Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1128/08.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:RECURSO INDEPENDENTE E SUBORDINADO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO
VÍCIOS VIOLAÇÃO DE LEI E DE FORMA
Sumário:1. A decisão proferida num recurso hierárquico necessário é o último acto dos procedimentos administrativos a que respeita;

2. Há lugar a audiência prévia, prevista nos artigos 267º, nºs 1 e 5 da CRP e 100º do CPA/91 [actual artigo 121º], nos recursos hierárquicos quando a decisão aí proferida inove, de facto ou de direito, em relação ao decidido no/s actos recorrido/s;

3. A preterição dessa formalidade essencial não se degrada se, atentas as circunstâncias, não resultar evidente a desnecessidade de conceder ao recorrente o direito de participação e que a decisão proferida no recurso hierárquico era a única possível;

4. É de manter o decidido na sentença recorrida quantos aos vícios de violação de lei e de forma imputados ao acto impugnado e julgados pelo juiz a quo improcedentes, quando o A./recorrente se limita a reiterar no recurso subordinado o alegado na acção.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Município de Lisboa, entidade demandada nos autos de acção administrativa especial instaurada por S. N., inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 8.2.2017, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente a acção anulando-se em consequência o despacho impugnado por violação do direito de audição prévia.
Na acção foi peticionado que «(…) se[ja] julgada procedente e, em consequência:
a) Ser declarado nulo ou anulado o despacho sub judice;
b) Ser o R. condenado a praticar os actos devidos em consequência da referida declaração de nulidade ou anulação, maxime aprovando a pretensão formulada pelo A. em 1990.07.09 e emitindo a respectiva licença com todas as consequências legais.».

Nas respectivas alegações, o Recorrente [doravante designado por Recorrente ML] formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «
1. A douta sentença recorrida entendeu julgar procedente a ação, anulando em conformidade, o despacho impugnado por violação do direito de audiência prévia.
2. Nos recursos hierárquicos, como procedimento de 2o grau, só há lugar à audiência prévia quando o ato secundário (como aquele que decide o recurso) se baseie em matéria de facto nova, não considerada na decisão primária;
3. Ora, no caso em apreço, o ato que decidiu o recurso incidiu, como se viu, sobre o ato que indeferiu o pedido de licenciamento de obra de construção nova que o ora Autor pretendia executar no prédio sito no prolongamento da R. P. F., freguesia de Alcântara, em Lisboa, e o segundo, que indeferiu o pedido de reconhecimento do deferimento tácito daquela pretensão, que correu termos sob o processo n° 8686/91.
4. Assim sendo, a não concretização do direito de audição prévia no recurso hierárquico de indeferimento do pedido, não consubstancia formalidade indispensável conducente a vício de procedimento, por ausência de fundamentos novos.
5. Assim, à luz do princípio do aproveitamento do ato administrativo, deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito à audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar.
6. No caso em apreço, impor-se-ia aplicar o princípio do aproveitamento do ato, pois no procedimento que lhe está subjacente, a reclamada audiência prévia revelar-se-ia insusceptível de influenciar em sentido inverso a decisão final proferida.»
Requerendo a final:
«A sentença sub judice padecendo de erro de julgamento deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente dos pedidos formulados com todas as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA!!»

Notificado para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, requereu a correcção de erros materiais da sentença e interpôs recurso subordinado da mesma, na parte em que ficou vencido.
Nas respectivas alegações, o Recorrido/Recorrente S. N. [doravante também A./recorrido ou Recorrente S. N.] formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A - DO RECURSO INTERPOSTO PELO ML
1a. Nos termos dos arts. 266° a 268° da CRP e dos arts. 7°, 8° e 100o e segs. do CPA tinha de ser assegurada a participação do ora recorrente no procedimento que culminou com a prolação do despacho do Senhor Vereador da CML, de 2008.01.20, o que não ocorreu in casu, como resulta da factualidade provada e se decidiu - e bem - na douta sentença recorrida - cfr. texto n°s. 1 a 6;
2ª. O referido despacho não indicou ainda quaisquer fundamentos de facto e de direito que pudessem justificar a inexistência de audição prévia, pelo que, como se decidiu na douta sentença recorrida, não se procedeu material e substancialmente à audição prévia do ora recorrente, nos termos constitucional e legalmente consagrados (v. art. 267° da CRP e arts. 100° e segs. do CPA: cfr. Ac. STA de 2002.01.17, Proc. 46482, www.dgsi.pt) - cfr. texto n°s. 1 a 6;
3ª. O acto impugnado reexaminou e reapreciou, ainda que erradamente, a situação do A. e ora recorrido à luz dos novos factos e argumentos jurídicos por este invocados no recurso hierárquico interposto, em 2006.03.03 (v. n°. 31) dos FP), pelo que, como tem decidido a nossa jurisprudência, se o acto foi produzido na sequência de nova apreciação ou reavaliação da situação concreta, produz doravante efeitos jurídicos inovatórios, conquanto foi, implicitamente pelo menos, revogado o acto confirmado ou feitos cessar os respectivos efeitos jurídicos se os chegou entretanto a produzir. (...) Assim, aquele acto inovou na ordem jurídica, pelo que não é confirmativo deste(v. Ac. STA de 1991.10.22, Proc. 027732, in www.dgsi.pt) e tem de ser devidamente fundamentado - cfr. texto n°s. 1 a 6;
4ª. Apreterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode degradar-se em formalidade não essencial, e assim destituída de efeito invalidante, se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Ónus esse de alegação e de prova que recai sobre a Administração”, que claramente não foi cumprido in casu (v. Ac. TCA Sul de 2016.02.24, Proc. 12747/15, www.dgsi.pt) - cfr. texto nºs. 1 a 6;
5ª. Face ao disposto nos arts. 20º, 266º/2 e 268º/4 da CRP, é assim inquestionável que o princípio do aproveitamento é inaplicável in casu, pois tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 20º, 267º/5 e 268º/3 da CRP e os arts. 7º, 8º e 100º e segs. do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais (v. arts. 20º, 203º, 204º, 266 e 268º/4 da CRP) - cfr. texto nºs. 1 a 6;

B - DO RECURSO SUBORDINADO
BA - DA REVOGAÇÃO ILEGAL DE ACTOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS
6ª. A pretensão apresentada pelo A. e ora recorrente, em 1990.07.09, foi acompanhada de todos os elementos legalmente exigíveis, presumindo-se devidamente instruída (v. art. 8° do DL 166/70, de 15 de Abril; cfr. art. 76° do CPA, art. 108° do NCPA, arts. 15° e 16° do DL 445/91, de 20 de Novembro e art. 11° do RJUE), tendo sido tacitamente deferida, em 1990.09.07, ex vi dos arts. arts. 12°/1/b) e 13° do DL 166/70, de 15 de Abril (cfr. art. 108° do CPA, art. 130° do NCPA, art. 61° do DL 445/91, de 20 de Novembro e arts. 20°/3 e 111° do RJUE) - cfr. texto n°s. 7 a 11;
7ª. O ora recorrente era e é titular de direitos adquiridos relativamente ao aproveitamento urbanístico do seu imóvel, nomeadamente quanto à implantação, volumetria e utilização do referido terreno, decorrentes dos despachos do Senhor Presidente da CML, de 1982.07.27 e de 1983.01.14 (v. n.° 1) dos FP), bem como do deferimento tácito do pedido de licenciamento (v. arts. 12° e 13° do DL 166/70, de 15 de Abril) - cfr. texto n°s. 7 a 15;
8ª. Dos termos e circunstâncias em que o despacho sub judice foi emitido não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência de anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que, inexistindo voluntariedade na produção de efeitos revogatórios, faltam, desde logo, elementos essenciais do acto em análise, que assim é nulo (v. arts. 1230/1, 1330/1 e 1340/1 do CPA) - cfr. texto n°s. 16 a 19;
9a. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o despacho sub judice sempre teria desconsiderado ou revogado ilegalmente anteriores actos constitutivos de direitos, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos actos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21;
BB - DAS VIOLAÇÕES DE LEI
10ª. A sentença recorrida é nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão sobre o vício de violação de lei invocado pelo ora recorrente (v. art. 615°/1/b) do NCPC), pois limitou-se a referir: “Discordamos deste vício assacado ao despacho impugnado, porquanto os factos assentes mostram o inverso(v. fls. 29 da sentença) - cfr. texto n°s. 22 a 29;
11ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o despacho impugnado violou frontalmente o art. 15°/1 do DL 166/70, de 15 de Abril (cfr. art. 266°/2 da CRP, art. 63° do DL 445/91, de 20 de Novembro e art. 24° do RJUE), pois os fundamentos invocados para se indeferir a pretensão do ora recorrente não se enquadram em qualquer das alíneas daquele normativo, que nem sequer foi invocado e, além disso, não existia qualquer plano de urbanização válido e eficaz para o local e estava assegurado o prolongamento do arruamento (v. Ac. STA de 1993.11.04, Proc. 31798-Z; Ac. TCA Sul de 2012.09.20, Proc. 07022/10, in www.dgsi.pt: cfr. arts. 119°/2 e 266° da CRP) - cfr. texto n°s. 22 a 2 9;
12ª. o despacho impugnado enferma ainda de manifestos erros de facto e de direito, pois a pretensão do ora recorrente conforma-se com a implantação, volumetria e utilização aprovados para o local, por despachos do Senhor Presidente da CML, de 1982.07.27 e de 1983.01.14, dispondo o terreno em causa do arruamento necessário - cfr. texto n°s. 22 a 29;
BC - DA INCOMPETÊNCIA DO AUTOR DO ACTO IMPUGNADO
13ª. No caso sub judice, competia ao Senhor Presidente da CML a aprovação dos projectos e a concessão de licenças, ex vi do disposto no art. 3°/1/a) do DL 166/70, de 15 de Abril, no art. 68°/2/l) da Lei 169/99, de 18 de Setembro e nos arts. 158° e 166° e segs. do CPA (cfr. arts. 184° e 193° e segs. do NCPA) - cfr. texto n°s. 30 a 32;
14a. O exercício desta competência pelo Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CML, carecia de prévio acto expresso de delegação de poderes, devidamente publicado, e que nunca poderia ter eficácia retroactiva, o que não sucedeu in casu (v. arts. 68°/2/l, 69°, 70° e 100° da Lei 169/99, de 18 de Setembro; cfr. arts. 37° e 142° do CPA e arts. 47° e 169° do NCPA) - cfr. texto n°s. 30 a 32;
15ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o despacho impugnado enferma de manifesta incompetência, pois o Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CML não tinha poderes para revogar actos constitutivos de direitos, nem para indeferir o recurso hierárquico interposto pelo A. (v. art. 65° ex vi do art. 70°/7 e art. 68°/2/l) da Lei 169/99, de 18 de Setembro) - cfr. texto n°s. 30 a 32;
BD - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO
16ª. O despacho sub judice e a proposta com a qual alegadamente concorda não indicam quaisquer fundamentos de facto relativamente à decisão de indeferimento, nem demonstram a aplicação de qualquer norma jurídica incompatível com a aprovação das pretensões do A. e ora recorrente, nomeadamente, qualquer norma regulamentar do pretenso mas inexistente “Plano de Urbanização referente à área da «Urbanização Q. A.»”, pelo que violaram frontalmente o disposto no art. 268°/3 da CRP e nos arts. 124° e 125° do CPA (cfr. arts. 153° e 154° do NCPA) - cfr. texto n°s. 33 a 35:
17ª. O despacho sub judice não remete nem declara concordar, em termos inequívocos e expressos, com qualquer das várias informações e pareceres anteriores existentes no processo, pelo que nunca se poderia considerar fundamentado por remissão (v. Ac. STA de 2005.03.01, Proc. 761/94, www.dgsi.pt) - cfr. texto n°. 36;
18ª. No procedimento administrativo foram prestadas informações e pareceres contraditórios, não tendo o despacho sub judice “explicitado as razões por que concorda com uma e não com outra das opiniões” (v. Ac. STA de 2005.03.17, Proc. 0103/05, www.dgsi.pt) - cfr. texto n°. 36;
19a. O despacho sub judice revogou anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que tinha necessariamente de ser fundamentado de facto e de direito, ex vi do disposto nos arts. 268°/3 da CRP e 140° e 141° do CPA - cfr. texto n°. 37;
20ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o despacho impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é obscura, contraditória, insuficiente e incongruente, tendo sido frontalmente violados o art. 268°/3 da CRP e os arts. 103°, 124° e 125° do CPA (cfr. arts. 153° e 154° do NCPA) - cfr. texto n°s. 33 a 38;
BE - DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
21ª. Como bem se decidiu na douta sentença recorrida (v. fls. 35 da sentença), e não foi objecto de qualquer impugnação pelo Município de Lisboa (v. arts. 627°, 633° e 635° do NCPC: cfr. art. 144° do CPTA), o despacho sub judice não podia deixar de ser anulado, pois violou o princípio da boa-fé (v. art. 266° da CRP; cfr. art. 6°-A do CPA e art. 11° do NCPA) - cfr. texto n°. 39;
22ª. Acresce que o despacho impugnado violou ainda os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança do ora recorrente, bem como os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e de propriedade privada, o que determina por si só a respectiva nulidade (v. art. 133°/2/d) do CPA; cfr. arts. 2°, 9°, 17°, 18°, 61°, 62°, 205° e 266° da CRP e arts. 3°, 4° e 6°-A do CPA), conforme se invocou na petição inicial, de 2008.05.14, e nas alegações de direito, de 2009.12.17, que aqui se dão por integralmente reproduzidas - cfr. texto n°. 39
Requerendo a final:
«NESTES TERMOS,
Deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo ML, dando-se provimento ao recurso subordinado, considerando-se procedentes os vícios invocados nas presentes alegações.»

Por despacho o juiz a quo procedeu à rectificação dos erros materiais da sentença recorrida.

Notificado para o efeito, o Recorrido ML apresentou contra-alegações, sem conclusões, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas alegações dos recursos e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida no que respeita ao:
- Recurso independente, padece de erro de julgamento por ter decidido anular o acto por preterição do direito de audição prévia ou por não ter aproveitado o acto ilegal;
- Recurso subordinado, incorre:
i) em nulidade ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão sobre o vício de violação de lei (v. artigo 615º, nº 1 alínea b) do CPC);
ii) em erros de julgamento, dado:
a) ter entendido que o despacho impugnado sempre teria desconsiderado ou revogado anteriores despachos constitutivos de direitos, violando os artigos 140º, nº 1, alínea b) e 141º do CPA pois não foi invocada nem se verifica qualquer ilegalidade dos actos revogados;
b) ter considerado que o acto impugnado não padece do alegado vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 15º do Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril;
c) não ter entendido que o acto impugnado enferma de incompetência, porque o Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo da CML não tinha poderes para revogar actos constitutivos de direitos, nem para indeferir o recurso hierárquico;
d) ter o acto por fundamentado de facto e de direito;
e) entender que o mesmo não violou os princípios fundamentais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança, da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e propriedade privada.

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos, conforme se transcreve:

«1) Para o local havia, onde se situa a R. P. F., em Alcântara foi aprovado por despachos de 27-07-1982 e 14-01-1983, do Presidente da Camara Municipal de Lisboa, um plano de urbanização de acordo com um estudo desenvolvido no âmbito do processo privativo nº 9.2.126/4ª/U/73, correspondente á área de “Urbanização Q. A.”, onde é definido a implantação, volumetria e utilização possível do terreno;

2) No Diário Municipal nº 15.., de 1..-0…-1990 foi publicada a deliberação da CML que aprovou a proposta nº 2./90, delegando no PCML “todas as competências que, nos termos da legislação em vigor podem ser objecto de delegação”;

3) Dou por inteiramente reproduzido o documento constante de fls 205 e 206, do processo nº 33/99, contendo a cópia do Boletim Municipal nº 15.., de 1../0../90, (fls 262 e 263) contendo o despacho do S. Presidente da CML nº 120/P/90, delegando competências no Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanístico onde con sta no ponto “8 – Indeferimento de processos de obras quando os interessados, notificados nos termos da Lei para suprir deficiências de instrução, não apresentem no prazo fixado os elementos por norma exigidos para a compreensão do projecto”.

4) Em 09-07-1990 S. N. (ou Autor) deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa a aprovação de um projecto de construção nova de um edifício de escritórios a edificar no prédio sito no prolongamento da R. P. F., freguesia de Alcântara, em Lisboa - a que corresponde o processo nº 3150/OB/1990 (processo administrativo);

5) Do projecto consta que o edifício a construir teria 4 pisos acima do solo e 1 abaixo do solo, para estacionamento na cave, constando da memória descritiva que “esta ocupa a extensão da parcela sendo parte dela enterrada por baixo da rua das traseiras do edifício”, sendo o acesso de automóveis feito por rampa a partir da R. P. F.;

6) O Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística, sobre o requerimento referido em 2) [corrigido para referido em 4)] profere despacho de 26-10-1990, com o seguinte teor: Indeferido nos termos da informação a fls 62 e 63 (fls 2, do processo);

7) De acordo com a informação de fls 60 (do processo de obra nº 3150/OB/1990) foi determinado a necessidade de esclarecimento de dois pontos referentes à implantação que abrange terreno para a via pública e à área disponível abrangida pelo artº 59º do RGEU, por parte do Autor;

8) Por bilhete-postal de 08-08-1990, foi o A notificado para comparecer nos serviços do Réu no dia 20-08-1990 (fls 61, do processo de obra);

9) O bilhete-postal referido no ponto anterior foi assinado pelo Autor (fls 61, do processo de obra);

10) É elaborada a 11-09-1990 a Informação nº 2944/5ª/U, que propondo a continuação da apreciação no sentido do deferimento sofre despacho superior desfavorável datado de 14-09-1990 (fls 62 e 63, do processo de obra):
(…).
1. Trata o presente processo de um projecto de construção nova a edificar no prolongamento da R. P. F. a fim de substituir barracões destinados a armazéns e oficinas que por visita ao local se verificou já estarem abandonadas, constituindo, portanto um foco de salubridade na zona.
2. Para o local existe um plano de urbanização aprovado, o qual consta a fls 58 e 59, verificando-se no local que já foram construídos, recentemente os lotes marcados a azul na planta do plano, a fls 58.
3. O projecto agora apresentado refere-se aos lotes marcados a vermelho na mesma planta, verificando-se pela análise do mesmo, que a construção prevista respeita a volumetria e a utilização que constam no referido plano, grupando-se os lotes 2, 3 e 4 num único lote, facto que obviamente os serviços não vêm inconveniente.
4. Como o referido plano aprovado, era omisso quanto a áreas para estacionamento, verifica-se que o autor do projecto o previu em cave, como é habitual, mas que ocupou igualmente em subsolo o terreno a tardoz da construção projectada a fim de assegurar o estacionamento compatível. Verifica-se, porém, que fica assegurado o prolongamento do arruamento previsto no Plano a tardoz das construções paralelamente à R. P. F., devendo o requerente fazer escritura de cedência à Câmara do restante espaço aéreo, como é habitual, nestes casos.
Verifica-se também que o arruamento que hoje serve os mencionados armazéns/oficinas já é municipal, devendo o requerente adquirir à Câmara para complemento do lote a área marcada a amarelo a fls 57, ficando a construção sujeita a estudo económico.
Face ao que se informa e verificando-se que o projecto apresentado cumpre com o plano e as normas em vigor julga-se de prosseguir a apreciação através do RSB e CSL.
(…).

11) Sobre a informação referida no ponto anterior, em 14-09-1990 foi exarado despacho/informação pelo Chefe de Divisão com o seguinte teor (fls 62, do processo administrativo):
“O arruamento não está aberto, mas quando o for, se respeitar a largura definida no estudo, será ultrapassado o artº 59º do RGEU.
Aliás o referido estudo indica utilização terciária, embora, com base no projecto nº 292/P/90, o lote deveria ser destinado a habitação.
Assim porque os futuros edifícios não disporiam de infraestruturas (arruamento) creio de indeferir, a menos que o G. Planeamento Urbanístico, que poderia ser ouvido neste caso, considere outra solução alternativa para esta malha.
Anoto ainda que a solução proposta para o parque auto restringe o arruamento projectado a tardoz.

12) Em 26-10-1990, no verso de fls 62 do processo administrativo é exarado o seguinte despacho: Concordo. Siga ao GPU para estudar a situação;

13) O despacho referido em 4) [corrigido para referido em 6)] viria a ser extractado a 29-10-1990, publicado no Diário Municipal, nº 15…, de 09-11-1990, pág 2137;

14) A 09-11-1990 foi publicado no Diário Municipal aviso do Departamento de Gestão Urbanística onde figura na rubrica “Processos despachados – Indeferidos” o processo nº 3150/OB – S. N.;

15) A 28-02-1991 o Autor veio requerer, invocando o deferimento tácito, que lhe fosse notificado o montante a pagar de taxas de licença de construção, bem como o prazo para apresentar os projectos de especialidade;

16) Em 23-07-1992 o Arq. M. F., do GPU, elaborou a informação constante de fls 64, não numerada, do processo administrativo, com o seguinte teor:
(…).
Além das razões constantes nos despachos prestados a fls 12 e 12v (do proc 8686/91) chama-se a atenção para o facto de os lotes em causa nos presentes processos se situarem na área Espaço-Plano 31-a) – Águias Norte da Coroa Envolvente da Zona Monumental da Ajuda-Belém, cujas Normas provisórias prevêem, para esta área, a cércea de <- 3, o que não é respeitado. Além das razões constantes nos despachos, também por esta razão se propõe o indeferimento dos p. p.
Põe-se igualmente à consideração superior a necessidade de elaboração de um Estudo de Pormenor para a área da Q. A., correspondente à área da “Q. A.”, aprovada em 27/7/82 e 14/1/83.

17) Em 18-09-1992 o mesmo Arquitecto do Gabinete de Planeamento Urbanístico prolatou a Informação nº 574/DPE/1992, confirmando a inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor, mantendo o indeferimento com os seguintes fundamentos (fls 65 e 66, do processo):
(…).
2. Nas condições (…) quaisquer edificações a construir no plano municipal marginal do prolongamento da R. P. F., só poderão ter a cércea de 2 pisos: “De facto o arruamento que hoje existe … tem apenas cerca de 6.00 m de largo, com construções fronteiras …” (…).
3. A construção de 3 pisos – cércea admitida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Aguias Norte – só serão possíveis através de estudo de conjunto com os terrenos do “Ar Líquido”, por forma a possibilitar o alargamento do referido arruamento existente (com 6.00 m de largura).
4. Mesmo no contexto do anterior estudo, “U. Q. A.” (aprovado em 1982) em que se baseou o projecto de construção nova apresentado, a sua aprovação dependência da abertura – e alargamento – do arruamento, o qual só se poderia efectivar, depois da vinda à posse da Câmara de terrenos que pertencem a outro proprietário – ao “Ar Líquido” – o qual não foi até ao momento, conjuntamente envolvido no mesmo processo de remodelação.
Assim, propõe-se o indeferimento e o arquivo dos presentes processos; e se houver concordância superior com o teor das presentes informações, deverá o requerente ser convocado para tomar conhecimento.
(…).

18) Por despacho do Director Municipal do Planeamento e Gestão Urbanística de 21-12-1992 a pretensão formulada a 28-02-1992 foi indeferida (aceite por confissão);

19) Em 04-06-1993 o Autor interpôs recurso contencioso de declaração de nulidade ou de anulação dos actos administrativos, cuja autoria atribuiu ao Presidente da CML, relativamente ao Despacho de 26-10-1990 que indeferiu o pedido de licenciamento do projecto de construção nova de um edifício sito no prolongamento da R. P. F. e despacho de 21-12-1992, que indeferiu o pedido de reconhecimento do deferimento tácito daquela pretensão (processo apenso);

20) O recurso referido em 19) correu na 2ª secção do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, sob o nº 322/93 onde em 29-02-1996 foi proferida sentença que concedeu provimento ao recurso e anulou os despachos recorridos com fundamento nos vícios de falta de fundamentação ou insuficiência de fundamentação e falta de audiência prévia do autor (processo apenso);

21) Da sentença proferida no âmbito do recurso referido em 20) o Réu interpôs recurso independente e o Autor interpôs recurso subordinado para o STA que a 04-06-1998 que entendeu ser necessária a apreciação prioritária, relativamente aos vícios de forma, dos restantes vícios invocados pelo Autor, na sua petição de recurso, nos termos da al a) do nº 2, do artº 57º da LPTA, e deu provimento ao recurso subordinado, revogando a sentença e considerou prejudicado o conhecimento do recurso independente (processo apenso);

22) Em 22-06-1998 o Presidente da CML pediu a aclaração do acórdão, tendo o STA indeferido o pedido por acórdão de 22-10-1998 (processo apenso);

23) O processo foi distribuído à 1ª secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, sob o nº 33/99 e por sentença de 15-04-2002 o recurso foi rejeitado com fundamento em ilegitimidade passiva do presidente da CML, por aí se ter decidido que os despachos são da autoria do Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística de Lisboa, sendo errada a identificação do autor na petição de recurso foi considerada indesculpável, pelo que o Tribunal não admitiu a correcção quanto a essa identificação (processo apenso);

24) O A interpôs recurso da sentença referida em 23), ao qual foi concedido provimento, por acórdão do STA de 05-02-2003, onde o Autor foi convidado para apresentar nova petição de recurso (processo apenso);

25) Em 01-04-2003 o Autor apresentou nova petição de recurso tendo assacado aos actos da autoria do Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística da CML de 26-10-1990 e de 21-12-1992, os vícios de revogação ilegal de um acto constitutivo de direitos, falta de audição prévia do Autor, falta de fundamentação, violação de lei, erros de facto e de direito e incompetência para os actos (processo apenso);

26) Em 10-10-2003 foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções invocadas pela Entidade recorrida e deste despacho o Réu interpôs recurso para o STA (processo apenso);

27) Em 17-01-2005 foi proferida sentença no processo identificado em 23) que concedeu provimento ao recurso contencioso, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e de direito e anulou os actos administrativos (processo apenso);

28) As partes interpuseram recurso da decisão referida em 27);

29) Em 14-06-2005 o STA proferiu acórdão que concedeu provimento ao recurso do despacho saneador, com fundamento na irrecorribilidade contenciosa dos despachos de 26-10-1990 e de 21-12-1992 (doc nº 2 da contestação);

30) O Autor recorreu desse acórdão, invocando oposição de julgados, tendo o Pleno do STA decidido, em acórdão de 19-01-2006, não existir fundamento para este tipo de recurso, o qual transitou em julgado em 10-02-2006 (processo apenso);

31) Em 03-03-2006 o Autor intentou recurso hierárquico para dos despachos de 26-10-1990 e 21-12-1992, que haviam indeferido o seu requerimento de 09-07-1990 e o pedido de reconhecimento de deferimento tácito formulado a 28-02-1991, respectivamente (processo administrativo);

32) Os serviços do Réu emitiram o parecer nº 0242/DJ/DAJU/2006, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido (processo administrativo):
(…).
b) Apreciação
- Do despacho de 09/07/1990
a) Do vício de violação de lei
Pelo presente recurso hierárquico, o Recorrente assaca aos despachos proferidos pelo então (…) Director Municipal do Planeamento de Gestão Urbanística, diversos vícios, desde logo, afirmando que “(…) a pretensão do ora exponente foi tacitamente deferida em 1990.09.07, ex vi, do disposto nos artºs 83º/1 e 97º/2 do DL 100/84, de 29 de Março e no artº 13º do DL 166/70, de 15 de Abril (cfr. artº 108º do CPA e artº 61º do DL 445/91, de 20 de Novembro), dado que não foi objecto de qualquer decisão no prazo de 60 dias, como, aliás, foi diversas vezes reconhecido pelos serviços dessa Câmara.
Com esta afirmação pretende o recorrente inviabilizar os efeitos decorrentes do despacho expresso de indeferimento, de 16/10/1990, relativo à pretensão do recorrente apresentada em 09/07/1990, mas tal entendimento não colhe, como passaremos a demonstrar.
Se é verdade que, partindo da data da apresentação do projecto de arquitectura a licenciamento – 09/07/1990 – o acto administrativo de deferimento tácito, segundo o próprio recorrente, teria ocorrido em 07/09/1990, ou seja, decorridos 60 dias, de acordo com a al b) do nº 1 do artº 12º do DL nº 166/70, de 15/04 (vigente á data), também é verdade que em 16/10/1990 foi proferido despacho de indeferimento, expresso, do Director do Planeamento e Gestão Urbanístico, o qual revogou implicitamente o acto administrativo de deferimento tácito.
Tal possibilidade é conferida pela própria lei – artº 77º do DL nº 100/84, de 29/03 – segundo o qual as deliberações dos órgãos autárquicos podem por ele ser revogadas, quando ilegais, e dentro do prazo fixado na lei para a interposição do recurso contencioso, mesmo tratando-se de uma revogação de um deferimento tácito.
Ora, se o prazo para revogação do acto, mesmo que de deferimento técito[sic], é de um ano, conforme orientação jurisprudencial inânime[sic], dado que é prazo maior consagrado na al c) do nº 1 do artº 28º da LPTA, a edilidade dispunha até 07/09/1991 para revogar o alegado deferimento tácito, e foi o que fez, em (pouco mais) de trinta dias.
Contudo refere ainda a al b) do artº 77º do DL nº 100/84 que para que as deliberações constitutivas de direitos possam ser revogadas terão de ser ilegais.
Assim, vejamos da legalidade/ilegalidade do alegado acto de deferimento tácito.
O recorrente apresentou a licenciamento um projecto de arquitectura para construção de um edifício de escritórios em terreno sito no prolongamento da R. P. F., freguesia de Alcântara, sob o processo nº 3150/OB/1990.
O dito projecto foi analisado e apreciado ao abrigo da legislação aplicável á data, designadamente o DL nº 166/70, de 15 de Abril que, desde logo, determina no artº 10º nº 1 , que “O exame dos projectos de obras nas câmaras municipais incidirá especialmente sobre o aspecto exterior dos edifícios, inserção no ambiente urbano, cércea respectiva e sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização e respectivo regulamento”.
Em sequência, o artº 15º do mesmo diploma determina a taxatividade dos motivos que podiam vir fundamentar o indeferimento do pedido, a saber:
“a) Inconformidade com o plano ou anteplano, geral ou parcial, de urbanização e expansão ou o respectivo regulamento;
b) Falta de arruamentos (…).
c) (…).
d) Desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares relativas à construção;
e) (…).
f) (…)”.
Assim, desde logo, o acto tácito de deferimento enfermava do vício de ilegalidade, uma vez que, em consequência dele, se contrariava o disposto na al b) do nº 1 do DL nº 166/90, na medida em que os edifícios projectados não dispunham de arruamento – cfr. despacho superior a fls 62, do proc. nº 3150/OB/1990 - , ou seja, carecia das chamadas infra-estruturas de apoio, constituindo este um dos fundamentos de indeferimento taxativamente indicado na lei.
Mais ainda de acordo com o despacho acima identificado, (…) contraria também o disposto no artº 59º do RGEU, fundamento que encontra substrato na al d) do nº 1 do artº 15º do DL nº 166/70, tornando a pretensão do recorrente, também, por esta via, manifestamente ilegal, porque contrariava normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.
Ora, como resulta do próprio proc. nº 3150/OB/90 – fls 62, frente e verso – foi esta a base de fundamentação do indeferimento no mesmo aposto, confiando, aliás, pelo despacho de indeferimento aposto na primeira folha do processo.
O mesmo será dizer que o recorrente não pode vir alegar a inexistência de fundamentação de facto e de direito, sendo que, o Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística e elaborado pelo Departamento de Planeamento Estratégico, o qual veio ainda alertar para o facto do projecto em causa se mostrar desconforme ao Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”, constituindo esta infracção mais um dos fundamentos previstos no artº 15º nº 1 do DL nº 166/90, desta feita, na sua al a).
Mas o estudo levado a cabo pelo Departamento Estratégico verificou ainda que a construção de três pisos, tal como constava do projecto apresentado a licenciamento, era proibida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Águias Norte da Coroa, envolvente da Zona Monumental de Ajuda/Belém.
Desta forma, estravam suficientemente preenchidos os requisitos legais que obrigavam ao indeferimento da pretensão do recorrente, tornando um eventual deferimento tácito de tal pretensão incapaz de produzir quaisquer efeitos, uma vez que o deferimento tácito de um pedido de licenciamento, como vimos supra, só pode ser considerado válido perante a ordem jurídica se o pedido estiver conforme às normas legais e regulamentares em vigor, o que não se verifica no caso. Não obstante um eventual deferimento tácito sempre podia ser revogado com base nas mesmas disposições legais.
Assim demonstrado fica que, em momento algum, se nos afigura ter a entidade administrativa violado os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e boa-fé ou qualquer direito de propriedade ou de iniciativa privada do recorrente. De igual modo demonstrado fica que foram cumpridos na íntegra os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos do ora expoente, como é, aliás, prática desta edilidade.
b) Da alegada falta de notificação em segundo lugar, vem o recorrente alegar que os despachos em causa violaram não só os artºs 267º nº 4 e 268º nº 1 ambos da CRP, como ainda violaram o artº 12º nº 7 do DL nº 166/70 e o principio audi alteram parti, actualmente consagrado nos artºs 8º e 100º do CPA, em virtude de nunca ter sido notificado para se pronunciar sobre qualquer informação ou parecer anterior àqueles actos.
A audiência prévia, como a conhecemos hoje, é um princípio aplicável a todos os procedimentos, e veio a ser expressamente consagrada com a entrada em vigor do CPA, aprovado pelo DL nº 442/91, de 15 de Novembro.
Na verdade, não podemos confundir a audiência prévia com o direito de audição previsto no artº 12º nº 7 do DL nº 166/70, de 15 de Abril (…).
Ora, esta disposição refere-se especificamente à data de recepção do último dos pareceres de entidades estranhas ao município, para efeitos da contagem de prazo de decisão da administração, sendo que, no caso de alguns pareceres ser desfavorável à pretensão do requerente, a notificação terá ainda que abranger esse facto e facultado o conteúdo desse parecer ao requerente. Deste modo a disposição em causa é clara quando se refere especificamente a pareceres de entidades estranhas ao Município e não a informações internas da entidade licenciadora e, no caso sub judice, não constam no proc. nº 3150/OB/90 quaisquer pareceres dessa natureza, pelo que, se conclui não ter sido incumprida a norma legal em apreço, atenta a impossibilidade de existir uma notificação de algo que é inexistente.
Por outro lado, o artº 267º nº 4 da CRP, apenas refere que o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial que assegurará a participação dos cidadãos na formação das decisões, referindo-se claramente ao Código do procedimento Administrativo, aprovado pelo DL nº 442/91, de 15 de Novembro, e o artº 268º nº 1, também da CRP, dispõe, sim, sobre o dever que impende sobre a administração de informar os cidadãos, sempre que tal lhe seja requerido. Contudo o recorrente, não invoca, em momento algum, ter solicitado à edilidade informações sobre o andamento do procedimento administrativo, ou quaisquer esclarecimentos referentes ao mesmo processo, e que tais solicitações não tenham obtido resposta.
Consultado o pro. Nº 3150/OB/1990, conclui-se ao invés que a administração assegurou a participação do recorrente no procedimento administrativo em curso, designadamente convocando-o em 08/08/1990 para que se dirigisse aos serviços responsáveis pela análise do processo, a fim de prestar esclarecimentos relativamente a dois pontos respeitantes à área de implantação que abrange o terreno na via pública, e ainda à área abrangida pelo artº 59º do RGEU.
Não obstante, vir agora alegar que não foi “tido nem achado”, no procedimento, a verdade é que o ora recorrente não compareceu nos serviços a fim de justificar/esclarecer a sua posição, limitando-se a vir ao processo, em 28/01/1991, “(…) pedir que fosse reconhecido o deferimento tácito da pretensão formulada em 1990.07.09 e, em consequência, que fossem postas a pagamento as respectivas taxas e emitida a competente licença de construção”.
(…).
De qualquer forma, o acto recorrido de 26/10/1990 foi publicado no Diário Municipal de 09/11/1990 e este é o meio previsto pelo artº 84º do DL nº 100/84, de 29 de Março, para dar publicidade às deliberações ou decisões dos órgãos autárquicos ou dos respectivos titulares, produzindo os mesmos efeitos externos que uma notificação, no caso, a partir do dia imediato à publicação, pelo que, para todos os efeitos, considera-se que o recorrente tomou conhecimento da decisão de indeferimento através da publicação, nos termos da citada disposição legal.
Também nesta matéria não se nos afigura poder atender razão ao ora recorrente.
- Do despacho de 21/12/1992:
O despacho de 21/12/1992, que indeferiu o pedido para que fosse reconhecido o deferimento tácito e, em consequência, que fossem postas a pagamento as respectivas taxas e emitida a competente licença de construção, é meramente confirmativo do despacho de indeferimento de 26/10/1990, despacho este também aqui impugnado.
Assim, o indeferimento constante do despacho de 21/12/1992 nada mais faz que confirmar o conteúdo do despacho de 26/1071990[sic]. Nem outro sentido seria possível, atenta a fundamentação subjacente ao indeferimento do projecto apresentado a licenciamento. Ora, se este foi indeferido, também o seria o pedido de reconhecimento de deferimento tácito, com as inerentes consequências. (…).
Atento o exposto julga-se de negar provimento ao presente recurso hierárquico (…).

33) O recurso hierárquico identificado em 31) foi decidido em 20-01-2008, com os fundamentos constantes da informação referida em 32) (processo administrativo);

34) Por via do ofício datado de 12-02-2008 o Autor foi notificado do despacho de indeferimento do recurso hierárquico (fls do processo administrativo);

35) Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o Despacho de delegação e subdelegação de competências nº 474/P/2007, publicado no BM nº 705 de 23 de Agosto e Despacho nº 518/P/2007, publicado no BM nº 709, de 20 de Setembro.

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.

Não existem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão da causa.»


Considerada a factualidade assente, que não foi objecto de impugnação, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos recursos.

Do recurso independente:

Alega o Recorrente ML que: nos recursos hierárquicos, como procedimentos de 2º grau, só há lugar a audiência prévia quando o acto secundário (como o que decide o recurso) se baseie em matéria de facto nova, não considerada na decisão primária; o que não sucedeu no caso em apreciação; pelo que a audição do Recorrido antes da decisão a proferir no recurso em nada influiria ou alteraria a realidade do indeferimento; e ainda que se entenda que foi preterida esta formalidade a mesma deveria degradar-se em não essencial com aproveitamento do acto.

Contra-alega o Recorrido que: no referido despacho não é indicada qualquer razão que pudesse justificar a dispensa de audiência prévia, nos termos do artigo 103º do CPA; o mesmo reexaminou e reapreciou, ainda que erradamente, a sua situação à luz de novos factos e argumentos jurídicos que indicou no recurso hierárquico, analisando, nomeadamente, a “legalidade/ilegalidade do alegado indeferimento tácito”, a violação do “disposto no art. 59º do RGEU” e a “desconformidade com o Plano de Urbanização referente à área da «U. Q. A.»”; a degradação da formalidade em não essencial depende de a Administração demonstrar que a decisão final do procedimento não podia ser diferente; o princípio do aproveitamento do acto tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais, como os artigos 20º, 267º, nº5 e 268º, nº 3, bem como dos artigos 7º, 8º e 100º e seguintes do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais.

Na sentença recorrida foi expendida a seguinte argumentação sobre esta matéria:
«D – Da falta de audição do Autor
O despacho sub judice não foi antecedido de audição do Autor nem foram invocados quaisquer fundamentos de facto e de direito justificativo para a dispensa dessa audição prévia pelo que, foram frontalmente violados os artº 267º nº 4 da CRP e artºs 8º, 100º e 103º do CPA.
Afirma o Autor que o despacho sub judice violou frontalmente os artºs 267º nº 4 e 268º nº 1 ambos da CRP, 12º do DL nº 166/70 e 8º e 100º do CPA.
Efectivamente à data em que foi proferido o despacho de 26-10-1990 (e já não o de 21-12-1992), ambos praticados pelo Director Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística que vieram a originar o recurso contencioso e o recurso hierárquico com a prolação da decisão em 2008.
Efectivamente e como salienta o Réu parafraseando o acórdão do STA de 07-12-1994 “o direito de audiência é regra do procedimento administrativo comum, não exigível pela tramitação própria do recurso hierárquico”.
É pois a regra, mas, toda a regra admite excepções.
A verdade é que no caso a análise do procedimento efectuada ao abrigo do DL nº 166/70, apenas previa a participação do requerente nos termos do artº 12º nº 6 e 7.
No que se refere à falta de audição do Autor, é de referir que, no que concerne ao acto de 26-10-1990, que não é o acto que aqui se encontra impugnado refira-se, que ainda não se encontrava em vigor o CPA.
A audiência prévia aplicável a todos os procedimentos só viria a ser consagrada com a entrada em vigor do CPA, aprovado pelo DL 442/91, de 15-11, que entrou em vigor a 15-05-1992.
Contudo quando foi prolatado o acto de 21-12-1992 já se encontrava em vigor aquele diploma e, embora a audiência prévia não se encontram “em regra” prevista antes da prolação da decisão em recurso hierárquico, haverá que contradizer a posição assumida pelo Réu de que no caso não era exigível.
Lê-se, no Acórdão do STA de 05/05/2004 (Proc nº 035/04), que “O direito de audiência previsto no art. 100.º do CPA, além de constituir uma importante garantia de defesa dos direitos do administrado constitui também uma manifestação do princípio do contraditório, possibilitando-lhe a participação na formação da vontade da Administração, não só através do confronto dos seus pontos de vista mas também através da sugestão da produção de novas provas que invalidem ou, pelo menos, ponham em causa as certezas daquela.”
Na verdade o recurso hierárquico interposto pelo Autor é não apenas um recurso hierárquico necessário, com vista a obter o despacho final, impugnável do procedimento, como aí se justificava a audição do interessado.
No caso, é de entender que foi preterida a audição prévia do Autor.».

Assente está que não foi concedido direito de audiência prévia, previsto nos artigos 100º e 101º do CPA/91 [em vigor na data a que os factos se reportam], ao Recorrido antes da prolação do acto administrativo, consubstanciado na decisão de 20.1.2008 que negou provimento ao recurso hierárquico necessário que este interpôs, em 3.3.2006, na sequência do acórdão do Pleno do STA que transitou em julgado em 10.02.2006 [que decidiu, designadamente, conceder provimento ao recurso quanto à irrecorribilidade dos despachos a seguir indicados por proferidos pela Director do Planeamento Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística, por a delegação de poderes no mesmo carecer de lei habilitante, cabendo recurso hierárquico necessário (prévio) à impugnação contenciosa], dos despachos de 26.10.1990 e de 21.12.1992 que, respectivamente, indeferiu o seu requerimento de licenciamento de 9.7.1990 e não reconheceu a ocorrência de acto de deferimento tácito daquele [v. factos 12), 18), 30), 31), 32) e 33)].

Importa apreciar e decidir se, como alega o Recorrente, não lhe era exigível assegurar esse direito ao Recorrido em sede de recurso hierárquico, e, sendo, se a preterição dessa formalidade se deve degradar em não essencial, aproveitando-se o acto ilegal por corresponder à única decisão que, no caso, podia ser tomada.

Vejamos.

Nos nºs 1 e 5 do artigo 267º da CRP, consagra-se o princípio da participação dos interessados, nos seguintes termos:
«1. A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.
(…)
5. O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.».
O artigo 8º do CPA/91, prevê o mesmo “Princípio da participação”: «Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código», a saber, na Secção IV Da audiência dos interessados, artigos 100º a 105º.
O nº 1 do artigo 100º, com a epígrafe “Audiência dos interessados”, dispõe: «Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.».
O artigo 101º, referente à “Audiência escrita” estatui:
«1 - Quando o órgão instrutor optar pela audiência escrita, notificará os interessados para, em prazo não inferior a 10 dias, dizerem o que se lhes oferecer.
2 - A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado.
3 - Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.».
O artigo 103º respeita às situações de “Inexistência e dispensa de audiência dos interessados”, prevendo:
«1 - Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.
2 - O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.».
Na Secção VI Da reclamação e dos recursos administrativos, do mesmo Código, nem nas disposições gerais, artigos 158º a 160º, nem nas especiais, artigos 166º a 175º, consta qualquer referência ao direito de audiência dos interessados/recorrentes, mas apenas a dos contra-interessados, por poderem ser prejudicados pela procedência do recurso, impondo à Administração o dever de os notificar para alegarem o que tiverem por conveniente [v. artigo 171º].
O Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril, que procedeu à reforma do processo de licenciamento municipal de obras particulares e que foi aplicado nos procedimentos administrativos que culminaram na prática dos despachos objecto do recurso hierárquico necessário em análise no presente recurso, apenas previa no nº 7 do artigo 12º [que fixava os prazos para as entidades competentes emitirem os pareceres necessários à decisão camarária de licenciamento]: «Os serviços municipais devem notificar o requerente do dia a que se refere o número anterior [… dia em que tiver sido recebido pela câmara municipal o último dos pareceres ou resoluções que têm de instruir o processo, ou do termo fixado para os mesmos, em caso de silêncio …], bem como dos pareceres desfavoráveis que comprometam o prosseguimento do processo.».

No caso em apreciação resulta da factualidade assente que: o A/.recorrido apresentou em 9.7.1990 pedido de aprovação de um projecto de construção nova de um edifício de escritórios a edificar no prédio sito no prolongamento da R. F., Alcântara, em Lisboa (Proc. camarário nº 3150/OB/1990); o A./recorrido foi notificado para comparecer no dia 20.8.1990 nos serviços da Câmara Municipal de Lisboa [CML] para prestar esclarecimentos sobre dois pontos referentes à implantação que abrange terreno para a via pública e à área disponível abrangida pelo artigo 59º do RGEU; em 11.9.1990 é elaborada a Informação nº 2944/5ª/U, propondo a continuação da apreciação no sentido do deferimento – de fls. 62 e 63 do proc. de obra; em 14.9.1990 é exarado na informação que antecede, despacho/informação pelo Chefe de Divisão no sentido do indeferimento; em 26.10.1990, foi exarado na mesma Informação despacho de concordância e que siga para o GPU para estudar a situação; na mesma data o Director do Planeamento Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística (GPU) por despacho de 26.10.1990 indeferiu o pedido de 9.7.1990 nos termos da informação de fls. 62 e 63; o extracto deste despacho foi publicado no Diário Municipal, nº 15…, de ...1...1990; em 28.2.1991, o Recorrido, invocando o deferimento tácito, requereu a notificação do montante a pagar de taxas de licença de construção e prazo para apresentar projectos de especialidades; em 23.7.1992 o Arq. M. F., do GPU, elaborou informação, indicando outras razões para o indeferimento dos pedidos e propôs a elaboração de um estudo de Pormenor para a área da Q. A.; em 18.9.1992 o mesmo Arq. elabora outra informação confirmando a inviabilidade da pretensão do Recorrido; por despacho de 21.12.1992, do Director Municipal de GPU, é indeferida a pretensão do Recorrido de 28.2.1991; em 4.6.1993 o Recorrido interpõe, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], recurso contencioso de declaração de nulidade ou de anulação dos despachos de 26.10.1990 e de 21.12.1992, tramitado sob o nº 322/93; por sentença de 29.2.1996 foi concedido provimento ao recurso e anulados os dois actos por vícios de forma, falta de fundamentação e de audiência prévia; por acórdão de 4.6.1998, o STA deu provimento ao recurso subordinado do Recorrido, revogou a sentença do TAC por entender necessária apreciação prioritária dos restantes vícios invocados pelo autor, e considerou prejudicado o recurso do réu; por sentença do TAC de 15.4.2002, foi rejeitado o recurso contencioso por errada indicação do autor na petição por referência ao autor dos actos recorridos; por acórdão do STA de 5.2.2003, foi concedido provimento ao recurso da sentença que antecede e o autor convidado a apresentar petição de recurso corrigida; o que fez em 1.4.2003, imputando aos actos recorridos os vícios de revogação ilegal de um acto constitutivo de direitos, falta de audição prévia, falta de fundamentação, violação de lei, erros de facto e de direito e de incompetência para os actos; no despacho saneador de 10.10.2003 foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelo réu; este interpôs recurso para o STA; em 17.1.2005 o TAC proferiu sentença concedendo provimento ao recurso, anulando os actos por erro nos pressupostos de facto e de direito; as partes interpuseram recursos para o STA; por acórdão de 14.6.2005, transitado em julgado em 10.2.2006, o STA concedeu provimento ao recurso do réu do despacho saneador, por irrecorribilidade dos despachos de 26.10.1990 e de 21.12.1992, sendo necessária a interposição de recurso hierárquico para poder aceder à impugnação contenciosa; em 3.3.2006 o A./recorrido interpôs recurso hierárquico necessário dos mesmos despachos; os serviço camarários emitiram o parecer nº 0242/DJ/DAJU/2006, apreciando os vícios imputados aos actos pelo recorrente, mormente: do vício de violação de lei por revogação do acto tácito de deferimento da sua pretensão, e da legalidade/ilegalidade deste; de falta de fundamentação; dos princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos interesses legalmente protegidos do recorrente; da falta de audiência prévia, por não ter sido notificado para se pronunciar sobre qualquer informação ou parecer anterior à prática dos actos recorridos; e considerando que o despacho de 21.12.1992 é meramente confirmativo do despacho de indeferimento de 26.10.1990, pelo que deve ser negado provimento ao recurso; em 20.1.2008 o recurso foi decidido pelos fundamentos constantes do parecer que antecede; deste despacho foi o autor notificado por ofício de 12.2.2008 [v. factos 4), 7) a 9), 10), 11), 12), 6), 13) e 14), 15) a 18), 19) a 30), e 31) a 34)].
Do que é possível concluir que o Recorrido não foi notificado antes da prolação dos despachos de 26.10.1990 e de 21.12.1992 das informações e pareceres que os serviços da CML emitiram e que lhes serviram de fundamentação, e do acto impugnado, de 20.1.2008, não consta qualquer referência à razão porque não foi determinada a notificação do recorrente para efeitos de exercer o direito de audiência prévia, nos termos do artigo 103º do CPA, no âmbito do recurso hierárquico.
Donde, à luz do direito à participação, consagrado no artigo 267º, nºs 1 e 5 da CRP e dos artigos 8º e 100º, 101º e 103º do CPA ocorreu a preterição ilegal do direito do Recorrido à audiência prévia, até porque o recurso hierárquico interposto era necessário, significando que o acto administrativo que o decidiu consubstanciou o último acto dos procedimentos administrativos a que respeitou.
Mas poderá ser aproveitado o acto ilegal, por o efeito pretendido com a audiência do Recorrido ser inútil, designadamente, por a decisão proferida ser a única possível?
Entendemos que não.
Com efeito, o primeiro despacho, de 26.10.1990, fundamenta-se na Informação nº 2944/5ª/U no sentido do deferimento da pretensão do A./Recorrido, após identificar o projecto, o local da construção nova a autorizar – nome da rua, o que lá se encontra edificado: armazéns e oficinas abandonadas, o que foi verificado por visita ao local -, que a mesma constituirá um foco de salubridade na zona, o plano de urbanização existente e aprovado para o local, o que já foi construído, o que retira da respectiva análise que a construção prevista respeita a volumetria e a utilização -, o plano de construção era omisso quanto a áreas de estacionamento, mas o projecto prevê-as, é assegurado o prolongamento do arruamento previsto no plano a tardoz, o arruamento que hoje serve os armazéns já é municipal, devendo o requerente adquirir à Câmara para complemento do lote a área marcada a amarelo, ficando a construção sujeita a estudo económico, concluindo que o projecto apresentado cumpre o plano e as normas em vigor.
Já a informação do Chefe de Divisão, exarada naquela, em 14.9.1990, é no sentido do indeferimento, porque: o arruamento não está aberto, mas quando o for, se respeitar a largura definida no estudo, será ultrapassado o art.º 59º do RGEU; o estudo indica utilização terciária, embora com base no projecto nº 292/P/90, o lote deveria ser destinado à habitação; porque os futuros edifícios não disporiam de infra-estruturas (arruamentos) creio ser de indeferir, a menos que o GPU, que poderia ser ouvido, considere outra solução para a malha; e ainda, a solução proposta para o parque auto restringe o arruamento projectado a tardoz.
Em 26.10.1990 foi exarado despacho: “Concordo. Siga ao GPU para estudar a situação.”.
Na mesma data foi proferido o despacho de indeferimento pelo Director do GPU, com o teor: “Indeferido nos termos da informação de fls. 62 a 63”.
Quanto ao despacho de 21.12.1992, que indeferiu o pedido do A./recorrido de notificação do valor das taxas a pagar de licença de construção, no pressuposto de que ocorreu deferimento tácito do seu pedido, e do prazo para apresentar os projectos de especialidades, foi proferido na sequência das informações no sentido do indeferimento, elaboradas pelo Arq. M. F. do GPU, de 23.7.1992 que acrescenta uma razão às já existentes no processo, que consiste no facto de os lotes em causa nos presentes processos se situarem na área Espaço-Plano 31-a) – Águias Norte da Coroa Envolvente da Zona Monumental da Ajuda-Belém, cujas Normas provisórias prevêem, para esta área, a cércea de <- 3, o que não é respeitado e que coloca à consideração superior a necessidade de elaboração de um Estudo de Pormenor para a área da Q. A., correspondente à área da “Q. A.”, aprovada em 27/7/82 e 14/1/83, e de 18.9.1992, que informa que as edificações a construir no local só poderão ter a cércea de 2 pisos: “De facto o arruamento que hoje existe … tem apenas cerca de 6.00 m de largo, com construções fronteiras …”, no ponto seguinte refere que a construção de 3 pisos – cércea admitida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Aguias Norte – só serão possíveis através de estudo de conjunto com os terrenos do “Ar Líquido”, por forma a possibilitar o alargamento do referido arruamento existente (com 6.00 m de largura) e que, mesmo no contexto do anterior estudo, “U. Q. A.” (aprovado em 1982) em que se baseou o projecto de construção nova apresentado, a sua aprovação dependeria da abertura – e alargamento – do arruamento, o qual só se poderia efectivar, depois da vinda à posse da Câmara de terrenos que pertencem a outro proprietário – ao “Ar Líquido” – o qual não foi até ao momento, conjuntamente envolvido no mesmo processo de remodelação, e termina com a proposta de indeferimento e arquivamento dos processos e se houver concordância superior com o teor das presentes informações, deverá o requerente ser convocado para tomar conhecimento.
No Parecer nº 0242/DJ/DAJU/2006 que serviu de fundamentação ao acto impugnado, de 20.1.2008, para além de justificar, de facto e de direito, que o acto expresso de indeferimento proferido em 26.10.1990, revogou implicitamente o acto de deferimento tácito do mesmo pedido de autorização de construção, ocorrido em 7.9.1990, a propósito da legalidade/ilegalidade do acto tácito, considerou: que o dito projecto foi analisado e apreciado ao abrigo da legislação aplicável à data, designadamente o DL nº 166/70, de 15 de Abril que, desde logo, determina no artº 10º nº 1, que “O exame dos projectos de obras nas câmaras municipais incidirá especialmente sobre o aspecto exterior dos edifícios, inserção no ambiente urbano, cércea respectiva e sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização e respectivo regulamento, o artigo 15º do mesmo diploma determina de forma taxativa os motivos que podiam fundamentar o indeferimento do pedido; a falta de arruamentos vem prevista na alínea b); os edifícios projectados não dispunham de arruamento – cfr. despacho superior a fls 62, do proc. nº 3150/OB/1990 -; de acordo com o mesmo despacho, contraria também o disposto no artº 59º do RGEU, fundamento que encontra substrato na al d) do referido nº 1 do artº 15º - “Desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares relativas à construção”; como resulta do próprio proc. nº 3150/OB/90 – fls 62, frente e verso – foi esta a base de fundamentação do indeferimento no mesmo aposto; o Departamento de Planeamento Estratégico, veio ainda alertar para o facto do projecto em causa se mostrar desconforme ao Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”, constituindo esta infracção mais um dos fundamentos previstos no artº 15º nº 1 na al a); e que a construção de três pisos, tal como constava do projecto apresentado a licenciamento, era proibida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Águias Norte da Coroa, envolvente da Zona Monumental de Ajuda/Belém; pelo que estavam suficientemente preenchidos os requisitos legais que obrigavam ao indeferimento da pretensão do recorrente, tornando um eventual deferimento tácito de tal pretensão incapaz de produzir quaisquer efeitos; refere ainda que a legislação aplicável não impunha a notificação ao recorrente para se pronunciar sobre as informações e pareceres anteriores aos actos recorridos, mormente no caso do de 21.12.1992 por tal dever de assegurar o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões só impender sobre a Administração se o cidadão o requerer, o que o recorrente não invoca ter feito; no processo nº 3150/OB/1990, conclui-se ao invés que a administração assegurou a participação do recorrente no procedimento administrativo em curso, designadamente convocando-o em 08/08/1990 para que se dirigisse aos serviços responsáveis pela análise do processo, a fim de prestar esclarecimentos relativamente a dois pontos respeitantes à área de implantação que abrange o terreno na via pública, e ainda à área abrangida pelo artº 59º do RGEU e este não compareceu; o acto recorrido de 26/10/1990 foi publicado no Diário Municipal de 09/11/1990 e este é o meio previsto pelo artº 84º do DL nº 100/84, de 29 de Março, para dar publicidade às deliberações ou decisões dos órgãos autárquicos ou dos respectivos titulares, produzindo os mesmos efeitos externos que uma notificação; o despacho de 21.12.1992, que indeferiu o pedido para que fosse reconhecido o deferimento tácito e, em consequência, que fossem postas a pagamento as respectivas taxas e emitida a competente licença de construção, é meramente confirmativo do despacho de indeferimento de 26.10.1990; pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
Ora, do exposto constata-se que neste Parecer foi reapreciada, de facto e de direito, a fundamentação em que se suportaram os actos objecto do recurso hierárquico interposto, inovando em relação ao que naquela consta.
A saber, tecendo considerações sobre a (i)legalidade do acto tácito face à prática de acto expresso de indeferimento – matéria que não é abordada na apreciação efectuada do pedido do A./recorrido de 28.2.1991 -, desconsiderando a informação prestada no sentido do deferimento do pedido de autorização de construção de obra nova [o tem justificação aceitável no facto de a mesma ter sido contrariada pela informação do Chefe de Divisão e do autor do despacho de concordância, superiores hierárquicos do autor daquela e que, por isso, passou a ser a posição assumida no processo pelo Recorrente, conforme despacho de 26.10.1990], invocando normas do Decreto-Lei nº 166/70 - os artigos 10º e 15º - que não foram referidas na informação do Chefe de Divisão exarada naquela [ainda que visando aplicar o direito e enquadrar nestes artigos as irregularidade evidenciadas por esta], afirmando que desta consta que os edifícios projectados não dispunham de arruamento, contrariando também o artigo 59º do RGEU – quando naquela se afirma que “O arruamento não está aberto, mas quando o for, se respeitar a largura definida no estudo, será ultrapassado o artigo 59º do RGEU”, o que é diferente e permite perspectivar uma eventual abertura à alteração do decidido se a largura definida no estudo for alterada -, referindo-se às informações prestada pelo Arq. M. F. do GPU, como prestadas pelo Departamento de Planeamento Estratégico ainda no âmbito da fundamentação do acto de indeferimento de 26.10.1990 - quando lhe são posteriores e relativas ao pedido formulado em 28.2.1991 -, assumindo que este alertou para o facto de o projecto em causa se mostrar desconforme ao Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.” - quando naquele apenas está a submissão à consideração superior da necessidade de elaboração de um Estudo de Pormenor para a área da Q. A. -, e que afirmou que a construção de três pisos, tal como constava do projecto, era proibida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Águias Norte da Coroa, envolvente da Zona Monumental de Ajuda/Belém – o que é afirmado na informação de 23.7.1992 mas já não na de 18.9.1992 onde constaA construção de 3 pisos – cércea admitida pelas normas provisórias para a área do Espaço – Plano 31 a) Aguias Norte – só serão possíveis através de estudo de conjunto com os terrenos do “Ar Líquido”, por forma a possibilitar o alargamento do referido arruamento existente (com 6.00 m de largura)”. Por fim, é afirmado que o despacho de 21.12.1992 é meramente confirmativo do despacho de indeferimento de 26.10.1990 – quando não se reportam ao mesmo pedido nem têm a mesma fundamentação.
Em suma, não resulta demonstrado pelo teor das informações em que se fundamentaram os actos de 26.10.1990 e de 21.12.1992 ser evidente a desnecessidade de conceder ao recorrente o direito de audiência prévia antes de ser proferida decisão no recurso hierárquico necessário interposto, e também último acto do procedimento, nem que a decisão proferida neste em 30.1.2008, era a única possível.
O exercício deste direito teria conferido ao recorrente A./recorrido (que não foi ouvido antes da prática dos actos de 1º grau), por um lado, contrapor os seus pontos de vista sobre as matérias abordadas em oposição aos da CML com o intuito de influenciar a alteração do sentido da decisão a seu favor, e, por outro, apresentar sugestões para poderem chegar a um entendimento que parece admissível em certos pontos das informações dos respectivos serviços, verificadas as condições que referem.
Razões pelas quais que não pode proceder o recurso interposto pelo Recorrente ML.

Do recurso subordinado

i) Da nulidade da sentença ao não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão sobre o vício de violação de lei - v. artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC:
Nos termos e para os efeitos desta norma é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
O tribunal recorrido expendeu sobre este vício de violação de lei o seguinte:
«B – Das violações de lei
No que a este vício se refere o Autor veio alegar que o despacho impugnado violou frontalmente o artº 15º nº 1 do DL nº 166/70, de 15-04, pois os fundamentos invocados não se enquadram em qualquer das alíneas daquele normativo, sendo que a pretensão do Autor se conforma com a implantação, volumetria e utilização aprovados para o terrenos nos termos dos despachos do Presidente da CML de 27-07-1982 e 14-01-1983, o terreno está servido de arruamentos e o projecto não viola as normas aplicáveis.
Discordamos deste vício assacado ao despacho impugnado, porquanto os factos assentes mostram o inverso, encontrando-se preenchidos fundamentos que levaram à revogação do acto de deferimento tácito – artº 15º do DL nº 166/70 – como se referiu supra.
Improcede, igualmente, este vício.».
A referência “supra” enquadra-se na apreciação efectuada no ponto “A - Revogação ilegal do acto tácito constitutivo de direitos” e consiste em:
«No caso o acto de 26-10-1990 não explicita com clareza os fundamentos, de facto e de direito, da decisão, nele contida, de revogação do deferimento tácito do pedido de licenciamento a que respeita o processo camarário nº 3150/OB/1990, remetendo a sua fundamentação para as fls 62 e 63, daí se extraindo que o edifício projectado não dispunha de arruamento (artº 15º nº 1, al b) do DL nº 166/70, de 15-04). Também no processo consta a referência ao artº 59º do RGEU, que encontra abrigo na al d) do nº 1 do artº 15º do DL nº 166/70, de 15-04, mas para o qual não remete aquele despacho de indeferimento.
Mas como se referiu, o acto que aqui se encontra impugnado é o acto proferido pelo Vereador M. S. de 20-01-2008 e, considerando a informação sobre o qual se apoia e constitui a sua fundamentação onde invoca como fundamentos do indeferimento aqueles motivos e ainda acrescenta que o projecto se mostrar desconforme ao Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”, como se verifica do ponto 31) dos factos assentes para onde remete o despacho impugnado (ponto 33, dos factos assentes).
Pelo [sic] o acto impugnado encontra a sua fundamentação de deferimento[sic] expresso nas als a), b) e d) do artº 15º do DL nº 166/70, de 15-04.».
Em face do que é de concluir que a sentença recorrida apresenta fundamentação para decidir julgar improcedente este alegado vício do acto impugnado, não se verificando a arguida nulidade.

ii) Dos erros de julgamento

Importa começar por referir que os alegados erros de julgamento da sentença recorrida se reportam aos vícios imputados ao acto impugnado na petição inicial, repetidos nas alegações escritas apresentadas pelo aqui Recorrente S. N. [que se encontram reproduzidas na parte do relatório da sentença, excepcionando o relativo à preterição do direito à audiência prévia, que procedeu], na acção e aqui reiterados nas conclusões de recurso com o acrescento de que ao contrário do decidido na sentença o despacho impugnado enferma de cada um dos vícios julgados improcedentes.
O mesmo é dizer que o tribunal a quo já teve ocasião de analisar e decidir a argumentação em que o Recorrente suporta o recurso interposto, discordando este do sentido do decidido, pelo que a este Tribunal apenas incumbe aferir se a sentença proferida incorreu em erro manifesto na interpretação e aplicação do direito aos factos na apreciação que fez de cada um dos vícios alegados.

a) Da ilegal revogação de anteriores despachos constitutivos de direitos

A sentença recorrida decidiu este vício com a seguinte fundamentação:
«Alega o Autor que a sua pretensão, apresentada em 1990.07.09, foi tacitamente deferida, pelo menos em 1990.09.07, ex vi do artº 12º nº 1 al b) e 13º do DL nº 166/70, de 15-04. Sendo titular de direitos adquiridos relativamente ao aproveitamento urbanístico do seu imóvel, nomeadamente quanto à volumetria e utilização do terreno, decorrentes dos despachos do Presidente da CML de 27.07.1982 e de 14.01.1983, bem como o deferimento tácito do pedido de licenciamento.
Mais invoca que o despacho impugnado nos termos e circunstâncias em que foi praticado não resulta o reconhecimento pelo seu autor de anteriores actos expressos e tácitos, vinculativos e constitutivos de direitos, pelo que não havendo voluntariedade quanto à revogação, faltam elementos essenciais do acto em análise, o que torna o acto nulo. Invoca ainda que o acto sub judice viola o disposto no artº 138º do CPA.
Atendendo à data em que se formou o acto de deferimento tácito este era revogável com fundamento na sua ilegalidade no prazo do recurso contencioso – artº 28º nº 1 al c) da LPTA) nos termos do artº 77º do DL nº 100/84, de 29-03.
Cabe antes de mais referir que ao procedimento de licenciamento em causa eram aplicados o DL nº 166/70, de 15/04.
Sendo que e, partindo da data da apresentação do projecto de arquitectura a licenciamento, em 09-07-1990, o acto de deferimento tácito e, segundo o próprio Autor só se formaria a 07-09-1990, ou seja, decorridos que fossem 60 dias após a apresentação do pedido (artº 12º nº 1 al b) do DL nº 166/70).
A verdade é que no despacho de indeferimento (expresso) de 16-10-1990, não foi alegado o deferimento tácito, mas o acto expresso de indeferimento, posterior ao deferimento tácito do pedido de licenciamento, constitui revogação desse deferimento tácito.
Refira-se ainda que o deferimento tácito de licenciamento de construção, formado ao abrigo do artº 13º do DL nº 166/70, de 15-04, pode ser revogado, nas condições estabelecidas para a revogação dos actos constitutivos de direitos.
É de salientar que acto administrativo constitutivo de direitos é aquele acto que, ao definir as situações, cria ou modifica um poder jurídico ou extingue restrições ao exercício de um poder existente (MARCELLO CAETANO, Princípios…, 1977, p. 129).
Pode ser concessão, autorização, admissão, licença ou acto liberatório (MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, D. Adm., 1, 2ª reimpr., p. 398-399).
É de um ano o prazo máximo, estabelecido no artigo 77º, al b) do DL 100/84, de 29 de Março, para revogação de deliberações dos órgãos das autarquias, bem como de decisões dos respectivos titulares.
Preceito este, no qual se estabelece que «as deliberações dos órgãos das autarquias, bem como as decisões dos respectivos titulares, podem ser revogadas, reformadas ou convertidas … b) se forem constitutivas de direitos, apenas quando ilegais e dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso ou até à impugnação deste».
Daí que o acto de 16-10-1990 tenha sido praticado, em conformidade com o citado art. 77, alínea b), do DL 100/84, dentro do prazo de um ano, aí previsto, como bem concluiu a sentença recorrida [corrigido para: o despacho recorrido].
No caso o acto de 26-10-1990 não explicita com clareza os fundamentos, de facto e de direito, da decisão, nele contida, de revogação do deferimento tácito do pedido de licenciamento a que respeita o processo camarário nº 3150/OB/1990, remetendo a sua fundamentação para as fls 62 e 63, daí se extraindo que o edifício projectado não dispunha de arruamento (artº 15º nº 1, al b) do DL nº 166/70, de 15-04). Também no processo consta a referência ao artº 59º do RGEU, que encontra abrigo na al d) do nº 1 do artº 15º do DL nº 166/70, de 15-04, mas para o qual não remete aquele despacho de indeferimento.
Mas como se referiu, o acto que aqui se encontra impugnado é o acto proferido pelo Vereador M. S. de 20-01-2008 e, considerando a informação sobre o qual se apoia e constitui a sua fundamentação onde invoca como fundamentos do indeferimento aqueles motivos e ainda acrescenta que o projecto se mostrar desconforme ao Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”, como se verifica do ponto 31) dos factos assentes para onde remete o despacho impugnado (ponto 33, dos factos assentes).
Pelo [sic] o acto impugnado encontra a sua fundamentação de deferimento [sic] expresso nas als a), b) e d) do artº 15º do DL nº 166/70, de 15-04.
Improcedendo este vício.».

Fundamentação e decisão que são para manter.
Com efeito, como resultou do acórdão do STA, de 14.6.2005, referido no facto 29) provado, os despachos de 26.10.1990 e 21.12.1992 carecem de recorribilidade contenciosa por proferidos pelo Director do GPU, com delegação de poderes sem lei habilitante, pelo que devem ser objecto de recurso hierárquico necessário e só a decisão proferida neste permite o uso da via contenciosa.
O mesmo é dizer que é o acto impugnado, de 20.1.2008, que indeferiu o recurso hierárquico, mantendo os actos de indeferimento expresso dos pedidos formulados pelo aqui Recorrente S. N., que tem de fazer referência ao acto tácito ocorrido, explicitar que o Recorrido ML ao indeferir expressamente o pedido de autorização de construção de obra nova pelo despacho recorrido de 26.10.1990 pretendeu revogar o acto tácito de deferimento anterior desse mesmo pedido, e pronunciar-se sobre a ilegalidade deste acto tácito – o que se verifica da respectiva fundamentação compreendida no Parecer o nº 0242/DJ/DAJU/2006.
Não estão em causa os direitos que o Recorrente S. N. possa ter adquirido em decorrência dos despachos do Presidente da CML, de 17.7.1982 e de 14.1.1983, de aprovação de um plano de urbanização para o local, onde se situa a R. P. F., em Alcântara, de acordo com um estudo desenvolvido no âmbito do processo privativo nº 9.2.126/4ª/U/73, correspondente à área de “U. Q. A.”, onde é definido a implantação, volumetria e utilização possível do terrenov facto 1).
Como proprietário de um terreno sito nesse local tem direito, à semelhança dos demais particulares nas mesmas circunstâncias, a nele construir com observância das condições previstas para o efeito no referido plano de urbanização [e nas demais regras urbanísticas legais e regulamentares aplicáveis]. O que o Recorrido ML em algum momento dos procedimentos administrativos ou na acção discutiu.
O que está em causa é apenas a pretensão do Recorrente S. N. em obter autorização para construção de obra nova, de acordo com o projecto de construção de edifício de escritórios, apresentado junto do Recorrido ML em 9.7.1990, tido como deferido tacitamente pelas partes nos autos em 7.9.1990 e indeferido expressamente pelo despacho de 26.10.1990, com revogação implícita daquele.
O Recorrente S. N. alega que o projecto que apresentou respeita a volumetria e a implantação que constam do referido plano de urbanização do local, mas sem concretizar, e da factualidade provada, que não foi impugnada, não resulta em que é que consiste uma e outra para o tribunal poder aferir da alegada conformidade.
Alega ainda ser titular de direitos adquiridos na sequência do deferimento tácito ocorrido, sem especificar quais, independentemente do que, podemos afirmar que entre eles não se encontra o imediato direito a construir obra nova, por faltar, designadamente, o que requereu em 28.2.1991, ou seja, o pagamento das taxas devidas pela emissão do correspondente alvará de licenciamento e a indicação de prazo para apresentar os projectos de especialidades, bem como a posterior aprovação destes, sempre dependentes, por força da legislação e regulamentos aplicáveis, da actuação dos serviços competentes [no caso] do ML [ou de decisão judicial se tivesse sido requerida a intimação à emissão do alvará, ao abrigo do artigo 112º do RJUE] e sem os quais não pode exercer o direito a edificar, ainda que seja proprietário de um terreno a que já foi reconhecida essa capacidade edificante. Precisamente porque o direito de propriedade privada de um imóvel não é absoluto, sofrendo derrogações/limitações impostas, nomeadamente, pelo jus aedificandi, por a faculdade de nele construir configurar um direito de natureza jurídica-pública cuja concessão é atribuída à Administração em função da legislação aplicável e dos planos urbanísticos.
Conforme resulta da fundamentação do acto que indeferiu o recurso hierárquico necessário, o acto de indeferimento expresso do pedido de autorização da construção tem por fundamento a não observância pelo projecto apresentado para o efeito de normas legais aplicáveis, no que concerne às infra-estruturas, arruamentos, razão pela qual o acto tácito de deferimento, de 7.9.1990, padecendo do mesmo vício, é ilegal e não se poderia manter na ordem jurídica, após o indeferimento expresso, de 26.10.1990.
O Recorrente S. N. defende a legalidade do projecto que apresentou à aprovação/autorização do Recorrido ML, mais uma vez de forma genérica, nada especificando sobre o que do mesmo consta quanto a arruamentos e cérceas.
Assim, é de concluir que não ocorreu a alegada violação do disposto no artigo 140º do CPA/91 que se refere à revogação de actos válidos – não aplicável ao caso – nem do artigo 141º do mesmo Código, por observados os respectivos pressupostos, tendo por referência a data em que foi proferido o acto impugnado, em 20.1.2008 – já que, aquando da prática do acto de indeferimento de 26.10.1990, foram consideradas as normas então vigentes e indicadas na sentença, mormente, os artigos 13º do Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril e 77º, alínea b) do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
Em face do que não procede este fundamento do recurso.

b) Da violação do disposto no artigo 15º do Decreto-Lei nº 166/70, de 15 de Abril

Alega o Recorrente S. N. que: os fundamentos invocados para indeferir a sua pretensão não se enquadram em qualquer das alíneas do artigo 15º do Decreto-Lei nº 166/70, que nem sequer foi invocado, além de que não existia qualquer plano de urbanização válido e eficaz para o local e estava assegurado o prolongamento do arruamento; o despacho impugnado enferma ainda de erros de facto e de direito, pois a sua pretensão conforma-se com a implantação, volumetria e utilização aprovados para o local pelo plano de urbanização referido, dispondo o terreno do arruamento necessário.

A sentença recorrida fundamentou a improcedência deste vício nos termos reproduzidos na apreciação da nulidade que o Recorrente S. N. arguiu, considerando que, da fundamentação do despacho de 26.10.1990, não consta a indicação das normas que consideradas violadas, mas são referidos como fundamentos do indeferimento a falta no projecto de arruamento e o artigo 59º do RGEU, enquadráveis nas alíneas b) e d) do nº 1 do referido artigo 15º. O acto impugnado de 20.1.2008 acrescenta àqueles fundamentos o da desconformidade do projecto Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”, indicando como norma violada a alínea a) do nº 1 do mesmo artigo.

Mais uma vez o que releva é o que consta da fundamentação do acto de indeferimento do recurso hierárquico necessário, por ser o acto último do procedimento, lesivo e contenciosamente impugnável, expressando o entendimento do Recorrido ML sobre os fundamentos dos actos recorridos.
Apesar do que, na apreciação do recurso independente constatámos que a que é referido no Parecer/fundamentação do despacho impugnado como extraído da dos actos de indeferimento das pretensões do Recorrente S. N., não corresponde nos seus exactos termos ao que está nas informações que suportam estes.
Assim, não é afirmado na informação exarada pelo Chefe de Divisão, de 14.9.1990, que o projecto viola o disposto no artigo 58º do RGEU, mas apenas por o arruamento não se encontrar ainda aberto, tal ocorrerá quando o for, se respeitar a largura definida no projecto. E na informação do Arq. M. F. é colocada à consideração superior a necessidade de elaboração de um Estudo de Pormenor para a área da Q. A. e não que o projecto apresentado se mostra desconforme com o Plano de Urbanização referente à área da “U. Q. A.”. Já a questão da falta de infra-estruturas (arruamento) consta da referida informação do Chefe de Divisão e é enquadrável, como se especifica na fundamentação do despacho de 20.1.2008, na referida alínea b) do nº 1 do artigo 15º.
Quanto aos alegados erros de facto e de direito o Recorrente S. N. limita-se a alegar de forma genérica que o projecto apresentado está conforme com o Plano de Urbanização aprovado para o local pelos despachos camarários de 27.7.1982 e de 14.1.1983, dispondo dos arruamentos necessários – remetendo nas alegações de recurso para o facto 10) provado, ou seja, para o teor da Informação nº 2944/5ª/U, que, no entanto, submetida à consideração superior, não foi mantida, antes rebatida em alguns dos seus pontos pela referida informação, exarada na mesma, do Chefe de Divisão, que propôs o indeferimento do pedido de autorização da construção nova, e foi secundada pelo despacho de concordância de 26.10.1990 -, insuficiente para pôr em causa o invocado fundamento de indeferimento da sua pretensão, que assim sempre se manteria, pelo menos, ao abrigo da indicada alínea b).
Pelo que também improcede este alegado erro de julgamento.

c) Do vício de incompetência do autor do acto impugnado

Alega o Recorrente S. N. que o Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo da CML não tinha poderes delegados para revogar actos constitutivos de direitos, nem para indeferir o recurso hierárquico.

Na decisão da matéria de facto da sentença recorrida o último facto provado tem o seguinte teor:
«35) Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o Despacho de delegação e subdelegação de competências nº 474/P/2007, publicado no BM nº 705 de 23 de Agosto e Despacho nº 518/P/2007, publicado no BM nº 709, de 20 de Setembro.».
Na fundamentação de direito, a este propósito, consta:
«C - Da Incompetência do autor do acto – Vereador do Pelouro do Urbanismo da CML
O Autor argumenta que, no caso, a aprovação dos projectos e a concessão de licenças competia ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o exercício desta competência carecia de prévio acto expresso de delegação de poderes, devidamente publicado e nunca poderia ter eficácia retroactiva o que não sucedeu, in casu (artºs 3º nº 1 al a) do DL nº 100/70, de 15-04 e 68º, nº 2 al l, 69º, 70º e 100º da Lei nº 169/99, de 18-09 e 37º e 142º do CPA). Mais argumenta que o despacho em causa enferma de manifesta incompetência pois o Vereador do pelouro do Urbanismo não tinha poderes para revogar actos constitutivos de direitos, nem poderia indeferir o recurso hierárquico 8[sic]artº 65º nº 5 ex vi do artº 70º nº 7 e 68º nº 2 al l da lei nº 169/99, de 18- 09).
Nos termos do dos Despachos identificados em 35) dos factos assentes é de entender que o Vereador do Pelouro do Urbanismo detinha competência para a prolação do acto impugnado.».
Ora, o despacho nº 474/P/2007, publicado no BM nº 705 de 23 de Agosto, é um despacho de delegação de competências próprias do Presidente da CML António Costa e delegadas neste pela CML, pelo qual delega e subdelega nos Vereadores da CML, designadamente, no do Pelouro do Urbanismo e do Planeamento Estratégico, o Sr. Manuel Sande e Castro Salgado – o autor do acto impugnado, de 20.1.2008 –, constando no ponto «A2 – Licenciamento urbanístico e Reabilitação Urbana
1 Exercer as competências previstas no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, corrigido e alterado pelo decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, rectificado pela declaração de Rectificação nº 13-T/2001, de 30 de Junho, publicada em 27 de Agosto de 2001, praticando todos os actos administrativos e instrutórios no âmbito dos procedimentos de licenciamento, autorização, informação prévia de operações urbanísticas e aos que respeitem a operações urbanísticas isentas ou dispensadas de licença ou autorização, bem como os actos relativos à execução e fiscalização destas operações e à utilização e conservação do edificado, incluindo as seguintes:
(…)».
O Despacho nº 518/P/2007, publicado no BM nº 709 de 20 de Setembro, do Presidente da CML António Costa que, “(…) ao abrigo do disposto na alínea b) do número 1 do artigo 68.º da Lei das Autarquias Locais, determino o seguinte:
1 - O número 6 do artigo 65.º da Lei das Autarquias Locais deverá ser interpretado de forma literal, no sentido em que apenas serão recorríveis para o Plenário da Câmara Municipal de Lisboa os actos praticados pelo Presidente e pelos Vereadores ao abrigo de competências delegadas pela Câmara;
2 - O número 6 do artigo 70.º da Lei das Autarquias Locais, no que respeita ao Órgão para o qual cabe recurso, deverá ser interpretado no sentido em que as «adaptações necessárias» a que este preceito se refere implicam, no caso dos números 6 e 7 do artigo 65.º do mesmo diploma, uma correspondência entre o Plenário da Câmara e o Presidente da Câmara ou entre o Plenário da Câmara e os Vereadores, consoante seja o Presidente ou um Vereador o autor da subdelegação de competências ao abrigo da qual foi praticado o acto recorrido;
3 - Ao abrigo do n.º 2 do artigo 169.º do Código do Procedimento Administrativo deverá considerar-se competente para conhecer dos recursos interpostos de decisões tomadas pelos Serviços, ao abrigo de subdelegações de competências camarárias, o Presidente ou o Vereador do Pelouro, consoante seja este ou aquele o autor do acto de subdelegação ao abrigo do qual foi praticado o acto recorrido;
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica o regime de interposição de recursos de aplicação de sanções disciplinares para o Plenário da Câmara Municipal, previsto no número 4 do artigo 75.º do Decreto-Lei n .9 24/84, de 16 de Janeiro.».
O Recorrente S. N. nada diz sobre o que consta e é determinado nestes despachos de 2007, publicados no BM em 2007, e consequentemente anteriores à prática do acto impugnado na acção, efectuando um exercício teórico sobre a necessidade de um acto acto expresso de delegação de poderes que devia ter sido praticado, publicado e sem eficácia retroactiva, o que não sucedeu in casu, alegando pois não se provou nos presentes autos qualquer acto prévio de delegação de poderes do Presidente no Vereador, mediante deliberação e despacho previamente publicados no boletim municipal ou em edital afixado em lugares de estilo [cfr. teor do artigo 37º do CPA/91] e o autor do acto não tinha poderes para revogar actos constitutivos de direitos – quando, repete-se, só está em causa o acto tácito de deferimento, revogado por ilegal, conforme argumentação expendida na apreciação deste específico vício – nem para indeferir o recurso hierárquico que interpôs.
No que, atendendo ao facto 35) provado e ao teor dos Despachos do Presidente da CML aí indicados, manifestamente não lhe assiste razão.

d) Da falta de fundamentação de facto e de direito:

Alega o Recorrente S. N. que: o despacho impugnado e a proposta com que alegadamente concorda, não indicam fundamentos de facto nem demonstram a aplicação de qualquer norma incompatível com a decisão de deferimento da sua pretensão; não remete nem declara concordar com as várias informações existentes no processo, pelo que não pode ser considerado com fundamentado por remissão; no procedimento foram prestadas informações e pareceres contraditórios, não tendo sido explicitado porque razões concorda com uma e não com outra; pelo que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, carece de fundamentação, ou esta é obscura, contraditória, insuficiente e incongruente, em violação do disposto no artigo 268º, nº 3 da CRP e dos artigos 103º, 124º e 125º do CPA.

Da sentença recorrida extrai-se sobre este vicio
«E – Da falta de fundamentação Invoca o Autor que o despacho impugnado enferma de falta de fundamentação, ou pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, tendo sido violado o artº 268º nº 3 da CRP e 103º, 104º, 125º, 140º e 141º do CPA.
Densificando este vício alega o Autor que no procedimento administrativo foram prestadas informações e pareceres contraditórios, não tendo o despacho sub judice “explicitado as razões porque concorda com uma e não com outra das opiniões. Mais refere que o despacho impugnado e a proposta com a qual alegadamente concorda não indica quaisquer fundamentos de facto relativamente à decisão de indeferimento, nem demonstram a aplicação de qualquer norma jurídica incompatível com a aprovação da pretensão do Autor, pelo que são violadas aquelas disposições legais. Mais invoca que o despacho impugnado revogou anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que, tinha necessariamente de ser fundamentado de facto e de direito. Continuamos a afirmar que o despacho impugnado é o despacho do Vereador Manuel Salgado de 20-01-2008 cuja fundamentação é feita por remissão para o parecer nº 0242/DJ/DAJU/2006.
A fundamentação dos actos administrativos visa, além do mais, dar a conhecer as razões por que foi decidido de uma maneira e não de outra, de molde a permitir aos seus destinatários uma opção consciente entre a sua aceitação e a sua impugnação contenciosa.
O Despacho do Vereador Manuel Salgado de indeferimento expresso da pretensão do Autor foi exarado no parecer nº 0242/DJ/DAJU/2006 (facto assente em 32) e 33)) de onde constam os fundamentos de facto e de direito da decisão.
Tendo sido proferido o acto com fundamentação expressa e clara o vício invocado é de improceder.».

O que é para manter.
Porque não foi impugnada a decisão da matéria de facto, mormente na parte em que deu por provado que o acto impugnado tem os fundamentos constantes do parecer 0242/DJ/DAJU/2006 [v. factos 32) e 33)].
E porque o teor deste é suficientemente claro para permitir ao Recorrente S. N., seu destinatário, perceber o iter cognoscitivo percorrido pelo Recorrido até à decisão de indeferimento do recurso hierárquico proferida, como demonstra o teor da argumentação expendida na petição inicial, nas alegações escritas finais e em sede de recurso.
Improcede, consequentemente, este erro de julgamento.

e) Da violação de direitos e princípios gerais:

Alega o Recorrente S. N. que: para além do princípio da boa-fé que o tribunal recorrido considerou violado, o acto impugnado violou ainda os princípios fundamentais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança, da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e propriedade privada.
A fundamentação da sentença recorrida quanto a estes vícios é a seguinte:
«F – Da violação de direitos e princípios fundamentais
E, finalmente o Autor alega que o despacho impugnado violou frontalmente os princípios constitucionais da segurança jurídica e protecção da confiança, bem como os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé, da confiança e respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos do Autor.
Bem como ofendeu o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e de iniciativa económica privada do Autor, consagrado nos artºs 61º e 62º da CRP, pois não se baseia em qualquer norma legal aplicável.
i) - O princípio da igualdade
Se outras construções foram licenciadas, nas mesmas circunstâncias, sem reacção administrativa, desconhece-se em absoluto pois ignoram-se todos os aspectos factuais que os envolveram e que o Autor também não alega.
ii) - O princípio da legalidade da actividade administrativa significa que, em regra, é a lei ou o bloco legal que estão no fundamento e no limite de qualquer acto jurídico de categoria inferior à lei (D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., p. 59).
No caso o despacho impugnado limita-se a aplicar o regime legal à data – DL nº 166/70, de 15-04 conjugado com o DL nº 100/08, de 29-03.
iii) - O princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares significa que a prossecução do interesse público se faz com o respeito simultâneo dos direitos e interesses legítimos dos particulares, ponderando-os a todos (numa expressão do princípio da imparcialidade), o que, dum ponto de vista autónomo, implica o princípio da tutela jurisdicional efectiva, uma ampla extensão da responsabilidade civil das entidades públicas, o direito de audiência prévia, o direito de informação e o direito à fundamentação do acto administrativo desfavorável (D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., p. 70 ss).
Neste caso, podemos salientar que este direito foi desrespeitado atendendo á violação do direito de audição prévia à decisão,.
iv) - O princípio da boa-fé da actividade administrativa (aplicado inicialmente pelo STA nos Ac. de 6-6-84, in AD 289, p. 62, e de 11-2-88, in BMJ 374, p. 301), exprime os valores fundamentais do Direito, significa que se deve proteger a confiança legítima do particular e desvalorizar excessos formais a favor da verdade material (D. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., p. 146 ss).
No caso a haver ilicitude da actividade administrativa desrespeitadora deste princípio apenas contenderá com a violação do direito de audição do interessado, como se entende.
v) - O princípio da proporcionalidade assume três vertentes essenciais: a adequação, que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objectivos; a necessidade, que se traduz na opção pela acção menos gravosa para os interesses dos particulares, ou seja, a menos lesiva dos seus direitos e interesses; e o equilíbrio, ou proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece a relação entre a acção e o resultado.
Constitui um postulado ou norma de actuação a ser observado no exercício da actividade discricionária da Administração, na qual esta detenha liberdade para escolha de alternativas comportamentais, funcionando, desse modo, como limite interno dessa actividade, não relevando, em consequência, no domínio da actividade vinculada, consistente esta na simples subsunção de um dado concreto à previsão dos comandos legais vigentes - neste sentido, cfr. o acórdão do Pleno da secção de CA do STA de 17/12/99, n.º 040313.
Aqui o acto é vinculado e a haver injustiça ela só pode derivar da lei.
vi) Acerca da «violação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais de propriedade e de iniciativa económica privada, constitucionalmente consagrados nos arts. 61.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1 da CRP», entendeu-se no acórdão do STA de 04.12.08, rec. 621/07, que: «… o ‘jus aedificandi’ não se apresenta, à luz da Constituição, como parte integrante do direito fundamental de propriedade privada mas como concessão jurídico-pública resultante do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado e que, em concreto, determinou o indeferimento da pretensão urbanística da recorrente. Por outro lado, tal modelação não contende com o direito à iniciativa privada pelo facto de este direito não comportar um poder absoluto de edificação, à margem de qualquer intervenção administrativa».
E aderindo a anterior jurisprudência acrescenta: «o direito de propriedade privada a que se refere o art. 62.º, da CRP, não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem de sobrelevar o do indivíduo, não fazendo o ius edificandi (mais propriamente o direito de urbanizar, lotear e edificar) parte do acervo de direitos constitucionalmente reconhecidos ao proprietário antes sendo o resultado de uma atribuição jurídica pública, decorrente do ordenamento jurídico urbanístico pelo qual é modelado, pois o direito de propriedade apenas se reveste de dignidade constitucional quando entendido como susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e da sua livre disponibilidade, isto é, como poder imediato, directo e exclusivo sobre concretos e determinados bens», sendo que «tal modelação não contende com o direito à iniciativa privada, por isso que este direito não comporta um poder absoluto de edificação, à margem de qualquer intervenção administrativa» (cf. ainda acórdãos do STA de 7.3.2002, rec. 48.179; de 9.10.2002, rec. 443/02; de 3.12.2002, rec. 47.859; de 18.2.2004, Rec. 663/03; de 14.12.2005, rec. 883/03; de 22.3.07, rec. 390/06; e de 5.12.96, Rec. 33 857). O acto impugnado não afronta estes princípios, pois não está a vedar o direito à propriedade do Autor sobre o prédio apenas lhe veda a possibilidade de aí erigir um edifício, pelas razões apontadas no despacho impugnado.».

Fundamentação que por clara, coerente e suportada em jurisprudência do STA e doutrina pertinente e adequada, é para manter.
Apenas um reparo, ainda que indicados no presente recurso, os princípios da boa-fé e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares foram considerados violados pelo juiz a quo, em decorrência da preterição do direito de audiência prévia, pelo que não sendo desfavorável para o Recorrente não deve constituir objecto do recurso subordinado.
Quanto aos princípios que o tribunal recorrido considerou não serem violados pelo acto impugnado, dispensa-se este Tribunal de prosseguir com a sua análise por o Recorrente S. N. se ter limitado, em sede de recurso, a repetir alegações já expendidas a propósito de anteriores vícios, em especial, o de revogação ilegal de actos constitutivos de direito [já apreciadas neste acórdão], acrescentando a referência aos prejuízos que o despacho impugnado lhe impôs, absolutamente desproporcionados e injustificados, e a ofensa do conteúdo essencial dos direitos fundamentais da propriedade [apreciados a propósito dos correspondentes princípios pelo tribunal a quo].
Pelo que também não se verifica este fundamento do recurso subordinado.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento aos recursos e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Custas pelos Recorrentes.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27 de Abril de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)