Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 470/18.0BELLE |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/22/2023 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS MAIS VALIAS PROVA DOS PAGAMENTOS AUDIÇÃO PRÉVIA FORMALIDADES DE NOTIFICAÇÃO EFEITO DO REGISTO CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO |
| Sumário: | I-A alienação de participações sociais é objeto de tributação na Categoria G, cujo cálculo é realizado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais. II-Não tendo a Recorrente cumprido o ónus probatório que sobre si impendia, concretamente, demonstrado que as visadas ações sempre pertenceram à sociedade adquirente, e atestado, de forma inequívoca, o pagamento, e não tendo, ademais, carreado em sede administrativa e em sede judicial prova atinente a essa realidade, mesmo após interpelação, o ónus tem de ser valorado contra si. III-Se é a própria que atesta a aquisição e ulterior alienação, não pode, sem mais, e mediante uma assunção de uma falta de registo inferir uma realidade que está em contradição com asserções que a própria atestou e declarou, consubstanciando, em bom rigor, como que um venire contra factum proprium. IV-A falta de registo não tem qualquer efeito constitutivo, limitando-se a dar publicidade a uma situação jurídica. V-O artigo 43.º do RCPIT, constitui norma própria quanto à notificação para o exercício do direito de audição relativamente ao Projeto de Relatório resultante de procedimento de Inspeção Tributária, nele se preceituando que deve ser efetuada por carta registada a enviar para o domicílio fiscal do sujeito passivo, presumindo-se a sua notificação quando cumpridas tais formalidades ainda que seja objeto de devolução. VI-Tal entendimento não consubstancia qualquer inconstitucionalidade, na medida em que estando garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, fica, desde logo, afastada qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução VII-Não tendo o vício da caducidade do direito à liquidação sido alegado na petição inicial apenas e só nas alegações escritas, e não revestindo tal alegação superveniência, quer objetiva, quer subjetiva, nem sendo de conhecimento oficioso, que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial, ter-se-á de concluir que nenhuma censura merece a decisão recorrida quando ajuizou que tal questão não poderia ser apreciada, em nada acarretando a aduzida violação do artigo 588.º do CPC. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO
M… (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Tributário de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2014, no valor de € 85.823,91, incluindo juros compensatórios. A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “1. Por sentença datada de 30-01-2023 o tribunal “a quo” decidiu julgar a presente impugnação improcedente, e em conformidade absolveu a Fazenda Pública, mantendo-se na ordem jurídica o acto de liquidação do IRS (e juros compensatórios), referente ao ano de 2014, impugnado. 2. A ora Recorrente não se conforma com o facto dado como não provados A) considerando que os mesmo se encontra incorrectamente julgado e mal apreciado e que o tribunal “a quo” apenas se baseou nos documentos juntos pela Autoridade Tributária que resultaram da acção inspectiva, nomeadamente no Relatório de Inspecção Tributária de fls. 130 dos autos no SITAF. 3. Andou mal o tribunal “a quo” ao dar como não provado o facto A) atendendo a que as acções sempre foram da sociedade V… LDA., tendo sido adquiridas com o dinheiro da sociedade e deveriam ter sido registadas em nome da sociedade e transferida a sua propriedade, encontrando-se ainda em nome e posse de M…, não tendo a contribuinte lucrado. 4. Olvidando-se o Tribunal “a quo” atendendo a que não consta nem dos factos dados como provados, nem dos factos dados como não provados de que pese embora a impugnante ora recorrente tenha “alienado” as acções por 270.000,00€ e se encontre escrito em acto que tal montante foi pago, de facto tal situação, ainda, não ocorreu porquanto os títulos só em 2017 foram enviados como tendo sido requerido o registo em nome de M…. 5. Andou mal o tribunal “a quo” ao não dar como não provado que as acções sempre foram da sociedade V… LDA., tendo sido adquiridas com o dinheiro da sociedade e deveriam ter sido registadas em nome da sociedade e transferida a sua propriedade, encontrando-se ainda em nome e posse de M…, não tendo a contribuinte lucrado. 6. Deveria ainda o tribunal “a quo” ter dado como provado que quem auferia o dinheiro todo era a sociedade sendo desta todos os valores, o qual poderia ter sido demonstrado pela prova testemunhal indicada. Uma vez que o seu novo TOC A… tomou conhecimento em 2014 que a contabilidade tanto pessoal como da sociedade não reflectiam a verdade tributária foi a mesma reposta, passando as acções como sempre deveriam ter sido a integrar o património da sociedade e bem assim 2/5 de um imóvel construído com o dinheiro da sociedade, não sendo nada devido, pois a acta mais não passou que acto que garantia a legalidade fiscal da sociedade, atendendo a que posteriormente não efectou o registo da venda dessas mesmas acções, ou seja formalmente o acto não está praticado, pois necessita do efectivo registo. 7. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá o facto dado como não provado A) ser julgado como provado. 8. Andou mal o tribunal “a quo” ao julgar como provada a alienação das acções pela impugnante à sociedade “V…, Lda.” Pelo valor de 270.000,00€ e que tal não consta da declaração de rendimentos do ano de 2014 apresentada pela Impugnante, aqui Recorrente, e ao considerar que não pode dar-se como provado o alegado erro sobre os pressupostos de facto. 9. Pois somos do entendimento que só é devido imposto se houver um efectivo enriquecimento de um sujeito tributário, um acto gerador de dinheiro, o que não ocorreu no caso, como é bom de ver o acto gerador de imposto, a cedência de propriedade não ocorreu, tratando-se de um acto formal, sendo necessário obrigatoriamente o registo e entrega dos títulos, o que ainda não ocorreu. 10. Não sendo nada devido, pois a acta mais não passou que acto que garantia a legalidade fiscal da sociedade. Sendo certo que posteriormente não efectou o registo da venda dessas mesmas acções, ou seja formalmente o acto não está praticado, pois necessita do efectivo registo. 11. O que faz com que estejamos perante erro sobre os pressupostos de facto e uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, atendendo a que não se verifica a existência de mais-valias. 12. Ao que acresce que o tribunal “a quo” violou a interpretação dada ao artigo 101.º, n.º 2 do Código de Valores Mobiliários. 13. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que julgue os presentes autos totalmente procedentes por provados. 14. Resulta dos factos dados como provados que a ora recorrente não foi notificada para exercer o seu direito de audição prévia, o que consubstancia uma preterição das formalidades legais. 15. A ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida que considerou que pese embora as cartas tenham vindo devolvidas por não reclamadas tem que se considerar a ora recorrente como notificada para o exercício do referido direito de audiência prévia. 16. Tal entendimento viola a ratio legal do artigo 60.º, n.º 1, alínea e) da Lei Geral Tributária e bem assim o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas previsto no artigo 267.º, n.º 5 da nossa Constituição, cuja inconstitucionalidade da decisão recorrida se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional. 17. Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada por violação dos supra citados preceitos legais. 18. Por outro lado, veio o tribunal “a quo” julgar que a invocada caducidade do direito de liquidar os impostos não pode ser objecto de apreciação nos presentes autos. 19. Tal entendimento viola a nossa doutrina e jurisprudência dominante e bem assim o artigo 588.º do CPC, pois estamos perante um caso excepcional que pode e deve ser objecto de apreciação nos presentes autos, pois trata-se de um caso excepcional de uma questão de conhecimento oficioso, sendo permitido invocar novos factos ou invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado. 20. Ao que acresce que dispõe o artigo 45.º, n.º 2 da LGT que no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo caduca o direito de liquidar os impostos no prazo de 3 anos a contar do facto tributário. 21. Tendo o “erro” alegadamente ocorrido em 2014 caducou o direito invocado pela A.T. de liquidação do imposto no ano de 2017, desta forma o direito invocado pela A.T. caducou no ano de 2017. 22. Termos em que deverá ser julgado procedente por provado o presente recurso e consequentemente deverá ser julgada extinta a execução por inexistência do imposto, declarando-se a caducidade do direito e a anulação total do acto tributário. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente deverá ser revogada a sentença recorrida, julgando-se a presente impugnação totalmente procedente por provada, anulando-se a liquidação de IRS impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA!” *** A Recorrida devidamente notificada, não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve: “Com interesse e relevo para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos: 1. A Impugnante foi sujeita a procedimento inspectivo, ao ano 2014, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Faro, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI21501441 - facto que se extrai do documento n.º 1 junto com a petição inicial; 2. No âmbito do procedimento inspectivo referido foi elaborado projecto de relatório de inspecção tributária - cfr. fls. 75 dos autos, numeração SITAF; 3. Com data de 26 de Março de 2018, foi enviado à Impugnante, o ofício n.º 3394, atinente ao assunto “projecto de correcções do relatório de inspecção - artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA)”, no âmbito da ordem de serviço n.º OI201501441, no qual consta, nomeadamente o seguinte: “[n]otifica(m)-se de que, no prazo de 15 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA” - cfr. fls. 76 dos autos; 4. O objecto referido no ponto anterior foi devolvido com o averbamento pelos CTT de “objecto não reclamado”, em 9 de Abril de 2018 - cfr. fls. 76-v dos autos; 5. Com data de 10 de Abril de 2018, foi enviado à Impugnante, o ofício n.º 4224, atinente ao assunto “projecto de correcções do relatório de inspecção - artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA)”, no âmbito da ordem de serviço n.º OI201501441 [segunda notificação, nos termos do n.º 5 e 6 do artigo 39.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT)], no qual consta, nomeadamente o seguinte: “[n]otifica(m)-se de que, no prazo de 15 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente sobre o projecto de correcções do relatório de inspecção que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA” - cfr. fls. 75 dos autos; 6. O objecto referido no ponto anterior foi devolvido com o averbamento pelos CTT de “objecto não reclamado”, em 23 de Abril de 2018 - cfr. fls. 75-v dos autos; 7. No âmbito do procedimento inspectivo que vem a ser referido foi elaborado relatório de inspecção tributária, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte extracto: «Imagem no original» «Imagem no original»
«Imagem no original»
(…)
«Imagem no original»
- cfr. o documento n.º 1 junto com a petição inicial; 8. Em sequência foi elaborada “declaração oficiosa/DC”, no qual consta um “anexo G”, relativo a mais-valias e outros incrementos patrimoniais, do qual se extrai, nomeadamente, os seguintes quadros: «Imagem no original» «Imagem no original» Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa: A) A impugnante opera no setor de importação, exportação, fabrico e venda de - cfr. fls. 19 a 24 do processo administrativo apenso aos autos; 9. Com base na declaração referida no ponto anterior, o Director de Finanças de Faro, procedeu à fixação/alteração dos rendimentos da Impugnante, nos moldes que se seguem:
- cfr. fls. 41 e 42 do processo administrativo apenso aos autos; 10. Em 12 de Junho de 2018, foi emitida, em nome da Impugnante e relativo ao ano 2014, a liquidação do IRS n.º 2018 5005288092, no valor de € 85.823,91, incluindo juros compensatórios - cfr. o documento n.º 4 junto com a petição inicial; 11. Em 2012, consta registada em nome da Impugnante, declaração modelo 4 - aquisição e/ou alienação de valores mobiliários, referente à aquisição de 1000 (mil) acções do H…, S.A., pelo preço de € 30.000,00, a J… - cfr. os documentos n.º 1 e n.º 2 junto com a petição inicial; 12. Em 4 de Junho de 2014, consta a acta número dezassete de dois mil e catorze, da sociedade V…, Lda., da qual se extrai o seguinte excerto: «Imagem no original» (…) «Imagem no original» - cfr. o documento n.º 2 junto com a contestação; 13. Em 4 de Junho de 2014, consta a acta número dezoito de dois mil e catorze, da sociedade V…, Lda., da qual se extrai o seguinte excerto: «Imagem no original» «Imagem no original» (…) «Imagem no original» - cfr. o documento n.º 4 junto com a contestação; 14. As acções em causa nos autos consubstanciavam “acções ao portador” - facto não controvertido. 15. A Impugnante é [era] sócia da sociedade V…, Lda. - facto não controvertido.” *** A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “A) As acções em causa nos autos foram sempre da sociedade V…, Lda. - cfr. o artigo 9.º da petição inicial;” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados. Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil]. O facto dado como não provado resulta da total ausência de prova nesse sentido, conjugado com os elementos documentais carreados pela Fazenda Pública, em sentido contrário, como resulta das actas e da declaração modelo 4 identificadas nos pontos 11 a 13 dos factos provados. As testemunhas inquiridas não demonstraram qualquer conhecimento concreto ou factual sobre a aquisição das acções e sobre a pertença das mesmas que, recorde-se, à data, eram ao portador, nem a Impugnante demonstrou que o pagamento das mesmas foi efectuado pela sociedade, prova que lhe competia, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 16) Na sequência de prolação de despacho proferido em audiência de inquirição de testemunhas, para junção dos extratos bancários e cópias dos cheques comprovativos dos pagamentos da compra das ações da empresa, a Impugnante procedeu à junção de requerimentos de interpelação apresentados junto das Instituições Bancárias B… e Banco de Portugal, dos quais se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: «Imagem no original» (cfr. doc com a referência 004844091, da plataforma SITAF, a fls. 523 a 525); 17) A 21 de junho de 2022, e na sequência do referido no ponto anterior, o Banco de Portugal apresentou resposta subordinada ao assunto “pedido de cópia de cheques”, e com o teor que infra se descreve: «Imagem no original»
«Imagem no original» (cfr. doc. com a referência 004844112, da plataforma SITAF a fls. 556); *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2014, no valor de €85.823,91, incluindo juros compensatórios. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram: ¾ Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia; ¾ Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, importando aferir se impugnou a matéria de facto cumprindo os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, e em caso afirmativo se procede o requerido aditamento, por complementação, e por substituição, da matéria de facto. ¾ Se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito: o Quanto à manutenção da correção atinente à mais valia por alienação de participações sociais, na medida em que a Recorrente ilidiu o ónus probatório que sobre si incidia, mormente, quanto à demonstração da inexistência de qualquer perceção de rendimento na sua esfera individual; o No concernente à inexistência do vício formal da falta de audição prévia, porquanto não tomou conhecimento do projeto de Relatório de Inspeção Tributária. o Assumindo-se como acertado o entendimento atinente à notificação, mesmo em caso de devolução, se o mesmo comporta inconstitucionalidade por violação do princípio da participação previsto no artigo 267.º, nº5 da CRP. o Relativamente à caducidade do direito à liquidação, a qual deveria ter sido apreciada por consubstanciar questão de conhecimento oficioso, preterindo o estatuído no artigo 588.º do CPC; Vejamos, então. Atentemos, ora, na arguida nulidade por omissão de pronúncia. A Recorrente na página 18 das suas alegações de recurso intitula como primeiro fundamento do recurso o seguinte: “dos factos incorrectamente julgados e da nulidade por omissão de pronúncia”, no entanto, compulsado o teor integral das mesmas não se vislumbra uma concreta substanciação da aludida nulidade. De todo o modo sempre se dirá que, não se vislumbra qualquer omissão de pronúncia na medida em que o Tribunal a quo se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pelas partes, concretamente, vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à tributação da mais valia por alienação de participações sociais e bem assim vício formal por omissão de audição prévia. É certo que, não aferiu da concreta legalidade concernente à caducidade do direito à liquidação, no entanto não o fez, expressando, claramente, a sua esteira de razão atinente a essa valoração e conformação. Logo, inexiste qualquer omissão de pronúncia, quando muito, poderá comportar erro de julgamento, o que se aferirá em sede própria. Face ao supra exposto, e tendo presente que as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa do normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC, conclui-se, sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto por ter sido incorretamente valorada a factualidade não provada, assentando, outrossim, em contradição fática, mormente, com os pontos 12 e 13. Densifica, neste particular, que não se conforma com o facto dado como não provado, porquanto o Tribunal a quo consubstanciou o seu juízo de valoração apenas no Relatório de Inspeção Tributária e nos documentos juntos pela AT que resultaram da ação inspetiva, descurando, desde logo, as atas da sociedade e bem assim a asserção de que as ações sempre foram da sociedade “V…, Lda”. Mais advoga que, no concernente ao pagamento das ações não foi valorado que a entidade bancária e o Banco de Portugal não forneceram quaisquer informações, o que, devidamente conjugado com o anteriormente expendido, levaria a que o facto não provado fosse, inversamente, considerado como provado. Propugna, adicionalmente, que deveria ter sido consignado como facto provado que quem auferia o dinheiro todo era a sociedade sendo desta todos os valores, convocando, para o efeito, a prova testemunhal, particularmente, o depoimento da testemunha A.... Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos (1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.. No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória (2) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.” Note-se que, a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo, naturalmente, do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, conforme decorre do artigo 662.º do CPC (3) Vide, designadamente, Acórdão do STJ datado de 19/02/2015, proferido no processo nº 299/05.06TBMGD.P2.S1., aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT. No caso vertente, transpondo os ensinamentos supra expendidos e atentando no teor das conclusões da Recorrente coadjuvadas com o corpo das suas alegações cumpre relevar que no respeitante à prova testemunhal não são cumpridos os requisitos vertidos anteriormente, na medida em que não obstante convoque o depoimento da testemunha A..., a verdade é que não particulariza qualquer trecho áudio, nem, tão-pouco, procede à transcrição de excertos que repute relevantes para efeitos do aludido aditamento. Mais importa, outrossim, adensar que a asserção que pretendia ver aditada, como visto, concatenada com a, efetiva, perceção do rendimento, não tinha, tão-pouco, a roupagem de um facto, porquanto conclusivo e genérico carecendo, por conseguinte, da respetiva substanciação espácio-temporal. Com efeito,“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais (4) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt”. Daí que, “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado (5) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1 ”. E por assim ser, rejeita-se a impugnação atinente à prova testemunhal. No concernente à requerida supressão da factualidade não provada, cumpre relevar que não obstante se ajuíze o cumprimento dos aludidos requisitos, porquanto é convocado o respetivo meio probatório, concretamente, as atas da sociedade, e as diligências bancárias e inerentes respostas, e explicitado o desiderato probatório, concretamente o expurgo dessa factualidade não provada e sua substituição por factualidade provada, a verdade é que o seu entendimento não logra provimento. E isto, desde logo, porque não corresponde à verdade a alegação atinente à falta de valoração das atas da sociedade, as quais, de resto, se encontram refletidas no probatório, concretamente, nos pontos 12 e 13, em nada consubstanciando qualquer contradição com o expendido na factualidade não provada, bem pelo contrário, na medida em que as mesmas atestam a aquisição e o pagamento à Recorrente. Aliás, de uma leitura atenta da motivação da matéria de facto e da fundamentação de direito consignada na decisão recorrida, verifica-se que as mesmas são convocadas, justamente, para justificar a falta de prova atinente à titularidade das ações, ou seja, que as mesmas sempre foram da sociedade “V…, Lda”. No concernente ao aditamento respeitante às diligências bancárias e específicas respostas, cumpre, desde logo, evidenciar que tais asserções, per se, em nada permitem atestar no sentido positivo que a Recorrente lhe pretende imprimir. Note-se, ademais, que a consideração de um facto como não provado não implica que o facto negativo simétrico ao facto não provado esteja assente. Sendo certo que, neste concreto particular, o Tribunal ad quem, de acordo com os seus poderes de cognição, já procedeu ao aditamento da factualidade atinente e reputada de relevante, com a devida substanciação espácio temporal. E por assim ser, improcede a visada supressão da factualidade não provada. Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto atentemos, então, no erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente defende que só é devido imposto se houver um efetivo enriquecimento de um sujeito tributário, um ato gerador de dinheiro, o que não ocorreu no caso, porquanto o ato gerador de imposto, ou seja, a cedência de propriedade não ocorreu, na medida em que se tratando de um ato formal impera a obrigatoriedade do registo e entrega dos títulos, o que ainda não ocorreu. Mais convoca uma violação do teor do artigo 101.º, n.º 2 do Código de Valores Mobiliários. Conclui, assim, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao entender demonstrada a alienação das ações pela Impugnante à sociedade visada, não se verificando o fundamento legal para a tributação enquanto mais valias. O Tribunal a quo esteou a improcedência relevando, designadamente, o seguinte: “provando-se que as acções eram da Impugnante, assim se mostra preenchido o facto tributário previsto para efeitos de tributação, em sede de mais-valias de rendimentos, com a corresponde alienação em 2014.(…) Destarte, não poderá considerar-se, ao contrário do sufragado pela Impugnante, a tese de que as acções não eram de sua propriedade mas sim da sociedade V…, Lda., independentemente da origem do dinheiro que lhe possibilitou adquiri-las, por os elementos referentes à aquisição e à alienação, demonstrarem o contrário. Relativamente à alegada falta de registo da venda das referidas acções ao portador, importa considerar o disposto no n.º 2 do artigo 101.º do Código dos Valores Mobiliários nos termos do qual, na transmissão de acções ao portador apenas se efectua registo no caso de os títulos já estarem depositados junto do depositário indicado pelo adquirente, o que no caso não se verifica nem tal é alegado.” E a verdade é que, atentando na aludida fundamentação não se vislumbra que a decisão recorrida padeça do visado erro, na medida em que analisa acertada e adequadamente o regime jurídico aplicável ao caso vertente, com a devida transposição à realidade fática em contenda. Mas expliquemos porque assim o entendemos, começando por convocar o quadro normativo que releva para o caso dos autos. De harmonia com o consignado nos artigos 9.º e 10.º do CIRS, são tributadas em sede de IRS as mais-valias, nele plasmadas, designadamente, os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários, a extinção ou entrega de partes sociais das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais, bem como o valor atribuído em resultado da partilha nos termos do artigo 81.º do Código do IRC”. Preceituando, por seu turno, o nº3 do citado artigo 10.º que “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato; b) Nos casos de afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.” Estatuindo, ainda, o seu nº4 que “o ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1”. Constituindo, por seu turno, o nº11 do citado preceito legal que: “Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das ações, bem como a data das respetivas aquisições.”. Ora, do supra expendido resulta que a alienação de participações sociais é objeto de tributação na Categoria G, cujo cálculo é realizado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais. Visto o quadro normativo, atentemos, então, no que resulta do acervo fático dos autos. Do probatório resulta que a 24 de setembro de 2012, foram adquiridas pela Recorrente 1000 ações ao H…, pelo preço de €30.000,00 a J…, as quais foram alienadas em 04 de junho de 2014, à sociedade “V…, Lda”, pelo preço de €270.000,00. Ora, em face do quadro normativo supra expendido, ter-se-á de concluir que tais rendimentos estão sujeitos a IRS, subsumíveis na Categoria G, enquanto mais valias. Note-se que, inversamente ao expendido pela Recorrente a mesma não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, não logrado demonstrar a realidade que alegou, concretamente que as ações em contenda sempre pertenceram à sociedade “V…, Lda”, conforme resulta expresso da factualidade não provada. De relevar, neste concreto particular, que não logra provimento a alegação atinente à falta de demonstração dos pagamentos, porquanto compete à Recorrente estabelecer prova concreta e inequívoca sobre a realidade que alega, concretamente, que nunca auferiu qualquer rendimento adstrito à alienação das participações. Note-se, ademais, que a Recorrente nunca carreou em sede administrativa e em sede judicial prova atinente a esses pagamentos, sendo certo que, as alegadas diligências junto das Instituições Bancárias tiveram na génese um pedido oficioso e fundado no inquisitório por parte do Tribunal a quo. Com efeito, conforme resulta patenteado no probatório foi o próprio julgador que investido dos seus poderes inquisitórios e na busca da descoberta da verdade material, que notificou a Impugnante, ora, Recorrente para proceder à junção “de extratos bancários e cópias dos cheques, comprovativos dos pagamentos da compra das ações da empresa da impugnante.” Acresce que, conforme se afere da resposta do Banco de Portugal plasmada no acervo fático dos autos, não existiu, em concreto, uma negação do requisitado, mas sim uma insusceptibilidade de cumprimento atento o seu âmbito funcional e suas diretrizes de atuação, na medida em que a sua intervenção cinge-se ao apuramento e à liquidação dos saldos parciais e globais de cada instituição de crédito. Ademais, em nada pode relevar neste e para este efeito uma atitude silente, atento a concreta distribuição e valoração do ónus da prova. Logo, competindo o ónus probatório, da factualidade que alega, à Recorrente, tal determina que na falta de demonstração a mesma tem de reverter contra quem está onerado com esse ónus. Mais importa ressalvar que a, alegada, falta de registo em nome de M…, não tem, de todo, a virtualidade que lhe pretende granjear a Recorrente, não só porque, não carreia aos autos qualquer elemento que ateste tal alegação, como a falta de registo não tem qualquer efeito constitutivo, limitando-se a dar publicidade a uma situação jurídica. Sendo certo que, é a própria que atesta tal aquisição e ulterior alienação, não podendo, sem mais, e mediante uma assunção de uma falta de registo inferir-se uma realidade que está em contradição com asserções que a própria atestou e declarou, consubstanciando, em bom rigor, como que um venire contra factum proprium. Ademais, e conforme evidenciado pelo Tribunal a quo e que, ora, se secunda encontrando-nos perante ações ao portador, dimana do teor do artigo 101.º, nº1 do CVM, com a redação à data aplicável que, “os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado.” Preceituando, outrossim, o seu nº2 que “Se os títulos já estiverem depositados junto do depositário indicado pelo adquirente, a transmissão efetua-se por registo na conta deste, com efeitos a partir da data do requerimento do registo.” Logo, não só a alegação atinente à falta de registo não tem o alcance e efeito que a mesma lhe pretende granjear, como a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo não comporta qualquer errónea interpretação do aludido normativo, encontrando-se, ao invés, em conformidade com o preceituado e de harmonia com o recorte fático dos autos. E por assim ser, conclui-se que o Tribunal a quo não procedeu ao aduzido erro de julgamento. Prosseguindo. Vejamos, ora, se a decisão recorrida padece da falta de audição prévia, por previamente ao ato de liquidação não ter sido notificado do Projeto do Relatório. Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para a apreciação da questão. O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado. Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT. De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que: “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) Direito de audição antes da liquidação; b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal; d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção; e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária. 2 - É dispensada a audição: a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável; b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito. 3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado. 4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte. 5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação. 6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria. 7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.” Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que: “1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação. 2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões. 3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo. 4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.” E no concreto particular atinente à presunção das notificações cumpre convocar o consignado no artigo 43.º, nº1, do RCPIT, do qual dimana que: “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.” Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente, que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de que é imposto o direito de audição antes métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento, que culminou nos atos de liquidação, e nas demais situações enunciadas no transcrito nº 2, do artigo 60.º da LGT. Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objeto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projeto da mesma, a sua fundamentação, com todos os elementos que nortearam o apuramento adicional de imposto, o prazo em que o mesmo pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (6) Cfr.Ac. STA, proferidos nos processos nº.21244; rec.684/03, datados de 25.1.00 e 2.7.03; Ac TCAS, processo nº 1510/06, de 17.09.2013 Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg., sendo que no concernente ao projeto de Relatório de Inspeção, há lugar à presunção de notificação, quando expedida por carta registada para o domicílio do sujeito passivo, ainda que atestada a sua devolução. Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (7) cfr.artigo 135, do CPA, então em vigor; Ac.TCAS processo nº 9810/16 e 5428/12, de 27.10.2016 e 9.03.2017.; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437. Neste concreto particular, e no atinente ao âmbito e extensão da notificação e inerentes presunções no decurso do procedimento de Inspeção Tributária, concretamente, audição prévia atinente ao projeto de Relatório, cumpre chamar à colação o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0347/10, de 17 de outubro de 2018, e demais jurisprudência nele convocada, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte: “[s]egundo o disposto no art.º 43º nº 1 do RCPIT «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta». Perante esta inequívoca norma legal, a jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente afirmado que a notificação para efeitos de exercício do direito de audição do projecto de relatório no procedimento de inspecção tributária encontra-se especialmente regulada no RCPIT e perante este diploma é irrelevante a devolução da carta registada em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada sempre que essa devolução haja ocorrido porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para reclamar a carta na estação dos correios, não o fez – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 13/03/2013, no recurso nº 01394/12, de 28/01/2015, no recurso nº 0803/14 e de 15/06/2016, no recurso nº 01863/13 Como se deixou referido no acórdão proferido no recurso nº 01394/12, que analisou caso similar, «Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada. Na verdade, o art.º 43º, nº 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta». Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da factualidade que foi dada como assente – e só dessa nos podemos servir, uma vez que esta Supremo Tribunal Administrativo funciona como tribunal de revista – resulta que o ora Recorrido foi avisado para esse efeito. Na verdade, a fórmula estandardizada que foi referida na alínea C) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário. Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no nº 5 do art.º 39º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali). Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art.º 7.º do CC dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador». Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT, manteve-se inalterado. Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.». Em suma, a falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo espoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT; e porque o destinatário não invocou nem demonstrou a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, nada nos autos permite dar por ilidida a referida presunção.” (destaques e sublinhados nossos). Feitos os considerandos de direito que relevam para o caso dos autos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos. Do probatório dimana inequívoco que a 26 de março de 2018, foi expedido, via carta registada, para o domicílio da Impugnante, ora Recorrente, o ofício n.º 3394, visando a notificação do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, o qual foi devolvido com o averbamento pelos CTT de “objecto não reclamado”, em 9 de abril de 2018. Ora, face ao exposto e atento o quadro legal supra expendido, ter-se-á de concluir que inexiste o arguido vício formal, na medida em que a AT adotou a formalidade prescrita na lei, como visto, carta registada remetida para o domicílio fiscal da Recorrente, sendo irrelevante a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efetuada, porquanto “[a] falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo espoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT; e porque o destinatário não invocou nem demonstrou a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, nada nos autos permite dar por ilidida a referida presunção (8) In Ac. STA, citado, proferido no processo nº 0347/10, de 17.10.2018..” E por assim ser a decisão recorrida que assim o decidiu não merece a censura que lhe é endereçada. Uma última nota para relevar que tal entendimento em nada consubstancia qualquer inconstitucionalidade, na medida em que estando garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, fica, desde logo, afastada qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução (9) Vide, Ac. STA, proferido no processo nº 01394/12, de 13.03.2013. Com efeito, encontrando-nos perante presunção ilidível, alcança-se, desde logo, o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa e inclusive pelo convocado princípio da participação. Ademais, importa relevar que a aludida inconstitucionalidade não se encontra minimamente substanciada. Subsiste, ora, por analisar a questão atinente à caducidade do direito à liquidação. A Recorrente advoga que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter ajuizado que a invocada caducidade do direito de liquidar os impostos não podia ser objecto de apreciação nos presentes autos, na medida em que tal entendimento viola o artigo 588.º do CPC, pois estamos perante um caso excecional que pode e deve ser objecto de apreciação nos presentes autos, pois trata-se de um caso excecional de uma questão de conhecimento oficioso, sendo permitido invocar novos factos ou invocar novos factos ou imputar novos vícios ao ato impugnado. Porém, não lhe assiste razão. Explicitemos, então, porquê. Importa começar por evidenciar que o CPPT não tem norma própria sobre a ampliação e alteração da causa de pedir, dispondo apenas no artigo 108.º do CPPT relativamente aos requisitos da petição inicial, com a redação à data aplicável, que: “1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido. 2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária. 3 - Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.” O CPTA (10) Regime subsidiário prevalente atenta a enumeração do artigo 2.º do CPPT. regulamenta formas específicas de modificação objetiva da instância, as quais têm em vista assegurar a extensão do objeto do processo impugnatório a outros atos administrativos ou contratos que tenham sido praticados na pendência do processo e que se encontrem envolvidos na mesma relação jurídica administrativa ou de alguma forma se conexionem com o ato impugnado (11) Vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe-Comentário ao CPTA, Almedina: 3ª edição revista, 2010, p. 427. (artigo 63.º do CPTA), e bem assim a permitir que o autor prossiga o processo contra o novo ato, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova sempre tenha sido proferido ato revogatório com efeitos retroativos do ato impugnado acompanhado de nova regulação da situação (artigo 64.º, nº1 do CPTA). Como visto, as aludidas situações têm sempre subjacente a prolação de um novo ato administrativo na pendência do processo, sendo que quando exista uma alteração da causa de pedir por existir uma modificação do facto genético do direito que o autor se arroga na ação, mediante a invocação de outros factos concretos que, em substituição dos inicialmente alegados poderão fundamentar o mesmo pedido ou uma ampliação da causa de pedir traduzida no alargamento ou desenvolvimento dos factos integradores da causa de pedir inicialmente apresentada ou na invocação de uma nova causa de pedir que possa igualmente conduzir à procedência do pedido, teremos de convocar o CPC supletivamente aplicável em face do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT. Feito este introito, vejamos como o CPC regulamenta, em concreto, a alteração e ampliação da causa de pedir convocando, para o efeito, os artigos 264.º e 265.º do CPC (anteriores artigos 272.º e 273.º do CPC). Preceitua o referido artigo 264.º, sob a epígrafe de “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo” que: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.” Por seu turno, preceitua o artigo 265.º do CPC relativamente à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo que: “1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação. 2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. 3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva. 4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2. 5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa. 6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.” De convocar, outrossim, o normativo 588.º do CPC a propósito da superveniência, o qual estatui: “1-Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. 2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.” Como doutrina JORGE LOPES DE SOUSA, a “[i]ndicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120 .° do CPPT. Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT). Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136.º, n.º 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir. Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA (e, para os processos anteriores a este diploma, no art. 506.° do CPC), sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.” (12) In Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição:Áreas Editora, 2011, Lisboa, p.209.. (destaques e sublinhados nossos). Ora, face ao supra expendido, ter-se-á de concluir que não tendo o vício da caducidade do direito à liquidação sido alegado na petição inicial apenas e só nas alegações escritas, e não revestindo tal alegação superveniência, quer objetiva, quer subjetiva, nem sendo de conhecimento oficioso, que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial, ter-se-á de concluir que nenhuma censura merece a decisão recorrida quando ajuizou que tal questão não poderia ser apreciada, em nada acarretando a aduzida violação do artigo 588.º do CPC. Neste particular, atente-se no teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 0559/11, de 14 de setembro de 2011 (13) No mesmo sentido vide Ac do TCAS proferido no processo 123/14, de 28.03.2019., cujo sumário se transcreve: “ I- A caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso. II- É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso. III-Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.” E por assim ser, o Tribunal a quo não incorreu no aduzido erro de julgamento, resultando, naturalmente, prejudicada a apreciação do aludido vício, o qual consubstancia um ius novarum. Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, o ato tributário impugnado não padece de nenhum dos vícios arguidos pela Recorrente, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer juízo de censura, devendo, por isso, manter-se. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. LISBOA, 22 de junho de 2023 (Patrícia Manuel Pires) (Hélia Gameiro) (Susana Barreto) |