Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2269/13.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
ALARGAMENTO SUSPENSÃO DO PRAZO
Sumário:I - O alargamento do prazo de caducidade a que alude o n.º 5, do artigo 45.º da LGT não é aplicável quando o inquérito criminal é arquivado ainda dentro do prazo de caducidade do tributo.
II - A suspensão do prazo de caducidade enquanto decorre a acção inspectiva justifica-se pela necessidade de a Administração Tributária recolher elementos para liquidar o tributo.
III - É com a notificação da alteração do âmbito e extensão do procedimento de insepcção, nos termos do artigo 15.º do RCPITA, que se produzem os efeitos quanto à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do n.º 1, do artigo 46.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 15/03/2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M......., Lda, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do exercício de 2008, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 6.667,79.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I – Com a devida vénia, contrariamente à asserção sustentada pela douta Sentença a quo, entende esta RFP, que estão preenchidos os pressupostos para que os atos tributários sejam considerados notificados dentro do prazo de caducidade, não estando em causa os vetores de confiança e de ordem pública, tendo as liquidações sido efetuadas à luz dos factos dados como assentes e no Direito que os deve circunscrever.

II – Neste conspecto, há que considerar as seguintes ações que fazem com que se suspenda o referido prazo e também conforme prescreve a Lei(cfr. artigos 45.º e 46.º da LGT), se considere o alargamento do mesmo: A impugnante foi sujeita a uma ação inspetiva, que teve origem nos autos do processo de inquérito nº 424/08.9 DLSB, remetidos pelo Tribunal de Instrução Criminal e DIAP de Lisboa à Direção de Finanças de Lisboa, em que é denunciante M....... e denunciada I......., ambos sócios Gerentes da empresa ora Impugnante.

III – As denúncias constantes nos autos, indiciam: "além de erros e abusos na gestão societária, a omissão de elementos e a utilização de procedimentos com passiveis implicações na área fiscal.

IV – Para análise dos factos constantes dos autos, os Serviços de Inspeção Tributária (SlT), procederam a uma Inspeção externa, efetuada no cumprimento da Ordem de serviço OI201202297, com despacho de 09/07/2012, a fls.415 do processo, tendo sido iniciada em 11/10/2012, nos temos dos art.º 46° e 51°, ambos do RCPIT. Os atos inspetivos externos terminaram em 06/03/2013, com a assinatura da nota de diligência (fls. 414 do processo) de harmonia com o artigo 61° do citado diploma legal.

V – Em face da especificidade da natureza da atividade exercida pelo sujeito passivo, assim como, das dificuldades encontradas pelo SIT, na análise contabilística, por não terem sido apresentados elementos refutados de essenciais para a sua apreciação, foi concluído que a mesma não refletia com rigor a atividade da ora impugnante.

VI – Estando posto em causa o princípio da colaboração, previsto no artigo 59° da LGT, por parte da ora impugnante, ao não ter exibido todos os elementos constantes da notificação datada de 28/01/2013, (fls.166/7 do processo), como por exemplo: os talões do multibanco e o Inventário Inicial de 2008 das matérias primas a que estava obrigado.

VII – No que concerne ao exercício de 2008, o sujeito passivo reagiu solicitando a revisão da matéria tributável, nos termos previstos no artigo 91º da Lei Geral Tributária. Constatando-se pela ata 27/2013 de 29/05/2013, resultante da reunião Comissão de Revisão (que neste processo se encontram cópias de fls.383 a 398 do processo), que tendo inexistido acordo entre os representantes do sujeito passivo e da Administração Tributária, no que concerne aos fundamentos para aplicação de métodos indiretos, foi mantida a matéria Tributável corrigida, fixada no montante €101.850,57€ (proveitos presumidos para IRC e IVA). Da decisão foi notificado o sujeito passivo em 20/06/2013, pelo ofício nº 038660 de 31/05/2013 (fls. 399 a 403 do processo).

VIII – No entanto conforme se defende o prazo de caducidade das referidas liquidações de IVA deverá ser suspenso durante o período em que decorreu a ação inspetiva (de 11/10/2012 a 06/03/2013), e bem assim, durante o período em que decorreu a revisão à matéria coletável (08/05/2013 a 20/06/2013) e por ultimo, deve o prazo ser alargado durante a instauração do processo de inquérito e até ao seu arquivamento (29/07/2008 a 06/02/2009), assim sendo de considerar que as liquidações foram notificadas ainda dentro do prazo de caducidade.

IX – Porquanto nem se poderia considerar de outra forma, por violação da Lei e dos princípios que estruturam o nosso ordenamento jurídico, sob pena de tornar ineficaz o que foi validamente notificado.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

3. A recorrida, M....... Ldª, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista à Exma. Procuradora – Geral Adjunta, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento por ter considerado que se verifica a caducidade do direito à liquidação de IVA de 2008, por as liquidações não terem sido notificadas à Impugnante dentro do prazo de caducidade.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1) A Impugnante é uma sociedade por quotas com objeto social de prestação de serviços de Restauração e Bebidas; Gestão de Espaços de Animação, Eventos e Festas Multimédia-Culturais; Produção, Promoção e Gestão de Eventos Audiovisuais; Produção, Promoção, Exposição e Gestão de Artes Audiovisuais e Multimédia; Agenciamento de Artistas Multimédia e Audiovisuais; Representações e comércio de Tecnologias ou Artigos Audiovisuais e Multimédia; Edição e Publicações Audiovisuais e Multimédia (cf. contrato a págs. 80 a 85 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

2) Em 06-10-2006 foi outorgado um documento designado “Contrato de suprimentos”, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:

«[...] Entre:

PRIMEIRO: M.......[...]

SEGUNDO: I....... [...]

adiante designados, também, por MUTUANTES,

e

TERCEIRO: M....... [...] adiante designada como MUTUÁRIA [...]

Os MUTUANTES, efectuarão suprimentos à MUTUÁRIA, de montante igual, no valor global de € 60.000 (sessenta mil euros), por entradas em dinheiro. [...]

a) O reembolso dos suprimentos prestados pelos MUTUANTES, ocorrerá decorridos que sejam, pelo menos, 366 (trezentos e sessenta dias) dias, contados da deliberação da assembleia geral que aprovar a celebração do Contrato de Suprimentos, regido pelo presente clausulado;

b) Quer o reembolso, quer o prazo do mesmo, carecem de decisão unânime dos sócios MUTUANTES;

e) Os sócios MUTUANTES poderão prescindir do reembolso dos suprimentos que efectuam. [...]

O reembolso será efectuado em 60 (sessenta) prestações mensais e sucessivas de € 500 (quinhentos euros) cada. [...]»

(cf. contrato a págs. 87 a 90 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

3) No ano de 2008 eram sócios e gerentes M.......e I....... (facto assente por confissão e cf. relatório de inspeção tributária (RIT) a fls. 127 a 152 do PA apenso aos autos);

4) Em 10-03-2008 foi emitida uma carta registada em nome da Impugnante, da qual se retira, por extrato, o seguinte:

«[...] Serve a presente carta para o informar que o contrato de trabalho a termo certo que o liga a esta empresa, assinado no passado dia 01 de Outubro de 2007, e pelo período de 6 meses, não será renovado. [...]

Assim [...] informa-se que o seu contrato de trabalho caducará no próximo dia 01 de Abril de 2008, data a partir do qual deixará de ser trabalhador da empresa. [...]»

(cf. carta a págs. 116 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

5) Em 31-03-2008 foi outorgada um documento designado “Declaração de Quitação”, do qual se retira, por extrato, o seguinte:

«[...] declara que recebeu da M......., Lda, [...] a quantia de 539,50 € [...] a título de pagamento de todas as remunerações legais devidas no âmbito da cessação do Contrato de Trabalho a Termo Certo até ao dia 31 de Março de 2008, data de cessação do contrato [...]»

(cf. documento a págs. 117 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

6) Em 30-05-2008 o sócio-gerente M....... apresentou uma providência cautelar contra a sócia-gerente I....... formulando um pedido de suspensão das funções desta como gerente da Impugnante, tendo este processo corrido sob o n.º PC 677/08.9TYLSB no Tribunal de Comércio de Lisboa (cf. decisão a págs. 53 a 74 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

7) Em 29-07-2008 o sócio-gerente M....... apresentou uma queixa- -crime contra a sócia-gerente I....... tendo este processo corrido sob o n.º 4244/08.9TDLSB no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (cf. requerimento a págs. 76 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF e fls. 305, verso, a 312 do PA apenso aos autos);

8) No exercício de 2008 foram emitidas em nome da Impugnante as seguintes faturas por entidades terceiras:

9) No exercício de 2008 as faturas descritas em 8) foram registadas no diário de compras da contabilidade da Impugnante da seguinte forma:

10) No exercício de 2008 foi registado no balancete da Impugnante a quantia de € 17.120,12 sob a conta 64 “Custos Com Pessoal”, sendo € 1.238,50 relativos à conta 642 “Remunerações Pessoal” (cf. balancete a págs. 113 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

11) No exercício de 2008 foram registadas as seguintes vendas no programa informático da Impugnante:



12) No exercício de 2008 foram registadas vendas no programa informático da Impugnante no valor total de € 60.447,60 (cf. mapa vendas a págs. 109 a 111 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

13) Em 06-02-2009 o sócio-gerente M....... apresentou um requerimento no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa com vista à desistência da queixa-crime descrita em 7) (cf. requerimento a págs. 78 do ficheiro a fls. 1 a 147 do SITAF);

14) Em 22-05-2009 o processo n.º 4244/08.9TDLSB, descrito em 7), foi arquivado (cf. ofício a fls. 271 do SITAF);

15) Em 11-10-2012 foi outorgada pelo gerente da Impugnante a ordem de serviço n.º OI201202997, de âmbito parcial ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2008 (cf. ordem de serviço a fls. 415 do PA apenso aos autos);

16) Em 07-02-2013 foi outorgada pelo gerente da Impugnante a alteração da ordem de serviço n.º OI201202997, descrita em 15), constando no quadro 5 “Alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento” o seguinte:

«No decorrer da inspeção constatou-se a existência de omissões, nomeadamente, [...] IVA, o que motivou a alteração do âmbito e extensão da ordem de Serviço de univalente para polivalente, de forma a permitir as correções devidas»

(cf. ordem de serviço a fls. 416 do PA apenso aos autos);

17) Em 05-04-2013 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante o RIT sob a ordem de serviço n.º OI201202997, constando do mesmo, com interesse, o seguinte:

«[...] II - 03 - 02 - SITUAÇÃO DECLARATIVA E DÍVIDAS FISCAIS

Em IVA a empresa está enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral e as declarações periódicas de IVA têm sido entregues embora nem sempre dentro dos prazos. [...]

II - 3 - 3 - ORGANIZAÇÃO CONTABILÍSTICO - FISCAL

A empresa possui contabilidade organizada de acordo com as formalidades exigidas pela lei comercial e fiscal.

A contabilidade, informatizada, é executada pelo TOC externo à empresa [...]

IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS [...]

IV – 1 – ABORDAGEM DA EMPRESA [...]

Segundo M......., a gerência efetiva da empresa estava a cargo da sócia I......., que acompanhava diariamente, no estabelecimento, o negócio da empresa.

Ao aperceber-se de um conjunto de atitudes e procedimentos indiciador, não só de má gestão como também de aproveitamento pessoal de recursos e potencialidades da empresa por parte da sócia e gerente I......., intentou contra ela, primeiro uma providência cautelar e posteriormente uma queixa crime.

Em resultado desses processos, I....... renunciou à gerência a 06/02/2009 e alienou a 5 sua quota na empresa a 15/04/2010.

IV - 2 - A CONTABILIDADE

A contabilidade da M....... Lda., é elementar, bastante simples, com imperfeições e omissões, não revelando de forma consistente e apropriada quer a totalidade da atividade desenvolvida quer a sua verdadeira situação financeira e patrimonial.

Nos elementos contabilísticos que nos facultaram não constavam os inventários iniciais e finais de matérias - primas. Após notificação apresentaram-nos exclusivamente o inventário final de 2008.

Segundo nos apercebemos, a contabilidade do exercício de 2008 foi executada apenas no final do exercício, situação que foi confirmada pelo sócio gerente M......., com a el justificação de que não tinham tido acesso a todos os documentos.

Talvez pelo facto, parte das compras de matérias-primas está contabilizada por contrapartida de caixa, não existindo nesses casos contas correntes com os fornecedores, o que torna difícil uma avaliação consistente e impraticável o cruzamento de informação.

Relativamente às compras a fornecedores habituais com conta corrente contabilística, procedemos à sua circularização, tendo-se detetado algumas divergências entre o declarado por aqueles e o constante da contabilidade da empresa, conforme adiante se demonstrará.

Também relativamente aos custos de funcionamento, o tratamento contabilístico e fiscal não foi uniforme durante o exercício. [...]

O facto de a contabilidade ter sido executada com cerca de um ano de atraso potenciou, não só a omissão de documentos como também o menor rigor na contabilização dos meios de pagamento utilizados.

Em muitas situações a contabilidade não consegue comprovar o que foi pago, quando e como.

A empresa utiliza para faturação software Wintouch WGES 5.26.618. As receitas são contabilizadas com base num resumo mensal dos fechos diários do programa, tendo como contrapartida caixa.

Anexos aos fechos diários de faturação, encontram-se apensos os fechos (diários ou não) do multibanco bem como alguns (faltam muitos) dos talões das operações realizadas no período.

Devido às omissões de receitas, os meios monetários gerados pela empresa eram insuficientes para fazer face aos encargos. Daí que grande parte das compras e outros gastos que ocorreu durante o exercício, foi suportada alegadamente pelos sócios, conforme conta corrente contabilística. Estes, inclusive, abdicaram dos vencimentos.

No final do exercício de 2008 a dívida da empresa aos sócios, evidenciada em conta corrente, ultrapassava € 173.000,00.

Tendo presente a insuficiência da contabilidade, e havendo necessidade de avaliar o comportamento fiscal da M....... Lda., tornava-se necessário a recolha de um conjunto de dados e informações que permitissem calcular ou estimar a verdadeira dimensão da atividade desenvolvida. [...]

Dessa pesquisa mais exaustiva ressalta que, alguns produtos essenciais nunca foram adquiridos durante o ano ou, se o foram como tudo indica, as compras não estão reveladas na contabilidade.

Relativamente às designadas “compras do dia” ou de “ocasião/emergência”, efetuadas geralmente em mercados, mercearias, super ou hipermercados, muitos dos documentos (faturas ou vendas a dinheiro processadas por máquinas registadoras) estão indecifráveis.

IV - 3 - APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRETOS

Como resulta do descrito no ponto IV-2, a contabilidade não revela a verdadeira dimensão do negócio da empresa.

Os elementos disponíveis não permitem aferir a veracidade dos proveitos declarados e indiciam omissões de compras e de outros gastos, para além de muitas outras irregularidades.

A gerência da empresa, não obstante o seu empenhamento, não apresentou parte dos elementos solicitados na notificação de 28/01/2013 como, por exemplo, os talões multibanco, o inventário inicial de 2008 das matérias-primas, as guias de pagamento das retenções de rendimentos de prediais (IRC).

Outro facto que indicia a omissão de receitas e consequentemente de proveitos são as margens brutas apresentadas em cinco exercícios (2007 a 2011) [...]

Como se pode ver pelo quadro antecedente, a contabilidade da M....... não oferece credibilidade. Como é possível, relativamente à prossecução da mesma atividade (bar/restaurante - serviço de alimentação e bebidas), a margem bruta de exploração variar tanto em cinco exercícios, de 29,96% para 79.50%.

A margem apresentada para o exercício de 2008 (52,04 %), fica bastante aquém da por nós apurada (70 %), conforme, no capítulo seguinte, se demonstrará.

Perante a escassez de receitas (devido às omissões), os pagamentos de muitos dos encargos (compras, e custos diversos como rendas, seguros, honorários e conservação e reparação) foram alegadamente suportados pelos sócios que, inclusive, abdicaram dos vencimentos. [...]

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS [...]

V - 3 - 2 - OMISSÃO DE COMPRAS [...]

Com já atrás se referiu, a contabilização das compras de matérias-primas processou-se de duas formas:

• Tendo como contrapartida caixa ou sócios sempre que as compras eram efetuadas pela empresa em superfícies comerciais, não existido nestes casos quaisquer contas correntes.

• Mediante conta corrente com o fornecedor, relativamente às mercadorias colocadas no estabelecimento;

Quanto às primeiras, não é possível comprovar se existem ou não omissões. Há apenas a convicção dado termo-nos apercebido da inexistência de alguns produtos essenciais que nunca foram adquiridos durante o ano ou, se o foram como tudo indica, as compras não estão reveladas na contabilidade

Relativamente às segundas procedemos à circularização de 13 fornecedores, dos quais responderam 12. [...]

O Dia Portugal Lda. (supermercados minipreço), comunicou que não existiram transações, o que não corresponde à verdade já que constam na contabilidade várias faturas emitidas por aquela entidade.

Outra situação é a compra de produtos em nome dos sócios e vendidos no estabelecimento.

Consta da queixa-crime apresentada ao Ministério Público pelo sócio M....... contra a ex sócia I......., que esta utilizava a empresa e bens da empresa, na realização de eventos, em proveito pessoal.

Que, para além de utilizar as instalações da empresa para fins estranhos à mesma, também adquiria diversos produtos a título pessoal que posteriormente vendia no estabelecimento.

Relativamente ao fornecedor U....... SA, verificou-se que em 2008, aquela empresa procedeu a venda de produtos quer à M....... Lda., quer à sócia gerente I......., enquanto empresária.

Averiguamos que I......., NIF: 22……, exerceu a atividade de agência de publicidade, C….: …..10, e que no ano de 2008 não declarou quaisquer rendimentos relacionados com a realização de eventos ou venda de bebidas

No quadro seguinte apresentam-se as divergências entre os fornecimentos dos fornecedores e o contabilizado pela M........ Na linha relativa à U....... SA (2) constam as aquisições efetuadas por I....... e que foram consumidas no estabelecimento. [...]

Estas divergências revelam que a contabilidade não é consistente nem fidedigna, já que não patenteia a verdadeira dimensão da atividade desenvolvida pela empresa, nem a sua exata situação económica, financeira e patrimonial.

Para além das omissões diretas constata-se também a utilização de subterfúgios, compras à margem da empresa, como forma de tornear a declaração de todos os proveitos.

V - 3 - 3 - AS MARGENS

Procedemos numa primeira fase à análise das margens brutas [(Vendas e ou Prestações de Serviços - Custos das Vendas) / Vendas e ou Prestações de Serviços x 100] declaradas pela empresa no exercício de 2008 [...] Margem Declarada 52.04% [...]

Esta margem, tendo em conta o tipo de estabelecimento (com esplanada), a sua localização, o horário de funcionamento, é substancialmente baixa o que, associado á omissão de compras indicia a omissão de proveitos. [...]

REFEIÇÕES

Embora as considerássemos exageradas não foram postas em causa as quantidades indicadas pela empresa constante das fichas técnicas, relativamente à composição de cada prato.

Margem média dos pratos 67,08%

SOBREMESAS [...]

O cálculo do custo das sobremesas foi feito com base nas fichas técnicas apresentadas pela empresa. As quantidades indicadas correspondem a 10 doses individuais. [...]

Margem média 71,91% [...]

BEBIDAS

Também, relativamente às bebidas, procedeu-se à quantificação do custo unitário bem como ao respetivo cálculo das margens de comercialização [...]

Margem média 71,90% [...]

CAFETARIA

Semelhante procedimento foi executado relativamente aos produtos de cafetaria, conforme quadro infra [...]

Margem média 77,97% [...]

PASTELARIA

Margem média 61,52% [...]

Dado que os elementos disponíveis na contabilidade relativamente ao registo dos proveitos (lista do dia com um montante global), não permitem que se proceda a qualquer ponderação, utilizaremos a margem média simples. [...]

Pare efeito das correções, aplicaremos, após arredondamento final, a margem de exploração de 70,00%. [...]

V - 3 - 4 – CÁLCULOS [...]

Os autos consumos deverão ser minimizados uma vez que como trabalhadores dependentes a empresa apenas apresenta os sócios gerentes. Todos os restantes são prestadores de serviços. [...]

Contudo, assim como na omissão de compras, também no que se refere aos desperdícios/quebras, uma vez que a empresa não os considerou é difícil estimar e quantificar a sua dimensão.

Em termos percentuais, a supressão de compras (para além daquelas por nós quantificadas) e os desperdícios/quebras equivalem-se, pelo que para efeito dos cálculos, não entramos em linha de conta com os desperdícios.

Assim, no que se refere ao custo das vendas teremos:

-Declaradas 26.316,05

- Não declaradas 10.593,45 [...]

PS = 123.031,68 € [...]

V - 4 - RESUMO DAS CORREÇÕES POR MÉTODOS INDIRETOS [...]

V-4-2-EM SEDE DE IVA

Nos pontos V-3-2 e V-3-4 deste relatório, apresentam-se em pormenor as justificações e cálculos para as correções efetuadas. [...]

Total 8.179,97 [...]

VIII - DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO [...]

No ponto IV - 2 do Projeto de Relatório (e do presente Relatório), fizemos uma apreciação à contabilidade da M......., que mantemos na Integra.

A empresa não negou as omissões detetadas, tentou torneá-las através de explicações pouco convincentes.

Essas omissões, com destaque para as compras, aliadas à amplitude das margens apresentadas de exercício para exercício e à injeção sistemática pelos sócios de dinheiro na empresa foram, em nosso entender, argumentos suficientes para aplicação de métodos indiretos, conforme ponto IV - 3 do Relatório.

É um facto que, mediante notificação, foi apresentado um ficheiro SAFT-T contendo a informação pormenorizada de artigos vendidos e com os fechos diários do período. Como à data (2008) os programas de faturação não eram certificados, não há forma de comprovar a sua autenticidade.

Acresce que os programas só revelam a informação que foi efetivamente objeto de registo e, como é do senso comum, no ramo da restauração, grande parte das operações processava-se no “regime de caixa aberta”.

E também é do senso comum, que o controlo interno é tanto mais fraco quanto maior for o envolvimento dos sócios na gestão direta do negócio. E, no exercício de 2008, a M....... não teve outros colaboradores que não os sócios, pelo menos declarados à Administração Tributária.

As justificações para as divergentes margens apresentadas nos últimos 5 anos (2007 a 2011) também não são convincentes. Os serviços prestados pela M....... naqueles exercícios foram semelhantes (bar/restaurante). Os elementos que servem de base para o cálculo da margem bruta são os mesmos, o custo das matérias consumidas e a correspondente prestação de serviços. A disparidade entre aquelas margens (de uns exercícios para os outros) só pode advir, ou de omissões (de compras ou de serviços prestados) ou de deficiente contabilização,

A diferença ente a margem bruta por nós apurada (relativamente ao exercício de 2008) e a declarada pela empresa indicia fuga a parte das receitas.

Também é revelador da omissão de receitas os elevados suprimentos ou créditos que os sócios e gerentes tinham sobre a empresa. E não se trata apenas de investimento, mas também, em grande parte, o custear os gastos de funcionamento da empresa.

Se os sócios, ao que tudo indica, não tinham fortuna pessoal, e os rendimentos auferidos no ano (2008) ou anos anteriores eram diminutos, parte deles obtidos na própria empresa e não recebidos, de onde provinha o dinheiro sistematicamente injetado na M.......? [...]

A M....... não refuta que existem omissões de compras na contabilidade conforme se demonstrou no ponto V-3-2 do Relatório.

Insiste, é que essas omissões não têm reflexos nas vendas ou prestações de serviço: constantes do programa de faturação e registadas na contabilidade mas, evidentemente não comprova nada.

A empresa esquece que as compras omitidas na contabilidade foram consumidas e que acrescem ao custo das matérias-primas considerado. Mantendo-se as vendas e aumentando o custo das vendas (por via das omissões de compras) a margem bruta de exploração desce cerca de 4% face à margem declarada.

Ora, se a margem já é bastante baixa, quer relativamente à por nós apurada neste Relatório, quer em comparação com as apresentadas pela empresa nos exercidos seguintes, assim ainda fica mais distante.

Quanto à Zip Restauração, contrariamente ao afirmado pela M......., o fornecimento vem, pelo menos, desde o início de 2008 e as compras não contabilizadas correspondem a sensivelmente a um mês de aprovisionamento.

Se comprovadamente existem compras não contabilizadas (para além de outras omissões), como é que a contabilidade pode ser credível? [...]

Na queixa-crime, a folhas 10 e 11 do Anexo 14, doc. 1/15 a 15/15, é abordada de uma forma clara e inequívoca, a omissão de compras e receitas. [...]

Na circularização de fornecedores que efetuamos no decurso da ação inspetiva, apurou-se que relativamente à U....... SA, para além das compras efetuadas pela M......., também se verificaram aquisições a título pessoal da ex-sócia e gerente I........

Ressalta da queixa-crime apresentada ao Ministério Público a que se referem os autos de inquérito n.º 424/08.9DLSB-02, que existiu muita promiscuidade entre os negócios da M....... e os da ex-sócia e gerente I......., quer na utilização de bens de empresa na realização de eventos em proveito pessoal, quer na aquisição diversos produtos a título pessoal que posteriormente vendia no estabelecimento. [...]

Ao longo do Projeto de Relatório não atribuímos à M....... a realização de festas ou festivais (como o festival LAB) fora do seu estabelecimento (negócios pessoais de I....... e seus associados), nem propusemos a sua tributação por isso.

que a queixa-crime comprova é que foram vendidas no estabelecimento comercial «o Século», propriedade da M......., por diversas ocasiões, significativas quantidades de bebidas (cervejas, sumos, refrigerantes, bebidas espirituosas, etc.), não adquiridas pela empresa, mas sim pela ex-sócia e gerente I....... ou pessoas associadas. [...]

Assim, porque se desconhece a quantidade exata de bebidas introduzidas ilegalmente no estabelecimento para escoamento, não adquiridas pela M......., considerou-se exclusivamente para o efeito as aquisições efetuadas por I....... à U........ A parte não consumida no estabelecimento compensará as bebidas espirituosas e as adquiridas a outros fornecedores não consideradas. [...]

As compras consideradas omitidas - ponto V-3-2 do relatório - passam a ser de 4.239,12 € [...]

Relativamente aos cálculos das omissões apuradas - ponto V-3-4 do relatório - temos o custo das matérias consumidas altere-se para 30.555, 12 € [...]

Aplicando a margem por nós apurada neste relatório - ponto V-3-3 - teremos: [...] PS = 101.850,57 € [...]

IX - 2 - CORREÇÕES EM SEDE DE IVA

Os cálculos e as fundamentações das correções propostas constam dos pontos V-3-2 a V-3- 4, corrigidos pelos novos dados introduzidos na parte final do ponto VIII - Direito de Audição - Fundamentação.

Apresenta-se no quadro seguinte, o IVA devido por períodos no exercício de 2008. [...]

Total 5.638,24 [...]»

(cf. RIT a fls. 127 a 152 do PA apenso aos autos);

18) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante um ofício com vista à notificação do RIT descrito em 17) (cf. ofício a fls. 317 e 318 do PA apenso aos autos);

19) Em 09-05-2013 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante com vista à revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos (cf. requerimento a fls. 321 a 348 do PA apenso aos autos);

20) Em 29-05-2013 foi elaborada a ata da reunião n.º 27/13 referente ao pedido de revisão descrito em 19), da qual se extrai, designadamente, que não houve acordo entre os peritos da Impugnante e da Fazenda Pública (cf. ata a fls. 387 a 391 do PA apenso aos autos);

21) Em 01-02-2010, a Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa proferiu um despacho de fixação da matéria tributável em nome da Impugnante, do qual se retira, por extrato, o seguinte:

«[...] B. do Procedimento de Revisão [...]

C. Decisão

Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indireta

Pelo exposto e pelos elementos constantes dos autos, relatório, pedido de revisão e as posições dos peritos intervenientes no debate contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, conclui-se que o acervo contabillstico do sujeito passivo referente ao exercício de 2008, não se encontra elaborado de acordo com o estabelecido nos art.ºs 17.° e 115.° (actual 123°), ambos do Código do IRC e art.º 44.° do código do IVA, uma vez que ficou patente que a contabilidade é elementar, com imperfeições e omissões, não refletindo a atividade comercial nem retratando de forma fidedigna a verdadeira situação financeira e patrimonial.

Tanto assim é, que foi o próprio sujeito passivo, por intermédio do sócio-gerente o Sr. M........, que apresentou queixa-crime contra I......., à data sócia-gerente da empresa, que correu termos pelos autos de inquérito n°424/08.9DLSB-02, junto dos serviços do Ministério Público do Tribunal de Instrução Criminal e DIAP de Lisboa, num contexto de litígio entre os mesmos, denunciando várias factualidades, nomeadamente, omissões e erros com pertinência fiscal, como se demonstra através dos seguintes excertos, que constam da sobredita queixa-crime apresentada 29 de Julho de 2008 [...]

No pedido da revisão da matéria, o S.P volta assumir que os registos contabilísticos enfermam de erros e lapsos, ficando isso bem patente nos pontos 7.1 e 19.

A tudo isto se junta, o que ficou demonstrado nomeadamente à ausência de inventário inicial relativo ao exercício em apreço (2008), lançamentos contabilísticos relativos a parte de compras de matéria-primas, retratados por contrapartida de caixa, inexistindo nesses casos contas correntes com fornecedores, dificultando uma avaliação coerente e impossibilitando o cruzamento de informação contabilisticamente pertinente. [...]

Devido à omissão de receitas, os meios monetários gerados pela empresa eram insuficientes para fazer face aos encargos, tendo-se inclusive concluído que alguns produtos essenciais nunca foram adquiridos durante o exercido, ou se o foram, nunca foram devidamente refletidos no acervo contabilístico, assim como a ausência de inúmeros talões das operações do terminal de multibanco aquando dos fechos de caixa, fados que concorrem para a fragilidade e falta de credibilidade dos lançamentos contabilísticos.

O reclamante, quer no exercido de direito de audição em sede de projeto de relatório inspetivo, quer pedido de revisão, rebate exaustivamente estes e outros itens. Contudo, é de salientar, que não repudia de forma perentória, nenhum deles. Antes, relativiza as posições assumidas pela AT, asseverando que, pese embora os lapsos, omissões e erros nos registos contabilísticos, os mesmos não assumem relevo ou intensidade, para se considerarem reunidos os requisitos para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos.

Estas situações não foram validamente colocadas em crise, quer no pedido de revisão, quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte nem o perito por si nomeado, vieram abalar os argumentos do Relatório, sendo defendido pelo perito da fazenda pública que se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação do método de avaliação indirecta.

O perito do sujeito passivo relativamente ao recurso a métodos indiretos, pela AT não se pronuncia, clarificando apenas que na sua óptica, existe, erro na quantificação, como adiante se verá.

Face ao que se já se demonstrou, a determinação da matéria coletável/imposto em falta, está assim, plenamente justificada, sendo defendida igualmente a sua aplicação pelo perito da fazenda pública. [...]

Quanto à quantificação [...]

Apesar de elencar no pedido de revisão, as faturas, que na sua opinião, contribuem para a correta quantificação das omissões de compras, nada juntou ou demonstrou, nem aquando do pedido, nem durante o debate entre os peritos, tomando inviável qualquer apreciação sobre o que agora alega.

Quanto ao argumento das margens de comercialização, não é de acolher o que alega o S.P, uma vez que o relatório da inspeção, efetuou analise abrangente e pormenorizada que teve em conta as componentes mais representativas, como por ex: menus, pratos do dia, saladas e tostas, bem como os produtos de cafetaria e pastelaria. A opção pela margem média simples, afigura-se correta, por ser aquela que melhor se coaduna com a realidade do sujeito passivo, tal como corrobora o perito da fazenda publica, no seu laudo, que acrescenta, que a margem média final apurada pelo sujeito passivo, com um misto da média ponderada e média simples, não diverge muito da média apurada pela AT.

Relativamente á questão dos desperdícios e auto consumos, recordamos que estes últimos deverão ser relativizados, uma vez que no ano em análise, apenas estão apresentados como trabalhadores dependentes, os sócios gerentes, sendo os restantes prestadores de serviços, e nem os registos contabilísticos da visada fazem qualquer referencia a esta temática.

A quantificação dos desperdícios só seria possível, se se tivesse conseguido apurar o resultado efetivo por menu, sendo que a própria visada, não os considerou, nos seus registos contabilísticos. [...]

No que respeita à quantificação não foram apresentados pelo sujeito passivo e pelo seu perito elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos serviços de inspeção tributária, confirmados pelo perito da fazenda pública, e que façam prova do excesso na quantificação.

Em face do exposto, mantenho os valores fixados. [...]»

(cf. despacho a fls. 392 a 398 do PA apenso aos autos);

22) Em 09-07-2013 os serviços da AT emitiram em nome da Impugnante as seguintes liquidações de IVA e de juros compensatórios do exercício de 2008:




23) Em 09-12-2013 deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).

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Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.»

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2. Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, altera-se oficiosamente a redacção do ponto 21 do probatório

Compulsados os autos, verifica-se a existência de erro material de escrita no que respeita à indicação da data em que a Directora de Finanças Adjunta de Lisboa proferiu o despacho de fixação da matéria tributável em nome da impugnante.
Analisada a sentença proferida nos autos constata-se que no ponto 21 da matéria de facto, se indicou como data em que foi proferido o aludido despacho em 01/02/2010, assentando a prova deste facto no despacho de fls. 392 a 398 do PA apenso aos autos.

Ora, examinado o PA e concretamente o despacho em questão, verifica-se que a data indicada no mesmo é a de 31/05/2013 e não como se indicou a de 01/02/2010.

Tal erro configura um lapso de escrita manifesto, que dá direito à sua rectificação.
Assim sendo, procede-se à rectificação do aludido erro material de escrita, alterando a redacção do ponto 21 da matéria de facto dada como assente, devendo, em vez de “Em 01-02-2010, a Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa (…)” passar a ler-se “Em 31-05-2013, a Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa (…)”.


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3. DE DIREITO

Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou verificada a caducidade do direito à liquidação, no entendimento, em síntese, que na data de notificação do alargamento do âmbito da inspecção externa à Impugnante, para abarcar o IVA do exercício de 2008, que ocorreu em 07/02/2013, nos termos do ponto 16 do probatório, já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT, não sendo de aplicar a suspensão do prazo previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT e o alargamento de prazo referido no artigo 45.º, n.º 5 da LGT.

A Recorrente não se conforma com esta decisão argumentando que a sentença recorrida padece de violação de lei, em suma, por o prazo de caducidade das referidas liquidações de IVA dever ser suspenso durante o período em que decorreu a acção inspectiva (de 11/10/2012 a 06/03/2013), durante o período em que decorreu a revisão à matéria colectável (08/05/2013 a 20/06/2013), e, por último, deve o prazo ser alargado durante a instauração do processo de inquérito e até ao seu arquivamento (29/07/2008 a 06/02/2009), sendo, assim, de considerar que as liquidações foram notificadas ainda dentro do prazo de caducidade.

A questão que importa apreciar é então a de saber se, à luz da factualidade dada como provada e supra referida, a sentença recorrida incorreu no invocado erro de julgamento ao concluir que a notificação das liquidações de IVA e de juros compensatórios respeitantes ao ano de 2008 não foram notificadas dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação.

O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (cfr. artigo 45.º, n.º 1, da LGT).

O artigo 45.º, n.º 4, da LGT (na redacção dada pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29/12) preceitua, na parte relevante para os autos, que o prazo de caducidade do IVA conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

Assim, o inicio do prazo de quatro anos de caducidade da liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios do ano de 2008, conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (cfr. artigos 45.º 1ºs. 1 e 4 e 35.º, n.º 8, ambos da LGT).

Por sua vez o n.º 5, do artigo 45.º da LGT (redacção aditada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) estipula sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

A Jurisprudência dos tribunais superiores é do entendimento que a aplicação do n.º 5, do artigo 45.º da LGT está dependente, tão só, de o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, sendo a data relevante a da instauração do inquérito criminal (vide Acs. do STA de 21/10/2015, processo n.º 01477/13 e de 11/11/2015, processo n.º 0190/14, disponíveis www.dgsi.pt/).

Nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT «O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.»

A lei prevê um outro efeito suspensivo do prazo de caducidade desencadeado pela apresentação de um pedido de revisão, tal como estipulado no artigo 46.º, n.º 2, alínea e) da LGT (redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

Como emerge do quadro factológico da sentença, que não vem impugnado, não resultou provado que haja coincidência entre os factos que consubstanciam as liquidações emitidas na sequência da acção inspectiva e os factos que foram objecto de investigação criminal.

Acresce que o inquérito foi arquivado em data anterior ao inicio da acção de inspecção e dentro do prazo de caducidade do IVA do ano de 2008 (cfr. pontos 7), 14), 15) e 16) do probatório).

O alargamento do prazo de caducidade a que alude o n.º 5, do artigo 45.º da LGT não é aplicável quando o inquérito criminal é arquivado ainda dentro do prazo de caducidade do tributo.

O alargamento do prazo de caducidade só se justifica quando o prazo continua a correr para além do prazo de caducidade.

Alega a Recorrente que o prazo de caducidade das referidas liquidações deve ser suspenso durante o período em que decorreu a acção inspectiva (de 11/10/2012 a 06/03/2013).

A suspensão do prazo de caducidade enquanto decorre a acção inspectiva justifica-se pela necessidade da Administração Tributária recolher elementos para liquidar o tributo.

Sobre a caducidade do direito à liquidação escreveu-se na sentença recorrida:

«Assim, o prazo de caducidade das liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas, assentes nos factos em 22), iniciou-se no primeiro dia do ano de 2009, correndo então por 4 anos até ao dia 01-01-2013.

Acontece, porém, que naquela data os serviços da AT apenas estavam credenciados para uma ação de inspeção externa parcial ao IRC, mas não quanto ao IVA do exercício de 2008, como decorre da factualidade assente em 15) e 16).

Nestas situações, indica a jurisprudência que não se pode considerar que o alargamento do âmbito da ação inspetiva externa, nos termos do artigo 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), produz efeitos retractivos quanto à suspensão de prazos de caducidade que, entretanto, tenham expirado (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 411/15.7BEALM, de 05-06-2019, disponível em www.dgsi.pt).

De facto, embora nos termos do referido artigo o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção possam ser alterados durante a sua execução, é a partir do momento da notificação dessa alteração que a entidade inspecionada conhece o âmbito do procedimento de inspeção e conhece os deveres e sujeições a que está sujeito dentro do quadro legal.

Com relevância para o caso concreto, é com a notificação da alteração do âmbito e a extensão do procedimento de inspeção que se produzem os efeitos relativamente à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT.

E não colhe o entendimento da Fazenda Pública quanto à suspensão dos prazos de caducidade por instauração do inquérito crime que correu termos com o n.º 4244/08.9TDLSB no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, descrito nos factos em 13).

Como se disse, o n.º 5 do artigo 45.º da LGT não prevê qualquer suspensão do prazo de caducidade, mas sim o seu alargamento até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Ou seja, ao contrário da suspensão dos prazos prevista no artigo 46.º da LGT, que determina que a sua contagem fica parada por determinado lapso de tempo, o alargamento do prazo previsto nesta norma implica que o prazo de caducidade continua a correr para lá dos quatro anos até que ocorra alguma das circunstâncias ali previstas, sendo ainda adicionado um ano para que os serviços da AT possam efetuar a liquidação decorrente do resultado do referido processo crime (vide PIRES, José Maria Fernandes (Coord.); BULCÃO, Gonçalo; VIDAL, José Ramos; MENEZES, Maria João, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pp. 412).

Por assim ser, e tendo em consideração que o referido inquérito criminal foi arquivado dentro do prazo de caducidade do IVA do exercício de 2008, aqui em crise, nos termos provados em 14), não existe, no caso, qualquer alargamento desse prazo.

Do que foi dito resulta que na data de notificação do alargamento do âmbito da inspeção externa à Impugnante, de modo a que aquela abarcasse o IVA do exercício de 2008, que ocorreu em 07-02-2013, nos termos provados em 16), já havia decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, não existindo, portanto, a suspensão do prazo previsto no n.º 1 do artigo 46.º da mesma Lei e não sendo também de aplicar o alargamento deste prazo, referido no n.º 5 do mesmo artigo 45.º, por o processo crime ter sido arquivado antes do fim do prazo de caducidade.»

O assim decidido merece a nossa total concordância.

Como resulta da factualidade apurada, os factos tributários que deram origem às liquidações de IVA do ano de 2008 são provenientes do alargamento de acção de inspecção notificada à Impugnante em 07/02/2013, ou seja, em data posterior à data em que se verificou a caducidade do direito à liquidação do IVA de 2008 (01/01/2013).

Com efeito, como bem foi referido pela 1.ª instância, é com a notificação da alteração do âmbito e extensão do procedimento de insepcção, nos termos do artigo 15.º do RCPITA, que se produzem os efeitos quanto à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do n.º 1, do artigo 46.º da LGT.

Ao contrário do pretendido pela Recorrente a notificação ocorrida em 11/10/2012 da ordem de serviço relativa ao inicio da acção de inspecção de âmbito parcial ao IRC do ano de 2008, não suspense o prazo de caducidade do IVA do mesmo ano, por este tributo não estar abrangido pelo âmbito do procedimento de inspecção (vide neste sentido Ac. do TCAS de 05/06/2019, processo n.º 411/15.7BEALM, disponível em www.dgsi.pt/).

Como já se deixou expresso supra as liquidações dos autos não estão sob a alçada do alargamento do prazo de caducidade em consequência da instauração do procedimento criminal.

Por fim, não é aplicável a suspensão do prazo em consequência da apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, visto que em 09/05/2013 (cfr. ponto 19 do probatório) o prazo de caducidade já se encontrava largamente ultrapassado.

Concluindo, tendo o prazo de caducidade de 4 anos das liquidações se iniciado em 01/01/2009 (início do ano seguinte ao da exigibilidade do imposto), e terminado em 31/12/20012, e inexistindo qualquer alargamento ou suspensão do prazo de caducidade, à data em que ocorreu a notificação das liquidações já tinha decorrido o prazo previsto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT.

Destarte, improcedem in totum as conclusões de recurso, não merecendo reparo a sentença recorrida.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


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Conclusões/Sumário:

1. O alargamento do prazo de caducidade a que alude o n.º 5, do artigo 45.º da LGT não é aplicável quando o inquérito criminal é arquivado ainda dentro do prazo de caducidade do tributo.

2. A suspensão do prazo de caducidade enquanto decorre a acção inspectiva justifica-se pela necessidade de a Administração Tributária recolher elementos para liquidar o tributo.

3. É com a notificação da alteração do âmbito e extensão do procedimento de insepcção, nos termos do artigo 15.º do RCPITA, que se produzem os efeitos quanto à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos do n.º 1, do artigo 46.º da LGT.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrida.

Notifique.

Lisboa, 13 de Julho de 2023.



Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)