Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:708/08.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CUSTOS 23.º DO CIRC
INDISPENSABILIDADE VS RAZOABILIDADE
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
COMPRA DE AÇÕES
RELAÇÕES ESPECIAIS
DIREITOS DE AUTOR
56.º DO EBF
Sumário:I - No caso de processos instaurados antes de janeiro de 2012, o novo regime de recursos instituído pela Lei 118/2019, de 17 de setembro, só não se aplica se a decisão tiver sido proferida antes da data de entrada em vigor da lei em causa, ainda que o recurso já seja interposto na sua vigência.
II - Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa.
III - Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
IV - A questão do uso pessoal não constitui, de todo, um facto notório, na medida em que apenas são passíveis de qualificação enquanto tal, e ao abrigo do artigo 412.º do CPC, os que são do conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação, não bastando, contudo, qualquer conhecimento, sendo, portanto, indispensável um conhecimento extenso, ou seja, elevado a tal grau da difusão, que o facto apareça revestido do carácter de certeza, e tal não resultará, de todo, do facto do mesmo ser uma figura pública.
V - São considerados rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS, os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstre, para o efeito, os factos génese (cfr. artigo 5.º do CIRS).
VI - A única presunção legal estabelecida para o efeito, encontra-se plasmada no artigo 6.º, nº4, do CIRS, da qual deriva, desde logo, que a operatividade da mesma pressupõe, ab initio, um registo na conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica.
VII - Inexistindo uma situação subsumível na presunção referida no ponto anterior, caberia à AT demonstrar o quid da qualificação efetuada, sendo que a subsunção e tributação como rendimento da categoria E, tem carácter residual, não ficando, naturalmente, na discricionariedade da AT escolher se um determinado rendimento há-de ser enquadrado e tributado, designadamente, como rendimento da categoria A ou da categoria E.
VIII - O direito de autor tem uma componente patrimonial, a qual serve para legitimar a instituição de uma contrapartida pecuniária, de forma que um terceiro possa utilizar a obra originária, no seu todo ou parcialmente.
IX - Constituindo os benefícios fiscais uma delimitação negativa dos factos tributários que lhe subjazem, era ao Impugnante que competia a prova de que, in casu, os factos se subsumiam no normativo 56.º do EBF
X - Existindo um contrato que não discrimina e individualiza quais as obras que estão abrangidas pelos rendimentos resultantes da propriedade intelectual, quais os programas que estiveram na génese da intitulada produção artística, tal coarta, per se, a possibilidade de se aferir da concreta/casuística criação artística, da individualidade e da marca pessoal do Impugnante, elementos estes que se reputam de vitais para a concreta aferição de obra, e de direitos resultantes da propriedade intelectual.
XI - O alcance do princípio do inquisitório deve ser interpretado considerando as exigências em termos de distribuição do ónus da prova.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por H… (doravante Recorrido ou Impugnante), contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respetivos juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, referentes ao exercício de 2004, no valor global de €164.996,77.


***


A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem:

A. Conforme resulta da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu que a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2004, deveria ser objeto de anulação parcial, porquanto os encargos suportados pela H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA., com imóveis, viagens de férias e embarcações de recreio, no montante global de €93.380,86 e, bem assim, os encargos suportados pela H… – PRODUÇÕES, LDA., com viagens de caráter particular, no montante global de €6.699,00, não poderiam ser qualificados como adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação, em sede de IRS, como rendimentos de capitais (categoria E). De igual modo, a diferença, no valor de €180.780,00, entre a compra das ações da V…, na parte relativa ao ora Impugnante, no valor de €210.000,00 e o valor corrigido na conta Investimento Financeiros, com referência ao ora Impugnante, de €29.220,00, não poderia ser qualificada como adiantamento por conta de lucros pago ao Impugnante enquanto sócio da H… – PRODUÇÕES, LDA;

B. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto entende existir erro de julgamento, de facto e de direito, dado que da prova produzida e levada aos autos da presente impugnação, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida;

C. Conforme resulta do probatório (alínea F)), o Impugnante é sócio gerente das sociedades por quotas, H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e H… – PRODUÇÕES, LDA., as quais foram objeto de ações inpetivas, no âmbito das quais foram feitas correções à matéria tributável, para o que ora releva, decorrentes, da desconsideração, para efeitos fiscais, de determinados custos, em virtude de os mesmos não reunirem os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC.

D. Os aludidos custos suportados pelas referidas sociedades foram realizados em benefício do Impugnante, sócio-gerente.

E. No que concerne aos imóveis, verificaram os serviços de inspeção tributária (SIT) que os mesmos eram, no essencial, utilizados pelo Impugnante a título particular. Com efeito, tais bens encontram-se à disposição do Impugnante e destinam-se ao seu uso pessoal, tendo a IT demonstrado que não se mostrava plausível que sendo a sede da sociedade em Lisboa, se realizassem reuniões/receções com produtores, directores e potenciais clientes em Vilamoura e em Azeitão. Por outro lado, relativamente à consideração de que tais imóveis eram utilizados para a realização de ensaios para espetáculos a solo/com orquestra, verificaram os SIT que “o ensaio do programa H… era efectuado nos estúdios da V…, antes da transmissão do programa em directo” e que quanto ao ensaio de outros programas/espetáculos, “por norma os ensaios realizam-se nos locais próprios de gravação ou realização dos programas/espetáculos”.

F. Acresce que, não se pode olvidar que o Impugnante é uma figura pública, conhecida do público em geral, e que não raras vezes surge nos mais diversos meios de comunicação social nos referidos imóveis, quer em Vilamoura, quer em Azeitão, e bem assim, em embarcações de recreio, onde recebe familiares e amigos, utilizando tais imóveis e meios transporte, a título pessoal. Ora, tal constitui, nos termos do artigo 514.º, n.º 1 do CPC, facto notório, uma vez que é de conhecimento geral no país, pelo cidadão comum com acesso aos meios normais de informação, pelo que a utilização de tais bens pelo Impugnante, a título particular, deveria ter sido considerada facto assente e, nessa medida, ter sido levada ao probatório;

G. No que concerne às viagens pagas pelas referidas sociedades, o próprio Impugnante reconhece que as viagens em que participou constituíam viagens de carácter particular, ou seja, realizadas pelo próprio, no seu interesse e a título pessoal;

H. Ora, verificando-se que as sociedades incorreram em custos, utilizando, para o efeito, as suas disponibilidades financeiras relativas ao exercício em causa (não constando quaisquer elementos que permitam considerar que os aludidos custos tenham sido suportados através de financiamentos obtidos ou de qualquer outro meio que não os resultados do exercício em causa) e que os aludidos custos foram suportados em benefício do sócio gerente, proporcionando-lhe, assim, a obtenção de um rendimento que não resulta da prestação de trabalho, nem do cumprimento de qualquer outro contrato firmado entre as partes, certo se tornava concluir, como fizeram os serviços de inspeção tributária, que tal rendimento seria sujeito a tributação por constituir adiantamento por conta de lucros;

I. Tendo a AT logrado demonstrar os pressupostos de que depende a qualificação do rendimento auferido pelo Impugnante como adiantamento por conta de lucros, em cumprimento do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, impendia sobre o Impugnante, por via da inversão do ónus da prova, demonstrar que o benefício que lhe havia sido atribuído pelas sociedades de que é sócio gerente, teria sido a outro título que não o de adiantamento por conta de lucros, o que não fez;

J. Em face da prova produzida impunha-se concluir que tendo as sociedades incorrido em custos em benefício do sócio, utilizando, para o efeito, as suas disponibilidades financeiras (proveitos), tal corresponde à colocação à disposição do sócio de proveitos da sociedade, os quais devem ser qualificados como adiantamentos por conta de lucros. Pelo que as correções efetuadas pela IT, nos termos das quais foi considerado ter sido obtido rendimento no valor de €100.079,86 (€93.380,86 + €6.699,00), o qual foi relevado para efeitos do seu englobamento em apenas 50%, por aplicação do disposto no artigo 40.º-A do CIRS, não padecem de qualquer vício, não merecendo, assim, a liquidação IRS dali resultante qualquer censura;

K. No que concerne à consideração do valor de €180.780,00 como adiantamento por conta de lucros, sujeito a tributação, em sede de IRS, como rendimento da categoria E, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece, igualmente, de erro de julgamento, ao considerar que, tendo a AT efetuado uma requalificação da operação realizada, impunha-se a observância das condições previstas no n.º 2 do artigo 38.º da LGT;

L. Nunca a AT procedeu à requalificação do negócio, que continuou a ser entendido como compra e venda de ações. Simplesmente, os SIT consideraram que, verificando-se uma situação de relações especiais, o que é alias confirmado na douta sentença recorrida, o preço de venda de ações não se mostrava consentâneo com os valores praticados entre entidades independentes;

M. Verificando-se uma diferença entre o preço de venda das ações, constante do contrato de compra e venda de ações (€70,00/ação), e o preço considerado “normal” se o negócio fosse celebrado entre entidades independentes (€9,74/ação), entenderam os serviços inspetivos que a mesma configurava um rendimento do ora Impugnante subsumível no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea h) do CIRS;

N. Não tendo a AT procedido a qualquer requalificação do negócio de compra e venda de ações, nem considerado que o referido negócio era ineficaz, não tinha que proceder à verificação dos requisitos de que depende a aplicação do disposto no artigo 38.º da LGT;

O. Verificando-se que a liquidação de IRS ora impugnada não padece de qualquer vício, devendo ser mantida na ordem jurídica, deve igualmente ser mantida a liquidação de juros compensatórios impugnada, enquanto ato consequente da liquidação de IRS impugnada e por verificação dos requisitos previstos no artigo 35.º da LGT;

P. Mostrando-se devida, como vimos, quer a liquidação adicional IRS, quer a liquidação de juros compensatórios, inexiste qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não se mostram devidos quaisquer juros indemnizatórios, padecendo a decisão recorrida, igualmente, nesta matéria, de erro de julgamento ao ter considerado serem devidos ao Impugnante juros indemnizatórios;

Q. Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo, ao contrário do decidido, ter considerado que o ato de liquidação IRS não padecia de qualquer vício, mostrando-se devida a totalidade do imposto apurado, tal como não padecia de qualquer vício a liquidação de juros compensatórios impugnada, mostrando-se a mesma em conformidade com o artigo 35.º da LGT;

R. Ao não ter decidido desta forma, incorreu o Venerando Tribunal a quo em erro de julgamento, de facto e de direito, por inadequada valoração da matéria de facto e errónea interpretação e aplicação dos dispositivos legais aplicáveis, nomeadamente do n.º 1 e 2, alínea h), do artigo 5.º do CIRS e do artigo 35.º da LGT;

S. Em face do exposto, e por enfermar de erro de julgamento, de facto e de direito, deve a sentença recorrida ser revogada, na parte recorrida, determinando-se a total improcedência da impugnação, com as legais consequências.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta decisão, na parte recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


***


O Recorrido devidamente notificado para o efeito, contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

“A) Na sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo:

i.) Julgou procedente a presente impugnação judicial na parte relativa aos encargos com imóveis, viagens e embarcações de recreio suportados pela H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e pela H…– PRODUÇÕES, LDA., considerando que a ora Recorrente não demonstrou estarem preenchidos os pressupostos de que depende a tributação desses valores na esfera jurídica do Recorrido nos termos do artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h), do CIRS;

ii.) Julgou procedente a presente impugnação judicial na parte decorrente da requalificação como adiantamento por conta de lucros da diferença entre o preço pago pela H… – PRODUÇÕES, LDA. ao Recorrido pela venda das acções da V… ENTRETENIMENTO, S.A. e o preço considerado pela Administração Tributária como adequado a essa operação;

iii.) Julgou improcedente a presente impugnação judicial na parte relativa à desaplicação do benefício fiscal previsto no artigo 56.º do EBF aos rendimentos decorrentes da cessão e promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor e de direitos conexos à H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e à H…– PRODUÇÕES, LDA.;

B) Discordando da sentença quanto aos pontos i.) e ii.) supra, a Digna Representante da Fazenda Pública apresentou recurso jurisdicional para esse Douto Tribunal ad quem. Paralelamente, vem o Recorrido apresentar recurso subordinado da decisão na parte relativa à qualificação como direitos de autor dos rendimentos auferidos da H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e da H… – PRODUÇÕES, LDA.;

C) Resulta do artigo 13.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que aos recursos de sentenças proferidas após 16 de Novembro de 2019 em acções interpostas antes de 1 de Janeiro de 2012 se aplicam os artigos 280.º, n.º 1, e 282.º, n.º 1, do CPPT na redacção vigente antes da entrada em vigor dessa Lei;

D) A Recorrente dispunha do prazo de dez dias após a notificação da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo para interpor o presente recurso, sob pena de a decisão transitar em julgado, tornando-se definitiva;

E) As partes foram notificadas da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo a 19 de Fevereiro de 2021, pelo que dispunham de prazo para apresentar um requerimento de interposição de recurso até ao dia 1 de Março de 2021 (ou, no limite, até ao dia 4 de Março de 2021, caso em que a validade do acto estaria dependente do pagamento da correspondente multa, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex-vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT);

F) A Recorrente não declarou a sua intenção de recorrer de forma processualmente adequada dentro desse prazo, motivo pelo qual a sentença recorrida transitou em julgado, sendo manifestamente intempestivo o presente recurso, que por isso não deverá ser admitido por esse Douto Tribunal ad quem;

G) A argumentação da Recorrente para sustentar a legalidade dos actos tributários anulados pelo Douto Tribunal a quo é juridicamente inadmissível, decorrendo da intromissão desta nas opções de gestão da H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e, em concreto, da tomada de posição acerca da conveniência comercial dessas mesmas opções;

H) A Recorrente incorre em vício de raciocínio quando confunde a pretensa não dedutibilidade de custos na esfera jurídica da H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. com a possibilidade de tributação dos mesmos como rendimentos auferidos pelo sócio e, por essa via, conclui que os encargos suportados pela Sociedade com imóveis e embarcações de recreio no ano de 2004 – por alegadamente não serem dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC – visaram beneficiar pessoalmente o ora Recorrido;

I) A Recorrente não justificou, no âmbito do procedimento que precedeu a prolação dos actos tributários impugnados, a suposta relação de causa-efeito alegadamente existente entre essas premissas, pelo que as liquidações sub judice padecem de falta de fundamentação nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 77.º da LGT e 36.º do CPPT;

J) Nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, impende sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que os custos suportados pela H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. beneficiaram pessoalmente o Recorrido, prova essa que não fez, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura;

K) Com o aparente intuito de justificar o incumprimento do ónus da prova sobre si impendente, a Recorrente sustenta pela primeira vez nas alegações de recurso que a utilização dos bens em causa pelo Recorrido a título pessoal é um facto notório porque amplamente divulgado nos meios de comunicação social, não carecendo por isso de prova;

L) A fundamentação deve, de acordo com os artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT, ser contemporânea do acto a que respeita, ficando definitivamente cristalizada a partir do momento em que esse acto é concretizado e não podendo em momento posterior – em particular, em sede de controlo judicial da legalidade desse mesmo acto –, ser aduzido qualquer outro fundamento para sustentar a respectiva legalidade;

M) Assim, mesmo que se tratasse de um facto notório – no que não se concede, admitindo-se apenas por dever de patrocínio –, nunca o mesmo poderia ser pela primeira vez invocado pela Recorrente em sede de recurso para sustentar a legalidade do acto tributário impugnado;

N) Contrariamente ao que pretende a Recorrente, mesmo que se identificassem notícias que aludissem à suposta utilização dos bens em causa pelo Recorrido a título particular em 2004 – no que não se concede –, as mesmas seriam insusceptíveis de elevar tal facto à categoria de facto notório, quer porque a veracidade do seu conteúdo estaria por demonstrar, quer porque a generalidade da sua difusão seria insusceptível de ser confirmada volvidos que estão dezassete anos;

O) Considerando (i) que a Recorrente não demonstrou a utilização dos bens em causa pelo Recorrido e (ii) que esse facto carecia de prova – impendendo o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, precisamente sobre a Recorrente –, necessariamente se conclui que bem andou o Douto Tribunal a quo quando considerou não estarem preenchidos os pressupostos de que dependia a tributação dos encargos suportados pela H…– P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. com imóveis e embarcações de recreio nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS;

P) Ainda que estivesse demonstrada a utilização dos bens em causa pelo Recorrido a título pessoal – no que não se concede, admitindo-se apenas por dever de patrocínio –, sempre seria inadmissível a tributação das despesas suportadas pelas duas Sociedades a título de adiantamentos por conta de lucros, na medida em que não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS;

Q) Inexistindo base legal para presumir serem os referidos rendimentos passíveis de qualificação como adiantamentos por conta de lucros ao abrigo do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS e serem, por conseguinte, tributáveis em sede de IRS no âmbito da categoria E, cabia à ora Recorrente demonstrar os pressupostos de aplicação do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS, isto é, comprovar (i) a existência de lucros e (ii) que tais lucros foram colocados à disposição do Recorrido;

R) Assim, os custos incorridos pela H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e pela H… – PRODUÇÕES, LDA., com imóveis, viagens e embarcações de recreio, nos montantes globais de EUR 93.380,86 e EUR 6.699,00, são insusceptíveis de tributação em sede de IRS no âmbito da categoria E, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRS, uma vez que a Recorrente não logrou demonstrar a verificação de nenhum dos dois pressupostos de que depende a aplicação desta norma;

S) Inexiste qualquer base legal que justifique a requalificação do montante de EUR 180.780,00 – alegadamente correspondente à diferença entre o montante recebido pelo Recorrido pela venda das acções da V… ENTRETENIMENTO, S.A. à H… – PRODUÇÕES, LDA. e o valor de mercado dessas mesmas acções – como adiantamentos por conta de lucros, enquadráveis no artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h), do CIRS;

T) De acordo com o relatório final de inspecção e com a contestação apresentada pela Recorrente nestes autos, tal requalificação decorreu da aplicação do disposto no artigo 58.º, n.º 11, do CIRC, sendo certo que, como bem decidiu o Douto Tribunal a quo, tal normativo legal permitiria apenas – no limite e preenchidos certos pressupostos – a correcção do lucro tributável do Recorrido (e nunca a tributação de qualquer valor como rendimento da categoria E);

U) A requalificação deste montante como rendimento da categoria E pressuporia a aplicação pela Administração Tributária da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT (através do procedimento específico ínsito no artigo 63.º, n.º 1, do CPPT), sendo certo que a Recorrente refere expressamente nas suas alegações de recurso que não foi aplicada esta cláusula;

V) Uma vez que a Recorrente afasta expressamente a aplicação da cláusula geral anti-abuso ao caso dos autos, e estando sobejamente demonstrado que tal correcção não pode ter-se fundado no artigo 58.º, n.º 11, do CIRC, dúvidas não subsistem de que a liquidação de IRS impugnada é ilegal, nada havendo a apontar à sentença recorrida;”


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O Recorrido interpôs recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) Na sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo:

i.) Julgou procedente a presente impugnação judicial na parte relativa aos encargos com imóveis, viagens e embarcações de recreio suportados pela H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e pela H… – PRODUÇÕES, LDA., considerando que a ora Recorrente não demonstrou estarem preenchidos os pressupostos de que depende a tributação desses valores na esfera jurídica do Recorrido nos termos do artigo 5.º, n.os 1 e 2, alínea h), do CIRS;

ii.) Julgou procedente a presente impugnação judicial na parte decorrente da requalificação como adiantamento por conta de lucros da diferença entre o preço pago pela H… – PRODUÇÕES, LDA. ao Recorrido pela venda das acções da V…ENTRETENIMENTO, S.A. e o preço considerado pela Administração Tributária como adequado a essa operação;

iii.) Julgou improcedente a presente impugnação judicial na parte relativa à desaplicação do benefício fiscal previsto no artigo 56.º do EBF aos rendimentos decorrentes da cessão e promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor e de direitos conexos à H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e à H… – PRODUÇÕES, LDA.;”

(…)

“W) Tendo sido confrontado com a interposição de recurso pela Digna Representante da Fazenda Pública, o Recorrido pretende também reagir do segmento decisório que indeferiu a sua pretensão, i.e., da parte relativa aos rendimentos provenientes da cessão e promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor à H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA. e à H…– PRODUÇÕES, LDA., razão pela qual interpõe recurso subordinado nos termos do artigo 633.º do CPC;

X) Caso esse Douto Tribunal ad quem admita o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública, deverá igualmente admitir o recurso subordinado do Recorrido, porquanto o mesmo é tempestivo, o Recorrido tem legitimidade e interesse em agir;

Y) A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou legal a requalificação pela Administração Tributária do montante global de EUR 248.823,26 – declarado pelo Recorrido como rendimento proveniente de direitos de autor (categoria B) e, nessa medida, englobado em apenas 50% do seu valor nos termos do artigo 56.º do EBF – como rendimento da categoria A integralmente sujeito a imposto;

Z) Atentando no teor do contrato celebrado entre o Recorrido e a H… – P… GESTÃO DE INVESTIMENTOS, LDA., é possível identificar claramente o objecto da promessa de cessão: são todos os argumentos elaborados pelo Recorrido para interpretação em programas de entretenimento, de variedades e shows e, bem assim, todas as interpretações e representações realizadas pelo Recorrido entre 1 de Janeiro de 1996 e 1 de Janeiro de 2006;

AA) Assim, contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal a quo, inexiste qualquer dúvida quanto ao conteúdo das obras cuja promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor justificou a remuneração recebida pelo Recorrido em 2004, estando as mesmas suficientemente identificadas para que sejam confirmadas as respectivas autoria e originalidade;

BB) É inquestionável que os argumentos e interpretações referenciados no contrato-promessa de cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de autor e direitos conexos celebrado entre a H... – P… ESPECTÁCULOS, LDA. e o Recorrido correspondem, à luz do CDADC, a obras: os argumentos, a obras originais; as interpretações, a obras equiparadas a originais;

CC) Já no que respeita aos rendimentos pagos ao Recorrido pela H… – PRODUÇÕES, LDA., a ausência de um clausulado contratual escrito entre as partes não inviabiliza ou altera a natureza dos rendimentos em questão como decorrentes da cessão de direitos patrimoniais de autor, sendo certo que a Administração Tributária não realizou, no âmbito da acção de inspecção que precedeu a prolação dos actos tributários impugnados, quaisquer diligências tendentes ao apuramento do circunstancialismo subjacente à percepção dos rendimentos em causa;

DD) A Administração Tributária não solicitou sequer ao Recorrido qualquer informação adicional sobre as obras concretamente cedidas ou prometidas ceder à H… – P… ESPECTÁCULOS, LDA. e à H… – PRODUÇÕES, LDA., o que, considerando ser tal elemento necessário para controlo da concessão do benefício fiscal, não só poderia como deveria ter feito ao abrigo dos artigos 58.º e 59.º da LGT;

EE) Uma vez que a lei não faz depender a concessão do benefício fiscal previsto no artigo 56.º do EBF da identificação concreta a priori de cada obra cedida ou prometida ceder, e não tendo a Administração Tributária solicitado ao Recorrido quaisquer informações adicionais tendentes a essa identificação, é evidente, à luz do disposto no artigo 14.º, n.º 2 da LGT, que o Recorrido não incumpriu qualquer ónus da prova sobre si impendente;

FF) Beneficiando as declarações do contribuinte de uma presunção de veracidade nos termos do artigo 75.º da LGT e não constando da lei qualquer exigência quanto à concreta individualização das obras cuja cessão ou promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor ocasiona a percepção de rendimentos, a requalificação dos mesmos só será justificada caso a Administração Tributária identifique elementos que indiciem a incorrecção da informação declarada pelo Recorrido;

GG) Assim, tendo o Recorrido declarado que os rendimentos em causa eram provenientes de direitos de autor – facto que foi inclusivamente confirmado pela entidade pagadora dos mesmos e que se encontra, quanto à H.. – P… ESPECTÁCULOS, LDA., suportado num contrato celebrado no ano de 1996, i.e., muito antes da acção inspectiva que precedeu os presentes autos – e inexistindo qualquer fundamento que justifique a inversão do ónus da prova, é totalmente inadmissível a requalificação desses rendimentos efectuada pela Administração Tributária e materializada nos actos tributários impugnados, os quais deveriam assim ter sido anulados pelo Douto Tribunal a quo;

HH) Padecendo a liquidação adicional de imposto e juros compensatórios acima referida do vício de violação de lei, como amplamente ficou demonstrado, assiste ao ora Recorrido o direito ao reembolso do montante indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios com fundamento em erro imputável aos serviços da Administração Tributária, tudo de acordo com os artigos 100.º e 43.º, n.º 1, da LGT.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deverá esse Douto Tribunal ad quem julgar inadmissível o recurso apresentado pela Digna Representante da Fazenda Pública, dada a sua manifesta intempestividade ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT na redacção aplicável. Subsidiariamente, deverá tal recurso ser julgado totalmente improcedente, na medida em que a sentença recorrida não padece dos erros de julgamento apontados pela Digna Representante da Fazenda Pública, devendo por isso ser plenamente mantida na ordem jurídica, com as demais consequências legais.

Paralelamente, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que, admitindo o recurso interposto pelo Recorrido, o julgue totalmente procedente, anulando integralmente os actos tributários impugnados.

Requer-se ainda a esse Douto Tribunal ad quem que condene a Fazenda Pública no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso apresentado pela DRFP.

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A 21 de novembro de 2022, foi prolatado despacho por forma a assegurar o contraditório relativamente à extemporaneidade do recurso e bem assim para efeitos de cumprimento das formalidades consignadas no artigo 638.º, nº5 do CPC, mantendo-se o DRFP silente.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

A. O Impugnante é sujeito passivo de IRS, encontrando-se enquadrado na actividade de artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão (cf. docs. 1 e 2, juntos com a p. i., a fls. 81 e segs. e 115 e segs.);

B. Em cumprimento das Ordens de serviço n.ºs 0I200702963/4/5, respectivamente para os exercícios de 2003, 2004 e 2005, o Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção de âmbito geral (Pnait 322,16), que se iniciou com as assinaturas das Ordens de serviço em 18 de Julho de 2007 e terminou com a assinatura da nota de diligência em 17 de Outubro de 2007 (Idem);

C. Como resultado da acção inspectiva, foram efectuadas correcções meramente aritméticas à matéria tributável, no montante global de € 405.295,44, as quais deram origem à liquidação de IRS n.º 2007 5004623733, de 14 de Dezembro de 2007, relativa ao ano de 2004, no valor a pagar de € 111.068,42 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2007 00002040442, de 17 de Dezembro de 2007, no montante de € 10.477,29 e, bem assim, à demonstração de acerto de contas n.º 2007 00001362909, de 17 de Dezembro de 2007, relativa ao ano de 2004, com saldo a pagar de € 164.996,77 (Idem e docs. 3, 4 e 5, juntos com a p. i. a fls. 315, 317 e 319, respectivamente);

D. O Impugnante foi, ainda, notificado da mesma liquidação de IRS n.º 2007 5004623733, de 14 de Dezembro de 2007, relativa ao ano de 2004, mas com valor a pagar de € 108.179,37 e respectivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2008 00000015491/2, de 29 de Janeiro de 2008, no montante total de € 7.588,24 e, bem assim, da demonstração de acerto de contas n.º 2008 00000021514, de 29 de Janeiro de 2008, relativa ao ano de 2004, com a referência a um total de € 51.537,05 e a um saldo apurado de € 0,00 (cf. docs. 8, 9 e 10, juntos com a p. i. a fls. 325, 327 e 329, respectivamente);

E. Em 30 de Janeiro de 2008, o Impugnante procedeu ao pagamento do montante de € 113.459,72, relativo à demonstração de acerto de contas referida na letra C supra (cf. doc. 11, junto com a p. i. a fl. 331);

F. Pode, entre o mais, ler-se no Relatório de inspecção (cf. docs. 1 e 2, juntos com a p. i.):


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G. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos anexos ao Relatório de inspecção, designadamente do anexo 17, contendo “Contrato de promessa de cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de autor de obra futura e direitos conexos” e respectivo “Aditamento”, com o seguinte teor essencial:

CLÁUSULA 1.ª
O PRIMEIRO CONTRAENTE é:
a) criador e autor de argumentos escritos destinados a serem interpretados, por ele ou por terceiros, designadamente em programas de entretenimento, programas de variedades e shows.
b) actor, representando e interpretando obras literárias escritas por ele ou por terceiros.
CLÁUSULA 2.ª [na redacção conferida pelo Aditamento]
1. Os argumentos escritos, referidos na alínea a) da cláusula anterior e incluídos no objecto do presente contrato, adiante designados por ARGUMENTOS, são aqueles que o PRIMEIRO CONTRAENTE realizar no período de 10 anos a contar de 1 de Janeiro de 1996.
2. As interpretações, representações como actor, referidas na alínea b) da cláusula anterior e abrangidas pelo objecto do presente contrato, adiante designadas por INTERPRETAÇÕES, são aquelas que o PRIMEIRO CONTRAENTE realizar no período de 10 anos a contar de 1 de Janeiro de 1996.
CLÁUSULA 3.ª
A SEGUNDA CONTRAENTE é uma empresa de promoção de espectáculos e publicidade.
CLÁUSULA 4.ª
O presente contrato tem por objecto a promessa de celebração de um contrato de cessão e aquisição dos direitos patrimoniais de Autor e direitos conexos sobre os ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES.
1. O PRIMEIRO CONTRAENTE promete ceder ao SEGUNDO CONTRAENTE, que reciprocamente lhe promete adquirir, os direitos patrimoniais de Autor e direitos conexos relativos aos ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES, adiante designados por direitos patrimoniais.
2. O PRIMEIRO CONTRAENTE autoriza a SEGUNDA CONTRAENTE a explorar os direitos patrimoniais relativos aos ARGUMENTOS e INTERPRETAÇÕES à medida que forem criadas e interpretadas – mesmo que o contrato definitivo ainda não tenha sido celebrado – mediante o pagamento imediato da quantia correspondente a 12,5% (doze e meio por cento) dos rendimentos auferidos no decorrer do ano de 1996, pela SEGUNDA CONTRAENTE, com a exploração dos direitos patrimoniais.
b. O pagamento referido na alínea anterior será realizado através da Sociedade Portuguesa de Autores.
CLÁUSULA 5.ª
1. A SEGUNDA CONTRAENTE fica, assim, pelo presente autorizada a livremente:
a) Realizar ou produzir programas, adiante referidos por programas, com base nos ARGUMENTOS ou INTERPRETAÇÕES do PRIMEIRO CONTRAENTE.
b) A proceder à adaptação cinematográfica, radiofónica ou televisiva dos ARGUMENTOS ou INTERPRETAÇÕES.
c) Transmitir os programas utilizando qualquer tipo de sistema de televisão, de rádio ou por qualquer meio, actualmente conhecido ou posteriormente criado, incluindo a transmissão por via hertziana, por satélite, os sistemas por fio ou por cabo, sistemas de recepção por encomenda, em circuito fechado ou não, codificados ou não, no radiodifusor ou no estrangeiro, para a apresentação visual pública ou privada.
d) Reproduzir, total ou parcialmente, quaisquer suportes audiovisuais dos ARGUMENTOS, INTERPRETAÇÕES ou programas.
e) Adaptar ou efectuar outras modificações dos ARGUMENTOS ou INTERPRETAÇÕES conforme as exigências dos programas e a utilização na sua totalidade ou sob forma de extractos.
f) Efectuar todo o tipo de comunicação ao público ou a execução pública dos programas incluindo a sua apresentação em festivais, em acções com fins promocionais ou pedagógicos ou no cinema.
g) Traduzir os ARGUMENTOS noutras línguas, incluindo a dobragem e a legendagem.
h) Mandar representar ou interpretar por terceiros os ARGUMENTOS.
i) Utilizar, no todo ou em parte, os ARGUMENTOS ou INTERPRETAÇÕES para fins publicitários.
2. A SEGUNDA CONTRAENTE poderá, pelo presente, autorizar a terceiros qualquer uma das formas de exploração acima identificadas.
CLÁUSULA 6.ª
As importâncias referidas no corpo da cláusula 4.2 serão deduzidas do preço da cessão e aquisição dos direitos patrimoniais.
CLÁUSULA 7.ª
1. Caso não se venha a celebrar a escritura por falta imputável ao PRIMEIRO CONTRAENTE, a SEGUNDA CONTRAENTE poderá exigir a devolução, em dobro, do sinal já pago.
2. Caso não se venha a celebrar a escritura por falta imputável à SEGUNDA CONTRAENTE, esta perderá o sinal já pago.
CLÁUSULA 8.ª
A escritura de cessão de direitos patrimoniais será celebrada em dia e hora e notário a indicar, por carta registada com aviso de recepção, com oito dias de antecedência por qualquer uma das partes.
CLÁUSULA 9.ª
Enquanto não for celebrada a escritura de cessão de direitos patrimoniais vigorará plenamente o estipulado no presente contrato.
CLÁUSULA 10.ª
O presente contrato poderá ser alterado por acordo das partes podendo a iniciativa caber a qualquer destas, devendo, para o efeito, as alterações constar de aditamento que dele passará a fazer parte integrante.(…)”;

H. Em 30 de Dezembro de 2004, foi emitido recibo modelo n.º 6 (artigo 115.º do CIRS), com o seguinte teor (cf. doc. 12, junto com a p. i.):


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I. A p. i. da presente impugnação judicial foi enviada a juízo via correio registado em 22 de Abril de 2008 (cf. carimbo dos CTT aposto a fl. 336);

J. Por despacho de 8 de Abril de 2009, foram os actos de liquidação impugnados, referidos na letra C supra, parcialmente revogados, na parte relativa à “dedução do benefício fiscal, no montante de 23,95 EURO (valor correspondente a 50% dos rendimentos da propriedade intelectual disponibilizados pela referida sociedade, num total de € 47,90), a que os rendimentos disponibilizados pela E… Música, Lda. (EMI), terão direito, nos termos do actual artigo 58.° do EBF” (cf. despacho concordante com a informação prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, junta com a contestação).”


***


A sentença recorrida não exarou factualidade não provada.

***


A decisão recorrida consignou como motivação da matéria de facto o seguinte:

“Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos juntos com a p. i. e constantes do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, tal como referido em cada letra do probatório.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, mormente, para efeitos da apreciação da tempestividade do recurso, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

K) A 08 de fevereiro de 2021, foi proferida sentença no âmbito dos presentes autos (cfr. sentença com a referência 004192955 na plataforma SITAF);

L) A 16 de fevereiro de 2021, foi expedida notificação eletrónica ao DRFP e ao Impugnante visando a notificação da decisão referida na alínea antecedente (cfr. notificações com as referências 004192958 e 004192959 na plataforma SITAF);

M) Na sequência da notificação da sentença referida na alínea anterior, o DRFP interpôs, a 17 de março de 2021, recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal, com as respetivas alegações (cfr. recurso com a referência 00419296700, na plataforma SITAF);

***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente DRFP não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, do ano de 2004, respeitante às quantias objeto de tributação enquanto adiantamento por conta de lucros, mediante subsunção normativa no artigo 5.º, nºs 1 e 2, alínea h), do CIRS.

Por seu turno, o Impugnante apresentou contra-alegações e interpôs, igualmente, recurso subordinado, arguindo, desde logo, a extemporaneidade da interposição do recurso da DRFP, e contestando a improcedência atinente às verbas pagas pela H…-P… Gestão de Investimentos, Lda. (H…) e H… – Produções, Lda. (HZ…), enquanto direitos de autor.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

Ø Primeiramente, se o recurso interposto pela DRFP foi, efetivamente, apresentado após o decurso do prazo legal para o efeito, na medida em que, procedendo esta arguição, fica, outrossim, inviabilizada a apreciação do recurso subordinado, atenta a sua estrita dependência;

Ø Improcedendo a aludida extemporaneidade, e relativamente ao recurso da DRFP, se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento:

o ao ter entendido que não se encontram demonstrados os pressupostos para que os gastos incorridos pela H…, no montante de €93.380,86 e pela HZ… no montante de €6.699,00, sejam tributados enquanto adiantamento por conta de lucros, com subsunção na Categoria E;

o relativamente à diferença, no valor de €180.780,00, respeitante à compra das ações da V…, porquanto, assumem, efetivamente, o qualificativo de adiantamento por conta de lucros, tributados, portanto, enquanto Rendimento de Capitais.

Ø Relativamente ao recurso subordinado do Impugnante, se o Tribunal a quo decidiu, com desacerto, quanto à insusceptibilidade de qualificação dos rendimentos pagos ao Impugnante pela H..., no montante de € 178.823,26 e pela HZ..., no montante de €70.000,00, enquanto direitos de autor, incorrendo, assim, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Apreciando.

Comecemos, então, pela arguida extemporaneidade do recurso interposto pela DRFP.

Alega o Impugnante, que resulta do artigo 13.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que aos recursos de sentenças proferidas após 16 de novembro de 2019, em ações interpostas antes de 1 de janeiro de 2012 se aplicam os artigos 280.º, n.º 1, e 282.º, n.º 1, do CPPT na redação vigente antes da entrada em vigor dessa lei, o que significa que dispunha do prazo de dez dias após a notificação da sentença proferida para interpor o competente recurso.

Densificando, depois, que tendo as partes sido notificadas da sentença a 19 de fevereiro de 2021, dispunham de prazo para apresentar um requerimento de interposição de recurso, no limite, até ao dia 4 de março de 2021, (artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex-vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Começando por convocar o regime jurídico, com a respetiva sucessão legal que ao caso releva.

Preceituava o normativo 280.º do CPPT, antes da alteração introduzida pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro, o seguinte:

“1-Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”

Mais estatuía o normativo 282.º, números 1 a 3, que:

“1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.
2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.
3 - O prazo para alegações a efectuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.”

Ora, da interpretação conjugada dos citados normativos, dimana que a interposição de recursos relativos a sentenças de impugnação judicial, como in casu, implicava dois momentos distintos, a saber: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, requerimento a declarar tal intenção, sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso, e um segundo, após ser proferido despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações, no prazo de 15 dias.

Contudo, a aludida Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, que entrou em vigor a 16 de novembro de 2019, conforme resulta inequívoco do artigo 14.º, alterou de forma significativa o regime de recursos previsto no CPPT, passando, assim, a consignar no citado artigo 282.º do CPPT, o seguinte:

“1 - O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida.
2 - O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões.
3 - Recebido o requerimento, a secretaria promove oficiosamente a notificação do recorrido e do Ministério Público, salvo se este for recorrente, para alegações no prazo de 30 dias.”

Do cotejo destas redações, dimana, desde logo, inequívoco que a redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, procedeu à alteração do regime de recursos em termos similares aos já constantes quer do processo administrativo quer do processo civil, sendo que no atinente à aplicação da lei no tempo, concretamente em matéria de recursos, o artigo 13.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, prescrevia o seguinte:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:
(…) c) Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplicam-se as alterações às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais”.

Porém, não se afigurando, suficientemente, claro o aludido normativo, e tendo sido objeto de imediata crítica, foi objeto de alteração pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, passando a prescrever o seguinte:

“1 - As alterações efetuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual, são imediatamente aplicáveis, com as seguintes exceções:
(…) c) Aos recursos interpostos em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2012, aplica-se o regime legal:
i) Na redação conferida pela presente lei às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida a partir da entrada em vigor da presente lei;
ii) Na redação anterior à presente lei, quanto às normas relativas aos recursos dos atos jurisdicionais, se a decisão for proferida antes da data de entrada em vigor da presente lei, mesmo que, neste caso, o recurso seja interposto posteriormente à sua entrada em vigor”.

Significa isto que, no caso de processos instaurados antes de janeiro de 2012, o novo regime só não se aplica se a decisão tiver sido proferida antes da data de entrada em vigor da lei em causa, ainda que o recurso já seja interposto na sua vigência (1-Vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 124/10, de 10.02.2022.).

Visto o direito que releva, regressemos ao caso vertente.

In casu, a presente ação foi deduzida a 23 de abril de 2008, sendo que a sentença foi prolatada a 08 de fevereiro de 2021, com expedição de notificação eletrónica a 16 de fevereiro de 2021, presumindo-se, assim, a sua notificação a 19 de fevereiro de 2021, logo dispunha a Recorrente do prazo de trinta dias para interposição de recurso os quais expiravam a 22 de março de 2021.

Ora, tendo o DRFP interposto recurso, a 17 de março de 2021, é o mesmo tempestivo, carecendo, por isso, de razão o Impugnante.


***


Prosseguindo, ora, com o Recurso da DRFP, referente à qualificação dos gastos incorridos pela H..., com imóveis, viagens de férias e embarcações de recreio, no montante de € 93.380,86 e pela HZ..., com viagens, alegadamente, de carácter particular, no montante de € 6.699,00, como adiantamentos por conta de lucros, tributáveis, em sede de IRS, como rendimentos de capitais (categoria E).

E bem assim respeitante à diferença, no valor de €180.780,00, entre a compra das ações da V…, na parte relativa ao ora Impugnante, no valor de €210.000,00 e o valor corrigido na conta Investimento Financeiros, com referência ao ora Impugnante, de €29.220,00.

Ab initio, cumpre relevar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, na medida em que a alegação constante em F), não contempla, tão-pouco, a roupagem do facto a aditar. Sem embargo, sempre se dirá, e conforme analisaremos em sede própria, que tal asserção em nada pode ser entendida como um facto notório.

Estabelecido este introito e delimitação objetiva, cumpre, então, atentar nas alegações das partes.

Alega a Recorrente que o Impugnante é sócio gerente das sociedades por quotas, H... e HZ..., que os custos suportados pelas referidas sociedades foram realizados em benefício do Impugnante, sócio-gerente, e no que concerne aos bens imóveis os mesmos eram utilizados pelo Impugnante a título particular não reunindo, assim, tais despesas os requisitos previstos no artigo 23.º do CIRC.

Evidenciando, outrossim, que não se mostra plausível que sendo a sede da sociedade em Lisboa, se realizassem reuniões/receções com produtores, diretores e potenciais clientes em Vilamoura e em Azeitão.

Aduzindo, ademais, que é um facto notório, do conhecimento geral no país, a utilização de tais bens pelo Impugnante, a título particular.

Concluindo, assim, que sendo inequívoco que as sociedades incorreram nesses custos, e que os mesmos foram suportados em benefício do sócio gerente, proporcionando-lhe, assim, a obtenção de um rendimento o mesmo tem de ser tributado e subsumido enquanto adiantamento por conta de lucros.

Dissente a Recorrida, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que a AT não fez prova dos pressupostos legais para efeitos de subsunção normativa no artigo 5.º, nºs 1 e 2, alínea h), do CIRS, apartando, outrossim, o juízo de entendimento quanto à concreta suscetibilidade do uso pessoal dos imóveis ser um facto notório. Neste concreto particular, ajuíza que mesmo que se identificassem notícias que aludissem à suposta utilização dos bens em causa pelo Recorrido a título particular em 2004 – no que não se concede –, as mesmas seriam insuscetíveis de elevar tal facto à categoria de facto notório, quer porque a veracidade do seu conteúdo estaria por demonstrar, quer porque a generalidade da sua difusão seria insuscetível de ser confirmada volvidos que estão dezassete anos.

O Tribunal a quo, neste concreto particular, esteou a improcedência relevando, desde logo, que “[é] entendimento dominante da jurisprudência que a Administração Tributária não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade ou razoabilidade da despesa, “sob pena de se tratar de uma ingerência na liberdade e autonomia de gestão da sociedade” (cf. acórdão do TCA Sul de 31 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 7424/14, disponível em www.dgsi.pt), como sejam juízos de valor como os de que “não se vislumbra porque é que os locais de reunião/recepção (…) se situam em Vilamoura e Azeitão”, “não nos parece aceitável, considerando o ponto de vista empresarial, a aquisição e manutenção de dois apartamentos e uma quinta, com todos os encargos associados, a serem utilizados como produção criativa” ou “por norma os ensaios realizam-se nos próprios locais de gravação ou realização dos programas/espectáculos” (cf. letra F do probatório), bem sabendo a Administração Tributária, sendo, aliás, facto público e notório, que a actividade das sociedades H... e HZ... se centra sobremaneira na criação e prestação artística do seu sócio, ora Impugnante, o que lhe exigiria a enunciação de outro tipo de “filtros”, mais objectivos e ligados às circunstâncias e especificidades do caso concreto.”

Advogando, adicionalmente, que “[s]ão situações diferentes a desconsideração de custos ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC e a sua qualificação como adiantamento por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º, n.°s 1 e 2, alínea h), do CIRS.”

Vejamos, então, começando por convocar a fundamentação contemporânea do Relatório de Inspeção Tributária.

Do teor do aludido Relatório de Inspeção Tributária, resulta que na sequência de pedido de esclarecimentos quanto à finalidade e utilização dos bens imóveis em contenda, veio o Recorrido esclarecer que os mesmos se encontram afetos à atividade da empresa servindo, essencialmente, as seguintes finalidades:

i. Local de trabalho do Impugnante, onde este dispõe de espaços próprios para produção criativa dos Programas e Espetáculos realizados pela H... nomeadamente escrita de textos/guiões;

ii. Laboratório e local teste para conceitos novos;

iii. Local de reunião/receção de atores e criativos ;

iv. Local de reunião/receção de produtores de televisão e diretores das estações de televisão;

v. Local de reunião/receção de produtores de espetáculos;

vi. Local de realização de receções com potenciais clientes;

vii. Local de realização de ensaios dos espetáculos a solo/com orquestra;

viii. Demais reuniões/receções, produção criativa e realização de ensaios de espetáculos.

Apartando, contudo, a AT tal entendimento por reputar que sendo a sede da empresa H..., localizada no centro da cidade de Lisboa, local este situado bem mais perto de empresas produtoras e estações de televisão, não se vislumbra porque os locais de reunião/recção, com produtores, diretores e potenciais clientes se situam em Vilamoura e Azeitão.

Adensando, outrossim, quanto ao espaço próprio para produção criativa, que não é aceitável, considerando o ponto de vista empresarial, a aquisição e manutenção de tais imóveis, com todos os encargos associados, a serem utilizados como produção criativa, sendo que quanto à concreta realização de ensaios para espetáculos, por norma, os ensaios realizam-se nos próprios locais de gravação ou realização dos programas/espetáculos.

Concluindo, assim, que não resulta atestado que a utilização dos imóveis no exercício da atividade seja passível de gerar proveitos ou ganhos para a manutenção da fonte produtora da empresa, o mesmo se passando com as viagens sub judice, em ordem ao consignado no artigo 23.º do CIRC, pelo que os mesmos enquadram-se no âmbito de adiantamento por conta de lucros e constituem rendimentos de capitais de acordo com o mencionado no artigo 5.º nº 1 e nº 2, alínea h) do CIRS, pelo que devem ser englobados, para efeitos de tributação em IRS do sócio-gerente, ora Recorrido.

Vista a posição das partes e a fundamentação contemporânea do ato, convoquemos, então, o quadro normativo que releva para o caso dos autos, como visto, concatenado prima facie com o artigo 23.º do CIRC e ulteriormente com os rendimentos de capitais constantes no artigo 5.º do CIRS.

Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta; (…)

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (2-TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135).

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (3-Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente..

Significa, portanto, que um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa.

Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.). (4-In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017.)

Em termos de ónus probatório, importa, ainda, relevar que impende, a montante, sobre a AT pôr em causa a indispensabilidade dos custos, competindo ao sujeito, após essa sindicância, demonstrar que os custos cumprem, efetivamente, esse desiderato.

No domínio da tributação enquanto adiantamento por conta de lucros, importa ter presente, desde logo, o artigo 5.º do CIRS, o qual sob a epígrafe de “Rendimentos da Categoria E”, dispunha que:

“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:

(…)

h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.

Sendo, igualmente, de chamar à colação o preceituado no artigo 6.º, nº4, do CIRS, o qual sob a epígrafe de “presunções relativas a rendimentos da categoria E”, dispõe que:

“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

Ora, do teor dos citados normativos retira-se que são considerados rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS, os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos titulares, desde que se demonstre, para o efeito, os factos génese.

Relevando-se, adicionalmente, que a única presunção legal estabelecida neste concreto particular se encontra plasmada no citado artigo 6.º, nº4, do CIRS, da qual deriva, desde logo, que a operatividade da mesma pressupõe, ab initio, um registo na conta corrente do sócio, que reflita um acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica. Daí que, o facto tributário se verifique quando ocorre a colocação do rendimento à disposição do seu titular (cfr. artigo 7.º, nºs 1 e 3, alínea a), ponto 2) do CIRS).

Delimitado o quadro normativo e feitos os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente, ajuíza-se que o Tribunal a quo fez uma correta e idónea interpretação do quadro normativo com a devida transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

De relevar, ab initio, que se secunda o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo de que são situações distintas, com realidades conceptuais e pressupostos díspares a desconsideração de determinados custos como sendo indispensáveis, nos termos do citado artigo 23.º, do CIRC, e a sua inerente qualificação e subsunção enquanto adiantamentos por conta de lucros.

Sendo certo que, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando advoga que os fundamentos que alicerçaram as correções se coadunaram com critérios de razoabilidade, como visto, critérios vedados para o efeito da legitimação/dedutibilidade dos custos.

Com efeito, a AT limitou-se a apartar, de forma conclusiva e fundada em critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito, as concretas finalidades dos imóveis visados nos autos, destacando, como visto, que a sede da empresa H..., se encontrava localizada no centro da cidade de Lisboa, donde não se aquilatava as razões porque as reuniões e receções não eram realizadas nos imóveis visados, arredando, per se, a possibilidade da sua realização nesses espaços.

Note-se que os termos utilizados pela AT concretamente, “não se vislumbra”, “não nos parece aceitável”, “por norma”, radicam, efetivamente, na bondade das opções de gestão, e no âmbito da sua razoabilidade que não indispensabilidade.

Daí resulta, inequivocamente, que as correções efetuadas às sociedades supra evidenciadas, com base na qual a AT requalificou os valores envolvidos, padece de ilegalidade, por violação do artigo 23.º, do CIRC, porquanto funda-se em considerações e critérios de razoabilidade, de gestão, oportunidade e mérito, na medida em que, como já devidamente densificado anteriormente, à AT compete tão e somente aferir da indispensabilidade do custo com base nas premissas evidenciadas, o que, no caso vertente, não resulta, de todo, patenteado no Relatório de Inspeção Tributária. Como visto, a AT partiu de inferências conjeturais no domínio empresarial, e depois extraiu conclusões, sem que aferisse a indispensabilidade dos custos, mas a sua razoabilidade.

Mais importa ainda relevar que, a questão do uso pessoal não constitui, de todo, um facto notório, na medida em que apenas são passíveis de qualificação enquanto tal, e ao abrigo do artigo 412.º do CPC, os que são do conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação, não bastando, contudo, qualquer conhecimento, sendo, portanto, indispensável um conhecimento extenso, ou seja, elevado a tal grau da difusão, que o facto apareça revestido do carácter de certeza, e tal não resultará, de todo, do facto do mesmo ser figura pública.

Como doutrinado, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 61098/21.0YIPRT.L1-6, datado de 11 de maio de 2023:

“Como diz expressivamente Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol III, pág. 261) são "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação".

A propósito de tal classificação expõe-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 5/12/2013 (Proc. nº 610/07.5TBALR.E1, in www.dgsi.pt) que na definição dos factos notórios, ainda que reportando ao art.º 514º do Código de Processo Civil/95, “como os que são do conhecimento geral, assim elegendo o conhecimento, e não os interesses, como critério de notoriedade, a lei faz apelo a uma ideia de publicidade, implicando a extensão e difusão do conhecimento à grande maioria dos cidadãos, de modo que o facto apareça revestido de um carácter de certeza. Factos notórios são os que toda a gente conhece (o cidadão médio, vulgar), e não aquilo que (eventualmente) saibam os vizinhos do autor, ou outro grupo concreto e determinado de populares.

Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 22/06/2010 (Proc.nº 1803/08.3TBVIS.C1, endereço da net aludido) se sumaria que: ”Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.”.

Sendo certo que, sempre se dirá que uma coisa é o Recorrido ser um artista e figura pública, outra bem diferente é face a essa mesma realidade se retirarem asserções atinentes ao concreto uso dos bens.

Ademais, face ao caráter artístico da atividade do Impugnante, é perfeitamente plausível que o Recorrido disponha de espaços próprios para produção criativa dos Programas e Espetáculos que não apenas e só na sede da empresa, como aduz a Recorrente, e bem assim que realize viagens que permitam integrar esse escopo, não podendo, sem mais, afastar a concreta subsunção no artigo 23.º do CIRC. Neste conspecto, sempre se adensará que nada se discerne do probatório quanto ao evidenciado em G), carecendo, por isso, de razão a Recorrente.

Por outro lado, e como bem evidenciado na decisão recorrida, ainda que se reputasse tais realidades como não dedutíveis em termos fiscais, tal apenas poderia granjear efeito útil em sede de IRC, não sendo, portanto, possível realizar uma inferência e extrapolação automática de que tais realidades são passíveis de ser tributadas enquanto rendimentos da Categoria E.

E isto porque, não nos encontrando no domínio da presunção prevista no citado n.º 4, do artigo 6.º, do CIRS, competia à AT demonstrar o quid da qualificação efetuada, o que, in casu, não realizou na medida em que, como vimos, a base fática é insuficiente para legitimar a qualificação e enquadramento como adiantamentos por conta de lucros.

Ademais, sendo o Recorrido sócio gerente das visadas sociedades haveria que afastar o recebimento de qualquer quantia dimanante de outra categoria, mormente A, até porque como, devidamente, evidenciado anteriormente, a Categoria E tem natureza e caráter residual.

Não podendo, naturalmente, lograr provimento o expendido nas conclusões atinentes ao facto do Recorrido não ter feito prova de que tais quantias não provinham, designadamente, da prestação de trabalho ou do exercício de cargo social, porquanto, o ónus do quid é a montante e reside, como vimos, na esfera jurídica da AT, e não foi materializado no caso vertente.

Neste particular, e em situação fáctica-jurídica em tudo similar à dos autos, foi doutrinado no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 05014/11, de 16 de outubro de 2012, que a AT tem o ónus de demonstrar a qualificação e subsunção normativa no artigo 5.º, nºs 1 e 2, alínea h), do CIRS, não podendo, no entanto, basear-se em elementos que não traduzam factualidade objetiva, dele se extratando, designadamente, o seguinte:

“[t]al como refere a decisão recorrida, era a Administração Tributária que tinha o ónus de alegar e provar factos donde se pudesse extrair a conclusão atrás referida, atento o disposto no artigo 74.º da LGT, sendo que a mesma nada fez nesse sentido.

Com efeito, a argumentação constante do RIT e vertida na descrita alínea J) do probatório não contém factos objectivos susceptíveis de demonstrar que os imóveis em causa são essencialmente utilizados pelo recorrido a título particular, o que significa que, neste âmbito, e com os elementos descritos, os custos em causa não podem ser considerados adiantamentos por conta dos lucros, nos termos do estatuído no artigo 5.º/1/2/h) do CIRS, não merecendo censura a apreciação da sentença recorrida quanto a esta matéria, situação que impõe a confirmação da decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências (5-In Ac. TCAS, proferido no processo nº 05014/11, de 16.10.2012.).

No mesmo sentido se expendeu no Aresto deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 975/05, de 11 de maio de 2017, relativamente ao mesmo sujeito passivo e cujas correções radicam, justamente, no mesmo Relatório Inspetivo, apenas divergindo quanto ao período de tributação, no qual se secundou o erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à qualificação e tributação enquanto adiantamento por conta de lucros, convocando, designadamente, a fundamentação jurídica expendida no citado Aresto [no mesmo sentido se sentenciou nos processos nºs 1205/05, de 27.03.2015 e 775/06, de 31.01.2012].

Destarte, ter-se-á que concluir que, os fundamentos contemporâneos do ato, mormente, os elementos de facto convocados pela Recorrente, não permitem extrair, nem do ponto de vista fáctico, nem, consequentemente, do ponto de vista legal, pressupostos para esta qualificação efetuada pela AT, porquanto parte de conclusões, extraídas pela própria, concretamente, de que os custos em causa se destinam ao uso pessoal do impugnante, as quais não estão devidamente alicerçadas. E bem assim, porque a qualificação como rendimento da categoria E tem carácter residual, não ficando, naturalmente, na discricionariedade da AT escolher se um determinado rendimento há-de ser enquadrado e tributado, designadamente, como rendimento da categoria A ou da categoria E.

E por assim ser as correções respeitantes aos gastos incorridos pela H..., no montante de €93.380,86 e pela HZ... no montante de €6.699,00, padecem de vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Pelo que, a decisão recorrida que assim o ajuizou não padece do invocado erro de julgamento.

Prosseguindo.

No atinente à consideração do valor de €180.780,00 como adiantamento por conta de lucros, sujeito a tributação, em sede de IRS, como rendimento da categoria E, entende a Recorrente que a sentença recorrida padece, igualmente, de erro de julgamento, ao considerar que, tendo a AT efetuado uma requalificação da operação realizada, impunha-se a observância das condições previstas no n.° 2 do artigo 38.° da LGT.

E isto porque, nunca a AT procedeu à requalificação do negócio, que continuou a ser entendido como compra e venda de ações, limitando-se apenas a atestar a existência de uma situação de relações especiais, que fez com que o preço de venda de ações não se mostrasse consentâneo com os valores praticados entre entidades independentes.

E nessa medida, alcançando-se uma diferença entre o preço de venda das ações, constante do contrato de compra e venda de ações (€70,00/ação), e o preço considerado “normal” se o negócio fosse celebrado entre entidades independentes (€9,74/ação), legitimou a configuração de tal diferencial como um rendimento subsumível no artigo 5.º, n.° 1 e n.° 2, alínea h) do CIRS.

Dissente, neste âmbito, o Recorrido relevando, para o efeito, que inexiste qualquer base legal que justifique a requalificação do montante de €180.780,00, alegadamente correspondente à diferença entre o montante recebido pelo Recorrido pela venda das acções da V… e o valor de mercado dessas mesmas ações, como adiantamentos por conta de lucros.

Advogando, para o efeito, que resulta claro do teor do Relatório de Inspeção Tributária, que tal requalificação decorreu, tão-só, da aplicação do disposto no artigo 58.º, n.º 11, do CIRC, o qual não legitima, naturalmente, a requalificação efetuada, fundando, no limite, a correção ao lucro tributável do Recorrido.

Sustentando, in fine, que como bem ajuizou a decisão recorrida, tal requalificação pressuporia a aplicação pela AT da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, através do procedimento específico ínsito no artigo 63.º, n.º 1, do CPPT, o que não sucedeu no caso vertente.

Vejamos.

Atentemos, para o efeito, na fundamentação jurídica constante na decisão recorrida que legitimou a anulação da correção em contenda.

Começa por evidenciar, mediante reporte ao respetivo Relatório de Inspeção Tributária, que a fundamentação se coaduna no facto de existirem relações especiais, e no normativo 58.º do CIRC, entendendo, no entanto, que o mesmo não permite legitimar a correção visada, e isto porque tal preceito “[c]om a epígrafe “Preços de transferência”, está inserido numa sub-secção relativa a “Correcções para efeitos da determinação da matéria colectável” desse imposto. Por remissão do artigo 32.º do CIRS, as regras do CIRC relativas à determinação dos rendimentos empresariais e profissionais são aplicáveis também em matéria de IRS, isto é, os rendimentos que se enquadram na categoria B de IRS, como resulta do n.º 1 do seu artigo 1.º. Isto significa, desde logo, que o regime de preços de transferência não é aplicável à determinação de rendimentos de capital, enquadráveis na categoria E de IRS, mas apenas aos rendimentos da categoria B.”

Invocando, adicionalmente, que “[p]or outro lado, a Autoridade Tributária efectuou uma requalificação da operação realizada, considerando que, na parte que excedeu o preço que entendeu ser o ajustado a uma transacção entre entidades independentes, o valor da transacção deveria ser “considerado como adiantamento por conta dos lucros, pago aos sócios da HZP”.

Afastando a mesma, invocando, desde logo, que “[a] condições de que depende, em geral, essa possibilidade de requalificação de negócios jurídicos, para efeitos fiscais, encontram-se concretizados na cláusula geral anti-abuso que consta do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, em que se estabelece que “são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.

E a verdade é que tal entendimento não merece censura. Senão vejamos.

De uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária verifica-se que os fundamentos que legitimaram a correção em contenda coadunam-se, efetivamente, com a existência de relações especiais entre a sociedade HZ... e a sociedade V…, convocando, para o efeito, o normativo 58.º do CIRC, extrapolando depois que numa operação similar entre entidades independentes, as ações nunca seriam valorizadas pelo preço de €70,00 cada, materializando, de seguida, o que apelidam de apuramento real do valor de cada ação, cifrando-se este em valor unitário de €9,74, daí corporizando um valor diferencial de €180.780,00, subsumível no citado artigo 5.º, nºs 1 e 2, alínea h), do CIRS, enquanto adiantamento por conta de lucros.

E a verdade é que, como bem enunciou a decisão recorrida, a base normativa convocada e os elementos em que se fundou a correção impugnada não a permitem legitimar e manter.

Neste concreto particular, e face aos excertos supra expendidos da decisão recorrida, verifica-se, desde logo, que a Recorrente interpretou, de forma redutora, a fundamentação nela constante, na medida em que, é por demais evidente, que a sentença convoca, por um lado, que a base normativa não permite alicerçar a correção, desde logo, porque não aplicável a rendimentos da Categoria E, e por outro lado, porque qualquer alteração dos elementos estruturais do negócio e concreta aferição do valor real carecia de um procedimento específico não utilizado no caso vertente.

Sendo certo que, quanto à concreta insusceptibilidade de aplicação do regime consignado no artigo 58.º do CIRC nada é, expressamente, refutado ou rebatido pela Recorrente.

Ora, dando-se por reproduzidas todos os considerandos de direito supra expendidos respeitantes ao quadro normativo atinente ao adiantamento por conta de lucros, inteiramente transponíveis para o caso vertente, dir-se-á que nesta concreta situação, a falta de legitimação da qualificação e tributação enquanto rendimento da Categoria E, é ainda mais evidente, na medida em que a correção advém de premissas assentes em realidades de facto não demonstradas, ou seja, de que existiu um contrato que não respeitou as condições normais de mercado, e concreto apuramento de um valor que se reputa real, e depois, sem mais, extrapola o valor diferencial apurado para efeitos de IRC, para uma qualificação como adiantamento por conta de lucros, em sede de IRS.

Ademais, in casu, não existe, de todo, a invocação e demonstração de que tais valores se corporizaram em transferência de disponibilidades financeiras geradas em resultados do exercício, da sociedade para o seu sócio-gerente. E por assim ser, nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto ao ajuizado erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito, o que comina, naturalmente, a correção de anulabilidade, conforme sentenciado pelo Tribunal a quo, e naturalmente, os respetivos juros compensatórios.

Face a todo o exposto, improcede, na íntegra o recurso do DRFP.


***


Subsiste, então, por analisar o Recurso Subordinado, como visto, concatenado com a não consideração como rendimentos de direitos de autor dos valores pagos ao Impugnante pela H..., no montante de € 178.823,26 e pela HZ..., no montante de €70.000,00, não tendo, por isso, enquadramento no disposto no artigo 56.º do EBF.

Alega o Recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quando considerou legal a requalificação efetuada pela AT no montante global de €248.823,26 declarado pelo Recorrido como rendimento proveniente de direitos de autor (categoria B) e, nessa medida, englobado em apenas 50% do seu valor, nos termos do artigo 56.º do EBF.

Aduz, para o efeito, que atentando no teor do contrato celebrado entre o Recorrido e a H... é possível, desde logo, identificar o objecto da promessa de cessão, ou seja, todos os argumentos elaborados pelo Recorrido para interpretação em programas de entretenimento, de variedades e shows e, bem assim, todas as interpretações e representações realizadas pelo Recorrido entre 1 de janeiro de 1996 e 1 de janeiro de 2006.

Logo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, inexiste qualquer dúvida quanto ao conteúdo das obras cuja promessa de cessão de direitos patrimoniais de autor justificou a remuneração recebida pelo Recorrido em 2004, estando as mesmas suficientemente identificadas para que sejam confirmadas as respetivas autoria e originalidade.

No concernente aos rendimentos pagos ao Recorrido pela HZ..., sustenta, igualmente, que a ausência de um clausulado contratual escrito entre as partes não inviabiliza ou altera a natureza dos rendimentos em questão como decorrentes da cessão de direitos patrimoniais de autor.

Advogando, in fine, que a AT não realizou, no âmbito da ação de inspeção quaisquer diligências tendentes ao apuramento do circunstancialismo subjacente à perceção dos rendimentos em causa, conduta a que se encontrava vinculada ao abrigo do princípio do inquisitório.

Atentemos, então, se a decisão recorrida padece da censura que lhe é endereçada.

O Tribunal a quo relevou como fundamento para a manutenção das correções visadas o seguinte:

“No caso vertente, não se encontram suficientemente especificados/caracterizados no contrato, nem foram minimamente especificados/caracterizados perante a Administração Tributária ou perante este Tribunal, quais os argumentos e/ou as interpretações, que remontam ao ano de 2004, cujos rendimentos foram declarados pelo Impugnante como provenientes de direitos de autor e direitos conexos (…) importaria também distinguir e especificar/caracterizar, ao menos perante este Tribunal, os argumentos e/ou interpretações realizados no ano de 2004, no âmbito da promessa de cessão dos direitos patrimoniais de autor e direitos conexos, por um lado e no âmbito da autorização de exploração dos direitos patrimoniais de autor e direitos conexos, por outro, a que aludem o n.ºs 1 e 2 da cláusula 4.ª do contrato e enunciar os valores respectivos.

Na falta de tais elementos, cujo ónus probatório pertencia ao Impugnante, atento o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, os rendimentos pagos pela H..., de acordo com o clausulado no contrato referido na letra G do probatório, não podem ser considerados rendimentos da propriedade intelectual, para efeitos do disposto no artigo 56.º do EBF.”

E no atinente aos rendimentos pagos pela HZ..., ajuíza que:

“Igualmente se deve concluir que os rendimentos pagos pela HZ… não podem ser considerados rendimentos da propriedade intelectual, para efeitos do disposto no artigo 56.º do EBF, não resultando da qualificação impressa no recibo referido na letra H do probatório o que quer que seja em termos de especificação/caracterização da actividade realizada pelo Impugnante, não existindo sequer, como se aduz no Relatório de inpecção, um contrato com o Impugnante respeitante aos rendimentos pagos (cf. letra F do probatório).”

Por seu turno, o Relatório de Inspeção Tributária refere no atinente aos rendimentos pagos pela sociedade H..., e mediante análise do respetivo contrato, designadamente, que não se encontram especificadas as obras intelectuais ou originais que serviram de base ao pagamento dos direitos de autor, mais evidenciando que os espetáculos e programas de TV, não constituem por si só, e nos termos dos artigos 1.º e 2.º do CDADC obras originais ou criações intelectuais do domínio artístico que permitam qualificar tais rendimentos enquanto direitos de autor.

No concernente aos rendimentos pagos pela HZ..., é invocado no Relatório de Inspeção Tributária que inexistindo qualquer base contratual, apenas o recibo emitido pelo Impugnante, tal impossibilita a identificação da natureza dos rendimentos, donde a legitimidade do valor considerado como direitos de autor, e nessa medida a concreta usufruição do benefício previsto no artigo 56.º do EBF.

E, de facto, mais uma vez, ajuizamos que a decisão recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é assacado, visto que analisou, adequada e acertadamente, o regime jurídico dos direitos de autor, à luz do recorte fático dos autos, não podendo, efetivamente, os valores pagos ao Impugnante pela H..., no montante de € 178.823,26 e pela HZ..., no montante de €70.000,00, serem enquadrados enquanto direitos de autor.

Vejamos, então.

Para apreciação desta questão, mormente, para aferir da concreta definição do que é uma “obra”, e do âmbito e alcance da “criação intelectual”, importa convocar a Constituição da República Portuguesa (CRP), e bem assim o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC).

Concretizando.

Preceitua o artigo 42.º da CRP sob a epígrafe liberdade de criação cultural que:

“1. É livre a criação intelectual, artística e científica.

2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor”.

Consagra, por seu turno, o CDADC, no seu artigo 1.º que :

“1 - Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores.

2 - As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.

3 - Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração”.

Por sua vez, tipifica o artigo 2.º, em concreto, a alínea f), do nº1, do mesmo código, que:

“1-As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objetivo, compreendem nomeadamente:

(…)

f) Obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas”.

São, contudo, em face do disposto no artigo 7.º do citado Diploma, excluídos de proteção:

“a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados”.

Reporta-se, por sua vez, o artigo 9.º do mesmo diploma, ao conteúdo dos direitos de autor, preceituando que:

“1 - O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais.

2 - No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmente.

3 - Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respetiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.”

De notar, também, que nos termos do artigo 11.º do mesmo diploma o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário, e de harmonia com o consignado no artigo 12.º, o direito de autor é reconhecido independentemente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade.

Quanto à autorização da utilização da obra, refere o artigo 40.º do CDADC que é da competência do autor da obra o direito a autorizar a utilização desta por terceiro e à transmissão ou oneração, total ou parcial, do conteúdo patrimonial do direito de autor.

Sendo certo que, o artigo 41.º, nº 1, do CDADC diz que “A simples autorização concedida a terceiro para divulgar, publicar, utilizar ou explorar a obra por qualquer processo não implica transmissão do direito de autor sobre ela”.

A final, importa chamar à colação o disposto no artigo 67.º do citado diploma, visto que este normativo dispõe que:

“1 - O autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, a obra literária ou artística, no que se compreendem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, direta ou indiretamente, nos limites da lei.

2 - A garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da proteção legal.”

Neste âmbito, cumpre, a final, convocar o disposto no artigo 56.º do EBF, o qual sob a epígrafe de rendimentos da “propriedade intelectual” consagrava o seguinte:

“1 - Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam o titular originário, são considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50% do seu valor, líquido de outros benefícios.

2 - Excluem-se do disposto no número anterior os rendimentos provenientes de obras escritas sem carácter literário, artístico ou científico, obras de arquitetura e obras publicitárias.”

Aqui chegados, e inversamente ao propugnado pela Recorrente não ajuizamos que o contrato celebrado com a empresa H... permita qualificar os rendimentos visados como direitos de autor, na medida em que o mesmo se limita a estipular, contratualmente, que o Impugnante era criador e autor de argumentos escritos destinados a serem interpretados, por ele ou por terceiros, designadamente em programas de entretenimento, programas de variedades e shows.

Consignando-se, outrossim, que o Impugnante, ora Recorrente prometia ceder à empresa H... os direitos patrimoniais de autor e direitos conexos relativos aos argumentos e interpretações, e que o pagamento dos 12,5% seria realizado pela S….

Ora, do mesmo não se consegue aferir se o trabalho do Impugnante é suscetível de enquadramento no conceito de obra intelectual, e isto porque para que estejamos perante uma obra intelectual/artística é preciso que esta se contenha na sua definição.

Sendo certo que, como visto, o direito de autor tem uma componente patrimonial, a qual serve para legitimar a instituição de uma contrapartida pecuniária, de forma que um terceiro possa utilizar a obra originária, no seu todo ou parcialmente.

Como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 107/22.3YHLSB.L1-PICRS, datado de 26 de outubro de 2022:

“[o] direito de autor:
- Incide sobre obras. Pressupõe obras. Não existe direito de autor sem obra. Porém obra não se confunde com o respetivo suporte.
- Incide sobre criações – o que exclui meras descobertas e inclui necessariamente, no dizer do Professor Oliveira Ascensão novidade subjetiva (cfr. Direitos de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, p. 99). Há um cunho pessoal que marca a obra criada;
- Incide sobre criações do espírito – logo, criação humana;
- Incide sobre obras exteriorizadas por qualquer meio, o que exclui as meras ideias.
O Direito de Autor é reconhecido independentemente de formalidades, como registo, por exemplo, contrariamente a outros direitos de propriedade intelectual.
Para que seja tutelado, o Direito de Autor tem que ser reconhecido enquanto tal. Isto é, deve respeitar a uma criação humana – isto é, dotado de novidade (originalidade) por qualquer meio exteriorizada.
É o titular do Direito de Autor que deve demonstrar que criou uma obra digna de tal tutela.”

Ora, no caso dos autos, o contrato não discrimina e individualiza quais as obras que estão abrangidas pelos rendimentos resultantes da propriedade intelectual. Limita-se a dizer que, o Impugnante era criador e autor de argumentos escritos destinados a serem interpretados, por ele ou por terceiros, designadamente em programas de entretenimento, programas de variedades e shows.

Porém, não individualiza quais as obras, quais os programas que estiveram na génese da intitulada produção artística, o que, per se, coarta a possibilidade de se aferir da concreta/casuística criação artística, da individualidade e da marca pessoal do Impugnante. Elementos que, como vimos, se reputam de vitais para a concreta aferição de obra, e de direitos resultantes da propriedade intelectual.

O que significa, portanto, que o contrato celebrado entre o Recorrente e a H..., não consubstancia prova bastante de que os pagamentos em causa respeitem a propriedade intelectual, dado o seu carácter genérico que impede de aferir, caso a caso e individualmente, se tais pagamentos respeitaram efetivamente a direitos de autor.

Ora, nos termos do, à época, n.º 4 do artigo 14.º, da LGT, “[o]s titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito”.

O que significa, portanto, que o ato administrativo de reconhecimento do benefício tem como finalidade última a verificação da realidade da situação descrita pelo contribuinte e os pressupostos de factos, constantes da norma beneficente. Cabe ao contribuinte o ónus da prova dos elementos de facto e de direito correspondente ao tipo de benefício que pretende usufruir.

Assim, constituindo os benefícios fiscais uma delimitação negativa dos factos tributários que lhe subjazem, era ao Impugnante que competia a prova de que, in casu, os factos se subsumiam no normativo 56.º do EBF, em nada podendo relevar, neste e para este efeito, o expendido em FF) e GG), a propósito da presunção de verdade declarativa.

Não tendo sido feita essa prova, na medida em que, como visto, inexistem elementos concretos suscetíveis de demonstrar que os rendimentos em causa resultam da cedência dos direitos patrimoniais das criações artísticas do Impugnante, tal implica que a decisão recorrida que assim o ajuizou não padece de qualquer erro de julgamento.

Prosseguindo, ora, quanto aos rendimentos pagos pela HZ..., no valor de €70.000,00.

Como visto, em sede de Relatório de Inspeção Tributária, indicou-se que não foi possível identificar os rendimentos em causa, para aferir da sua qualificação como direitos de autor, pelo que não foi considerado o benefício previsto no artigo 56.º, do EBF.

E, de facto, assim é.

Inversamente ao propugnado pelo Recorrente, a mera detenção do documento comprovativo do ganho em causa, vulgo “recibos verdes”, não permite granjear a obtenção do benefício em contenda.

Note-se que, decorre, desde logo, do artigo 2.º, do EBF, que são “benefícios fiscais as medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.

Sendo que, à época, e como já devidamente evidenciado anteriormente e, ora, se reitera o n.º 4 do artigo 14.º, da LGT, determinava que os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza eram sempre obrigados a revelar os pressupostos da sua concessão.

In casu, tal não se verifica, na medida em que, conforme já devidamente abordado anteriormente, para que uma remuneração a título de direitos de autor seja fiscalmente qualificada como tal, é necessário que reúna os seus pressupostos, cabendo ao Impugnante, ora Recorrente, enquanto titular do benefício, demonstrar tal verificação.

Mais uma vez, se conclui que, não estando indicadas as obras em concreto sobre as quais foram pagos os referidos direitos de autor, na medida em que é, tão-só, exibido um recibo de pagamento, o qual não cumpre, naturalmente, o predicado identificativo e vital para a qualificação e concessão do benefício constante no artigo 56.º, do EBF, ter-se-á de concluir que o Impugnante, ora Recorrente, não logrou demonstrar tais pressupostos, não podendo, por conseguinte, beneficiar da isenção parcial prevista pela referida disposição legal.

Uma nota final para evidenciar, outrossim, que inexiste qualquer violação do princípio do inquisitório, na medida em que, a AT não estava vinculada a adotar quaisquer outras diligências, porquanto tendo sido apontado como fundamento a falta de identificação concreta das obras competia ao Impugnante, ora Recorrente, fazer essa casuística e inequívoca demonstração, em ordem ao consignado no artigo 74.º da LGT.

Note-se, neste concreto particular, que o princípio do inquisitório não pode servir para as partes se eximirem do seu ónus probatório.

Com efeito, “em respeito pelo princípio do inquisitório, a AT deve realizar todas as diligências ao seu alcance, por forma a atingir a verdade material e, assim, o interesse público. No entanto, o alcance do princípio do inquisitório deve ser interpretado considerando as exigências em termos de distribuição do ónus da prova (6-In Ac. TCAS, processo nº 344/08, de 19.12.2023..”

Face ao exposto, improcede o alegado pelo Recorrente, resultando, assim, prejudicado o conhecimento do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

Destarte, improcede, na íntegra, o recurso subordinado apresentado pelo Recorrente.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO DRFP.

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO SUBORDINADO DO IMPUGNANTE.

E manter a decisão recorrida que decretou a procedência parcial da impugnação judicial, com todas as legais consequências.

Custas pela DRFP e pelo Impugnante, cujo decaimento que se fixa, respetivamente, em 70% e 30%, respetivamente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)

(Vital Lopes)