, o imposto que não foi pago na alfândega vai ser reflectido no montante a entregar nos cofres do Estado aquando da entrega da declaração periódica correspondente.» - E. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Anotado e Comentado, 4.a Edição, página 1084.

A afirmação constante do preâmbulo do RITI «Em casos normais, o imposto liquidado e aí declarado será dedutível imediata e integralmente, pelo que o sujeito passivo não suportará quaquer ónus fiscal na operação da aquisição», não está, assim, para além do que foi legislado.

E, ainda que assim não fosse, isto é, se a intenção do legislador plasmada no Preâmbulo do diploma legal acabasse por não ter apoio na letra da lei, não poderia legitimar qualquer comportamento da Impugnante, porquanto os Preâmbulos não são fonte de lei.(...).

E na verdade assim é.

Pelas normas invocadas na sentença recorrida se vê, claramente, que no apuramento do imposto pelo sujeito passivo (art.° 19.° do CIVA), deverá o mesmo proceder à liquidação do imposto que se mostre devido pelas aquisições intracomunitárias de bens [art.° 23.° n.°1 a) do RITI]; ainda que, em simultâneo, possa deduzir o imposto suportado nas aquisições intracomunitárias de bens (art.° 19.° n.°1 a) do mesmo RITI), nada autorizando e nem a lei permitindo, que a AT, oficiosamente, se substitua ao sujeito passivo nesse apuramento, como pretende a recorrente, não se percebendo a que propósito vem invocar a norma do art.° 78.° n.°2 da LGT, que nada tem que ver com esta questão.

Aliás, enquanto que para a liquidação do imposto devido pelas aquisições desses bens a mesma é obrigatória, já para o exercício do direito à dedução é facultativo, como resultam dos claros termos dessas normas - art.°s 23.° n.°1 a) e 19.° n.° l, ambos do RITI.». (disponível em www.dgsi.pt).

Ora, à luz do precedente enquadramento, pode, pois, dizer-se que a sentença não fez boa aplicação do direito, ao entender que a Administração Tributária deveria ter tido em consideração nos actos de liquidação de IVA sub judice, a dedução do valor do imposto apurado sobre o IA, pese embora o recorrido não tenha exercido tal faculdade.

Deve, pois, ser concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Face ao exposto, sendo que a matéria em apreciação nestes autos é essencialmente idêntica, e não se vislumbrando outra leitura da realidade em apreço, cabe dar razão à Recorrente.

Procede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional, impondo-se, por isso, revogar neste segmento a sentença, julgando improcedente, nesta parte, a impugnação judicial, com a consequente manutenção na ordem jurídica da liquidação impugnada.


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Nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

In casu, atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.


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Conclusões/Sumário (com a devida vénia apropriamo-nos das conclusões formuladas no referido acórdão)

I. Nas transacções intracomunitárias, no apuramento do IVA devido, é obrigatório para o contribuinte a liquidação do imposto devido nas aquisições de bens; mas já é facultativa a dedução desse mesmo imposto suportado nas aquisições;

II. E se o contribuinte não exercer esse direito à dedução do imposto suportado no apuramento do mesmo, não cabe à Administração Tributária oficiosamente, exercê-lo, por falta de normas atributivas dessa competência.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento recorrido, julgando improcedente, nesta parte, a impugnação judicial.

Custas pela Recorrida, salvo quanto ao pagamento da taxa de justiça, por não ter apresentado contra-alegações, com dispensa de pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 €.

Notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021.


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A Juíza Desembargadora,

Maria Cardoso

(assinatura digital)


(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).